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o PENSAMENTO POLfTICO DE TAVARES BASTOS· Presidente: Themistocles Brandão Cavalcanti Coordenador: Djacir Menezes Participantes: Arthur César Perreira Reis; Manuel Diégues Júnior; Pedro Calmon. Presidente - Vamos InICIar nossos trabalhos, lamentando, antes de tudo, a ausência de Marcos Madeira, que, embora convidado a participar desta mesa-redonda, ficou impossibilitado, em virtude de estar acamado, con forme telefonema de sua senhora. Esta mesa-redonda talvez seja a penúltima deste ano, sendo que a última versará sobre um tema muito curioso: definição de esquerda, centro e direita. A de hoje tem um sentido completamente diferente, por que não possui nenhuma feição ideológica. Escolhemos Tavares Bastos como tema principal pela posiçã'J que ele assumiu e o que ele representa na vida política brasileira. Tavares Bastos, embora tenha morrido muito moço, deixou, realmente, uma obra extraordinária, de uma maturidade pouco comum num homem daquela idade. Tenho uma velha simpatia por Tavares Bastos. Lembro-me de que, em 1933, já se vão mais de 40 anos, escrevi um artigo para a Revista Brasileira sobre Tavares Bastos. Tinha apenas saído da escola, mas já havia lido A província e Cartas do solitário. Interessei-me por Tavares Bastos, achando que ele havia deixado, dentro da crítica política brasileira, uma obra extraordinária. O que ele escreveu sobre a descentralização, a meu ver, é, realmente, algo excep cional. Ele colocou um problema que, naturalmente, teria suas bases no ato adicional, já revogado, mas que significava um movimento que, fran camente, prenunciava o caminho da federação. Tenho minhas dúvidas ... Tavares Bastos representou, realmente, um papel extraordinário dentro do pensamento político brasileiro. Talvez, em sua fase, não exista outro homem que tenha escrito coisas tão profundas. Não sei se a descentrali zação do Brasil terá sido um bem, naquela época, porque o movimento conservador, centralizador, teria fortemente contribuído para a unidade nacional, sob ação do poder moderador, evidentemente. * Mesa-redonda realizada na Fundação Getulio Vargas, no dia 15 de julho de 1977. R. Cio pol., Rio de Janeiro, 21 (1) :75-96, jan.f mar. 1978 De maneira que a crítica a que vamos assistir agora, parece-me da maior importância. Mesmo porque Tavares Bastos é um homem esque cido, praticamente esquecido. Só conheço o Tavares Bastos do livro de Carlos Pontes. Não sei se há outros. Arthur César Ferreira Reis - Saiu um agora em Maceió. Manuel Diégues Júnior - Dois: um, de um autor só, sobre Tavares Bastos, e outro que é uma coletânea de alagoanos. Presidente - :É um homem um pouco esquecido. Mesmo o trabalho dele, sob esse aspecto das vantagens ou não da política descentralizadora, no Brasil, teria sido um benefício. Vamos começar, portanto, nossos debates, dentro, mais ou menos, deste plano, que não será necessariamente seguido, mas que representa o que o Prof. Djacir Menezes e eu pudemos tirar da vida e do pensamento de Tavares Bastos. Vou dar a palavra, inicialmente, ao Prof. Arthur César Ferreira Reis. Arthur César Ferreira Reis - Senhor presidente, pediria que fosse dada a palavra, inicialmente, a um dos outros dois componentes desta mesa redonda, já que falarei sobre a parte final do tema. Presidente - Com a palavra o Prof. Manuel Diégues Júnior. Manuel Diégues Júnior - Minhas observações vinham, justamente, refe rir-se ao problema que Tavares Bastos chamou de descentralização. Em primeiro lugar, devemos observar justamente isso: que talvez nenhum outro pensador brasileiro tenha tido, como Tavares Bastos, o sentido da realidade nacional. Depois dele, talvez, somente N abuco tenha também sentido a importância, o realismo (vamos assi~ chamar) das coisas nacionais, para, então, situar os respectivos problemas. A meu ver, justamente, o ponto importante na obra de Tavares Bastos foi esse sentido de realidade que ele tem, realidade, inclusive, que chama ríamos, hoje, de regionalismo, ou seja as peculiaridades regionais, peculia ridades locais, como ele chamava, que significavam justamente, para ele, a descentralização. Este, a meu ver, é o ponto nevrálgico da sua obra: este sentido do que ele chamou de descentralização, como um resultado das peculiaridades locais. Aliás, podemos verificar que este sentimento de peculiaridades locais começa com as capitanias, criadas em 1534, tendo os donatários liberdade de dirigir-se diretamente ao rei. Em 1549, cria-se o governo geral e procura-se, justamente, centralizar a ação dos dona tários, através do emissário do rei; Duarte Coelho, em Pernambuco, rebe la-se, recusa-se a dirigir-se ao governador geral e, numa carta ao rei de Portugal, diz que lhe continuará escrevendo diretamente. Esse espírito de descentralização encontramos, justamente, a começar da própria formação brasileira. :É uma de nossas raízes. Arthur César Ferreira Reis - Era apenas Pernambuco e Bahia. Depois, foi o Vale do São Francisco. Manuel Diégues Júnior - A verdade é que justamente esse sentido de descentralização encontramos por todo o período colonial. Apesar dos governos gerais, havia sempre esse sentido de descentralização. O unita- 76 R.C.P. 1/78 rismo do Império veio justamente criar, ou melhor, veio romper essa situação. Vemos então a série de reações que houve contra o unitarismo do Império. É o que encontramos aqui no temário, ou seja, essas lutas regionais, essas lutas facciosas, que eram em geral decorrência da centra lização que o Império criou, ou seja o unitarismo. Em 1834, o Ato Adicional procurou justamente aliviar, vamos assim dizer, o unitarismo que vinha da Constituição de 24. Arthur César Ferreira Reis - Votou-se o código da anarquia, segundo o próprio autor do projeto. Manuel Diégues Júnior - E é justamente com o Ato Adicional que começa essa tentativa de descentralização, procurando incutir na própria organização, já agora no Brasil nacional, considerado Império, o sentido da descentralização. Djacir Menezes - Centralizar uma colônia é quase sempre prepará-la para a independência. Presidente - As assembléias provinciais. Manuel Diégues Júnior - Essas assembléias provinCIaIS foram criadas justamente como uma expressão desse sentido de descentralização. O irromper da reação contra o Ato Adicional, principalmente com a Lei de 1841, se não me falha a memória, era, justamente, a tentativa de voltar à lei de interpretação que procurou cercear o próprio Ato Adicional. Essa descentralização que Tavares Bastos pregava é, justamente, o sentido federativo, quero dizer, o federalismo, como chamamos hoje. É interessante que muito depois de Tavares Bastos, nas vésperas da queda do Império, Nabuco levantava a idéia de uma monarquia federativa capaz de salvar o Império. Ele sentiu justamente que a unidade do Império estava-se esfacelando, que a unidade do Império estava contribuindo para aquelas lutas que se verificavam, inclusive para a evolução da idéia da República. E Nabuco, que era realmente um monarquista convicto, pro punha justamente a criação de uma monarquia federativa, ou seja, a revisão da Constituição para a idéia de um sistema federativo. Aliás, vale salientar que o Ato Adicional de 1834, abrindo as franquias provinciais, teve três fatores que contribuíram para o seu esfacelamento, melhor dizendo, para o seu não-cumprimento: em primeiro lugar, a influência do Conselho de Estado, atuando para evitar aquelas franquias que o Ato Adicional tinha atribuído às províncias; em segundo, a Lei de 1841, há pouco referida; e em terceiro lugar, o próprio poder pessoal de Pedro 11. O poder pessoal de Pedro 11 foi, realmente, um elemento que contribuiu bastante para que as franquias definidas no Ato Adicional de 34 p.