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O Pensamento Político de Tavares Bastos

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o PENSAMENTO POLfTICO DE TAVARES BASTOS· 
Presidente: Themistocles Brandão Cavalcanti 
Coordenador: Djacir Menezes 
Participantes: Arthur César Perreira Reis; Manuel Diégues Júnior; Pedro 
Calmon. 
Presidente - Vamos InICIar nossos trabalhos, lamentando, antes de tudo, 
a ausência de Marcos Madeira, que, embora convidado a participar desta 
mesa-redonda, ficou impossibilitado, em virtude de estar acamado, con­
forme telefonema de sua senhora. 
Esta mesa-redonda talvez seja a penúltima deste ano, sendo que a 
última versará sobre um tema muito curioso: definição de esquerda, 
centro e direita. A de hoje tem um sentido completamente diferente, por­
que não possui nenhuma feição ideológica. Escolhemos Tavares Bastos 
como tema principal pela posiçã'J que ele assumiu e o que ele representa 
na vida política brasileira. Tavares Bastos, embora tenha morrido muito 
moço, deixou, realmente, uma obra extraordinária, de uma maturidade 
pouco comum num homem daquela idade. Tenho uma velha simpatia 
por Tavares Bastos. Lembro-me de que, em 1933, já se vão mais de 40 
anos, escrevi um artigo para a Revista Brasileira sobre Tavares Bastos. 
Tinha apenas saído da escola, mas já havia lido A província e Cartas do 
solitário. Interessei-me por Tavares Bastos, achando que ele havia deixado, 
dentro da crítica política brasileira, uma obra extraordinária. O que ele 
escreveu sobre a descentralização, a meu ver, é, realmente, algo excep­
cional. Ele colocou um problema que, naturalmente, teria suas bases no 
ato adicional, já revogado, mas que significava um movimento que, fran­
camente, prenunciava o caminho da federação. Tenho minhas dúvidas ... 
Tavares Bastos representou, realmente, um papel extraordinário dentro 
do pensamento político brasileiro. Talvez, em sua fase, não exista outro 
homem que tenha escrito coisas tão profundas. Não sei se a descentrali­
zação do Brasil terá sido um bem, naquela época, porque o movimento 
conservador, centralizador, teria fortemente contribuído para a unidade 
nacional, sob ação do poder moderador, evidentemente. 
* Mesa-redonda realizada na Fundação Getulio Vargas, no dia 15 de julho de 1977. 
R. Cio pol., Rio de Janeiro, 21 (1) :75-96, jan.f mar. 1978 
De maneira que a crítica a que vamos assistir agora, parece-me da 
maior importância. Mesmo porque Tavares Bastos é um homem esque­
cido, praticamente esquecido. Só conheço o Tavares Bastos do livro de 
Carlos Pontes. Não sei se há outros. 
Arthur César Ferreira Reis - Saiu um agora em Maceió. 
Manuel Diégues Júnior - Dois: um, de um autor só, sobre Tavares 
Bastos, e outro que é uma coletânea de alagoanos. 
Presidente - :É um homem um pouco esquecido. Mesmo o trabalho dele, 
sob esse aspecto das vantagens ou não da política descentralizadora, no 
Brasil, teria sido um benefício. 
Vamos começar, portanto, nossos debates, dentro, mais ou menos, 
deste plano, que não será necessariamente seguido, mas que representa 
o que o Prof. Djacir Menezes e eu pudemos tirar da vida e do pensamento 
de Tavares Bastos. 
Vou dar a palavra, inicialmente, ao Prof. Arthur César Ferreira Reis. 
Arthur César Ferreira Reis - Senhor presidente, pediria que fosse dada 
a palavra, inicialmente, a um dos outros dois componentes desta mesa­
redonda, já que falarei sobre a parte final do tema. 
Presidente - Com a palavra o Prof. Manuel Diégues Júnior. 
Manuel Diégues Júnior - Minhas observações vinham, justamente, refe­
rir-se ao problema que Tavares Bastos chamou de descentralização. 
Em primeiro lugar, devemos observar justamente isso: que talvez 
nenhum outro pensador brasileiro tenha tido, como Tavares Bastos, o 
sentido da realidade nacional. Depois dele, talvez, somente N abuco tenha 
também sentido a importância, o realismo (vamos assi~ chamar) das 
coisas nacionais, para, então, situar os respectivos problemas. 
A meu ver, justamente, o ponto importante na obra de Tavares Bastos 
foi esse sentido de realidade que ele tem, realidade, inclusive, que chama­
ríamos, hoje, de regionalismo, ou seja as peculiaridades regionais, peculia­
ridades locais, como ele chamava, que significavam justamente, para ele, 
a descentralização. Este, a meu ver, é o ponto nevrálgico da sua obra: 
este sentido do que ele chamou de descentralização, como um resultado 
das peculiaridades locais. Aliás, podemos verificar que este sentimento de 
peculiaridades locais começa com as capitanias, criadas em 1534, tendo 
os donatários liberdade de dirigir-se diretamente ao rei. Em 1549, cria-se 
o governo geral e procura-se, justamente, centralizar a ação dos dona­
tários, através do emissário do rei; Duarte Coelho, em Pernambuco, rebe­
la-se, recusa-se a dirigir-se ao governador geral e, numa carta ao rei de 
Portugal, diz que lhe continuará escrevendo diretamente. Esse espírito de 
descentralização encontramos, justamente, a começar da própria formação 
brasileira. :É uma de nossas raízes. 
Arthur César Ferreira Reis - Era apenas Pernambuco e Bahia. Depois, 
foi o Vale do São Francisco. 
Manuel Diégues Júnior - A verdade é que justamente esse sentido de 
descentralização encontramos por todo o período colonial. Apesar dos 
governos gerais, havia sempre esse sentido de descentralização. O unita-
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rismo do Império veio justamente criar, ou melhor, veio romper essa 
situação. Vemos então a série de reações que houve contra o unitarismo 
do Império. É o que encontramos aqui no temário, ou seja, essas lutas 
regionais, essas lutas facciosas, que eram em geral decorrência da centra­
lização que o Império criou, ou seja o unitarismo. Em 1834, o Ato 
Adicional procurou justamente aliviar, vamos assim dizer, o unitarismo 
que vinha da Constituição de 24. 
Arthur César Ferreira Reis - Votou-se o código da anarquia, segundo 
o próprio autor do projeto. 
Manuel Diégues Júnior - E é justamente com o Ato Adicional que 
começa essa tentativa de descentralização, procurando incutir na própria 
organização, já agora no Brasil nacional, considerado Império, o sentido 
da descentralização. 
Djacir Menezes - Centralizar uma colônia é quase sempre prepará-la 
para a independência. 
Presidente - As assembléias provinciais. 
Manuel Diégues Júnior - Essas assembléias provinCIaIS foram criadas 
justamente como uma expressão desse sentido de descentralização. O 
irromper da reação contra o Ato Adicional, principalmente com a Lei 
de 1841, se não me falha a memória, era, justamente, a tentativa de voltar 
à lei de interpretação que procurou cercear o próprio Ato Adicional. Essa 
descentralização que Tavares Bastos pregava é, justamente, o sentido 
federativo, quero dizer, o federalismo, como chamamos hoje. 
É interessante que muito depois de Tavares Bastos, nas vésperas da 
queda do Império, Nabuco levantava a idéia de uma monarquia federativa 
capaz de salvar o Império. Ele sentiu justamente que a unidade do Império 
estava-se esfacelando, que a unidade do Império estava contribuindo para 
aquelas lutas que se verificavam, inclusive para a evolução da idéia da 
República. E Nabuco, que era realmente um monarquista convicto, pro­
punha justamente a criação de uma monarquia federativa, ou seja, a 
revisão da Constituição para a idéia de um sistema federativo. Aliás, vale 
salientar que o Ato Adicional de 1834, abrindo as franquias provinciais, 
teve três fatores que contribuíram para o seu esfacelamento, melhor 
dizendo, para o seu não-cumprimento: em primeiro lugar, a influência do 
Conselho de Estado, atuando para evitar aquelas franquias que o Ato 
Adicional tinha atribuído às províncias; em segundo, a Lei de 1841, há 
pouco referida; e em terceiro lugar, o próprio poder pessoal de Pedro 11. 
