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1 SOCIALIZAÇÃO, GRUPOS E INSTITUIÇÕES SAMIR PEREZ MORTADA – SALVADOR, IFBA, 2021 SOCIALIZAÇÃO1 O ser humano, como todo ser vivo, tem um corpo, portanto uma existência biológica bastante visível, concreta. Precisa, portanto, de cuidados, alimentação, ar, água, segurança física para sobreviver. Para se reproduzi, mantendo-se enquanto espécie, o ser humano, como outros animais, também se acasala, dispondo de órgãos genitais e hormônios para isso. Contudo, diferente das outras espécies, o ser humano tem uma intensa vida social, e dela depende para tudo. Outros animais também vivem em bando, e do bando dependem bastante. Mas o ser humano, por uma série de razões evolutivas que ainda são tema de reflexão e questionamentos, precisa muito mais de outros seres humanos para se desenvolver e para sua própria sobrevivência. Observemos um bebê humano, em comparação com outros filhotes. O bebê é bastante dependente de sua mãe ou cuidadores para andar, limpar-se, comer até aproximadamente cinco anos. Comparado a um filhote de cachorro, por exemplo, já bastante autônomo com dois ou três meses, isso é muito tempo. Mais do que isso, toda a vida orgânica do ser humano precisa da dimensão social (ou seja, de outras pessoas) para acontecer. Quem tem filhos sabe disso. Convencer uma criança a comer às vezes não é fácil, precisa de criatividade: “olha o aviãozinho...”, diz um pai ou uma mãe para o bebê que vira o rosto para a colher. Mesmo com fome, o bebê não engole qualquer coisa, só pela fome. Ele precisa que o alimento seja “simbolizado”. Ou seja, que tenha algum significado, algum sentido. E quem dá esse sentido, esse significado, é sempre outra pessoa. Esse exemplo da alimentação vale para nós. Mesmo com fome, não comemos qualquer coisa. Em nossa cultura, não comemos insetos, cavalos, cachorros, embora tenham proteínas e possam ser potencialmente comestíveis, assim como porcos e vacas, que não são alimentos para outras culturas. Ou seja, alimentar-se é uma necessidade orgânica, biológica, mas, para nós, necessariamente, passa pela cultura, pela sociedade, por outras pessoas que nos ensinam o que comer, como comer, quando comer etc. Os exemplos relacionados à alimentação são variados e nos ensinam bastante. Vamos a um rodízio de carnes e nos empanturramos, comemos bem mais que o necessário para a 1 O que segue é orientado pelo texto de Berger e Berger (2008). 2 sobrevivência. Comemos por prazer e compulsão, sem precisar daquele alimento todo. No extremo oposto, o anoréxico recusa-se a comer, embora seu organismo necessite da comida. Isso é determinado por padrões sociais e culturais. No primeiro caso, a compulsão que observamos em qualquer vício. No segundo, a valorização de um corpo magro, a estética das modelos de grifes. Nossa atividade sexual é outro exemplo dessa relação entre o orgânico e o social. Para o sexo, precisamos de hormônios, e um corpo saudável. Isso é inegável. No entanto, precisamos nos sentir atraídos pelo parceiro ou parceira. Em outras palavras, precisamos achar o outro bonito, ou pelo menos interessante. Isso acontece quando nos impressionamos com sua aparência, ou quando ele ou ela nos diz ou faz algo interessante, sedutor. Por exemplo, quando dança, quando movimenta o corpo, quando diz algo romântico etc. Isso é cultural, e não orgânico, mas faz nossos hormônios e nosso corpo funcionarem, nos excitam. Socialização é o processo pelo qual nós, seres humanos, nos tornamos também seres sociais. Adquirimos, portanto, uma existência para além de nosso ser biológico, através dos outros, das pessoas que nos cuidam e com as quais convivemos, que são representantes de nossa cultura e de nossa sociedade. No início de nossas vidas, acontece o que alguns autores chamam de socialização primária. Nesse primeiro momento, na família, creche etc., somos iniciados naquelas habilidades, valores, hábitos mais elementares de nossa sociedade. Aprendemos a falar, aprendemos a nos vestir, aprendemos as primeiras regras morais (não posso bater, não posso fazer xixi em qualquer lugar...). Basta observar uma criança de 1 a 4 anos para entender esse processo. A quantidade de “nãos” que um pai e