ão tivessem esse desenvolvimento que depois veio a se encontrar na Repú blica. Uns 15 anos antes da queda do Império, Tavares Bastos pregava justamente a idéia da monarquia federativa. E nós vamos encontrar nos últimos gabinetes, inclusiveem Ouro Preto mesmo, o reconhecimento de que eram necessárias certas reformas, mediante as quais fosse possível atribuir às províncias certas franquias, certas liberdades que encontramos Pensamento político 77 anteriormente pregadas por Paranaguá e Lafayette quando, cada um a seu tempo, assumiram a chefia do gabinete. O federalismo da República foi infelizmente moldado à semelhança do modelo norte-americano, e fugia, em grande parte, à nossa realidade, porque no caso dos Estados Unidos, foram estados que se uniram para criar a República e, no caso do Brasil foram unidades que se formaram logo no seu começo, ou seja, unidades que já constituíam o todo nacional. A idéia de nação, no Brasil, antecede em muito à idéia de Estado. Nosso país foi nação antes de ter sido Estado, assim considerado juridicamente. Em grande parte, os males do federalismo da República foram conse qüência justamente dessa situação, vale dizer, um processo imitativo que fugia à própria realidade brasileira. O federalismo brasileiro não poderia ser o mesmo federalismo norte-americano. Nesse caso, portanto, o nosso federalismo, tal como Tavares Bastos o pregava, teria realmente um sen tido mais profundo, porque se radicava nas próprias origens da nossa formação. E eu creio que essa idéia do federalismo, que é sobretudo uma idéia baseada nas distinções regionais, ou seja, nas peculiaridades locais chamadas por Tavares Bastos, é a razão de ser da própria unidade nacional. A minha impressão é de que esse sentido descentralizador, que nós hoje chamados federalismo, foi justamente a razão maior da unidade nacional. O Brasil unido, em face das diferenças regionais, no mesmo sentimento nacional. A nossa identidade nacional é sobretudo produto dessa diferen ciação. Nós todos reconhecemos, sentimos e compreendemos essa dife renciação das regiões brasileiras; às vezes até ... Djacir Menezes - Mas esse processo coincidia com a organização do Estado, quer dizer, não houve precedência assim tão forte da nação ao Estado. Manuel Diégues Júnior - Houve sim, porque o sentimento nacional bra sileiro já antecede à própria criação do Estado. Ele se manifesta em várias oportunidades como um sentido de união nacional. Arthur César Ferreira Reis - A expulsão dos holandeses mostra a existência do sentimento nacional. Manuel Diégues Júnior - As tentativas de invasão francesa também foram repelidas imediatamente. Contra os holandeses, encontramos índios, negros e brancos lutando juntos. Arthur César Ferreira Reis - Há até uma frase famosa: "Com Portugal, sem Portugal ou contra Portugal." Djacir Menezes - Estou-me lembrando também daquela frase que diz que o Estado, transportando-se para a América do Sul, no Brasil, foi um transplante de galho, de enxerto. Manuel Diégues Júnior - Justamente porque o Estado vem depois do sentido nacional, nós mantivemos a nossa unidade. Apesar da reação de Duarte Coelho, apesar de cada donatário-governador de capitania querer fazer isso ou aquilo, nós mantivemos a nossa unidade. O sentido nacional antecipou-se à própria unidade do Estado. 78 R.C.P. 1/78 Djacir Menezes - É o próprio sentimento naturalista do Nordeste à repulsa aos holandeses. Presidente - Aliás, a descentralização de Tavares Bastos tinha um sentido político, é uma descentralização da estrutura política. É o ponto mais difícil do problema. Porque mesmo depois da República, a federação nunca se realizou integralmente. Havia a política de governadores, a política de intervenção ... Manuel Diégues Júnior - O federalismo, imitado e não buscado em nossas raízes, caiu nisso: na política dos governadores. E é interessante observar que as reações, as lutas que encontramos, inclusive essas facções políticas nos Estados, verificaram-se justamente pela pressão da unidade - que é justamente o resultado do poder pessoal de Pedro II e do Con selho de Estado. Quando se aliviam essas pressões da centralização, essas lutas começam a desaparecer, a esmaecer. Pelo menos no caso da própria província de Tavares Bastos, a província de Alagoas, foi o que se verificou: as lutas antecederam justamen'te a idéia da descentralização. Eram mais ou menos essas as observações que eu traria aqui para depois desenvolver, conforme nossa conversa se fosse ampliando. Presidente - Vou dar agora a palavra ao Prof. Pedro Calmon. Pedro Calmon - Sr. presidente, meus queridos companheiros: O problema de Tavares Bastos, todos nós sabemos pois estudamos o assunto, tem uma importância que justifica esta reunião, porque, realmente, vai caindo no esquecimento o maior fornecedor de idéias que a nossa literatura política conseguiu criar antes da República. Eu ligo, vale dizer, desde já a dimensão que dou a Tavares Bastos, aquela alma de gigante em corpo de criança, como disse Rui Barbosa, eu ligo a figura de Tavares Bastos exatamente à idéia liberal no Brasil depois de 1861. Na realidade, ele foi o grande doutrinador, e o homem que melhor aproveitou as lições de Tavares Bastos foi exatamente Rui Barbosa. De maneira que encontro no Decreto nQ 1, que criou a República, a República dos Estados Unidos do Brasil, o último suspiro da ideologia de Tavares Bastos. A sua última respiração, recolhida a um diploma político, é exatamente a criação da República, porque Rui Barbosa foi - ele revela várias vezes, mas se obtém essa certeza estudando-lhe a obra e a vida - o mais zeloso discí pulo da ideologia de Tavares Bastos. Realmente, o que espanta em Tavares Bastos, antes de mais nada, é a precocidade. Ele nasceu em 1839 e morreu em 1875. Em 1861 ele surge, com 22 anos, fornecendo um código de idéias que impressionou profun damente o Império. Depois, em 1862, com Cartas do solitário consolida ele essa fluência, formando um corpo de idéias com as quais não estamos de acordo em alguns pontos, por ter sido um tanto contraditório na sua formulação vertiginosa e exaltada, mas realmente suas idéias constituíram uma novidade para a pasmaceira parlamentar, para a rotina política, para o clima de inconformismo que se vivia no Brasil, enfim, para a planície em que se situava a política. Ek cria, ele agita, ele promove idéias com um fervor, com uma veemência quase apostólica. Pensamento politico 79 No campo da criação ideológica, eu dou a primazia, no Brasil imperial, a Tavares Bastos. Nós temos de Tavares Bastos realmente uma impressão fascinante a propósito dessa sua literatura política, literatura política que, aliás, acompanha a sua ação parlamentar, quando ele leva essas idéias para a tribuna do Parlamento, quando ele as discute. Eu as classificaria em quatro pontos, quatro pontos em que o realismo e o idealismo se vinculam, se amalgamam e constituem um complexo de uma harmonia que a nós repugna um pouco e vou já dizer a razão: em primeiro lugar, a descentralização; em segundo as suas idéias sobre nave gação; em terceiro lugar, a sua campanha pela franquia do Amazonas; e em quarto a sua posição no plano da abolição da escravatura. Quando à descentralização (vamos desde já entrar neste ponto) há um misto de realismo e de idealismo que torna a atitude de Tavares Bastos tão discutível mas, ao mesmo tempo, tão nova para a política daquela época. Ele queria a descentralização e a proclama em seu último livro, que é A província, já na fase de declínio de sua saúde, já sacrificado em suas atividades parlamentares. Desfralda em A província a bandeira da des centralização, lembrando um pouco a federação americana. Mas ao mesmo tempo que é realista e reconhece que o mecanismo imperial afogava as possibilidades regionais, tão fortes, tão historicamente válidas na paisagem do passado brasileiro, ao mesmo tempo em que proclama essa descentralização, ele desconhece ou parece desconhecer - daí eu ter gostado muito do questionário formulado - as necessidades de um governo que organizasse o Brasil, que apoiasse a política inte gradora brasileira, enfim, um governo de acordo com as necessidades nacionais,clamor esse, entre parênteses, que vai justificar o movimento republicano, porque o movimento republicano nasceu na caserna, fora a bulha produzida pela