O poder pessoal de Pedro 11 foi, realmente, um elemento que contribuiu 
bastante para que as franquias definidas no Ato Adicional de 34 p.ão 
tivessem esse desenvolvimento que depois veio a se encontrar na Repú­
blica. Uns 15 anos antes da queda do Império, Tavares Bastos pregava 
justamente a idéia da monarquia federativa. E nós vamos encontrar nos 
últimos gabinetes, inclusiveem Ouro Preto mesmo, o reconhecimento de 
que eram necessárias certas reformas, mediante as quais fosse possível 
atribuir às províncias certas franquias, certas liberdades que encontramos 
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anteriormente pregadas por Paranaguá e Lafayette quando, cada um a 
seu tempo, assumiram a chefia do gabinete. 
O federalismo da República foi infelizmente moldado à semelhança do 
modelo norte-americano, e fugia, em grande parte, à nossa realidade, 
porque no caso dos Estados Unidos, foram estados que se uniram para 
criar a República e, no caso do Brasil foram unidades que se formaram 
logo no seu começo, ou seja, unidades que já constituíam o todo nacional. 
A idéia de nação, no Brasil, antecede em muito à idéia de Estado. Nosso 
país foi nação antes de ter sido Estado, assim considerado juridicamente. 
Em grande parte, os males do federalismo da República foram conse­
qüência justamente dessa situação, vale dizer, um processo imitativo que 
fugia à própria realidade brasileira. O federalismo brasileiro não poderia 
ser o mesmo federalismo norte-americano. Nesse caso, portanto, o nosso 
federalismo, tal como Tavares Bastos o pregava, teria realmente um sen­
tido mais profundo, porque se radicava nas próprias origens da nossa 
formação. E eu creio que essa idéia do federalismo, que é sobretudo uma 
idéia baseada nas distinções regionais, ou seja, nas peculiaridades locais 
chamadas por Tavares Bastos, é a razão de ser da própria unidade nacional. 
A minha impressão é de que esse sentido descentralizador, que nós hoje 
chamados federalismo, foi justamente a razão maior da unidade nacional. 
O Brasil unido, em face das diferenças regionais, no mesmo sentimento 
nacional. A nossa identidade nacional é sobretudo produto dessa diferen­
ciação. Nós todos reconhecemos, sentimos e compreendemos essa dife­
renciação das regiões brasileiras; às vezes até ... 
Djacir Menezes - Mas esse processo coincidia com a organização do 
Estado, quer dizer, não houve precedência assim tão forte da nação ao 
Estado. 
Manuel Diégues Júnior - Houve sim, porque o sentimento nacional bra­
sileiro já antecede à própria criação do Estado. Ele se manifesta em várias 
oportunidades como um sentido de união nacional. 
Arthur César Ferreira Reis - A expulsão dos holandeses mostra a 
existência do sentimento nacional. 
Manuel Diégues Júnior - As tentativas de invasão francesa também 
foram repelidas imediatamente. Contra os holandeses, encontramos índios, 
negros e brancos lutando juntos. 
Arthur César Ferreira Reis - Há até uma frase famosa: "Com Portugal, 
sem Portugal ou contra Portugal." 
Djacir Menezes - Estou-me lembrando também daquela frase que diz 
que o Estado, transportando-se para a América do Sul, no Brasil, foi um 
transplante de galho, de enxerto. 
Manuel Diégues Júnior - Justamente porque o Estado vem depois do 
sentido nacional, nós mantivemos a nossa unidade. Apesar da reação de 
Duarte Coelho, apesar de cada donatário-governador de capitania querer 
fazer isso ou aquilo, nós mantivemos a nossa unidade. O sentido nacional 
antecipou-se à própria unidade do Estado. 
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Djacir Menezes - É o próprio sentimento naturalista do Nordeste à 
repulsa aos holandeses. 
Presidente - Aliás, a descentralização de Tavares Bastos tinha um sentido 
político, é uma descentralização da estrutura política. É o ponto mais 
difícil do problema. Porque mesmo depois da República, a federação 
nunca se realizou integralmente. Havia a política de governadores, a 
política de intervenção ... 
Manuel Diégues Júnior - O federalismo, imitado e não buscado em 
nossas raízes, caiu nisso: na política dos governadores. E é interessante 
observar que as reações, as lutas que encontramos, inclusive essas facções 
políticas nos Estados, verificaram-se justamente pela pressão da unidade 
- que é justamente o resultado do poder pessoal de Pedro II e do Con­
selho de Estado. Quando se aliviam essas pressões da centralização, essas 
lutas começam a desaparecer, a esmaecer. Pelo menos no caso da própria 
província de Tavares Bastos, a província de Alagoas, foi o que se verificou: 
as lutas antecederam justamen'te a idéia da descentralização. 
Eram mais ou menos essas as observações que eu traria aqui para depois 
desenvolver, conforme nossa conversa se fosse ampliando. 
Presidente - Vou dar agora a palavra ao Prof. Pedro Calmon. 
Pedro Calmon - Sr. presidente, meus queridos companheiros: 
O problema de Tavares Bastos, todos nós sabemos pois estudamos o 
assunto, tem uma importância que justifica esta reunião, porque, realmente, 
vai caindo no esquecimento o maior fornecedor de idéias que a nossa 
literatura política conseguiu criar antes da República. Eu ligo, vale dizer, 
desde já a dimensão que dou a Tavares Bastos, aquela alma de gigante 
em corpo de criança, como disse Rui Barbosa, eu ligo a figura de Tavares 
Bastos exatamente à idéia liberal no Brasil depois de 1861. Na realidade, 
ele foi o grande doutrinador, e o homem que melhor aproveitou as lições 
de Tavares Bastos foi exatamente Rui Barbosa. De maneira que encontro 
no Decreto nQ 1, que criou a República, a República dos Estados Unidos 
do Brasil, o último suspiro da ideologia de Tavares Bastos. A sua última 
respiração, recolhida a um diploma político, é exatamente a criação da 
República, porque Rui Barbosa foi - ele revela várias vezes, mas se 
obtém essa certeza estudando-lhe a obra e a vida - o mais zeloso discí­
pulo da ideologia de Tavares Bastos. 
Realmente, o que espanta em Tavares Bastos, antes de mais nada, é a 
precocidade. Ele nasceu em 1839 e morreu em 1875. Em 1861 ele surge, 
com 22 anos, fornecendo um código de idéias que impressionou profun­
damente o Império. Depois, em 1862, com Cartas do solitário consolida 
ele essa fluência, formando um corpo de idéias com as quais não estamos 
de acordo em alguns pontos, por ter sido um tanto contraditório na sua 
formulação vertiginosa e exaltada, mas realmente suas idéias constituíram 
uma novidade para a pasmaceira parlamentar, para a rotina política, para 
o clima de inconformismo que se vivia no Brasil, enfim, para a planície 
em que se situava a política. Ek cria, ele agita, ele promove idéias com 
um fervor, com uma veemência quase apostólica. 
Pensamento politico 79 
No campo da criação ideológica, eu dou a primazia, no Brasil imperial, 
a Tavares Bastos. Nós temos de Tavares Bastos realmente uma impressão 
fascinante a propósito dessa sua literatura política, literatura política que, 
aliás, acompanha a sua ação parlamentar, quando ele leva essas idéias para 
a tribuna do Parlamento, quando ele as discute. 
Eu as classificaria em quatro pontos, quatro pontos em que o realismo 
e o idealismo se vinculam, se amalgamam e constituem um complexo de 
uma harmonia que a nós repugna um pouco e vou já dizer a razão: em 
primeiro lugar, a descentralização; em segundo as suas idéias sobre nave­
gação; em terceiro lugar, a sua campanha pela franquia do Amazonas; e 
em quarto a sua posição no plano da abolição da escravatura. 
Quando à descentralização (vamos desde já entrar neste ponto) há 
um misto de realismo e de idealismo que torna a atitude de Tavares Bastos 
tão discutível mas, ao mesmo tempo, tão nova para a política daquela 
época. Ele queria a descentralização e a proclama em seu último livro, que 
é A província, já na fase de declínio de sua saúde, já sacrificado em suas 
atividades parlamentares. Desfralda em A província a bandeira da des­
centralização, lembrando um pouco a federação americana. 
Mas ao mesmo tempo que é realista e reconhece que o mecanismo 
imperial afogava as possibilidades regionais, tão fortes, tão historicamente 
válidas na paisagem do passado brasileiro, ao mesmo tempo em que 
proclama essa descentralização, ele desconhece ou parece desconhecer -
daí eu ter gostado muito do questionário formulado - as necessidades 
de um governo que organizasse o Brasil, que apoiasse a política inte­
gradora brasileira, enfim, um governo de acordo com as necessidades 
nacionais,clamor esse, entre parênteses, que vai justificar o movimento 
republicano, porque o movimento republicano nasceu na caserna, fora a 
bulha produzida pela propaganda, mas o fato é que ele nasceu na caserna 
em nome exatamente da eficiência de um governo que faltava ao Império 
retórico, decadente, com os partidos políticos digladiando-se esterilmente 
e o positivismo militar exigindo a ditadura científica; quer dizer, era um 
governo forte que o Brasil reclamava. Mas o que é preciso dizer é que a 
idéia de um governo forte, dando ao Brasil a eficiência, a unidade, a 
dinâmica necessárias, contrastava com os costumes liberais do tempo, 
costumes liberais que eram, de acordo com a fórmula de Thiers, o estado 
gendarme, que era o estado inerte, que era a liberdade da iniciativa 
privada em tudo. 