uma mãe falam para uma criança é impressionante. Eles tentam educar seus filos ensinando as regras sociais que aprenderam. Fazem isso explicitamente, mas também através daquilo que fazem e que a criança observa. O processo de socialização não termina na infância e na família. Ele se estende por toda a vida. Depois, vamos para a escola, uma instituição complexa, que nos ensinará outros conteúdos, hábitos e costumes de nossa sociedade. Vamos à igreja, conhecemos amigos no condomínio e em outros lugares, que vão transmitir outros valores para nós, que confirmam ou negam aqueles que aprendemos em casa, mas que fazem parte de nossa cultura. Ficamos adultos, começamos a trabalhar. Então, entramos em contato com outras pessoas, outros hábitos e valores, dando sequência ao nosso processo de socialização. Nos tornamos pais, mães, avós e avôs, assumindo outros papéis sociais, e dando sequência ao nosso processo de socialização até o fim da vida. Velhice é algo que certamente se relaciona com o corpo, que vai enfraquecendo, envergando, que adoece. Mas é também um lugar social, 3 que tem relação com este corpo. Envelhecer em uma sociedade que respeita os idosos é bem diferente de envelhecer em uma que os vê como despesa, peso sobressalente e improdutivo. Em suma, pensar sobre socialização é refletir sobre esse processo em que nos tornamos membros de uma sociedade. Nesse percurso, necessário para nossa existência, adquirimos coisas boas e ruins. Aprendermos a ser humanos, a pensar; aprendemos a falar e a ouvir; aprendemos a nos orientar de acordo com regras, padrões e valores sociais. Por outro lado, naturalizamos (ou seja, passamos a considerar algo natural) uma série de hábitos, pensamentos e costumes que não o são. Naturalizamos, por exemplo, preconceitos, crenças estereotipadas, sem questionar de onde vieram, sem perceber que são construções sociais que herdamos sem perceber. Repetimos frases como “é assim”, “sempre foi assim”, que são sintomas dessa naturalização. Durante o processo de socialização, somos portanto dependentes de outras pessoas. Somos dependentes dos diversos grupos que encontramos. Em um primeiro momento, a família, e depois outros que encontramos durante a vida. Recebemos a herança desses grupos e também contribuímos com eles. Quando uma criança nasce, e enquanto é cuidada, também transforma seus pais e sua família, também socializa seus cuidadores: quando nasce uma criança, também nascem um pai e uma mãe. Nesse caminho, passamos por diversas instituições: família, escola, igreja, empresas etc. Elas desempenham um papel central no processo de socialização. Refletiremos sobre os grupos e as instituições adiante. GRUPOS O estudo dos grupos é um tema inaugural da Psicologia Social e da própria psicologia, que começa no final do século XIX e início do século XX. Nesse período, havia intensas mobilizações de trabalhadores, que culminaram em acontecimentos importantes de nossa história, como a Comuna de Paris e posteriormente a Revolução Russa (1917). Nesse período, destacam-se aqui os trabalhos de Gustav Le Bon (1895/1954) e Gabriel Tarde (2005), entre outros. Posteriormente, os movimentos de massa nazifascistas ocuparam as preocupações dos pesquisadores, assustados com o nazismo que tinha levado milhões de alemães às ruas e ocasionado a segunda guerra mundial. Perguntavam-se: o que faz uma multidão seguir um líder? O que fez esses milhões seguirem Adolf Hitler? É certo que nem toda a massa é perversa, perigosa como as multidões sob orientação nazifascista. Em nossos dias, vemos diferentes fenômenos de massa, que devem ser entendidos de forma diferente. Há massas que se formam para derrubarpolíticos, há massas 4 que se organizam em torno da fé (movimentos evangélicos), há massas de torcedores fanáticos nos estádios de futebol etc. O estudo das massas é instigante, mas vamos nos dedicar a grupos menores: família, grupos de amigos na universidade, grupos de colegas de trabalho. As perguntas são as mesmas: o que aproxima as pessoas e as distingue enquanto um grupo? E por que elas se comportam, percebem e pensam diferente a depender do grupo em que estão? Kurt Lewin (1951) foi um autor pioneiro nesse campo, desenvolvendo