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1 ESTUDO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA, AFRICANA E INDÍGENA Autora: KATIA MARISE PEREIRA OLSZEWSKI Resumo O presente trabalho busca a análise e a reflexão sobre a Diversidade Étnica no Brasil e as diferentes expressões da desigualdade étnico-racial. É importantíssimo iniciarmos com o pensamento sobre as relações sociais e o poder das palavras que nos identificam como sujeitos históricos que somos, pois “(...) cada ser humano é todos os outros” (Couto, 2003. P.56). Alguns conceitos são fundamentais para esta reflexão, como: etnia, raça, etnocentrismo e relativismo. O conceito de etnia refere-se a grupo de pessoas definidas por suas origens e traços culturais. O etnocentrismo refere-se à defesa de sua cultura como sendo o modelo a ser seguido, promove o preconceito e o segregacionismo. Raça é, portanto, cientificamente uma construção social que deve ser estudada pelas Ciências Sociais/Sociologia, pois trata das identidades sociais. A abordagem do relativismo cultural se faz necessária, pois para o relativismo cultural é importante que as culturas não sejam estratificadas em camadas, com hierarquia, ou, como se existisse uma cultura “pior”, ou uma cultura “melhor”. Palavras-chave: Diversidade étnica, desigualdade, etnia, relativismo. 1. Caracterização da diversidade étnica no Brasil Falar em diversidade étnica é reconhecer o nosso passado e as nossas origens históricas. Estão presentes em nossa realidade a pluralidade e a miscigenação. Faz-se necessário apresentar alguns conceitos, como o de etnia. O conceito de etnia refere-se a grupo de pessoas definidas por suas origens e traços culturais em substituição ao termo “raça”, que em muitas 2 situações da historia humana foi utilizado com intenções pejorativas. Refletindo a respeito, o conceito de raça (Petruccelli; Saboia, 2013, P.10) sugere que raça é uma “construção sócio-histórica, que no período da modernidade avaliou a histórica social do nosso país e do mundo. Entretanto, há uma transversalidade de como se estruturam histórias específicas e as relações entre grupos de uma sociedade e entre diferentes sociedades”. Dessa maneira, a evolução do pensamento racial brasileiro é posta em relação com a problemática do encontro com o outro na sua alteridade, a construção de taxonomias a partir do Século XVIII e a maneira como a ideologia racial determina a assimetria de relações entre as categorias de classificação ao serviço dos processos de colonização e escravidão. (Petruccelli; Saboia, 2013, P.10). No Brasil, portanto, existe uma diversidade de etnias que provêm de diferentes grupos étnicos. Somos um dos países mais miscigenados do mundo. E, por isso, esta maravilhosa diversidade cultural. A diversidade étnica da população brasileira resulta de mais de 500 anos de história. A partir de então, o povo brasileiro foi constituído de indígenas, brancos, negros, pardos, mulatos (brancos e negros), caboclos (brancos e índios) e cafuzos (negros e índios). Além dessas valiosas contribuições, tivemos ainda outras valiosas contribuições com a miscigenação de povos asiáticos (e Oriente Médio), como árabes, sírios, libaneses, e demais povos da Ásia, como chineses, japoneses, coreanos, entre outros. E, ainda, demais povos do continente africano e do continente europeu. As primeiras contribuições árabes no Brasil são trazidas pelo português decorrente da dominação árabe na Península Ibérica. Os arcos da arquitetura brasileira têm influências árabes vindas com o colonizador. O cavaquinho brasileiro é um descendente do instrumento árabe chamado alaúde. O ritmo árabe está presente na musicalidade dos repentes nordestinos, que na versão árabe é o Zajal. No Brasil, boa parte da comunidade árabe seguiu para a atividade do comércio e deu origem à figura do mascate, retratada em nossa literatura, como na obra literária de José de Alencar, em “Guerra dos Mascates”, e no romance de Manuel Antonio de Almeida, “Memórias de um Sargento de Milícias”. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), somos: brancos, pretos, pardos, amarelos e indígenas. A partir da criação do PCERP (Pesquisa das características étnico-raciais da população), teve-se como objetivo um plano amostral uma pesquisa que permita estimativas da população. Por meio dos Censos demográficos e pesquisas domiciliares, pode- 3 se elaborar um histórico da classificação étnico-racial do povo brasileiro. Interessante destacar que as pesquisas analisam alguns aspectos, a partir da autodeclaração da cor, com pergunta aberta e resposta espontânea sobre a sua identidade. Ou seja, aquela pela qual o entrevistado se identifica, a sua etnicidade que é o sentimento de identificação e de pertencimento com um grupo étnico, pois: (...) sem uma tradição, uma coletividade pode viver ordenadamente, mas não tem consciência de seu estilo de vida. E, ter consciência é poder ser socializado, isto é, é se situar diante de uma lógica de inclusões necessárias e exclusões fundamentais, num exaustivo e muitas vezes dramático diálogo, entre o que nós somos (ou queremos ser) e aquilo que os outros são e, logicamente, nós não devemos ser. (DaMatta, 1987, P.48 ). Contudo, devemos estar atentos a outros conceitos importantes que em algum momento surgem nas relações sociais, nas questões de inclusão e exclusão, entre o que nós somos e o que nos é imposto, como o etnocentrismo e o relativismo. Há uma minoria presente em nosso país que busca o fortalecimento de meios para o branqueamento da população. Neste cenário, o racismo lança as suas bases e se estrutura no “colorismo”. Em algumas situações, a tentativa de participação social da população miscigenada pode incomodar uma elite que se considera “branca”. Inúmeros comportamentos são de real exclusão e de etnocentrismo. Etnocentrismo é considerar o seu comportamento, a sua visão de mundo e a sua cultura, como a correta e aquela que deve ser seguida pelos demais componentes da sociedade. O etnocêntrico julga o outro a partir de si e de seus valores. E, assim, promove o segregacionismo. O racismo é uma das ferramentas mais utilizadas pelo etnocentrista. Por isso, quando pensamos em raça como inexistente, não podemos deixar de lembrar que raça e racismo são palavras comuns em nosso idioma desde o século XIX. E muitas vezes são utilizadas pela visão etnocentrista a fim de segregar alguém, ou por sua cor, ou por seu grupo étnico ou pela sua religião. Raça é efeito do discurso e um produto criado pela sociedade, pelo fato de alguns discursos tratarem a palavra a partir de traços fisionômicos. Quando um grupo étnico, pelo fato de ser diferente, passa a ser inferiorizado, perseguido e a sofrer privações, temos uma expressão clara do etnocentrismo. Porém, vale ressaltar que a etnia é um conceito que pode conter mais significados. Isto porque ela se manifesta nas adversidades tanto econômicas quanto políticas de dominação e nos conflitos existentes nas sociedades de classes ditas “modernas”. Algumas décadas atrás, o IBGE chegou a classificar a população 4 brasileira como tendo 136 cores. Logo, o etnocentrismo promove o racismo e a ideia negativa a respeito do outro. O racismo não nasce com as pessoas. A sociedade passa a embutir pensamentos e atitudes racistas. Os europeus propagaram ideias racistas na expressão do trabalho escravo. E, por isso, há fronteiras nas sociedades e nos indivíduos que as atravessam. Mesmo que essas fronteiras tentem ser removidas por instituições, ou por membros da sociedade civil, elas estão ali, simbolicamente, ou fisicamente. São fronteiras políticas, territoriais e sociais. Já o relativismo, um dos conceitos mais importantes para a Sociologia, sugere que não existem normas e valores absolutos, pois não devemos avaliar o outro a partir de nossos valores,como se fossem padrão. Para o relativismo cultural, observa-se a cultura do outro, segue-se a lógica de que a cultura do outro possui toda uma construção histórica e que deve ser respeitada e tratada sem julgamentos, pois “o próprio intelecto nos fará enxergar nossa humanidade no outro: e o outro dentro de nós mesmos”. (DaMatta, 1987, P.14). 