Djacir Menezes - Aquela anarquia provinciana em que viveu o pai de 
Tavares Bastos. 
Pedro Calmon - É claro, e é aí que está o idealismo de Tavares Bastos. 
Ele esquece um pouco essa realidade: daí eu ter gostado muito da 
primeira pergunta do questionário. 
Mas esta é a nossa ótica de hoje. Eu sou vagamente historiador; e 
sendo homem de pesquisa à história, o meu método pessoal - aliás este 
ou é um defeito ou é uma qualidade - é nós voltarmos àquela época e 
não transportarmos aquela época para os dias de hoje. Eu não faço 
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história à luz do nosso pensamento. Estamos aqui fazendo uma mesa­
redonda de avaliação, de manei:a que é natural que nos desliguemos um 
pouco desse processo e vejamos Tavares Bastos dentro não só do clima 
em que ele floresceu como de acordo com a nossa visão de agora, um 
Tavares Bastos em face do que ele produziu e não apenas um homem da 
sua época, um Tavares Bastos como homem do futuro e a projeção da 
sua obra, o homem do livro que realmente ele imortalizou, porque a obra 
de Tavares Bastos constitui um bronze que se fundiu em sua admirável 
figura política. 
Na verdade, o realismo da descentralização chocava-se com o princípio 
de que o governo devia ser eficaz no Brasil. Mas eu justifico Tavares 
Bastos porque, no fundo, observamos que ele estava comprometido com 
o partido político e com a ideologia. Era um homem que se chamava no 
linguajar partidário da época um luzia, quer dizer, um liberal, um homem 
contrário às leis de 3 de dezembro de 1841, à unificação do Brasil pelo 
Partido Conservador. O Partido Conservador representava o Império 
unitário. Ele era a favor do Império descentralizado, quer dizer, este era 
o programa do seu partido antes de ser um partido de ação política. 
Era também um visionário da descentralização, dentro do parâmetro, 
dentro das condições do partido a que pertencia. Falava da descentra­
lização em 1875, na província, como Rui Barbosa falaria da federação 
em 1878. Era a bandeira do sell partido e isto é preciso que se diga. 
Portanto, estava comprometido com a idéia de descentralizar o Brasil, 
no sentido federativo; ele estuda em A província, vagamente, a instituição 
americana, embora não fosse tão longe e quisesse um federalismo exata­
mente moldado no federalismo americano, como queria Rui Barbosa. Rui 
Barbosa é um passo adiante; transplanta no seu famoso Volta, em 1 de 
junho de 1889, na reunião do Partido Liberal, sob a presidência do Visco 
de Ouro Preto, ou melhor, cinde o partido porque quer, de acordo aliás 
com o PR T de São Paulo, o federalismo à americana. Esse federalismo 
à americana é o Decreto nQ 1 da República, em que ele dá até o nome 
de Estados Unidos do Brasil, cometendo aliás, na minha opinião, um erro, 
porque Estados Unidos do Brasil nada justifica, uma vez que os estados 
não pelejaram. 
Manuel Diégues Júnior - Eles já estavam unidos. 
Pedro Calmon - Já estavam unidos. Podiam-se desunir num momento 
mas se uniriam logo depois. Nãc houve adesão, não houve formulação 
da república para os estados. Houve aceitação da república pelos estados. 
E se fosse o voto popular, a república seria derrotada, porque esta não 
tinha, em determinados estados, eI'.~mentos. 
Arthur César Ferreira Reis - Na Paraíba havia apenas um estudante, 
que, inclusive, foi meu professor. 
Pedro Calmon - No Maranhão formou-se uma junta em que um dos 
seus membros dizia que diante das asneiras, entre a espada e a burrice 
ele se limitava a salvar a gramática. Quer dizer, não havia consciência 
republicana no país. 
Pensamento político 81 
Quanto ao idealismo de Tavares Bastos, realmente é curioso porque 
ele jogava com as raízes históncas da descentralização. Aliás, é preciso 
que se diga que Tavares Bastos não tinha o espírito histórico, como Rui 
Barbosa. Na biblioteca de Rui, são raros os livros de história brasileira, 
da qual ele fazia muito pouco caso. É curioso, ele vivia mais na atmosfera 
da literatura francesa e americana. Não tinha o sentido histórico. E Tavares 
Bastos também não tem o sentido histórico, ele é mais sociológico e mais 
filosófico. De qualquer maneira, ele salienta, naquela síntese que faz da 
formação brasileira, a raiz colonial da descentralização. Mas não se precisa 
ir buscar isso nos arquivos, está no mapa do Brasil. As províncias são 
as capitanias hereditárias. Então, ele é, apesar de tudo ou sobretudo, um 
idealista. Vejam o penúltimo capítulo de A província em que planeja a 
redistribuição geográfica do Brasil. Quer dizer, vagueia ele sobre o pro­
blema do retalhamento histórico do Brasil em capitanias e províncias e 
resolve promover a correção do mapa. Ora, evidentemente, ele está igno­
rando a fonte popular do poder, a vontade das populações, as razões 
históricas, a consciência que se formou, a propriedade moral que se esta­
beleceu sobre aquele pedaço da terra brasileira. Não se pode pegar no 
mapa e dizer: vamos riscar a fronteira por aqui porque aqui está errado. 
E as populações? E o resto? A população diz: eu não quero, quero 
continuar pernambucano, quero continuar baiano, quero continuar mineiro. 
Não é verdade? O mapa de um país não se faz apenas com as coordenadas. 
Djacir Menezes - É o que está acontecendo agora com o Mato Grosso. 
Pedro Calmon - E está certo porque o sul de Mato Grosso nada tem 
com o norte de Mato Grosso. São dois ciclos diferentes. É o ciclo pecuarista 
do sul, de origem gaúcha, e o ciclo do norte, que é um ciclo histórico. 
Isso está bem. Tanto que, reparem, a reação não foi grande. Ao contrário. 
Mas, divida-se a Bahia. Todos os baianos 'pegarão em armas', quer 
dizer, recorrerão à tribuna, porque a arma do baiano é a palavra. Vão 
dividir Alagoas para ver se o Diégues fica tranqüilo como está hoje. 
Dividam o Amazonas e vejam a reação do Arthur César Ferreira Reis. 
Arthur César Ferreira Reis - Mas eu sou inteiramente favorável porque 
sou, acima de tudo, brasileiro. É uma tese que está vigorando na própria 
região. Vai sair agora um livro de um professor que foi aluno meu sobre 
a reformulação territorial do Amazonas. 
Pedro Calmon - É um estado novo que não tem enfim esse regionalismo 
entranhado, inorgânico de outros estados. Mas Tavares Bastos combinava 
de maneira espontânea - aliás ele era inexperiente porque formulava 
suas idéias sem a base no sofrimento ... 
Presidente - Ele não tinha idade para isso. 
Pedro Calmon - E o sofrimentc é que faz o cabedal da ciência política. 
Sofrer o problema. Ele sofria os problemas do regionalismo no episódio, 
por exemplo, em que o pai, José Tavares Bastos, se destacou na mudança 
da capital de Alagoas para Maceió. Isso, porém, foi na sua infância. 
Aquela pequena revolta, chefiada por Manoel Mendes da Fonseca, pai 
do Mal. Deodoro, aquela pequena revolta, em Alagoas, foi um fenômeno 
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de ebulição local. É mais municipal do que provincial. Constitui um 
problema de insurreição restrita, não tem o aspecto, por exemplo, de um 
grito em favor da autonomia da província. Foi um problema político o 
problema da mudança da capital. Portanto, Tavares Bastos era realista 
quando fizeram a descentralização. Rui apóia-se na mesma doutrina e quer 
a federação com a coroa, sem a coroa ou contra a coroa,quer dizer, 
considerando a federação mais importante do que a república. Aliás, ele 
e Nabuco formariam a dupla que agüentaria o Império até 15 de novem­
bro, porque Rui Barbosa só foi republicano - se é que foi alguma vez 
- com certeza, quando foi candidato à Presidência da República. 
Arthur César Ferreira Reis - Aquela série de artigos sobre a queda do 
Império não vale nada. 