importantes estudos de psicologia social sobre os grupos. Também são clássicos os estudos de Elton Mayo (1945) na fábrica da Western Eletric Company, em Hawthorne, que tinha por objetivo investigar as condições de ambiente organizacional e incentivos de trabalho, mas viu que seria preciso enfocar as relações interpessoais: como funcionava o grupo de trabalho? Como era a relação do grupo com as chefias? O que distingue um conjunto de pessoas reunidas como grupo? Uma fila de banco é um grupo? Para a maioria dos autores, não. Para eles, geralmente, um grupo é definido como um conjunto de pessoas se distingue por terem finalidades em comum, certa permanência em companhia uns dos outros em torno dessas finalidades e certo grau de coesão grupal em torno de suas tarefas (JACQUES et al., 2003). O que chamo aqui de finalidades pode estar relacionado ao lazer (um grupo de amigos), à educação (um grupo de colegas de faculdade), ao trabalho (um grupo de colegas de um setor dentro de uma empresa) etc. Todo grupo tem certas regras, o que o distingue enquanto grupo. Há regras prescritas e regras implícitas, que todos sabem e cumprem. Regras prescritas são aquelas formalizadas pela organização. Por exemplo, você não pode chegar atrasado às aulas, precisa tirar certa nota para passar... Mas os grupos funcionam também orientados por regras implícitas, não escritas, mas que funcionam. Evitamos certas atitudes, expressões, formas de agir – por exemplo, dirigir-se de maneira demasiadamente informal a um professor ou chefe – sem que nos digam nada, sem que sejam expressamente proibidas. Respeitamos mais a fala de uns que de outros em uma reunião a depender de seu status ou de outras dimensões, sem que isso esteja determinado ou prescrito. De maneira mais sutil e inconsciente, sem perceber, você passa a ser influenciado pelas pessoas que estão ao seu lado na maneira de se vestir, de falar, nas escolhas que faz quando vai às compras, de suas opiniões etc. A influência do grupo sobre as pessoas é bastante forte, mais do que costumamos perceber. E todos a recebem, em maior ou menor proporção. Temos fé em nosso poder de decisão individual, mas não percebemos frequentemente que o que sustenta nossas certezas, em grande parte, é o apoio que tivemos de diferentes grupos. 5 Os grupos são fortes transmissores das instituições sociais e dos preconceitos. Um preconceito é um pensamento enrijecido, resistente à experiência e ratificado pelo grupo de pertença do indivíduo. Por exemplo, um grupo de skinheads julga os negros inferiores. E mesmo conhecendo pessoas negras bastante inteligentes, talvez mais capazes do que eles, os skinheads persistem no julgamento. Esse é um exemplo extremo de como opiniões por vezes absurdas são sustentadas pelo grupo, a despeito da realidade indicar o contrário. Há exemplos mais sutis de preconceitos que todos temos e aos quais nos agarramos, com apoio nos grupos a que pertencemos e que reforçam nossas opiniões. Em uma sociedade desigual como a nossa, o preconceito em relação aos pobres é algo forte, reforçado de maneira implícita nos grupos de classe média e alta. Por mais que a pessoa diga não ter preconceitos, é fácil observar quando alguém se assusta com a aproximação de uma pessoa que julga mal vestida, ou de algum morador de rua. São atitudes que aprendemos muitas vezes de nossos pais, e que são reforçadas por colegas e amigos, mas que não correspondem à realidade. As situações em que essas pessoas se aproximam de nós dificilmente representam algum perigo. Para estudar a força do grupo sobre o indivíduo o psicólogo social, Solomon E. Asch (1966) fez uma série de experimentos bastante interessantes. Ele reuniu pessoas em grupo para que comparassem o tamanho de linhas que apresentava. Em um cartão estavam desenhadas três linhas de tamanhos diferentes – A, B e C. Em um segundo cartão, apresentava outra linha, de tamanho semelhante a uma das três. Era perguntado às pessoas qual das três linhas se assemelhava mais à esta linha apresentava separadamente. Vejamos o esquema. Primeiro Cartão Segundo cartão Assim, os cartões acima eram apresentados ao grupo, e o pesquisador pedia para cada um apontar qual a linha do primeiro cartão que