propaganda, mas o fato é que ele nasceu na caserna em nome exatamente da eficiência de um governo que faltava ao Império retórico, decadente, com os partidos políticos digladiando-se esterilmente e o positivismo militar exigindo a ditadura científica; quer dizer, era um governo forte que o Brasil reclamava. Mas o que é preciso dizer é que a idéia de um governo forte, dando ao Brasil a eficiência, a unidade, a dinâmica necessárias, contrastava com os costumes liberais do tempo, costumes liberais que eram, de acordo com a fórmula de Thiers, o estado gendarme, que era o estado inerte, que era a liberdade da iniciativa privada em tudo. Djacir Menezes - Aquela anarquia provinciana em que viveu o pai de Tavares Bastos. Pedro Calmon - É claro, e é aí que está o idealismo de Tavares Bastos. Ele esquece um pouco essa realidade: daí eu ter gostado muito da primeira pergunta do questionário. Mas esta é a nossa ótica de hoje. Eu sou vagamente historiador; e sendo homem de pesquisa à história, o meu método pessoal - aliás este ou é um defeito ou é uma qualidade - é nós voltarmos àquela época e não transportarmos aquela época para os dias de hoje. Eu não faço PO R.C.P. 1/78 história à luz do nosso pensamento. Estamos aqui fazendo uma mesa redonda de avaliação, de manei:a que é natural que nos desliguemos um pouco desse processo e vejamos Tavares Bastos dentro não só do clima em que ele floresceu como de acordo com a nossa visão de agora, um Tavares Bastos em face do que ele produziu e não apenas um homem da sua época, um Tavares Bastos como homem do futuro e a projeção da sua obra, o homem do livro que realmente ele imortalizou, porque a obra de Tavares Bastos constitui um bronze que se fundiu em sua admirável figura política. Na verdade, o realismo da descentralização chocava-se com o princípio de que o governo devia ser eficaz no Brasil. Mas eu justifico Tavares Bastos porque, no fundo, observamos que ele estava comprometido com o partido político e com a ideologia. Era um homem que se chamava no linguajar partidário da época um luzia, quer dizer, um liberal, um homem contrário às leis de 3 de dezembro de 1841, à unificação do Brasil pelo Partido Conservador. O Partido Conservador representava o Império unitário. Ele era a favor do Império descentralizado, quer dizer, este era o programa do seu partido antes de ser um partido de ação política. Era também um visionário da descentralização, dentro do parâmetro, dentro das condições do partido a que pertencia. Falava da descentra lização em 1875, na província, como Rui Barbosa falaria da federação em 1878. Era a bandeira do sell partido e isto é preciso que se diga. Portanto, estava comprometido com a idéia de descentralizar o Brasil, no sentido federativo; ele estuda em A província, vagamente, a instituição americana, embora não fosse tão longe e quisesse um federalismo exata mente moldado no federalismo americano, como queria Rui Barbosa. Rui Barbosa é um passo adiante; transplanta no seu famoso Volta, em 1 de junho de 1889, na reunião do Partido Liberal, sob a presidência do Visco de Ouro Preto, ou melhor, cinde o partido porque quer, de acordo aliás com o PR T de São Paulo, o federalismo à americana. Esse federalismo à americana é o Decreto nQ 1 da República, em que ele dá até o nome de Estados Unidos do Brasil, cometendo aliás, na minha opinião, um erro, porque Estados Unidos do Brasil nada justifica, uma vez que os estados não pelejaram. Manuel Diégues Júnior - Eles já estavam unidos. Pedro Calmon - Já estavam unidos. Podiam-se desunir num momento mas se uniriam logo depois. Nãc houve adesão, não houve formulação da república para os estados. Houve aceitação da república pelos estados. E se fosse o voto popular, a república seria derrotada, porque esta não tinha, em determinados estados, eI'.~mentos. Arthur César Ferreira Reis - Na Paraíba havia apenas um estudante, que, inclusive, foi meu professor. Pedro Calmon - No Maranhão formou-se uma junta em que um dos seus membros dizia que diante das asneiras, entre a espada e a burrice ele se limitava a salvar a gramática. Quer dizer, não havia consciência republicana no país. Pensamento político 81 Quanto ao idealismo de Tavares Bastos, realmente é curioso porque ele jogava com as raízes históncas da descentralização. Aliás, é preciso que se diga que Tavares Bastos não tinha o espírito histórico, como Rui Barbosa. Na biblioteca de Rui, são raros os livros de história brasileira, da qual ele fazia muito pouco caso. É curioso, ele vivia mais na atmosfera da literatura francesa e americana. Não tinha o sentido histórico. E Tavares Bastos também não tem o sentido histórico, ele é mais sociológico e mais filosófico. De qualquer maneira, ele salienta, naquela síntese que faz da formação brasileira, a raiz colonial da descentralização. Mas não se precisa ir buscar isso nos arquivos, está no mapa do Brasil. As províncias são as capitanias hereditárias. Então, ele é, apesar de tudo ou sobretudo, um idealista. Vejam o penúltimo capítulo de A província em que planeja a redistribuição geográfica do Brasil. Quer dizer, vagueia ele sobre o pro blema do retalhamento histórico do Brasil em capitanias e províncias e resolve promover a correção do mapa. Ora, evidentemente, ele está igno rando a fonte popular do poder, a vontade das populações, as razões históricas, a consciência que se formou, a propriedade moral que se esta beleceu sobre aquele pedaço da terra brasileira. Não se pode pegar no mapa e dizer: vamos riscar a fronteira por aqui porque aqui está errado. E as populações? E o resto? A população diz: eu não quero, quero continuar pernambucano, quero continuar baiano, quero continuar mineiro. Não é verdade? O mapa de um país não se faz apenas com as coordenadas. Djacir Menezes - É o que está acontecendo agora com o Mato Grosso. Pedro Calmon - E está certo porque o sul de Mato Grosso nada tem com o norte de Mato Grosso. São dois ciclos diferentes. É o ciclo pecuarista do sul, de origem gaúcha, e o ciclo do norte, que é um ciclo histórico. Isso está bem. Tanto que, reparem, a reação não foi grande. Ao contrário. Mas, divida-se a Bahia. Todos os baianos 'pegarão em armas', quer dizer, recorrerão à tribuna, porque a arma do baiano é a palavra. Vão dividir Alagoas para ver se o Diégues fica tranqüilo como está hoje. Dividam o Amazonas e vejam a reação do Arthur César Ferreira Reis. Arthur César Ferreira Reis - Mas eu sou inteiramente favorável porque sou, acima de tudo, brasileiro. É uma tese que está vigorando na própria região. Vai sair agora um livro de um professor que foi aluno meu sobre a reformulação territorial do Amazonas. Pedro Calmon - É um estado novo que não tem enfim esse regionalismo entranhado, inorgânico de outros estados. Mas Tavares Bastos combinava de maneira espontânea - aliás ele era inexperiente porque formulava suas idéias sem a base no sofrimento ... Presidente - Ele não tinha idade para isso. Pedro Calmon - E o sofrimentc é que faz o cabedal da ciência política. Sofrer o problema. Ele sofria os problemas do regionalismo no episódio, por exemplo, em que o pai, José Tavares Bastos, se destacou na mudança da capital de Alagoas para Maceió. Isso, porém, foi na sua infância. Aquela pequena revolta, chefiada por Manoel Mendes da Fonseca, pai do Mal. Deodoro, aquela pequena revolta, em Alagoas, foi um fenômeno 82 R.C.P. 1/78 de ebulição local. É mais municipal do que provincial. Constitui um problema de insurreição restrita, não tem o aspecto, por exemplo, de um grito em favor da autonomia da província. Foi um problema político o problema da mudança da capital. Portanto, Tavares Bastos era realista quando fizeram a descentralização. Rui apóia-se na mesma doutrina e quer a federação com a coroa, sem a coroa ou contra a coroa,quer dizer, considerando a federação mais importante do que a república. Aliás, ele e Nabuco formariam a dupla que agüentaria o Império até 15 de novem bro, porque Rui Barbosa só foi republicano - se é que foi alguma vez - com certeza, quando foi candidato à