Pedro Calmon - Mas ele não proclama a queda do imperador. Não. Ele 
deu o título de A queda do Império em 1921, quando reuniu os capítulos. 
Eu li um por um dos artigos dos quatro volumes, não há um só contra 
o regime. São todos contra o governo. Ele não ataca o imperador. Ao 
contrário. 
Arthur César Ferreira Reis - O imperador era a primeira pessoa que não 
defendia o Império. Ele não acreditava mais no Império nem nos políticos. 
Pedro Calmon - Em todo caso, Rui Barbosa, como Tavares Bastos, 
conciliava a monarquia com a federação. 
É a política de Joaquim Nabuco. É curioso, a propósito de Rui Barbosa: 
ele não tem, depois de 93, uma declaração louvando o governo repu­
blicano. Uma só! Peço que me apresentem qualquer frase de Rui achando 
o governo republicano como o ideal. Ao contrário, ele começa a defender 
o passado e agride as instituições existentes como imperfeitas. Mudou 
um pouco de linguagem ... 
Djacir Menezes - Basta aquela exclamação dele: "Pobre beócio porque 
constitucionalizado. " 
Pedro Calmon - É verdade. Tavares Bastos é, entretanto, na nossa 
opinião, idealista, mas perigosamente idealista, no caso da navegação 
costeira. Ele pede que ela seja aberta aos estrangeiros. Nega a vocação 
marítima dos brasileiros. Contesta nossa propensão de povo com vasto 
litoral, no sentido do oceano. Ele quer que a cabotagem seja dos estran­
geiros. Ora, evidentemente, isto dito hoje, que o Brasil está maduro e 
sólido, parece uma teoria, mas dito naquela época, em que o Brasil era 
fraco, não tinha armada para garantir nossas costas, não possuía elementos 
materiais para assegurar a unidade nacional, era imprudente. Realmente, 
a sua idéia da cabotagem franqueada aos estrangeiros nos choca hoje. 
Outra idéia, sobre a qual o Arthur Reis versará melhor que eu, é sobre Q 
Amazonas. Ele proclama a necessidade de abrir o Amazonas, baseado 
no Com. Maury, o americano do sul que foi o pioneiro do imperialismo 
norte-americano na área do Caribe e no Amazonas. Quer dizer, a abertura 
do Amazonas antes do tempo teria, talvez, colocado o Amazonas à 
cobiça estrangeira. Não sei se o Império asseguraria a unidade nacional 
com o Amazonas integrando o Brasil, se ele fosse aberto antes do tempo. 
Pensamento político 83 
o fechamento do Amazonas era uma consequencia, em primeiro lugar, 
da política universal dos rios, que só começa a abrir-se depois do Con­
gresso de Paris, de 55. Mas, sobretudo, era a política do Brasil, defendendo 
as artérias extremas: o rio da Prata e o rio Amazonas. A abertura do 
Amazonas, antes do tempo, seria, talvez, uma imprudência fatal à unidade 
brasileira. 
Tavares Bastos incorre, aí, num idealismo que raia ao próprio delírio, 
porque ele faz disso um apostolado. 
Agora, por que o Brasil abriu bem o Amazonas, em 66/67? Porque 
tínhamos ganho a Guerra do Paraguai. Tínhamos assegurado, no sul, a 
nossa preponderância militar. Depois, houve um fenômeno intercorrente, 
para o qual é preciso chamar a atenção: Os Estados Unidos estavam 
fracos, pela Guerra de Secessão. Se os Estados Unidos estivessem fortes, 
como antes da Guerra da Secessão, a abertura do Amazonas seria um 
convite para os americanos desembarcarem lá. O Com. Maury preconiza 
nos seus livros a perda da soberania em terras não usadas. Ele cria a 
doutrina do não-uso, justificando apenas o Brasil, quer dizer, nós não 
tínhamos direito ao Amazonas porque não era usado. Aliás, através de 
um debate internacional outro dia, dizia-se que não se pode guardar terra 
ociosa, que o Amazonas deveria ser ocupado pelos estrangeiros, porque 
ninguém tem o direito de manter florestas virgens. É a mesma doutrina do 
Maury, na qual se apoiava Tavares Bastos. De maneira que essa incoe­
rência dele, não vendo a segurança nacional e vendo, sobretudo, o 
problema teórico da abertura do rio, é um ponto em que realmente não 
estamos de acordo. Fez disso uma campanha. Criou ele um estado de 
espírito que desabrocha na abertura do Amazonas ao comércio interna­
cional, quando o Brasil podia mantê-lo, e, imediatamente, Mauá cria a 
navegação comercial, no Amazonas, como conseqüência. Ou seja, tínha­
mos navios para navegar o rio. Tínhamos força para manter a soberania. 
Tínhamos a terceira esquadra do mundo, naquela época. Tínhamos 17 
couraçados. Hoje, temos um lânguido couraçado, adormecido nas suaves 
águas da baía de Guanabara. Tínhamos 17, naquela ocasião. A América 
tinha destruído a sua esquadra A Inglaterra era a mais poderosa, a 
França tinha perdido a Guerra de 70, não tinha grande poderio naval. 
O Brasil era um país que podia defender-se e a Guerra do Paraguai mos­
trou isso. Tivemos um exército de 25 mil homens, sem nenhum desfalque 
das forças militares do Brasil. Quer dizer, tínhamos elementos suficientes 
para manter a segurança nacional. 
O último ponto que quero destacar da ideologia de Tavares Bastos é a 
sua atitude em face da emancipação. Ele prega uma emancipação progres­
siva. Neste ponto, é discípulo de José Bonifácio. Prega a emancipação 
dos escravos como uma doutrina humanitária, destinada a limpar a 
mancha preta que borrava a paisagem moral do Brasil, que ofendia a 
imagem imaculada da pátria, que era a nódoa da escravidão. Tenho, a 
propósito, um documento no arquivo, que, aliás, utilizei no meu livro 
A história de Pedro lI, no volume 3, muito interessante a respeito. É uma 
84 R.C.P. 1/18 
carta do meu bisavô, mordomo-mor do imperador, Visco de Aragão, a 
Tavares Bastos, de 1866. Nogueira da Gama, mordomo-mor do impe­
rador. .. perdão, o Visco de Aragão ainda não era mordomo-mor, mas o 
foi em 68, naquela época, ainda era camarista do imperador. Foi mordomo 
com a morte de Paulo Barbosa. Escreve ele: "Confidencial. Carta escrita 
ao Sr. Barreto (não era Tavares Bastos). Peço-lhe transmitir ao Sr. Tava­
res Bastos a informação de que Sua Majestade o Imperador não tem 
nenhum interesse em manter os escravos da Coroa. Está muito de acordo 
em que se interpele o ministério, para que a abolição abranja os escravos 
nos estados" etc. Quer dizer, a famosa campanha em favor da liberdade 
dos escravos dos estados, incluídos na Coroa, tinha o apoio secreto do 
poder. Quer dizer, foi contra o ministério. O ministério estava ranzinza, 
não admitia que se bolisse no monolito escravocrata. E era o Imperador 
que insinuava, como se diz nessa carta. Esta carta é interessantíssima, 
porque revela as ligações havidas, por detrás do biombo do poder, entre 
o imperador e Tavares Bastos. 
Devo dizer que Tavares Bastos, em todos os seus trabalhos - A 
província, Cartas do solitário - revela-se um grande fornecedor de idéias. 
O liberalismo dele é um liberalismo clássico, mas é um liberalismo que 
abrange, em termos de descentralização, a parte territorial, a autonomia 
das províncias, abrangendo também, em termos de economia, a recupe­
ração do Brasil, através das franquias que promove. Mas o que há em 
Tavares Bastos não é propriamente a personalidade do liberal e sim o 
sentido do dissidente. Ele não é o chefe ortodoxo do Partido Liberal. 
Nisso ele é um pouco como Rui, quando este briga com o Visco de 
Ouro Preto e desencadeia a campanha que resultou na queda do Império. 
Rui é dissidente. Por quê? Porque não admite chefe, ele é quem é o forne­
cedor de idéias, ele é quem dá o plano, ele é quem orienta, ele é quem 
guia, ele é quem diz como se deve fazer, ele é o árbitro da situação. É 
o dissidente. Ele é dissidente em 61. Veja-se Tavares Bastos, com 22 
anos, jovem deputado, brigando com o ministro da Marinha - num 
ministério que, aliás, os seus correligionários apoiavam - Joaquim José 
Inácio, de que resultou a sua afrontosa demissãode primeiro oficial da 
Secretaria do Ministério da Marinha, motivo que o leva a escrever uma 
réplica, as Cartas do solitário. Ele vai para a Tijuca, no recesso do Parla­
mento, e, então, desenvolve os temas de sua dissidência - nas Cartas do 
solitário ele é um dissidente - e é um dissidente em 67, porque o Cons. 