se aproximava mais da linha desenhada no segundo. No caso acima, fica evidente que a linha do segundo cartão tem o tamanho mais próximo da linha B. A B C 6 Mas Asch organizou o experimento de uma forma interessante. Todas as pessoas do grupo, exceto uma, combinaram com o pesquisador dizer outra resposta, uma resposta incorreta. Por exemplo, quando fossem apresentados os cartões acima deveriam dizer que a linha mais parecida era a linha C, e não a linha B. O objetivo desse experimento era ver como a pessoa que não havia combinado com os demais reagiria. Ela poderia ser forte o bastante para sustentar sua percepção correta de que a linha mais parecida era a linha B, ou ficar com vergonha, coagida pelo grupo a dar a resposta errada com todos os demais. Os resultados do experimento foram surpreendentes. Boa parte das pessoas submetidas à situação acima (cerca de 30%) ficaram com vergonha de dizer aquilo que realimente viam, e concordaram com o grupo. Asch variou as condições do experimento. Percebeu, por exemplo, que a discrepância do erro não era um fator tão significativo para influenciar a resistência das pessoas. Mas percebeu que com um aliado dentro do grupo a pessoa resistia mais do que sozinha a dar a resposta errada. Resumindo, o experimento demonstrou a força da pressão grupal sobre as pessoas. Se para uma questão simples, de percepção, somos influenciados pelo grupo de maneira tão determinante, imaginem em questões mais complexas como política, estética, economia etc. Asch enfatizou também possibilidades de resistência frente à pressão grupal, apontando que indivíduos que puderam sustentar suas respostas o faziam por não se sentirem de alguma forma rebaixados, podendo acreditar e sustentar aquilo que viam. Apesar dos medos que temos de não aceitação, de rejeição por parte dos demais integrantes do grupo ao qual pertencemos, Asch apontou para a importância de que o indivíduo seja capaz de sustentar aquilo que percebe, sem, no entanto, ficar inflexível às demais opiniões. O que importa aqui é que a pessoa possa expressar, dar suas opiniões sobre a realidade tal como ela lhe parece, por mais absurda que suas opiniões pareçam aos demais. Basta lembrar de grandes descobertas que no início foram consideradas loucuras, e que tiveram seus inventores perseguidos por toda a sociedade. Graças à insistência dessas pessoas, tais descobertas chegaram a nós e nos ajudam nos dias de hoje. Darwin precisou sustentar a teoria da evolução frente a uma sociedade refratária a suas ideias; Freud precisou sustentar a psicanálise a despeito daqueles que o julgaram louco. Depois de Kurt Lewin e Solomon Asch, muito foi pensado sobre o processo grupal. Diversos são os autores a estudar o tema. Atualmente há uma grande tendência em enfocar o grupo enquanto processo, em decorrência dos trabalhos de Enrique Pichón-Rivière (2009) e José Bleger (2011). Esses autores, com forte influência da psicanálise e do marxismo, 7 compreenderão os grupos como algo dinâmico, campo de tensões e conflitos,de conteúdos manifestos e latentes que precisam ser trabalhados em torno da tarefa proposta. Nesse sentido, o conflito é percebido como algo frequentemente positivo, na medida em que revela as tensões do grupo. Nesse perspectiva também, é valorizada a observação daquilo que emerge do grupo e que se revela enquanto sintoma de conflitos e impasses que precisam ser superados. Um comportamento individual, nesse contexto, pode ser compreendido como um sintoma do grupo, que revela algo para além daquele indivíduo que se manifestou. Bom exemplo dessa perspectiva é o frequente caso do “bode expiatório”. Ou seja, uma pessoa é “eleita” pelos demais como “problema”, “a chata”, a “encrenqueira” etc. Recebendo assim toda a rejeição do grupo, tornando-se frequentemente assunto entre os demais. Afinal, não há nada melhor para unir um grupo do que falar mal, não é mesmo? A eleição de um “bode expiatório” é geralmente um sintoma. Essa “pessoa problema”, em geral, por certas características individuais que a diferenciam do grupo, nada mais faz do que expressar sintomas do processo grupal, questões que os demais integrantes do grupo evitam, negam, não tem coragem de tornar explícitas. É