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PODERE LEGITIMIDADE· Presidente: THEMISTOCLES CAVALCANTI Participantes: CÂNDIDO MOTA FILHO; MANOEL GoNÇALVES FERREIRA FILHO; D.JACIR MENEZES; FERNANDO WHITAKER DA CuNHA; FRANCISCO DE SoUZA BRA SIL; LÚCIA MARIA GoMES KLEIN; AR MANDO DE OLIVEIRA MARINHo; ADILSON MAcABU. Sr. Presidente - Quero antes de tudo agradecer a todos pelo compareci mento a esta reunião, atendendo· à nossa convocação, feita para discutir um tema sugerido pelo Prof. Djacir Menezes, que é "Poder e legitimidade". Tema extremamente vago, permite um debate livre, não somente sobre o poder, mas também sobre o problema da legitimidade. Não vou dissertar sobre o assunto, porque estou aqui para aprender. Assim, dou a palavra a quem colocou o problema, para dizer como encaminhá-lo. Com a pa lavra O Prof. Djacir Menezes, que nos vai dizer alguma coisa sobre o assunto .. Prol. D;acir Menezes - Sr. Presidente, senhores componentes desta mesa redonda, o que temos realizado até agora tem sua motivação nos ensaios publicados na revista, pelo Centro de Estudos Jurídicos e Filosofia Polí tica. e apenas pretexto - eu sempre Caço questão de ressaltar isso - porque as teses aqui apresentadas não só às vezes são um tanto omissas, como não verSam todos os aspectos que o problema oferece. Então, é uma espécie de ponto de partida, com a oportunidade de ouvir as exposições dos presentes. O debate incidirá sobre ó que for conveniente, publicando-se o resultado destes nossos trabalhos na revista. Temos sempre trabalhado sob a orientação superior e competente do Min. Themistocles Cavalcanti. As falhas são da responsabilidade do coordenador, que nem sempre pôde cumprir exatamente tudo. '.S •• r ... .,.· . • Mesa-redonda realizada em 29.8.75. R. Cio pol., Rio de Janeiro, 19(1) :73-101 jan./mar. 1976 Tendo já os senhores lido essa tentativa de incitamento ao debate, que é o ensaio publicado, creio que o melhor seria o Sr. Presidente ir dando a palavra, sucessivamente, aos que se interessarem em iniciar nossa troca de idéias sobre os problemas sugeridos. Min. Cândido Mota Filho - Sr. Presidente, eu escrevi umas notas sobre o assunto. Se V. Ex/!- quiser, poderei começar. Sr. Presidente - Com muito prazer. Min. Cândido Mota Filho - "Poder e legitimidade. O tema da legitimi dade vem sendo debatido, principalmente depois que foi contestada a origem divina do poder. A palavra alargou o seu significado. O Dicionário Morais dá a palavra 'legítimo' com dois sentidos, um porém decorrente do outro. Significa "conforme a lei", o que tem todos os requisitos para o estado civil. E passa a significar também o que é 'genuíno', não espúrio." Modernamente, Maurice Duverger, em seu estudo sobre as ditaduras, sustenta que a legitimidade não é senão um processo de crença, cujo con teúdo varia conforme a época e conforme o país. No século XVIII, diz ele: a monarquia heréditária era o governo legítimo; hoje, no Ocidente, é a democracia, baseada na eleição pluralista. O fato de se dizer que um governo é legítimo não leva à conclusão de que ele representa o bem comum; mas, somente que a massa dos governados o consideram como legítimo. Porém, devemos lembrar que o termo vem como uma decorrência da disputa pelo poder. Quando Talleyrand, no Congresso de Viena, viu a atmosfera revolucionária da França, sustentou a legitimidade dos Bour bons, reivindicando para eles, como um direito incontestável, o trono tradicional. Sob pontos diferentes, no século XVII, ·Hobbes e Bossuet já tinham sustentado o legitimismo. Os reis, para De Maitre, reinam porque são reais, isto é, sempre legítimos e respeitáveis. E se fixou corno uma vontade de Deus. Um velho opúsculo político de SommineIli chega a referir-se ao 'princípio augusto da legitimidade', decorrente de deveres religiosos. E foi com esse princípio que, mais tarde, Nàpoleão m reivindicou