Saraiva consegue levá-lo ao rio da Prata como secretário da missão. Ele 
volta ao Parlamento, no governo está o Partido Liberal, chefiado por 
Zacarias. Entretanto, Tavares Bastos mete-se na oposição, contraria o 
gabinete de Zacarias, está na dissidência quando em 68 sobe o Partido 
Conservador. Aí ele vai para o ostracismo. No ostracismo ele é em 
contrapartida o pólo da oposição, é ele quem promove o Clube da Refor­
ma, que se biparte, em 70, no Partido Liberal ortodoxo e no Partido 
Republicano. Ele é o dissidente e cria o Diário do Povo, que é o órgão 
do Clube da Reforma. Mas, no partido do povo, chefiando aquele jornal, 
Pensamento político 85 
como grande idealista, como grande fomentador de iniciativas da oposição, 
se choca com o chefe místico implacável que é Zacarias de Góis. Zacarias 
de Góis diverge - esse é o grande momento - de José de Alencar que, 
no Parlamento, dissidente também do Partido Conservador, atira-se contra 
o Visco do Rio Branco e contra o imperador, naqueles famosos discursos 
de maio de 71, em que combate a Lei do Ventre Livre. Dizia ele: Zacarias 
aproxima-se do governo, do inimigo, do Visco do Rio Branco, comba­
tendo os seus exageros. Por quê? Porque Zacarias estava perfeitamente 
enquadrado no sistema. Aquela defesa do imperador, feita por Zacarias, 
ofende a pureza ideológica, purez(l não, a gana de luta, o espírito radical 
do Clube da Reforma. E, então, Tavares Bastos se afasta, dissidente 
novamente da própria oposição. Mas aí, já a saúde não o ajuda. Ele 
vai duas vezes à Europa, morre em Nice. Já é o declínio daquele astro 
de primeira grandeza na vida intelectual e política do país. Deixa, porém, 
um tal fermento de inquietações, que a geração seguinte recolhe a sua 
lição, como em 1915 e 1920 a geração que antecedeu a nossa recolheu 
as lições de Alberto Torres. Ele é o grande promotor das modificações 
políticas no Brasil. Não aderiu à República, mas a ela seria inevitavelmente 
convidado, como foi Saldanha Marinho, se ele continuasse vivo, porque 
esta era a tendência natural do seu espírito. 
De maneira que, para terminar, eu diria que Tavares Bastos tem que 
ser visto destes dois ângulos: como homem que formulou as reformas do 
Império e como homem que fomentou o espírito republicano. Ele deu um 
traçado ideológico, que vai ser respeitado pelos homens que fizeram teori­
camente a República. Nós encontramos na Constituição de 1891, na 
doutrina de Rui Barbosa, no espírito classicamente republicano a conti­
nuidade de Tavares Bastos. Ele foi o grande revolucionário utópico, ou o 
grande idealista teórico do Brasil imperial. Era o que me cumpria dizer. 
Manuel Diégues Júnior - Antes de prosseguirmos, eu queria dar uma 
informação que ainda não é pública. O Senado da República está prepa­
rando a publicação dos discursos parlamentares de Tavares Bastos e da 
sua correspondência. Foi um levantamento feito pelo Arquivo Nacional 
e pelo Departamento de Arquivos Culturais. Graças à iniciativa do Seno 
Teotônio Vilela, o Senado prontificou-se a publicar. Já está em impressão. 
Petro Calmon - Ótimo! Era isto que nos faltava. 
Djacir Menezes - É muita coisa? 
Arthur César Ferreira Reis - São os alagoanos em ação, uns lá, outros 
aqui. 
Presidente - Tem a palavra o Prof. Arthur Reis. 
Arthur César Ferreira Reis - Minha admiração por Tavares Bastos 
começou quando eu era aluno da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. 
E devo isso a um colega de turma, hoje uma das grandes figuras do 
pensamento jurídico brasileiro, o antigo reitor da Universidade do Estado 
do Rio de Janeiro, Oscar Tenório. Ele projetava, na época, um livro, 
As idéias de Tavares Bastos. Nunca elaborou esse livro. E quando, recen­
temente, a Editora Nacional, em convênio com o Instituto Nacional do 
86 R.C.P. 1/78 
Livro, programou a reedição da obra de Tavares Bastos, sugeri que Oscar 
Tenório fosse convidado a fazer um prefácio. Fiz uma carta a ele, dizen­
do-lhe que chegara a hora de botar em execução o seu velho projeto a 
respeito das idéias de Tavares Bastos. E, justamente, no volume referente 
à província do Amazonas, O vale do Amazonas, ele fez esse prefácio. 
Mais tarde, no Pará, onde morei entre 1938 e 1945, escrevi no jornal 
Folha do Norte um artigo sobre Tavares Bastos e o se~ pensamento. 
Quer dizer, continuava fiel. E, mais tarde, quando tive a oportunidade de 
estudar no livro A Amazônia e a cobiça internacional, evidentemente a 
figura dele tinha que ser objeto de um exame a respeito das idéias que 
defendera, no tocante à abertura do Amazonas à navegação internacional. 
Esse foi um problema que sempre agitou, na história do Brasil, o pensa­
mento dos homens responsáveis pelos destinos na Colônia, (no período 
colonial), e depois no Brasil-Império: a abertura do Amazonas à convi­
vência internacional, pela utilização das águas da grande bacia hidrográ­
fica. Teria sido útil? Teria sido certa? Politicamente, uma providência a 
ser aplaudida, com resultados positivos em favor do progresso e desen­
volvimento da região e aos próprios interesses da soberania de Portugal 
e Brasil? A política portuguesa - de sigilo a princípio e depois de 
uma reserva muito grande, com relação à participação de qualquer estran­
geiro na região amazônica - foi uma política absolutamente certa e foi 
contínua. Só houve um período de exceção: quando, já no século XVIII, 
permitiu a passagem pela Amazônia de um cientista estrangeiro, Charles 
Marie de Ia Condamine, da Academia de Ciências de Paris, que percorreu, 
vindo do Equador, a região, atingindo Belém e, depois, dirigindo-se à 
Güiana Francesa e à França em seguida. Tanto estava certo o governo 
português, que ele, ao chegar à França, apresentou, de um lado, uma 
memória a respeito do que era a seringueira e a importância econômica 
que teria; de outro, defendeu a tese de que a fronteira do território 
francês descia até a margem do rio Amazonas. Quer dizer, estava a 
serviço de sua pátria, contra os interesses de Portugal e do Brasil. A 
política portuguesa, fechando a Amazônia aos olhos cheios de cobiça do 
estrangeiro, estava certa. Essa política permitiu que o Brasil crescesse 
e que dois terços do território brasileiro atual fossem o resultado de uma 
participação luso-brasileira e depois dos próprios mestiços brasileiros, 
açorianos etc., que realizaram a façanha do descobrimento e empossa­
mento do território, chegando mesmo, em determinado momento, a atingir 
uma área que estava em poder de Espanha e que Portugal reconhecia 
como território espanhol, a zona do Orenoco. Lobo D'Almada, no século 
XVIII, projetou um avanço da fronteira portuguesa na Amazônia pelo 
Cassiquiare até o Orenoco, e alegava que era uma fronteira natural, 
necessária, e até onde tinham chegado os sertanistas que partiam de Belém 
e tinham atingido a região, com espanto dos jesuítas espanhóis que se 
encontravam na região do Orenoco. 
A presença estrangeira ali marcara o início da conquista. Holandeses e 
ingleses estabeleciam-se na região amazônica, até o Tapajóis, e foram expul-
Pensamento político 87 
sos pelos portugueses e brasileiros quando em 1616 iniciaram a conquista 
da região, plantando o fortim que é a origem da cidade de Belém. 
Essa expansão realizou-se ativamente e teve como resultado a retirada 
dos estrangeiros, inclusive dos espanhóis estabelecidos na região do 
Solimões. 
O primeiro grande mapa da região amazônica é trabalho de um jesuíta, 
que embora alemão estava a serviço da Espanha, Samuel Fritz, que desceu 
até Belém, sendo depois conduzido à fronteira; nessa ocasião foram expul­
sos os jesuítas, com ordens vindas de Lisboa para que os jesuítas portu­
gueses substituíssem os religiosos retirados. Recusaram-se, dizendoque os 
jesuítas não lutavam contra jesuítas. Foi então que vieram os carmelitas 
que realizaram a façanha de integração do território. 