frequente que uma empresa, ou grupo, exclua essa pessoa-problema pensando que assim resolverá todos os seus problemas. No entanto, os problemas da empresa ou grupo retornam, e outros sintomas aparecem (outro bode expiatório, brigas no grupo etc.). É desejável que um grupo reflita criticamente sobre si mesmo, sobre esses mesmos objetivos, hábitos, valores e ideais, e que portanto seja dinâmico em suas características. Todo grupo tem conflitos, pois apresenta uma tensão constante entre seus membros; ou seja, ideais do individuo e ideais do grupo jamais coincidem completamente. Por mais homogêneo que seja um grupo, jamais consegue apagar totalmente a individualidade de seus membros. Em um grupo, quanto mais os conflitos se tornam explícitos e podem ser alvo de debate, de crítica e reflexão, mais sua coesão é garantida e menos ele se torna fonte se aprisionamento e de alienação. Um grupo que segue ordens que não podem ser questionadas, que passa por cima dos desejos individuais de seus membros, é fonte de intenso sofrimento, e só pode se manter coeso sob o peso de um forte autoritarismo. Em contrapartida, um grupo democrático onde as questões são discutidas, onde os sofrimentos de seus membros são acolhidos e fonte de reflexão, tem mais chances de perdurar e de se tornar um suporte importante para seus membros. INSTITUIÇÕES 8 O termo instituição é geralmente utilizado no senso comum para designarmos empresas, órgãos públicos, hospitais etc. Em psicologia e demais ciências humanas, o termo tem outro significado, indicando o que está instituído em nossa sociedade. Quando um comportamento, uma ação, se repete na sociedade, passa a ser institucionalizada. Vamos a um exemplo. Há uma estória que circula na Internet e que ilustra bem o processo de institucionalização: Em uma jaula havia um grupo de macacos. No centro dela havia uma escada que permitia que os macacos alcançassem bananas que estavam penduradas no teto da jaula. No entanto, quando um dos macacos se aventurava e subia a escada, uma descarga elétrica partia do chão e todos os outros macacos levavam um choque. Depois de algumas tentativas, os macacos passaram a impedir, uns aos outros, que subissem na escada, evitando que todos tomassem choques. Aquele que tentava era duramente agredido, até que nenhum deles ousava mais ir em busca das bananas. Com o passar do tempo, os macacos foram sendo substituídos, um a um. Cada novo macaco que se aventurava e tentava subir a escada era espancado pelos demais, até que aprendesse que não podia fazer aquilo. Em alguns meses, todos os macacos mais antigos, que estavam durante as primeiras tentativas de pegar as bananas, foram substituídos por macacos mais novos, que continuaram a espancar os macacos que chegavam e tentavam pegar as bananas. Muito tempo depois, o dispositivo que dava choques nos macacos foi desligado. Mesmo assim, os macacos continuaram a impedir aqueles que chegavam de pegar as bananas, temendo algo que não existia mais... Em um primeiro momento, os macacos tomavam choques, e aprenderam a não buscar as bananas. Era um comportamento condicionado pela experiência, pelo que sentiram na pele. Mas depois esse comportamento prosseguiu, mesmo para aqueles macacos que nunca haviam levado choques, porque ele já havia sido institucionalizado. Um comportamento, hábito, valor ou costume institucionalizado é aquele que a sociedade repete, que ensina seus membros a repetirem e que, em muitos momentos, não sabe por que repete. O hábito de nos vestirmos, por exemplo, é ensinado desde cedo, quando somos, depois de certa idade, proibidos de andarmos nus. Não sabemos bem o porquê, mas depois de algum tempo passamos a ter vergonha de estarmos nus frente aos outros, e repetimos o comportamento de nossos pais. Contudo, um índio não tem essa vergonha, pois sua cultura não institucionalizou esse tipo de comportamento. 