Presidência da República. Arthur César Ferreira Reis - Aquela série de artigos sobre a queda do Império não vale nada. Pedro Calmon - Mas ele não proclama a queda do imperador. Não. Ele deu o título de A queda do Império em 1921, quando reuniu os capítulos. Eu li um por um dos artigos dos quatro volumes, não há um só contra o regime. São todos contra o governo. Ele não ataca o imperador. Ao contrário. Arthur César Ferreira Reis - O imperador era a primeira pessoa que não defendia o Império. Ele não acreditava mais no Império nem nos políticos. Pedro Calmon - Em todo caso, Rui Barbosa, como Tavares Bastos, conciliava a monarquia com a federação. É a política de Joaquim Nabuco. É curioso, a propósito de Rui Barbosa: ele não tem, depois de 93, uma declaração louvando o governo repu blicano. Uma só! Peço que me apresentem qualquer frase de Rui achando o governo republicano como o ideal. Ao contrário, ele começa a defender o passado e agride as instituições existentes como imperfeitas. Mudou um pouco de linguagem ... Djacir Menezes - Basta aquela exclamação dele: "Pobre beócio porque constitucionalizado. " Pedro Calmon - É verdade. Tavares Bastos é, entretanto, na nossa opinião, idealista, mas perigosamente idealista, no caso da navegação costeira. Ele pede que ela seja aberta aos estrangeiros. Nega a vocação marítima dos brasileiros. Contesta nossa propensão de povo com vasto litoral, no sentido do oceano. Ele quer que a cabotagem seja dos estran geiros. Ora, evidentemente, isto dito hoje, que o Brasil está maduro e sólido, parece uma teoria, mas dito naquela época, em que o Brasil era fraco, não tinha armada para garantir nossas costas, não possuía elementos materiais para assegurar a unidade nacional, era imprudente. Realmente, a sua idéia da cabotagem franqueada aos estrangeiros nos choca hoje. Outra idéia, sobre a qual o Arthur Reis versará melhor que eu, é sobre Q Amazonas. Ele proclama a necessidade de abrir o Amazonas, baseado no Com. Maury, o americano do sul que foi o pioneiro do imperialismo norte-americano na área do Caribe e no Amazonas. Quer dizer, a abertura do Amazonas antes do tempo teria, talvez, colocado o Amazonas à cobiça estrangeira. Não sei se o Império asseguraria a unidade nacional com o Amazonas integrando o Brasil, se ele fosse aberto antes do tempo. Pensamento político 83 o fechamento do Amazonas era uma consequencia, em primeiro lugar, da política universal dos rios, que só começa a abrir-se depois do Con gresso de Paris, de 55. Mas, sobretudo, era a política do Brasil, defendendo as artérias extremas: o rio da Prata e o rio Amazonas. A abertura do Amazonas, antes do tempo, seria, talvez, uma imprudência fatal à unidade brasileira. Tavares Bastos incorre, aí, num idealismo que raia ao próprio delírio, porque ele faz disso um apostolado. Agora, por que o Brasil abriu bem o Amazonas, em 66/67? Porque tínhamos ganho a Guerra do Paraguai. Tínhamos assegurado, no sul, a nossa preponderância militar. Depois, houve um fenômeno intercorrente, para o qual é preciso chamar a atenção: Os Estados Unidos estavam fracos, pela Guerra de Secessão. Se os Estados Unidos estivessem fortes, como antes da Guerra da Secessão, a abertura do Amazonas seria um convite para os americanos desembarcarem lá. O Com. Maury preconiza nos seus livros a perda da soberania em terras não usadas. Ele cria a doutrina do não-uso, justificando apenas o Brasil, quer dizer, nós não tínhamos direito ao Amazonas porque não era usado. Aliás, através de um debate internacional outro dia, dizia-se que não se pode guardar terra ociosa, que o Amazonas deveria ser ocupado pelos estrangeiros, porque ninguém tem o direito de manter florestas virgens. É a mesma doutrina do Maury, na qual se apoiava Tavares Bastos. De maneira que essa incoe rência dele, não vendo a segurança nacional e vendo, sobretudo, o problema teórico da abertura do rio, é um ponto em que realmente não estamos de acordo. Fez disso uma campanha. Criou ele um estado de espírito que desabrocha na abertura do Amazonas ao comércio interna cional, quando o Brasil podia mantê-lo, e, imediatamente, Mauá cria a navegação comercial, no Amazonas, como conseqüência. Ou seja, tínha mos navios para navegar o rio. Tínhamos força para manter a soberania. Tínhamos a terceira esquadra do mundo, naquela época. Tínhamos 17 couraçados. Hoje, temos um lânguido couraçado, adormecido nas suaves águas da baía de Guanabara. Tínhamos 17, naquela ocasião. A América tinha destruído a sua esquadra A Inglaterra era a mais poderosa, a França tinha perdido a Guerra de 70, não tinha grande poderio naval. O Brasil era um país que podia defender-se e a Guerra do Paraguai mos trou isso. Tivemos um exército de 25 mil homens, sem nenhum desfalque das forças militares do Brasil. Quer dizer, tínhamos elementos suficientes para manter a segurança nacional. O último ponto que quero destacar da ideologia de Tavares Bastos é a sua atitude em face da emancipação. Ele prega uma emancipação progres siva. Neste ponto, é discípulo de José Bonifácio. Prega a emancipação dos escravos como uma doutrina humanitária, destinada a limpar a mancha preta que borrava a paisagem moral do Brasil, que ofendia a imagem imaculada da pátria, que era a nódoa da escravidão. Tenho, a propósito, um documento no arquivo, que, aliás, utilizei no meu livro A história de Pedro lI, no volume 3, muito interessante a respeito. É uma 84 R.C.P. 1/18 carta do meu bisavô, mordomo-mor do imperador, Visco de Aragão, a Tavares Bastos, de 1866. Nogueira da Gama, mordomo-mor do impe rador. .. perdão, o Visco de Aragão ainda não era mordomo-mor, mas o foi em 68, naquela época, ainda era camarista do imperador. Foi mordomo com a morte de Paulo Barbosa. Escreve ele: "Confidencial. Carta escrita ao Sr. Barreto (não era Tavares Bastos). Peço-lhe transmitir ao Sr. Tava res Bastos a informação de que Sua Majestade o Imperador não tem nenhum interesse em manter os escravos da Coroa. Está muito de acordo em que se interpele o ministério, para que a abolição abranja os escravos nos estados" etc. Quer dizer, a famosa campanha em favor da liberdade dos escravos dos estados, incluídos na Coroa, tinha o apoio secreto do poder. Quer dizer, foi contra o ministério. O ministério estava ranzinza, não admitia que se bolisse no monolito escravocrata. E era o Imperador que insinuava, como se diz nessa carta. Esta carta é interessantíssima, porque revela as ligações havidas, por detrás do biombo do poder, entre o imperador e Tavares Bastos. Devo dizer que Tavares Bastos, em todos os seus trabalhos - A província, Cartas do solitário - revela-se um grande fornecedor de idéias. O liberalismo dele é um liberalismo clássico, mas é um liberalismo que abrange, em termos de descentralização, a parte territorial, a autonomia das províncias, abrangendo também, em termos de economia, a recupe ração do Brasil, através das franquias que promove. Mas o que há em Tavares Bastos não é propriamente a personalidade do liberal e sim o sentido do dissidente. Ele não é o chefe ortodoxo do Partido Liberal. Nisso ele é um pouco como Rui, quando este briga com o Visco de Ouro Preto e desencadeia a campanha que resultou na queda do Império. Rui é dissidente. Por quê? Porque não admite chefe, ele é quem é o forne cedor de idéias, ele é quem dá o plano, ele é quem orienta, ele é quem guia, ele é quem diz como se deve fazer, ele é o árbitro da situação. É o dissidente. Ele é dissidente em 61. Veja-se Tavares Bastos, com 22 anos, jovem deputado, brigando com o ministro da Marinha - num ministério que, aliás, os seus correligionários apoiavam - Joaquim José Inácio, de que resultou a sua afrontosa demissãode primeiro oficial da Secretaria do Ministério da Marinha, motivo que o leva a escrever uma réplica, as Cartas do solitário. Ele vai para a Tijuca, no recesso do Parla mento, e, então, desenvolve os temas de sua dissidência - nas Cartas do solitário ele é um dissidente - e é um dissidente em 67, porque o Cons. Saraiva consegue levá-lo ao rio da Prata como