A política portuguesa de preservação da região amazônica foi constante. 
Em nenhum momento foi ela abolida. A preocupação de preservar o 
território era intensa. Foi uma política, uma intenção e uma ação de 
Estado que merecem o nosso aplauso e a nossa compreensão, porque 
delas resultou o fato de que a região amazônica hoje é parte integrante, 
em sua maioria, do território brasileiro, porque como sabemos, ela não 
pertence apenas a nós. A Amazônia pertence também à Bolívia, ao Peru, 
ao Equador, à Colômbia e à Venezuela. Mas a grande parte, a maior de 
todas, está em território brasileiro. Há uma importância muito grande 
nisso, porque, pela posição geográfica, é o acesso pelo Atlântico, à região 
interior da Amazônia. 
Agora mesmo projeta-se um grande encontro entre governantes dessas 
nações para execução e realização de um plano de integração da região 
do mundo amazônico, como se fez com a região do Prata e também com 
a região dos Andes. Há hoje até reservas em torno desse projeto, achando 
alguns que ele pode criar problemas muito graves, muito sérios ao Brasil. 
É ponto de vista de alguns parlamentares brasileiros, mas o assunto ainda 
não foi divulgado claramente. 
Pedro Calmon - Só pode ser contra o Brasil, porque o Brasil tem o que 
perder e os outros têm o que ganhar. 
Arthur César Funena Reis - Esse projeto foi lançado pelo Preso Getulio 
Vargas, quando fez em Manaus seu famoso discurso sobre o rio Amazo­
nas, projetando a integração, a valorização da região e sugerindo que se 
elaborasse projeto global sobre a região. Mas a idéia não foi adiante. E 
já mais recentemente, em janeiro de 1967, reuniram-se os governadores 
da região e representantes do Itamarati, nossos diplomatas nas cinco 
nações da Amazônia, que deram depoimentos a respeito das políticas que 
esses países estavam realizando na sua área amazônica, com depoimentos 
também das autoridades federais, estaduais e municipais da área amazô­
nica brasileira, a respeito da ação construtiva estatal brasileira na região. 
Projetou-se, em conseqüência disso, novo encontro entre as seis nações 
e só agora está novamente o assunto em pauta, e através de um projeto 
que ainda se ignora, porque ainda não foi divulgado. Há notícias muito 
vagas a respeito. 
88 R.C.P. 1178 
Mas se isso acontece ainda hoje, imaginemos ao tempo de Tavares 
Bastos! É um problema que está novamenté voltando à baila, e por quê? 
Quando se fez a independência, as forças portuguesas que dominavam a 
região tentaram impedir que a Amazônia se unisse ao Brasil. Fizeram 
um esforço gigantesco nesse sentido. Na própria Assembléia Constituinte 
de Lisboa houve projeto de desligamento da região amazônica, criando-se 
nela um vice-reinado. Seria um vice-reinado na Amazônia, compreendendo 
o que é hoje o estado do Amazonas, do Pará, (o Acre não existia na 
época) mais o Maranhão e o Piauí, justamente onde havia a dominação 
portuguesa, por meio do exercício de uma ação econômica, e também 
pela presença de tropas portuguesas aguerridas, que lutavam contra aque­
les que pretendiam a incorporação da região ao Brasil. 
Feita a independência, a região incorporou-se, aceitou a independência 
e se tornou parte integrante do Brasil. Mas a política com relação à sua 
utilização pelo estrangeiro, isto é, abertura do rio à navegação mundial, 
não encontrou de imediato um apoio franco. Já havia um comércio in­
tenso entre Belém, que representava a porta de saída da região, e o resto 
do mundo. Navios franceses freqüentavam o porto de Belém, trazendo 
mercadorias dos seus portos e levando aquilo que a Amazônia já produ­
zia, como a famosa droga do sertão, e a borracha, que começava a ser 
exportada. 
Essa política, porém, não significava a abertura da região ao comércio 
internacional. 
Do Rio de Janeiro saíram instruções à nossa representação em Was­
hington, para que uma companhia estrangeira fosse organizada, no caso 
americana, para fazer a navegação a vapor, que era uma novidade. Era 
uma espécie de revolução na técnica a ser adotada. Veio o primeiro navio, 
já então organizada nos Estados Unidos essa companhia. O presidente 
da província alarmou-se. Não tinha recebido instruções do governo im­
perial. Estas tinham sido enviadas ao nosso agente nos Estados Unidos 
mas não tinham sido comunicadas ao presidente da província. Reuniu-se 
a Assembléia, com a presença das autoridades locais, do clero, do povo, 
enfim, todos estavam presentes. E a Assembléia decidiu proibir a subida 
no rio pelos navios estrangeiros. Por quê? Pelo perigo à soberania brasi­
leira? Não era bem este o aspecto, que também foi considerado. É que 
previa problema a considerar que, à primeira vista, parece irrelevante e 
meio tolo, ridículo; ocorria a destruição do regime de vida regional, ou 
melhor, a criação do sistema de pobreza na região. E por quê? Toda a 
região era percorrida através de embarcações dos mais variados calados, 
construídos nos vários estaleiros que existiam inclusive no interior. Essas 
embarcações conduziam também cargas, mercadorias e pessoas. Movi­
mentavam milhares de pessoas ligadas a sua atividade, famílias inteiras 
integradas nesse sistema. 
E foi principalmente baseada nessa ordem de problemas que a Assem­
bléia decidiu vetar a subida do rio pelo navios americanos. Esse navio 
voltou e deu em resultado um processo promovido pela firma americana 
Pensamento político 89 
contra o governo brasileiro, pois julgou-se lesada em seus interesses e, 
além do mais, porque fora organizada e constituída para mobilização de 
capitais, devido à interferência do representante diplomático brasileiro no 
governo americano. 
A idéia, porém, não morreu e começa a ser agitada na própria região 
aos poucos, quando ingleses e franceses pretendem obter do governo bra­
sileiro a abertura do rio. Aí já não era só o americano, mas o inglês e o 
francês. 
O governo brasileiro, por meio de entendimento diplomático, conseguiu 
arredar os interesses ingleses e franceses. Os ingleses - mais afoitos e 
que, de certo modo, durante o século XIX dominavam economicamente 
o continente, pois eram os grandes colonizadores e já agora, através de 
seus financiamentos, tinham grandes empresas no mundo latino-americano, 
hispano-americano ou ibero-americano, voltadas para o assunto - ce­
deram, em face das observações e das restrições opostas pelo governo 
brasileiro. 
E, a propósito, sobre o Conselho de Estado, penso que estamos pre­
cisando fazer um estudo minucioso do que representou o Conselho de 
Estado na vida brasileira, pois que foi realmente atividade impressionante 
e muito mais importante que a do próprio Parlamento. Os pareceres do 
Conselho de Estado são monografias exaustivas sobre todos os assuntos 
que eram ventilados. 
No caso, no setor relativo a relações internacionais, sobre o problema 
da Amazônia, os pronunciamentos são admiráveis. Inclusive, a propósito, 
eu trouxe aqui alguns desses pronunciamentos, a respeito da navegação 
do Amazonas, com pareceres muito interessantes, um de Luiz Augusto 
May, a pedido do próprio Con~elho de Estado, porque era conhecedor 
da região. O interessante é que nesse trabalho, que é de 1844, ele usa 
uma expressão que eu imaginei minha e só mais tarde fui verificar que 
era dele quando tive este documento em mão. Ele usa a expressão cobiça 
internacional e várias vezes. Quer dizer, os ingleses tinham uma cobiça 
especial pela região amazônica. Realmente, eles estavam tentando penetrar 
pela GÜiana. Tinham sido interrompidos na penetração do Rio Branco por 
um religioso carmelita que era homem realmente admirável, Frei José dos 
Santos Inocêncio, homem capaz de toda espécie de ação revolucionária, 
e que foi um dos chefes do levante de 1832 que visava desligar o Ama­
zonas da subordinação ao Pará, e depois no Mato Grosso espalhou a 
denominação que se usava na Amazônia, de bicudos para os portugueses, 
tendo sidoum dos responsáveis pela famosa noite de matança de por­
tugueses em Cuiabá. 
O Conselho de Estado começou então a examinar os assuntos e o 
Governo brasileiro, em face do problema que estava surgindo, tratou de 
mobilizar recursos. O Conselho examinou o assunto e as suas atas são 
muito elucidativas a esse respeito. Foi quando Mauá foi convidado para 
organizar a Companhia do Comércio e Navegação do Amazonas. Tentou 
obter capitais na região, mas a região era muito pobre e não foi possível. 