2. Desigualdades étnica e cultural brasileira E no Brasil? Existem situações sociais etnocentrista? Durante muito tempo, acreditou-se no Brasil que vivemos pacificamente em uma “democracia racial”. Alguns discursos do século XIX propagavam a ideia de que, aqui, a escravidão era mais suave e que o indígena foi incorporado à sociedade brasileira sem ter sido conquistado ou sequer derrotado. Alguns momentos das obras de Gilberto Freyre relatam que não havia distinção entre brancos e negros no Brasil e sim com relação aos pobres. O modelo multirracial construído no Brasil levou a crer que as “raças” conviviam aqui, pacifica e harmoniosamente. Ignorava-se, muitas vezes, a desigualdade visível e gritante. Em Lima Barreto, na sua obra “Clara dos Anjos”, um dos diálogos entre Clara e sua mãe revelam a vida desigual, desumana e dispare que viviam os afrodescentes: “Não somos nada nessa vida, não somos nada nessa vida”! (Barreto, 2010, P.106). Para aprofundarmos mais o assunto, proponho voltarmos nosso olhar para a desigualdade étnica e cultural brasileira. Voltemos, então, para a história do nosso país e a questão das diversas etnias que compõem a sociedade brasileira. Desde as primeiras décadas do século XVI, as sociedades indígenas passaram por privações de seus recursos não só naturais, como culturais e espirituais. Seus ritos e mitos foram considerados inferiores pelos colonizadores. 5 Foram perseguidos com o propósito da extinção de muitos grupos indígenas. As fontes históricas nos demonstram que, ao chegar nessas terras que hoje são o Brasil, os colonizadores europeus não respeitaram a cultura indígena e as ignoraram como se não tivesse nenhum valor. Segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, era necessária a implementação de uma fundação para a questão indígena, com desenvolvimento e perspectiva democrática. Assim, foi criada a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) em 1967, com tais perspectivas. Entretanto, durante o período militar, a FUNAI passou a conduzir as questões indígenas reforçando procedimentos do período político vigente. (...) “o modelo de funcionamento tutelar traz na sua essência uma grande questão até hoje não resolvida: o problema da demarcação das terras indígenas. Esse é o sistema nervoso central da promoção da autonomia indígena, pois faz ligação direta com os demais aspectos políticos, econômicos e culturais dos povos indígenas”. (Marçal; Lima, 2015). A comunidade internacional em revisão na ONU (Organização das Nações Unidas) cobrou do Brasil o respeito aos direitos indígenas e a urgência do reconhecimento e demarcação dos territórios indígenas, assim como a proteção dos direitos humanos e ambientais. Essa pauta foi uma cobrança dirigida ao Brasil no quarto ciclo da RPU (Revisão Periódica Universal), que ocorreu em Genebra, na Suíça, no mês de novembro de 2022. Voltando ao início da ocupação europeia do nosso país, ocorreu a tentativa de escravização indígena. Pouco depois, os europeus trouxeram povos africanos para o trabalho e perpetuaram a ideia do colonizador sobre eles, os quais eram chamados de povos selvagens, sem cultura e sem alma. Quanto aos negros, mesmo após a abolição, foram propostas poucas políticas de interação social. Havia um projeto de modernização conservador com um regime de latifúndio, que ampliou o racismo e manteve a discriminação. “A campanha abolicionista, em fins do século XIX, mobilizou vastos setores da sociedade brasileira. No entanto, passado o 13 de maio de 1888, os negros foram abandonados à própria sorte, sem a realização de reformas que os integrassem socialmente”. (Maringoni, 