secretário da missão. Ele volta ao Parlamento, no governo está o Partido Liberal, chefiado por Zacarias. Entretanto, Tavares Bastos mete-se na oposição, contraria o gabinete de Zacarias, está na dissidência quando em 68 sobe o Partido Conservador. Aí ele vai para o ostracismo. No ostracismo ele é em contrapartida o pólo da oposição, é ele quem promove o Clube da Refor ma, que se biparte, em 70, no Partido Liberal ortodoxo e no Partido Republicano. Ele é o dissidente e cria o Diário do Povo, que é o órgão do Clube da Reforma. Mas, no partido do povo, chefiando aquele jornal, Pensamento político 85 como grande idealista, como grande fomentador de iniciativas da oposição, se choca com o chefe místico implacável que é Zacarias de Góis. Zacarias de Góis diverge - esse é o grande momento - de José de Alencar que, no Parlamento, dissidente também do Partido Conservador, atira-se contra o Visco do Rio Branco e contra o imperador, naqueles famosos discursos de maio de 71, em que combate a Lei do Ventre Livre. Dizia ele: Zacarias aproxima-se do governo, do inimigo, do Visco do Rio Branco, comba tendo os seus exageros. Por quê? Porque Zacarias estava perfeitamente enquadrado no sistema. Aquela defesa do imperador, feita por Zacarias, ofende a pureza ideológica, purez(l não, a gana de luta, o espírito radical do Clube da Reforma. E, então, Tavares Bastos se afasta, dissidente novamente da própria oposição. Mas aí, já a saúde não o ajuda. Ele vai duas vezes à Europa, morre em Nice. Já é o declínio daquele astro de primeira grandeza na vida intelectual e política do país. Deixa, porém, um tal fermento de inquietações, que a geração seguinte recolhe a sua lição, como em 1915 e 1920 a geração que antecedeu a nossa recolheu as lições de Alberto Torres. Ele é o grande promotor das modificações políticas no Brasil. Não aderiu à República, mas a ela seria inevitavelmente convidado, como foi Saldanha Marinho, se ele continuasse vivo, porque esta era a tendência natural do seu espírito. De maneira que, para terminar, eu diria que Tavares Bastos tem que ser visto destes dois ângulos: como homem que formulou as reformas do Império e como homem que fomentou o espírito republicano. Ele deu um traçado ideológico, que vai ser respeitado pelos homens que fizeram teori camente a República. Nós encontramos na Constituição de 1891, na doutrina de Rui Barbosa, no espírito classicamente republicano a conti nuidade de Tavares Bastos. Ele foi o grande revolucionário utópico, ou o grande idealista teórico do Brasil imperial. Era o que me cumpria dizer. Manuel Diégues Júnior - Antes de prosseguirmos, eu queria dar uma informação que ainda não é pública. O Senado da República está prepa rando a publicação dos discursos parlamentares de Tavares Bastos e da sua correspondência. Foi um levantamento feito pelo Arquivo Nacional e pelo Departamento de Arquivos Culturais. Graças à iniciativa do Seno Teotônio Vilela, o Senado prontificou-se a publicar. Já está em impressão. Petro Calmon - Ótimo! Era isto que nos faltava. Djacir Menezes - É muita coisa? Arthur César Ferreira Reis - São os alagoanos em ação, uns lá, outros aqui. Presidente - Tem a palavra o Prof. Arthur Reis. Arthur César Ferreira Reis - Minha admiração por Tavares Bastos começou quando eu era aluno da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. E devo isso a um colega de turma, hoje uma das grandes figuras do pensamento jurídico brasileiro, o antigo reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Oscar Tenório. Ele projetava, na época, um livro, As idéias de Tavares Bastos. Nunca elaborou esse livro. E quando, recen temente, a Editora Nacional, em convênio com o Instituto Nacional do 86 R.C.P. 1/78 Livro, programou a reedição da obra de Tavares Bastos, sugeri que Oscar Tenório fosse convidado a fazer um prefácio. Fiz uma carta a ele, dizen do-lhe que chegara a hora de botar em execução o seu velho projeto a respeito das idéias de Tavares Bastos. E, justamente, no volume referente à província do Amazonas, O vale do Amazonas, ele fez esse prefácio. Mais tarde, no Pará, onde morei entre 1938 e 1945, escrevi no jornal Folha do Norte um artigo sobre Tavares Bastos e o se~ pensamento. Quer dizer, continuava fiel. E, mais tarde, quando tive a oportunidade de estudar no livro A Amazônia e a cobiça internacional, evidentemente a figura dele tinha que ser objeto de um exame a respeito das idéias que defendera, no tocante à abertura do Amazonas à navegação internacional. Esse foi um problema que sempre agitou, na história do Brasil, o pensa mento dos homens responsáveis pelos destinos na Colônia, (no período colonial), e depois no Brasil-Império: a abertura do Amazonas à convi vência internacional, pela utilização das águas da grande bacia hidrográ fica. Teria sido útil? Teria sido certa? Politicamente, uma providência a ser aplaudida, com resultados positivos em favor do progresso e desen volvimento da região e aos próprios interesses da soberania de Portugal e Brasil? A política portuguesa - de sigilo a princípio e depois de uma reserva muito grande, com relação à participação de qualquer estran geiro na região amazônica - foi uma política absolutamente certa e foi contínua. Só houve um período de exceção: quando, já no século XVIII, permitiu a passagem pela Amazônia de um cientista estrangeiro, Charles Marie de Ia Condamine, da Academia de Ciências de Paris, que percorreu, vindo do Equador, a região, atingindo Belém e, depois, dirigindo-se à Güiana Francesa e à França em seguida. Tanto estava certo o governo português, que ele, ao chegar à França, apresentou, de um lado, uma memória a respeito do que era a seringueira e a importância econômica que teria; de outro, defendeu a tese de que a fronteira do território francês descia até a margem do rio Amazonas. Quer dizer, estava a serviço de sua pátria, contra os interesses de Portugal e do Brasil. A política portuguesa, fechando a Amazônia aos olhos cheios de cobiça do estrangeiro, estava certa. Essa política permitiu que o Brasil crescesse e que dois terços do território brasileiro atual fossem o resultado de uma participação luso-brasileira e depois dos próprios mestiços brasileiros, açorianos etc., que realizaram a façanha do descobrimento e empossa mento do território, chegando mesmo, em determinado momento, a atingir uma área que estava em poder de Espanha e que Portugal reconhecia como território espanhol, a zona do Orenoco. Lobo D'Almada, no século XVIII, projetou um avanço da fronteira portuguesa na Amazônia pelo Cassiquiare até o Orenoco, e alegava que era uma fronteira natural, necessária, e até onde tinham chegado os sertanistas que partiam de Belém e tinham atingido a região, com espanto dos jesuítas espanhóis que se encontravam na região do Orenoco. A presença estrangeira ali marcara o início da conquista. Holandeses e ingleses estabeleciam-se na região amazônica, até o Tapajóis, e foram expul- Pensamento político 87 sos pelos portugueses e brasileiros quando em 1616 iniciaram a conquista da região, plantando o fortim que é a origem da cidade de Belém. Essa expansão realizou-se ativamente e teve como resultado a retirada dos estrangeiros, inclusive dos espanhóis estabelecidos na região do Solimões. O primeiro grande mapa da região amazônica é trabalho de um jesuíta, que embora alemão estava a serviço da Espanha, Samuel Fritz, que desceu até Belém, sendo depois conduzido à fronteira; nessa ocasião foram expul sos os jesuítas, com ordens vindas de Lisboa para que os jesuítas portu gueses substituíssem os religiosos retirados. Recusaram-se, dizendoque os jesuítas não lutavam contra jesuítas. Foi então que vieram os carmelitas que realizaram a façanha de integração do território. A política portuguesa de preservação da região amazônica foi constante. Em nenhum momento foi ela abolida. A preocupação de preservar o território era intensa. Foi uma política, uma intenção e uma ação de Estado que merecem o nosso aplauso e a nossa compreensão, porque delas resultou o fato de que a região