9 São muitos os exemplos de comportamentos institucionalizados, que herdamos de nossos pais, mas que na verdade vêm de muito longe, e cujo sentido se perdeu no tempo. O casamento monogâmico é outro exemplo. Sabe-se que outras sociedades aceitam a poligamia, e que isso não provoca qualquer sentimento de ciúme ou recriminação social. No entanto, a poligamia é duramente julgada por nós, principalmente quando praticada pelas mulheres. Trata-se de uma forte instituição em nossa sociedade. Outro exemplo é a tão difundida ideia que devemos enriquecer para sermos felizes. São poucos os que duvidam dessa afirmativa. Contudo, para os gregos antigos, ela seria absurda, uma vez que o que estava relacionado à felicidade eram outros valores como a glória, a liberdade política etc. Aquele que se dedicava ao comércio e ao enriquecimento não era bem quisto na sociedade grega. Em resumo, podemos dizer que ao longo da história os comportamentos de nossos ancestrais tornam-se tradições (quando ainda reconhecemos que eles fazem algum sentido), e depois viram instituições, que muitas vezes, apesar de afirmarmos em nosso cotidiano, não guardam muito de seu significado original. Toda cultura necessita de instituições, assim como seus membros. Elas orientam as pessoas quanto aos seus hábitos, valores, costumes, lugares no mundo. Identificam papéis sociais, relações de poder, formas de portar-se, pensar, perceber e agir. Trazem consigo uma série de preconceitos e estereotipias, de formas heterônomas do indivíduo existir. No entanto, trazem também referenciais sem os quais a orientação da pessoa em uma sociedade seria impensável. Toda pessoa necessariamente carrega em si instituições, embora a adesão a elas, seu grau de “devoção” aos seus preceitos, varie bastante de acordo com a sociedade, as instituições e os próprios indivíduos. ATUALIDADE DO TEMA Hoje, com o avanço da internet e das redes sociais, vivemos uma nova etapa das tecnologias de manipulação, que implica novas questões, novo trabalho intelectual sobre a força e a potência dos processos grupais. Vemos eleições e a política em geral fortemente orientada pelo WhatsApp, Facebook, Google, Instagram e demais plataformas. Vemos movimentos conservadores e autoritários ameaçarem as democracias, em geral sustentados por teorias da conspiração, alimentadas por forte aparato de divulgação de notícias falsas, ou escancaradamente enviesadas, orientadas para a manipulação cognitiva e afetiva dos indivíduos (MOREIRA, 2010). O big data possibilitou, nesse sentido, uma forma de propaganda e manipulação quase individualizada. Orientado por poucos clicks, o algoritmo é capaz de traçar um razoável perfil 10 do usuário, direcionando os anúncios exibidos de acordo com seus prováveis gostos, afetose opiniões (GRASSEGGER & KROGERUS, 1917; ALVES, 2017). Temos aqui, portanto, novo contexto, e novos desafios para pensarmos a autonomia e a heteronomia dos indivíduos frente às pressões sociais. A psicologia social, enquanto campo de intervenções e prática de estudos, tem papel central nesse cenário, tanto para corroborar estas formas novas e emergentes de manipulação, como para combatê-las, propiciando ferramentas, instrumentos individuais e coletivos para a autonomia e a participação democráticas. O debate nesse campo é rico e variado. O que aqui foi exposto é uma breve introdução, um convite a um estudo mais profundo e dedicado ao tema proposto. Referências ALVES, P. Big data: o segredo por trás da eleição de Trump. Showmetech. 12/04/2017. Disponível em: https://www.showmetech.com.br/big-data-trump/ . Acesso em 12/02/2020. ASCH, S. E. Psicologia Social. Tradução de Dante Moreira Leite e Mirian Moreira Leite. São Paulo: Nacional, 1966. BERGER, P. L. & BERGER, B. Socialização: como ser um membro da sociedade. In: FORACCHI, M. N. & MARTINS, J. S. (Orgs.). Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 200-214. BLEGER, J. Temas e psicologia: entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 2011. GRASSEGGER, H. & KROGERUS, M. How Cambridge Analytica used your Facebook data to help the Donald Trump campaign in the 2016 election. Motherboard, jan, 2017. Disponível em: https://www.vice.com/en/article/mg9vvn/how-our-likes-helped-trump-win . Acesso em: 12/02/2020. JACQUES, M. G. C. et al. (Orgs.) Psicologia Social: livro-texto. Petrópolis: Vozes, 1998. LE BON, G. (1954). Psicologia das multidões. Rio de Janeiro: F. Briguet & Cia. 1895/1954. LEWIN, K. Problemas de dinâmica de grupo. 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