2011, P.34.) Na década de 1930, fora dada a representação de mestiço. Então, a figura do mestiço passou a ser representada como um ícone nacional. Este, talvez com o propósito voltado para “desafricanização” da população brasileira, dos seus símbolos e ritos. E o aparecimento da expressão “malandro brasileiro”, associada ao samba. A mídia retratou esse personagem com a criação do Zé carioca. O chamado movimento modernista trouxe como características o 6 nacionalismo e o pluralismo. Nesse período, tentou-se negar o pensamento de pessimismo das correntes darwinistas sociais. Foi um período marcado pelas buscas de símbolos nacionais que representassem efetivamente o nosso povo, o povo brasileiro. Para tanto, deve-se destacar que estavam presentes interesses de uma política pautada no branqueamento da população. Contudo, a desigualdade persistiu entre a população miscigenada, pois não ocorreu uma luta por igualdade nacional. Devemos ressaltar as obras literárias que tão bem retrataram a condição da população negra no Brasil, como Lima Barreto em “Clara dos Anjos”. De acordo com Lilia Schwarcz (2000), “a cidadania é defendida na garantia dos direitos formais, porém é ignorada a pobreza, a violência, a desigualdade econômica e social”. Ainda, segundo Lilia Schwarcz (2000, P.179), “alguns elementos culturais, antes ignorados e atribuídos aos negros, foram incorporados como nacionais, a exemplo da feijoada que era comida dos escravos”. No esporte, os atletas negros, antes proibidos de jogar, passam a ser inseridos: “Da humilhação para a exaltação, o mestiço se torna figura icônica, símbolo de nossa identidade cruzada no sangue, sincrética na cultura, isto é, no samba, na capoeira, no candomblé e no futebol”, ressalta Schwarcz (2000, P.178). Contudo, hoje, ainda sofrem preconceito em campo, dentro do próprio país. É notória a presença de atitudes racistas e de injúria racial, ainda na contemporaneidade. Atualmente, os crimes de racismo e injúria estão previstos na Lei 7.716/1989, conhecida como a Lei do racismo. Esta Lei foi elaborada para regulamentar a punição dos crimes que resultam de preconceito de raça ou de cor. Entretanto, a Lei nº 9.459/13, acrescentou os termos de etnia, religião e procedência nacional. Isto aumentou a proteção para outros tipos de intolerância. As intenções dessa norma são as de preservar os objetivos previstos em Constituição Federal, que são a promoção do bem estar de todos os cidadãos, sem a distinção de origem, raça, cor, sexo, idade sem quaisquer formas de discriminação. As penas são severas, podendo chegar até cinco anos de reclusão, segundo a Lei. De acordo com o sociólogo Sergio Alfredo Guimarães: “os brasileiros acreditam em raça e agem como se elas realmente existissem”. (2002, P.30). Devemos lembrar que os povos africanos: bantos, nagôs e jejes criaram o Candomblé no Brasil colônia. Trata-se de uma religião afro-brasileira. Com a posterior liberação do samba e de outras religiões de matrizes africanas e de expressões populares, há uma tentativa de formação/aproximação de uma identidade nacional. 7 Todavia, devemos ressaltar, que no período do Brasil colônia, era terminantemente proibido professar uma religião que não fosse a Católica Apostólica Romana, trazida pelos europeus a qual foi colocada pelo pensamento propagado como a única religião da colônia. Isto foi reforçado com um artigo do Código Criminal de 1830, que punia qualquer manifestação e religiosa e seus manifestantes. Nesse período, o Estado procurou estigmatizar seus ritos e a rotulá-los de “feiticeiros”. O antropólogo Kabengele Munanga, em seus estudos sobre o racismo, enfatiza como esses conceitos foram perpetuando dentro da civilização ocidental e do contato frequente com os outros povos, onde os europeus colocavam o conceito de humanidade sobre: nós somos seres humanos e os outros são “bestas”, ou seja, as explicaçõespara povos diferentes tinham cunho teológico. Os