amazônica hoje é parte integrante, em sua maioria, do território brasileiro, porque como sabemos, ela não pertence apenas a nós. A Amazônia pertence também à Bolívia, ao Peru, ao Equador, à Colômbia e à Venezuela. Mas a grande parte, a maior de todas, está em território brasileiro. Há uma importância muito grande nisso, porque, pela posição geográfica, é o acesso pelo Atlântico, à região interior da Amazônia. Agora mesmo projeta-se um grande encontro entre governantes dessas nações para execução e realização de um plano de integração da região do mundo amazônico, como se fez com a região do Prata e também com a região dos Andes. Há hoje até reservas em torno desse projeto, achando alguns que ele pode criar problemas muito graves, muito sérios ao Brasil. É ponto de vista de alguns parlamentares brasileiros, mas o assunto ainda não foi divulgado claramente. Pedro Calmon - Só pode ser contra o Brasil, porque o Brasil tem o que perder e os outros têm o que ganhar. Arthur César Funena Reis - Esse projeto foi lançado pelo Preso Getulio Vargas, quando fez em Manaus seu famoso discurso sobre o rio Amazo nas, projetando a integração, a valorização da região e sugerindo que se elaborasse projeto global sobre a região. Mas a idéia não foi adiante. E já mais recentemente, em janeiro de 1967, reuniram-se os governadores da região e representantes do Itamarati, nossos diplomatas nas cinco nações da Amazônia, que deram depoimentos a respeito das políticas que esses países estavam realizando na sua área amazônica, com depoimentos também das autoridades federais, estaduais e municipais da área amazô nica brasileira, a respeito da ação construtiva estatal brasileira na região. Projetou-se, em conseqüência disso, novo encontro entre as seis nações e só agora está novamente o assunto em pauta, e através de um projeto que ainda se ignora, porque ainda não foi divulgado. Há notícias muito vagas a respeito. 88 R.C.P. 1178 Mas se isso acontece ainda hoje, imaginemos ao tempo de Tavares Bastos! É um problema que está novamenté voltando à baila, e por quê? Quando se fez a independência, as forças portuguesas que dominavam a região tentaram impedir que a Amazônia se unisse ao Brasil. Fizeram um esforço gigantesco nesse sentido. Na própria Assembléia Constituinte de Lisboa houve projeto de desligamento da região amazônica, criando-se nela um vice-reinado. Seria um vice-reinado na Amazônia, compreendendo o que é hoje o estado do Amazonas, do Pará, (o Acre não existia na época) mais o Maranhão e o Piauí, justamente onde havia a dominação portuguesa, por meio do exercício de uma ação econômica, e também pela presença de tropas portuguesas aguerridas, que lutavam contra aque les que pretendiam a incorporação da região ao Brasil. Feita a independência, a região incorporou-se, aceitou a independência e se tornou parte integrante do Brasil. Mas a política com relação à sua utilização pelo estrangeiro, isto é, abertura do rio à navegação mundial, não encontrou de imediato um apoio franco. Já havia um comércio in tenso entre Belém, que representava a porta de saída da região, e o resto do mundo. Navios franceses freqüentavam o porto de Belém, trazendo mercadorias dos seus portos e levando aquilo que a Amazônia já produ zia, como a famosa droga do sertão, e a borracha, que começava a ser exportada. Essa política, porém, não significava a abertura da região ao comércio internacional. Do Rio de Janeiro saíram instruções à nossa representação em Was hington, para que uma companhia estrangeira fosse organizada, no caso americana, para fazer a navegação a vapor, que era uma novidade. Era uma espécie de revolução na técnica a ser adotada. Veio o primeiro navio, já então organizada nos Estados Unidos essa companhia. O presidente da província alarmou-se. Não tinha recebido instruções do governo im perial. Estas tinham sido enviadas ao nosso agente nos Estados Unidos mas não tinham sido comunicadas ao presidente da província. Reuniu-se a Assembléia, com a presença das autoridades locais, do clero, do povo, enfim, todos estavam presentes. E a Assembléia decidiu proibir a subida no rio pelos navios estrangeiros. Por quê? Pelo perigo à soberania brasi leira? Não era bem este o aspecto, que também foi considerado. É que previa problema a considerar que, à primeira vista, parece irrelevante e meio tolo, ridículo; ocorria a destruição do regime de vida regional, ou melhor, a criação do sistema de pobreza na região. E por quê? Toda a região era percorrida através de embarcações dos mais variados calados, construídos nos vários estaleiros que existiam inclusive no interior. Essas embarcações conduziam também cargas, mercadorias e pessoas. Movi mentavam milhares de pessoas ligadas a sua atividade, famílias inteiras integradas nesse sistema. E foi principalmente baseada nessa ordem de problemas que a Assem bléia decidiu vetar a subida do rio pelo navios americanos. Esse navio voltou e deu em resultado um processo promovido pela firma americana Pensamento político 89 contra o governo brasileiro, pois julgou-se lesada em seus interesses e, além do mais, porque fora organizada e constituída para mobilização de capitais, devido à interferência do representante diplomático brasileiro no governo americano. A idéia, porém, não morreu e começa a ser agitada na própria região aos poucos, quando ingleses e franceses pretendem obter do governo bra sileiro a abertura do rio. Aí já não era só o americano, mas o inglês e o francês. O governo brasileiro, por meio de entendimento diplomático, conseguiu arredar os interesses ingleses e franceses. Os ingleses - mais afoitos e que, de certo modo, durante o século XIX dominavam economicamente o continente, pois eram os grandes colonizadores e já agora, através de seus financiamentos, tinham grandes empresas no mundo latino-americano, hispano-americano ou ibero-americano, voltadas para o assunto - ce deram, em face das observações e das restrições opostas pelo governo brasileiro. E, a propósito, sobre o Conselho de Estado, penso que estamos pre cisando fazer um estudo minucioso do que representou o Conselho de Estado na vida brasileira, pois que foi realmente atividade impressionante e muito mais importante que a do próprio Parlamento. Os pareceres do Conselho de Estado são monografias exaustivas sobre todos os assuntos que eram ventilados. No caso, no setor relativo a relações internacionais, sobre o problema da Amazônia, os pronunciamentos são admiráveis. Inclusive, a propósito, eu trouxe aqui alguns desses pronunciamentos, a respeito da navegação do Amazonas, com pareceres muito interessantes, um de Luiz Augusto May, a pedido do próprio Con~elho de Estado, porque era conhecedor da região. O interessante é que nesse trabalho, que é de 1844, ele usa uma expressão que eu imaginei minha e só mais tarde fui verificar que era dele quando tive este documento em mão. Ele usa a expressão cobiça internacional e várias vezes. Quer dizer, os ingleses tinham uma cobiça especial pela região amazônica. Realmente, eles estavam tentando penetrar pela GÜiana. Tinham sido interrompidos na penetração do Rio Branco por um religioso carmelita que era homem realmente admirável, Frei José dos Santos Inocêncio, homem capaz de toda espécie de ação revolucionária, e que foi um dos chefes do levante de 1832 que visava desligar o Ama zonas da subordinação ao Pará, e depois no Mato Grosso espalhou a denominação que se usava na Amazônia, de bicudos para os portugueses, tendo sidoum dos responsáveis pela famosa noite de matança de por tugueses em Cuiabá. O Conselho de Estado começou então a examinar os assuntos e o Governo brasileiro, em face do problema que estava surgindo, tratou de mobilizar recursos. O Conselho examinou o assunto e as suas atas são muito elucidativas a esse respeito. Foi quando Mauá foi convidado para organizar a Companhia do Comércio e Navegação do Amazonas. Tentou obter capitais na região, mas a região era muito pobre e não foi possível. 