90 R.C.P. 1/78 
Conseguiu, apenas, 300 contos dos 800 que eram necessanos. Mas a 
companhia foi criada e começou então a levar as suas embarcações pelos 
rios amazônicos, aos poucos subindo e descendo os rios Madeira, Purus, 
Negro, Solimões, Baixo-Amazonas. Por meio de um acordo celebrado 
entre o Brasil e o Peru, esses navios chegaram até Nauta, que, então, era 
a capital do departamento peruano de Loreto. Hoje, a cidade mais im­
portante é Iquitos, e Nauta não existe mais. Na época, era, porém, o 
centro da ação política e administrativa do governo do Peru. É, então, 
que surgem os americanos que começam, autorizados pelo governo bra­
sileiro, a percorrer a região. Dois americanos, Herdon e Gibbon visitam­
na, percorrem-na e apresentam ao Senado americano (a cujo serviço se 
encontravam) um relatório em três volumes - sendo um só de mapas 
e dois de textos - mostrando que a Amazônia era um campo admirável 
para uma ação civilizadora, que era um grande vazio, que as suas ri­
quezas em potencial estavam à vista, era problema de capital, de energia 
e da decisão dos homens, e que tinha chegado o momento de se mostrar 
a aptidão americana para um empreendimento dessa natureza num mundo 
novo que estava surgindo. Já não era mais uma conquista do oeste, mas 
de uma região extracontinental americana. Esse trabalho de Herdon e 
Gibbon provoca um grande interesse nos Estados Unidos. É nessa ocasião 
que surgem as memórias, as conferências do Com. Maury. O Com. Maury 
passa a ser o homem que vai comandar toda a opinião pública norte­
americana com relação ao uso da região amazônica. O fato é que esse 
trabalho Maury leva o governo americano a solicitar uma compreensão 
de parte do governo brasileiro para abertura da Amazônia à navegação 
internacional. 
Em Niterói, no Instituto de Ciências Humanas, no curso de mestrado 
em história, tenho um aluno norte-americano que tem paixão pelo Brasil, 
casado com uma moça brasileira, já com filho nascido em Niterói. A tese 
que ele está preparando é sobre os cientistas americanos na região Ama­
zônica. Há dias ele me mostrou alguma coisa da pesquisa que está rea­
lizando. Expedições americanas traziam instruções do governo para saber 
as posições fortificadas, o número da tropa existente, os canhões, as 
baterias que poderiam ser utilizadas e a possibilidade de aceitação por 
parte das populações locais de uma presença estrangeira de ação política. 
Pedro Calmon - V. Exa. permite um aparte? Essa é a política do Sul 
dos Estados Unidos. D. Pedro 11 era a favor do Norte dos Estados Unidos. 
Um país escravocrata a favor dos apelos abolicionistas. Por quê? Porque 
o imperialismo americano sobre G Amazonas é um absurdo. É a política 
do Sul dos Estados Unidos, a política imperialista, que produziu a guerra 
com o México em 1848. De maneira que nós temos a ojeriza do Sul dos 
Estados Unidos. 
Arthur César Ferreira Reis - O projeto norte-americano, como se está 
vendo, era muito amplo, e sobre ele está se precisando fazer exame atra­
vés da correspondência dos nossos agentes informantes. Por essa corres­
pondência, pelo que eu já li, que existe no arquivo do Itamarati, verifica-se 
Pensamento político 91 
o temor que os nossos republicanos tinham da política expansionista 
norte-americana que já estava começando e era profundamente perigosa. 
Então, alertava-se o governo brasileiro sugerindo que era preciso tomar 
uma série de providências. O Conselho de Estado tomou conhecimento 
de toda essa correspondência e daí sua atitude recusando sempre, apésar 
de todos os projetos, a abertura da Amazônia à navegação internacional. 
E foi justamente isso que Tavares Bastos ignorou. Ele não estava a par 
da existência desses relatórios e não sabia do fundamento do procedimento 
do Conselho de Estado. Dentro daquele seu pensamento liberal, lança-se 
à empresa de tentar a abertura da Amazônia à navegação internacional, 
pois achava que era um passo extraordinário. E encontrou apoio na região. 
A Assembléia Legislativa provincial do Amazonas, a do Pará, os órgãos 
do comércio, todos eles aplaudiram a iniciativa de Tavares Bastos. Não 
trabalhou sozinho. Tinha o apoio das populações, dos órgãos regionais, 
das pessoas que tinham responsabilidade política, mas que também igno­
ravam os perigos a que estávamos expostos, como se depreende da cor­
respondência dos nossos agentes diplomáticos que já estavam alertando 
o governo brasileiro. Tavares Bastos lançou-se à empresa. Mas era um 
homem objetivo, realista e resolve vir conhecer a região para, na base 
do conhecimento direto, poder adotar nova orientação ou abandonar a 
política e as idéias que estava sustentando. Foi recebido com entusiasmo 
no Pará e no Amazonas. Manifestações quase populares recebeu. E, de 
volta, escreveu o famoso livro O vale do Amazonas, cuja primeira edição 
é de 1866, justamente o ano em que o governo brasileiro, já acreditando 
que não havia mais perigo, que o nosso domínio da região já era uma 
realidade, abria o Amazonas à navegação internacional. 
Tavares Bastos, defendendo, realmente, uma tese admirável, muito im­
portante que provocou e sensibilizou o país inteiro, na realidade, ignorava 
o que se estava passando por trás dos bastidores, porque o Ministério 
das Relações Exteriores não divulgava as razões da sua política, da sua 
orientação e o Conselho de Estado muito menos. Havia reuniões, deli­
berava-se e o assunto ficava ali. Aliás, sabemos que todas as pesquisas 
realizadas pelos governos e de que decorreram relatórios, geralmente 
morrem nas gavetas dos ministérios ou nos arquivos dos ministérios. 
Ainda agora está acontecendo isto. A denúncia do imperialismo brasi­
leiro no oriente boliviano, a propósito da presença de 80 mil brasileiros 
que saíram do território de Rondônia e do Acre e se estabeleceram no 
oriente boliviano. Em face do clamor que se criou na região, o governo 
boliviano nomeou comissão presidida pelo vice-presidente da República 
para percorrer a fronteira e verificar o fundamento da denúncia. Fez 
parte dessa comissão um professor de ecologia da Universidade de La 
Paz, Pro f. Bejarano, meu amigo pessoal e que de vez em quando vem ao 
Brasil, participa de conferências etc. Solicitou ao governo, depois de feito 
o inquérito, a divulgação em síntese do que foi apurado, porque a co­
missão tinha sido resultado de um clamor nacional. E o que ficou apurado 
foi: não há imperialismo brasileiro, não há uma invasão brasileira, nem 
92 R.C.P. 1/78 
uma conquista, o que há é uma ausência da Bolívia. Não existe uma 
escola do lado boliviano. As escolas são do lado brasileiro. As crianças 
atravessam a fronteira e vêm estudar no Brasil. Daí o perigo, porque 
estudam a língua portuguesa, história e geografia do Brasil. Não há do 
lado boliviano um só hospital, uma casa de saúde, um posto de saúde. 
Do lado brasileiro há e atende também às populações não-brasileiras. Quer 
dizer, aqueles fatos, aqueles episódios a respeito dos perigos a que estavam 
expostos aqueles territórios é que determinaram a orientação do governo 
brasileiro. Tavares Bastos ignorava as razões oficiais, como os homens 
responsáveis, na região, no Pará e Amazonas, também ignoravam, porque 
os documentos pertinentes estavam fechados, não eram divulgados. O 
governo não distribuía nenhuma nota oficial, dizendo o porquê da recusa 
em aceitar esse projeto e aquelas tentativas de abertura áo Amazonas à 
navegação internacional. Quando, em 66, se abre o rio, é que o Brasil 
teve consciência de que dominava aquela região,não havia mais o perigo. 
Finda a Guerra da Secessão, um grupo de americanos teve licença para 
estabelecer-se no Brasil, na região Amazônica, em Santarém. Fracassou 
inteiramente. O estudo da presença desses americanos em Santarém foi 
feito e está sendo publicado pelo Conselho Estadual do Pará. É de autoria 
da viúva do antigo Fernando Guilhon. Ela estudou o assunto, obteve 
documentação em arquivos americanos e elaborou trabalho de fôlego. 
Há na Biblioteca Nacional, um livro publicado sobre o assunto. É o 
livro do Ernesto Cruz, A colonização do Pará. Esse outro, daquela escri­
tora, é um livro completíssimo, estudando, além da documentação norte­
americana, a brasileira. Os descendentes desses americanos lá existem. 