povos europeus em sua classificação sobre as religiões não consideram os valores de humanidade, de espiritualidade e de vida ao negar as outras religiões, os mitos e ritos africanos e indígenas. No caso do preconceito às religiões de matriz africana, no Brasil, pode-se pensar que a mola propulsora é o racismo. Desde o período colonial até o Brasil império, a Primeira República ou os dias atuais a criminalização às religiões africanas continua. Isso nos leva a refletir que o termo racismo religioso e as suas consequências ainda estão em construção. O racismo religioso se manifesta por meio de diversas ações. De pichações em fachadas de terreiros, postagens na internet pelas redes sociais, até a ação de invasão aos terreiros, a destruição de imagens e símbolos sagrados religiosos. Inclusive em agressões físicas. O preconceito no Brasil sempre foi velado e atribuído ao outro. O racismo existente é um fenômeno social, construído pela sociedade. Dizemos que não somos racistas, mas conhecemos alguém que o é sempre na atribuição ao outro. Até o momento recente, por exemplo, no Brasil, nossos povos indígenas reivindicam seus direitos às terras, à sua cultura e o respeito à sua ancestralidade. Outra questão pertinente é a tentativa de branqueamento da população brasileira, a chamada eugenia. Observemos a tela no Anexo I, onde há uma aclamação pelo fato do branqueamento da nova geração. A partir do século XIX, tem-se a divulgação de mais estudos sobre as teorias raciais no Brasil. Então, faremos um recorte histórico para continuar a ilustrar a questão da desigualdade étnica e cultural brasileira. Voltemos ao governo de Getúlio Vargas, no chamado Estado Novo, o 8 qual marcou a história do Brasil por duas questões: uma externa, o mundo em guerra; e outra interna, com alguns acontecimentos nacionais que foram destaque. O perfil do governo Vargas é marcado por ser ditatorial, com o poder centralizado e com apelos emocionais, pois, em 1937, o Congresso sofreu a intervenção do Estado. Entretanto, havia uma intenção de aproximar a população do governo de Getúlio Vargas. Para obter tal aceitação, foi proposto um governo assistencialista e paternalista, com a intenção de se aproximar do povo, para melhor dominá-lo. A ideia de nação e o pertencimento a ela tinha como base promover um “abrasileiramento”. Como fazer isto se o Brasil é formado por uma mescla de etnias? Para integrar a população, independente de sua etnia, credo religioso, ou condições sócias, Getúlio cria um feriado nacional, o chamado “Dia da raça”. Desejava-se que ocorresse uma homogeneização do povo brasileiro. Como suporte para tal integração, Getúlio pediu que fechassem as escolas particulares que ensinavam outros idiomas e, também o isolamento das colônias de imigrantes. (...) a Eugenia, que tem seu auge nos anos de 1920, começa ser discutido no governo Vargas, visando estimular a formação da identidade brasileira “já que sua atuação previa ampla reforma social, principalmente nos valores estéticos, nos hábitos higiênicos, na conduta pública, na educação intelectual e nos valores morais ligados a sexualidade” (Souza, 2012, P.7). 9 Getúlio Vargas utilizou um método europeu para classificar o povo brasileiro, que novamente expressa uma estratificação. Os sanitaristas e eugenistas acreditavam que seriam necessárias políticas públicas na saúde e na educação para tirar o Brasil do atraso social e buscar o ideal de uma sociedade predominantemente branca e alfabetizada. Fora implantada uma política de seleção de imigrantes que viriam para o Brasil e na educação, propostas eugenistas como meta. Inclusive a Constituição de 1934 previa exames pré-nupciais para os casais, a fim de manter ideais eugênicos. A proposta de se criar uma “identidade nacional”, pelo Estado pode ter intenções de esconder as desigualdades e os conflitos étnicos em nosso país. Segundo o jornalista e pesquisador Laurentino Gomes, “existe um