90 R.C.P. 1/78 Conseguiu, apenas, 300 contos dos 800 que eram necessanos. Mas a companhia foi criada e começou então a levar as suas embarcações pelos rios amazônicos, aos poucos subindo e descendo os rios Madeira, Purus, Negro, Solimões, Baixo-Amazonas. Por meio de um acordo celebrado entre o Brasil e o Peru, esses navios chegaram até Nauta, que, então, era a capital do departamento peruano de Loreto. Hoje, a cidade mais im portante é Iquitos, e Nauta não existe mais. Na época, era, porém, o centro da ação política e administrativa do governo do Peru. É, então, que surgem os americanos que começam, autorizados pelo governo bra sileiro, a percorrer a região. Dois americanos, Herdon e Gibbon visitam na, percorrem-na e apresentam ao Senado americano (a cujo serviço se encontravam) um relatório em três volumes - sendo um só de mapas e dois de textos - mostrando que a Amazônia era um campo admirável para uma ação civilizadora, que era um grande vazio, que as suas ri quezas em potencial estavam à vista, era problema de capital, de energia e da decisão dos homens, e que tinha chegado o momento de se mostrar a aptidão americana para um empreendimento dessa natureza num mundo novo que estava surgindo. Já não era mais uma conquista do oeste, mas de uma região extracontinental americana. Esse trabalho de Herdon e Gibbon provoca um grande interesse nos Estados Unidos. É nessa ocasião que surgem as memórias, as conferências do Com. Maury. O Com. Maury passa a ser o homem que vai comandar toda a opinião pública norte americana com relação ao uso da região amazônica. O fato é que esse trabalho Maury leva o governo americano a solicitar uma compreensão de parte do governo brasileiro para abertura da Amazônia à navegação internacional. Em Niterói, no Instituto de Ciências Humanas, no curso de mestrado em história, tenho um aluno norte-americano que tem paixão pelo Brasil, casado com uma moça brasileira, já com filho nascido em Niterói. A tese que ele está preparando é sobre os cientistas americanos na região Ama zônica. Há dias ele me mostrou alguma coisa da pesquisa que está rea lizando. Expedições americanas traziam instruções do governo para saber as posições fortificadas, o número da tropa existente, os canhões, as baterias que poderiam ser utilizadas e a possibilidade de aceitação por parte das populações locais de uma presença estrangeira de ação política. Pedro Calmon - V. Exa. permite um aparte? Essa é a política do Sul dos Estados Unidos. D. Pedro 11 era a favor do Norte dos Estados Unidos. Um país escravocrata a favor dos apelos abolicionistas. Por quê? Porque o imperialismo americano sobre G Amazonas é um absurdo. É a política do Sul dos Estados Unidos, a política imperialista, que produziu a guerra com o México em 1848. De maneira que nós temos a ojeriza do Sul dos Estados Unidos. Arthur César Ferreira Reis - O projeto norte-americano, como se está vendo, era muito amplo, e sobre ele está se precisando fazer exame atra vés da correspondência dos nossos agentes informantes. Por essa corres pondência, pelo que eu já li, que existe no arquivo do Itamarati, verifica-se Pensamento político 91 o temor que os nossos republicanos tinham da política expansionista norte-americana que já estava começando e era profundamente perigosa. Então, alertava-se o governo brasileiro sugerindo que era preciso tomar uma série de providências. O Conselho de Estado tomou conhecimento de toda essa correspondência e daí sua atitude recusando sempre, apésar de todos os projetos, a abertura da Amazônia à navegação internacional. E foi justamente isso que Tavares Bastos ignorou. Ele não estava a par da existência desses relatórios e não sabia do fundamento do procedimento do Conselho de Estado. Dentro daquele seu pensamento liberal, lança-se à empresa de tentar a abertura da Amazônia à navegação internacional, pois achava que era um passo extraordinário. E encontrou apoio na região. A Assembléia Legislativa provincial do Amazonas, a do Pará, os órgãos do comércio, todos eles aplaudiram a iniciativa de Tavares Bastos. Não trabalhou sozinho. Tinha o apoio das populações, dos órgãos regionais, das pessoas que tinham responsabilidade política, mas que também igno ravam os perigos a que estávamos expostos, como se depreende da cor respondência dos nossos agentes diplomáticos que já estavam alertando o governo brasileiro. Tavares Bastos lançou-se à empresa. Mas era um homem objetivo, realista e resolve vir conhecer a região para, na base do conhecimento direto, poder adotar nova orientação ou abandonar a política e as idéias que estava sustentando. Foi recebido com entusiasmo no Pará e no Amazonas. Manifestações quase populares recebeu. E, de volta, escreveu o famoso livro O vale do Amazonas, cuja primeira edição é de 1866, justamente o ano em que o governo brasileiro, já acreditando que não havia mais perigo, que o nosso domínio da região já era uma realidade, abria o Amazonas à navegação internacional. Tavares Bastos, defendendo, realmente, uma tese admirável, muito im portante que provocou e sensibilizou o país inteiro, na realidade, ignorava o que se estava passando por trás dos bastidores, porque o Ministério das Relações Exteriores não divulgava as razões da sua política, da sua orientação e o Conselho de Estado muito menos. Havia reuniões, deli berava-se e o assunto ficava ali. Aliás, sabemos que todas as pesquisas realizadas pelos governos e de que decorreram relatórios, geralmente morrem nas gavetas dos ministérios ou nos arquivos dos ministérios. Ainda agora está acontecendo isto. A denúncia do imperialismo brasi leiro no oriente boliviano, a propósito da presença de 80 mil brasileiros que saíram do território de Rondônia e do Acre e se estabeleceram no oriente boliviano. Em face do clamor que se criou na região, o governo boliviano nomeou comissão presidida pelo vice-presidente da República para percorrer a fronteira e verificar o fundamento da denúncia. Fez parte dessa comissão um professor de ecologia da Universidade de La Paz, Pro f. Bejarano, meu amigo pessoal e que de vez em quando vem ao Brasil, participa de conferências etc. Solicitou ao governo, depois de feito o inquérito, a divulgação em síntese do que foi apurado, porque a co missão tinha sido resultado de um clamor nacional. E o que ficou apurado foi: não há imperialismo brasileiro, não há uma invasão brasileira, nem 92 R.C.P. 1/78 uma conquista, o que há é uma ausência da Bolívia. Não existe uma escola do lado boliviano. As escolas são do lado brasileiro. As crianças atravessam a fronteira e vêm estudar no Brasil. Daí o perigo, porque estudam a língua portuguesa, história e geografia do Brasil. Não há do lado boliviano um só hospital, uma casa de saúde, um posto de saúde. Do lado brasileiro há e atende também às populações não-brasileiras. Quer dizer, aqueles fatos, aqueles episódios a respeito dos perigos a que estavam expostos aqueles territórios é que determinaram a orientação do governo brasileiro. Tavares Bastos ignorava as razões oficiais, como os homens responsáveis, na região, no Pará e Amazonas, também ignoravam, porque os documentos pertinentes estavam fechados, não eram divulgados. O governo não distribuía nenhuma nota oficial, dizendo o porquê da recusa em aceitar esse projeto e aquelas tentativas de abertura áo Amazonas à navegação internacional. Quando, em 66, se abre o rio, é que o Brasil teve consciência de que dominava aquela região,não havia mais o perigo. Finda a Guerra da Secessão, um grupo de americanos teve licença para estabelecer-se no Brasil, na região Amazônica, em Santarém. Fracassou inteiramente. O estudo da presença desses americanos em Santarém foi feito e está sendo publicado pelo Conselho Estadual do Pará. É de autoria da viúva do antigo Fernando Guilhon. Ela estudou o assunto, obteve documentação em arquivos americanos e elaborou trabalho de fôlego. Há na Biblioteca Nacional, um livro publicado sobre o assunto. É o livro do Ernesto Cruz, A colonização do Pará. Esse outro, daquela escri tora, é um livro completíssimo, estudando, além da documentação