São cem por cento caboclos amazônicos. Um desses americanos, que se 
localizou em Itacoatiara, tem, no Conselho de Cultura, representante, que 
é aquela moça encarregada das publicações do Conselho. É bisneta dele. 
Parece uma índia. Não tem traço algum de norte-americana, nem os olhos 
azuis. 
Quanto a Tavares Bastos, não se pode condená-lo como tendo sido um 
brasileiro deservindo ao Brasil. Estava dentro de uma tese, de um pen­
samento, servia aos interesses, à primeira vista mais severos e mais sérios 
de uma região, servia ao pensamento da própria região. Estava muito 
mais a serviço dela do que os próprios representantes da região. Batendo-se 
pela abertura do Amazonas, provoca o poder público. O governo toma 
providências. Além da companhia de Mauá, outras se organizam. Começa 
a imigração nordestina, há um avanço sobre áreas novas ainda não ocupa­
das, subindo os rios Purus, Juruá etc. Verifica-se a incorporação de novas 
áreas com crescimento territorial do Brasil. Nisso, não tinha pensado 
Tavares Bastos, não tinha chegado à idéia da migração nordestina e de 
seus resultados. O pensamento de Tavares Bastos era certo, dentro do 
ponto de vista das teses políticas da sua ideologia e daquilo que seria o 
pensamento da própria região, porque ele ignorava, na realidade, o fun­
damento da política brasileira oficial, contrário à abertura imediata do 
Pensamento político 93 
Amazonas, à navegação internacional, além dos perigos a que ficaria o 
Brasil exposto. 
Era o que se deveria dizer a respeito de Tavares Bastos e a questão 
do Amazonas. Recentemente, afirmou-se que Tavares Bastos estava a 
serviço do capital, dos interesses dos norte-americanos, mas isso é uma 
afirmativa sem o menor fundamento. 
Pedro Calmon - :É uma infâmia. 
Arthur César Ferreira Reis - Era apenas o pensamento de um homem 
que imaginava estar certo a respeito daquela tese. 
Pedro Calmon - Isso é absolutamente indigno. 
Presidente - Mais alguém quer fazer uso da palavra? 
Com a palavra o Prof. Djacir Menezes. 
Djacir Menezes - Realmente, senhor presidente, farei apenas uma in­
tervenção rápida, à custa do material já exposto sem pretensão de elaborar 
ou reformular idéias. 
O ponto central começou senào justamente acentuado por V. Exa: a 
questão da centralização, parecendo o ponto capital do pensamento de 
Tavares Bastos. Essa tese reaparece, sucessivamente, dada a sua impor­
tância. O ProL Diégues, por exemplo, fez ver que o sentido realista de 
Tavares Bastos apareceu, justamente, na sua visão descentralizadora. Po­
der-se-ia pensar, também, que essa visão descentralizadora resultaria da 
própria formação de Tavares Bastos, na sua província, cortada de lutas 
facciosas, o pai vítima de todos aqueles jogos mais ou menos crônicos, 
o que deve ter tido uma certa direção ao seu pensamento, no sentido da 
descentralização. Como foi ressaltado depois em outra intervenção, há 
uma certa contradição, porque a interferência central, a tenoência cen­
tralizadora deveria amortecer a força desses interesses locais e, portanto, 
será até favorável a uma situação mais pacifista das províncias. O forta­
lecimento desse poder central interferindo na área provinciana. Citou-se, 
ainda, que N abuco evoluíra um pouco para o federalismo e defendera, 
já nos fins da Monarquia, o ponto de vista da centralização, portanto 
da lei de interpretação um pouco hostil ao ato adicional - hostil, não é 
bem o termo - mas estimulando o fortalecimento da interferência central. 
Arthur César Ferreira Reis - Disciplinou o ato adicional. 
Djacir Menezes - Perfeitamente, está bem expresso. O federalismo, a 
longo prazo, resultaria, no futuro (como foi acentuado, se não me enga­
no, numa intervenção do Min. Themistocles Cavalcanti), na direção da 
política dos governadores, com o fortalecimento dessas oligarquias locais, 
muito distante, no tempo de Tavares Bastos. 
Disse o ProL Pedro Calmon, com essa facilidade que tem de apreender 
quase sempre numa imagem um pensamento mais densamente político, 
que Tavares Bastos fora um grande fornecedor de idéias. De fato, ele 
foi um elaborado r extraordinário, e, daí, a repercurssão que vai ter no 
pensamento de Rui, que, muitas vezes, se inspira nas Cartas do solitário 
e em outras obras de Tavares Bastos. 
94 R.C.P. 1/78 
Faltava ao Império - disse um dos interferentes - instrumentos dis­
ciplinadores. E isso se ressente na própria argumentação de Tavares Bas­
tos, quando se inclina para o federalismo liberal. 
Disse-se ainda, que Tavares Bastos não tinha espírito histórico, o que 
acontecia, também, a Rui Barbosa. De fato, a visão dele é muito mais 
aproximada da de um sociólogo do que da de um historiador. E é esta, 
talvez, a parte mais viva do seu pensamento. E tão realista que, como 
se disse aqui, os seus ataques convergem mais para o governo e não para 
o regime. 
Sua visão da navegação costeira, negando a vocação marítima ou 
oceânica - digamos assim - no Brasil, é uma prova da sua intuição 
das realidades locais. 
Falou-se, também, na sua posição diante da emancipação e da sua 
permanente atitude dissidente, durante a sua vida. 
O ponto mais interessante, para a atualidade, parece ter sido focalizado 
pelo Prof. Arthur Reis, a respeito da cobiça amazônica. E ele mesmo 
tem um trabalho de grande vibração patriótica, apontando a maneira 
como essa cobiça tem assediado aquela região. 
Pedro Calmon - Pobre do Brasil se não se defendesse, pobre do Brasil 
se não se fechasse o Amazonas ... 
Djacir Menezes - E essa declaração de "pobre do Brasil se não fechasse 
o Amazonas", tem as suas raízes nas Atas do Conselho de Estado, já 
citadas pelo Prof. Reis, que não aceitou a minha sugestão de que esse 
Maury e outros congêneres fossem precursores ou pioneiros dos bras i-
lianistas. Em todo o caso, realmente, há uma grande diferença .. . 
Pedro Calmon - Mas está tudo dentro da mesma moldura .. . 
Djacir Menezes - Sr. presidente, é mais ou menos o que pude apreender. 
Não tenho a pretensão, como já disse, de reproduzir o pensamento de 
ninguém, aproveitando o que foi exposto para um pronunciamento pessoal. 
Presidente - Quero agradecer a todos o comparecimento e fazer mais 
algumas observações exatamente sobre essa idéia de descentralização e de 
federação, que sempre foi muito mal traduzida aqui no Brasil. Houve, 
há poucos dias, uma enquete, onde se procurou definir a federação de 
maneira inteiramente vaga e sem a menor objetividade. 
O Prof. CarI Friedrich tem um livro muito interessante sobre o fede­
ralismo. Ele chama o Brasil de uma república unitária descentralizada. 
Arthur César Ferreira Reis - E talvez o senhor não saiba, há um livro, 
A federação e o Brasil, de autoria de um cidadão chamado Pedro Calmon, 
muito pouco conhecido ... 
Pedro Calmon - Foi minha tese de concurso, você não era nascido 
naquela ocasião ... 
Presidente - Mas é precisamente essa a realidade brasileira: um Estado 
unitário descentralizado. Politicamente centralizado, administrativamente 
centralizado, mas na realidade t. federação, pelo menos considerado fe­
deração dentro do seu modelo. 
Pensamento político 95 
Arthur César Ferreira Reis - Eu propus ao Preso Castello Branco, quan­
do era governador, numa exposição que lhe fiz, a criação do Ministério 
da Amazônia para impulsionar o desenvolvimento.Ele acabou de ler, 
olhou para mim e disse: "O senhor quer é o vice-reinado." E eu disse a 
ele: "O senhor não é nem original, porque o Preso Vargas só me cha­
mava de vice-rei." 
Presidente - Mais uma vez agradeço a todos pela boa colaboração. Acho 
que esta mesa-redonda foi muito produtiva. 
96 
o Instituto de Organização Racional do Trabalho do Rio 
de Janeiro - IDORT-RJ - com seus congêneres de outros 
Estados, propõe-se a realizar e proporcionar a seus associados 
e demais interessados: 
Intercâmbio internacional 
Forum de estudos 
Treinamento 
Assistência técnica 
Revista 
Biblioteca 
Prêmio de organização 
e administração 
Congressos 
Sede: Rua Prof. Alfredo Gomes, 22 - Rio de Janeiro, RJ. 
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