abismo entre o Brasil branco e o Brasil negro”. Tal fato pode ser retratado na obra: “Mapa do Encarceramento: os jovens no Brasil” (Brasília, 2015). A obra retrata por dados numéricos o índice de encarcerados no Brasil. Este gráfico é apenas um recorte de um tempo histórico, mas que nos mostra e traduz um cenário da desigualdade étnica que persiste em nosso país. A escravidão pode ter deixado marcas em nossa história, em termos da desigualdade social e cultural. Tais marcas podem ser percebidas na sociedade brasileira. De acordo com Laurentino Gomes: “a escravidão deixou marcas na história e na geografia das paisagens brasileiras. Isto constatado a partir da observação das moradias, pois, para quem são as moradias mais urbanizadas e com maior infraestrutura?” Apesar de o Brasil ser um país com grande diversidade cultural, há grande desigualdade social entre as etnias que o integram. É vigente no país uma hegemonia de uma classe no processo de divisão social do trabalho, na divisão da renda, no acesso aos bens, na educação e na saúde. Como vimos, a questão que revela o preconceito presente em nosso país é o racismo religioso, o qual não está voltado unicamente à escravidão. A escravidão é apenas um estímulo para tal propagação. Toda essa criminalização e racismo religioso são frutos de um sistema econômico produtor de um modelo eurocêntrico e que legitima tais pensamentos racistas para o que não cabe no “imaginário ocidental”. Aqueles adeptos de uma fé hegemônica trazida pelo europeu estão mais legitimados e protegidos da violência por motivações religiosas. Por outro lado, ações de movimentos têm propagado preconceitos para inspirar a perseguição a candomblecistas e umbandistas. O preconceito religioso opera no Brasil com respaldo nas questões históricas do racismo e da colonização. Como diz Frantz Fanon (2008) em seu livro “Pele 10 negra, máscaras brancas”, “a máscara branca da religião cristã confere proteção limitada”. Nessa dinâmica, os outros são suspeitos e serão aqueles perseguidos e assassinados. A ONU sugere que o Brasil seja mais atuante na promoção da cidadania dos afrodescendentes e na liberdade de todos e m expressar a sua fé. A expressão racismo religioso nasce nas Nações Unidas, nos anos de 1960. Esse termo vem adquirindo aspectos jurídicos e legais ao longo de décadas. A religiosidade é só um alvo para o ataque. O que se pode ter como mais evidente é o ataque ao patrimônio cultural e a todo o seu legado. A pretensão é apagar este legado. Segundo o Instituto Conectas de Direitos Humanos: “o termo “racismo religioso” é mais adequado do que “intolerância religiosa”, para falar sobre a violência sofrida pelos povos de terreiros. Intolerância religiosa não é o suficiente, pois é muito suave diante de tamanha violência e ameaça a liberdade”. As práticas do racismo religioso estão ligadas às estruturas de poder e, por isso, podem ter fundamentos políticos e sociais. É uma complexidade que ultrapassa as questões espirituais. Isto porque a laicidade está prevista na Constituição Federal vigente de 1988, no seu Artigo V, Inciso VI, o qual assegura “a liberdade de crenças aos cidadãos”. (...) “é inviolável a liberdade de consciência e de crença como o local de cultos religiosos, sob a proteção da lei”. Porém, esta é uma perseguição que a norma jurídica não alcança como cita o pesquisador Silvio Almeida, sobre o racismo estrutural (Almeida, 2019, P. 62). De acordo com o diretor geral da Ocupação Cultural Jeholu, Felipe Brito, do Jornal Alma Preta: “O racismo estrutural perpassa todas as instituições de justiça e reforça a omissão do Estado frente aos ataques contra pessoas adeptas de religiões de matriz africanas e seus locais de culto, bem como a apuração e responsabilização desse tipo de discriminação e violência”. A luta contra o racismo religioso é de todaa sociedade brasileira, das instituições governamentais e não governamentais e de todo cidadão. É uma questão de democracia. Que todo relato notificado sobre o racismo religioso não seja esquecido ou subnotificado. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importantíssimo pensar as relações sociais e o poder das palavras que nos identificam como sujeitos históricos que somos, pois “(...) cada ser humano é todos os outros” (Couto, 2003. P.56). Para o relativismo cultural, é importante que as culturas não sejam 11 estratificadas em camadas, com hierarquia, ou como se existisse uma cultura “pior” ou uma cultura “melhor”. Raça é, portanto, cientificamente uma construção social que deve ser estudada pelas Ciências Sociais/Sociologia, pois trata das identidades sociais. Segundo Thomas Sowell, devemos desconstruir falácias raciais: “Antes de um conceito biológico, raça é uma realidade social, uma das formas de identificar pessoas em nossa própria mente”. Quanto à questão indígena, segundo Marçal e Lima, “(...) Há fatores de complexidade na questão territorial indígena. Famílias indígenas continuam vivendo sem acesso a terra ou em condições de territorialidade precárias, o que coloca em risco a sobrevivência desses povos”. A escravidão pode ter deixado marcas em nossa história, em termos da desigualdade social e cultural. Tais marcas são percebidas ou identificadas na história e na geografia das paisagens brasileiras. “Apesar de o Brasil ser um país com grande diversidade cultural, há grande desigualdade social entre as etnias que o integram. É vigente no país uma hegemonia de uma classe no processo de divisão social do trabalho, na divisão da renda, no acesso aos bens, na educação e na saúde” (Gomes, 2019). Algumas teorias de determinismo biológico acabam por sustentar uma inferioridade de parte da nossa população. A nossa dinâmica racial vai, ao longo do tempo, sendo estruturada e consolidada nas bases da discriminação, numa democracia racial inexistente e de um racismo velado. O racismo em 12 nosso país se apresenta como um preconceito racial de marca com base na aparência e nos traços fenotípicos, de acordo com (Nogueira, 2006). 4. FONTES: Alma Preta/ Jornalismo. Disponível em: <https://almapreta.com/sessao/cultura/ocupacao-jeholu-representa-religioes-de- matriz-africana-em-discurso-na-onu> Acesso em: 18 de outubro de 2022. A redenção de Cam. ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra3281/a-redencao-de-cam> Acesso em: 18 de outubro de 2022. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85- 7979-060-7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 16/10/22. Fredrik, B. transnacionalisimo, fronteiras e etnicidade. Disponível em: < https://ensaiosenotas.com/2018/06/02/fredrik-barth-transacionalismo-fronteiras- e-etnicidade/> Acesso em: 16/10/2022. 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Disponível em: https://ensaiosenotas.com/2018/06/02/fredrik-barth-transacionalismo-fronteiras-e-etnicidade/ https://umhistoriador.wordpress.com/2014/07/04/o-liberalismo-racista-de-thomas-sowell-divulgado-pelo-imb/ https://umhistoriador.wordpress.com/2014/07/04/o-liberalismo-racista-de-thomas-sowell-divulgado-pelo-imb/ https://umhistoriador.wordpress.com/2014/07/04/o-liberalismo-racista-de-thomas-sowell-divulgado-pelo-imb/ https://umhistoriador.wordpress.com/2014/07/04/o-liberalismo-racista-de-thomas-sowell-divulgado-pelo-imb/ https://www.conectas.org/?gclid=EAIaIQobChMIv- 13 <https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/12545/14322>Acesso em: 17/10/2022. 5. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, S. L. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019. COUTO, M. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. São Paulo: Cia. das Letras, 2003. DAMATTA, R. Relativizando; uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro, RJ. Rocco, 1987. FANON, F. Pele negra máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. FREYRE, G. 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