norte americana, a brasileira. Os descendentes desses americanos lá existem. São cem por cento caboclos amazônicos. Um desses americanos, que se localizou em Itacoatiara, tem, no Conselho de Cultura, representante, que é aquela moça encarregada das publicações do Conselho. É bisneta dele. Parece uma índia. Não tem traço algum de norte-americana, nem os olhos azuis. Quanto a Tavares Bastos, não se pode condená-lo como tendo sido um brasileiro deservindo ao Brasil. Estava dentro de uma tese, de um pen samento, servia aos interesses, à primeira vista mais severos e mais sérios de uma região, servia ao pensamento da própria região. Estava muito mais a serviço dela do que os próprios representantes da região. Batendo-se pela abertura do Amazonas, provoca o poder público. O governo toma providências. Além da companhia de Mauá, outras se organizam. Começa a imigração nordestina, há um avanço sobre áreas novas ainda não ocupa das, subindo os rios Purus, Juruá etc. Verifica-se a incorporação de novas áreas com crescimento territorial do Brasil. Nisso, não tinha pensado Tavares Bastos, não tinha chegado à idéia da migração nordestina e de seus resultados. O pensamento de Tavares Bastos era certo, dentro do ponto de vista das teses políticas da sua ideologia e daquilo que seria o pensamento da própria região, porque ele ignorava, na realidade, o fun damento da política brasileira oficial, contrário à abertura imediata do Pensamento político 93 Amazonas, à navegação internacional, além dos perigos a que ficaria o Brasil exposto. Era o que se deveria dizer a respeito de Tavares Bastos e a questão do Amazonas. Recentemente, afirmou-se que Tavares Bastos estava a serviço do capital, dos interesses dos norte-americanos, mas isso é uma afirmativa sem o menor fundamento. Pedro Calmon - :É uma infâmia. Arthur César Ferreira Reis - Era apenas o pensamento de um homem que imaginava estar certo a respeito daquela tese. Pedro Calmon - Isso é absolutamente indigno. Presidente - Mais alguém quer fazer uso da palavra? Com a palavra o Prof. Djacir Menezes. Djacir Menezes - Realmente, senhor presidente, farei apenas uma in tervenção rápida, à custa do material já exposto sem pretensão de elaborar ou reformular idéias. O ponto central começou senào justamente acentuado por V. Exa: a questão da centralização, parecendo o ponto capital do pensamento de Tavares Bastos. Essa tese reaparece, sucessivamente, dada a sua impor tância. O ProL Diégues, por exemplo, fez ver que o sentido realista de Tavares Bastos apareceu, justamente, na sua visão descentralizadora. Po der-se-ia pensar, também, que essa visão descentralizadora resultaria da própria formação de Tavares Bastos, na sua província, cortada de lutas facciosas, o pai vítima de todos aqueles jogos mais ou menos crônicos, o que deve ter tido uma certa direção ao seu pensamento, no sentido da descentralização. Como foi ressaltado depois em outra intervenção, há uma certa contradição, porque a interferência central, a tenoência cen tralizadora deveria amortecer a força desses interesses locais e, portanto, será até favorável a uma situação mais pacifista das províncias. O forta lecimento desse poder central interferindo na área provinciana. Citou-se, ainda, que N abuco evoluíra um pouco para o federalismo e defendera, já nos fins da Monarquia, o ponto de vista da centralização, portanto da lei de interpretação um pouco hostil ao ato adicional - hostil, não é bem o termo - mas estimulando o fortalecimento da interferência central. Arthur César Ferreira Reis - Disciplinou o ato adicional. Djacir Menezes - Perfeitamente, está bem expresso. O federalismo, a longo prazo, resultaria, no futuro (como foi acentuado, se não me enga no, numa intervenção do Min. Themistocles Cavalcanti), na direção da política dos governadores, com o fortalecimento dessas oligarquias locais, muito distante, no tempo de Tavares Bastos. Disse o ProL Pedro Calmon, com essa facilidade que tem de apreender quase sempre numa imagem um pensamento mais densamente político, que Tavares Bastos fora um grande fornecedor de idéias. De fato, ele foi um elaborado r extraordinário, e, daí, a repercurssão que vai ter no pensamento de Rui, que, muitas vezes, se inspira nas Cartas do solitário e em outras obras de Tavares Bastos. 94 R.C.P. 1/78 Faltava ao Império - disse um dos interferentes - instrumentos dis ciplinadores. E isso se ressente na própria argumentação de Tavares Bas tos, quando se inclina para o federalismo liberal. Disse-se ainda, que Tavares Bastos não tinha espírito histórico, o que acontecia, também, a Rui Barbosa. De fato, a visão dele é muito mais aproximada da de um sociólogo do que da de um historiador. E é esta, talvez, a parte mais viva do seu pensamento. E tão realista que, como se disse aqui, os seus ataques convergem mais para o governo e não para o regime. Sua visão da navegação costeira, negando a vocação marítima ou oceânica - digamos assim - no Brasil, é uma prova da sua intuição das realidades locais. Falou-se, também, na sua posição diante da emancipação e da sua permanente atitude dissidente, durante a sua vida. O ponto mais interessante, para a atualidade, parece ter sido focalizado pelo Prof. Arthur Reis, a respeito da cobiça amazônica. E ele mesmo tem um trabalho de grande vibração patriótica, apontando a maneira como essa cobiça tem assediado aquela região. Pedro Calmon - Pobre do Brasil se não se defendesse, pobre do Brasil se não se fechasse o Amazonas ... Djacir Menezes - E essa declaração de "pobre do Brasil se não fechasse o Amazonas", tem as suas raízes nas Atas do Conselho de Estado, já citadas pelo Prof. Reis, que não aceitou a minha sugestão de que esse Maury e outros congêneres fossem precursores ou pioneiros dos bras i- lianistas. Em todo o caso, realmente, há uma grande diferença .. . Pedro Calmon - Mas está tudo dentro da mesma moldura .. . Djacir Menezes - Sr. presidente, é mais ou menos o que pude apreender. Não tenho a pretensão, como já disse, de reproduzir o pensamento de ninguém, aproveitando o que foi exposto para um pronunciamento pessoal. Presidente - Quero agradecer a todos o comparecimento e fazer mais algumas observações exatamente sobre essa idéia de descentralização e de federação, que sempre foi muito mal traduzida aqui no Brasil. Houve, há poucos dias, uma enquete, onde se procurou definir a federação de maneira inteiramente vaga e sem a menor objetividade. O Prof. CarI Friedrich tem um livro muito interessante sobre o fede ralismo. Ele chama o Brasil de uma república unitária descentralizada. Arthur César Ferreira Reis - E talvez o senhor não saiba, há um livro, A federação e o Brasil, de autoria de um cidadão chamado Pedro Calmon, muito pouco conhecido ... Pedro Calmon - Foi minha tese de concurso, você não era nascido naquela ocasião ... Presidente - Mas é precisamente essa a realidade brasileira: um Estado unitário descentralizado. Politicamente centralizado, administrativamente centralizado, mas na realidade t. federação, pelo menos considerado fe deração dentro do seu modelo. Pensamento político 95 Arthur César Ferreira Reis - Eu propus ao Preso Castello Branco, quan do era governador, numa exposição que lhe fiz, a criação do Ministério da Amazônia para impulsionar o desenvolvimento.Ele acabou de ler, olhou para mim e disse: "O senhor quer é o vice-reinado." E eu disse a ele: "O senhor não é nem original, porque o Preso Vargas só me cha mava de vice-rei." Presidente - Mais uma vez agradeço a todos pela boa colaboração. Acho que esta mesa-redonda foi muito produtiva. 96 o Instituto de Organização Racional do Trabalho do Rio de Janeiro - IDORT-RJ - com seus congêneres de outros Estados, propõe-se a realizar e proporcionar a seus associados e demais interessados: Intercâmbio internacional Forum de estudos Treinamento Assistência técnica Revista Biblioteca Prêmio de organização e administração Congressos Sede: Rua Prof. Alfredo Gomes, 22 - Rio de Janeiro, RJ. R.C.P. 1/78
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