para si a restauração. Essa preocupação cresceu naturalmente com a Revolução Francesa, para transformar-se, segundo Treistchcke, numa questão de ordem prática, sustentada por esta ou aquela conveniência. A Monarquia brasileira nasceu sob o signo das aspirações democrá ticas e o assunto começou a tomar vulto com a dissolução da primeira Constituinte, quando é dissolvida por Pedro I. Na reunião de 3 de maio de 1823, o Imperador, na sua fala do trono, justifica a sua legitimidade na direção política do País, recordando que nele ficou por vontade do povo e pela felicidade geral da Nação. E disse: 'Parece-me que o Brasil seria desgraçado, se eu não atendesse ao apelo como atendi. Bem sei que este era meu dever, ainda que expusesse minha vida; mas, como era em defesa deste Império, estava pronto, assim como hoje e sempre, se for preciso.' 74 R.C.P. 1/76 E ao terminar sua oração, Pédio I ouviu do Presidente, em resposta, a aftrmação da distinção dos pQc:Ieres independentes e harmônicos entre si, nos limites de sua esfera, acreSéentaOdo ainda o Presidente: 'Esta doce harmonia dos poderes não pode· ser somente a obra dos talentos e das luzes, que hoje se têm difundido por tOda parte; dela se espera, principal mente e com todo fundamento, a afirm!lção da legitimid4J,de da democracia, as altas virtudes, as paixões bem téguladas pela razão, os bons costumes e. maneiras, os sinceros sentimentos religiosos das autoridades públicas e dos indivíduos particulares.' Acontece que a dissolução da Constituinte foi feita, e em nome da legitimidade, pois o Imperador conquistara o título de defensor perpétuo do Brasil. A Monarquia, com o correr do tempo, foi-se legitimando, e cabe a D. Pedro n levá-la assim até 1860, quando começa a perder sua solidez e escorada tão-só pelo poder pessoal. . B conhecido, nesse crepúsculo dramático, o diálogo do Imperador com o Marquês de São Vicente. O Imperador: 'Sr. São Vicente, antes o país que se governe como entender e dê razão a quem tiver.' 'Senhor - responde o marquês - Vossa Majestade não tem o direito de pensar por esse modo. A Monarquia é dogma da Constituição, que V. Majestade jurou manter; ela não está encarnada na pessoa de V. Majestade.' 'Ora - disse-lhe o Imperador· -'- se os brasileiros não me quiserem para Imperador, irei ser professor.' Joaquim Nabuco, em Um estadista do Império, preocupado em deci frar o papel do Iinperador, cita este trecho de um discurso do Conselheiro Nabuco; 'Governe quem quiser, quem governa sem legitimidade.' Os conflitos se avolumaram sem solução, a questão dos escravos, a questão religiosa, a questão militar e a Monarquia acabam por perder as características de sua índole 'constitucional e representativa'. Na República Velha, a legitimidade dos eleitos para a presidência da República é várias vezes coDtestilda. E fói cioso de sua' legitimidade, quando da revolta da Escola Militar, que Rodrigues Alves afirma: 'Aqui é meu lugar.' Depois da Guerra Mundial de 1914, a República não percebe a renovação tempestuosa dos valores' e não dá conta dos novos interesses que estavam em jogo. A voz de c comando do Gen. Café não foi ouvida, porque para o Presidente Washington Luís a legitimidade de seu Governo estava além das crises econômicas., O coronelismo, que eta a linguagem política que os bacharéis expressavam, tomou-se incompreensível. As crí ticas se avolumam: centralização do Governo Federal, o hábito das inter venções nos Estados, os males das oligarquias, o abandono da zona sertaneja entregue ao cangaço, à doença e à ignorância, a poHtica dominada de forma caudilhesca por; Pinheiro Machado, campanha civilista, que é o prefácio monumental de Ruy sobre a Revolução de 30. . A legitimidade, porém, toma-se vulnerável na maioria dos países do Ocidente. A revolução industrial compõe a movimentação dos novos qua dros políticos. Em 1958, no Centro de Estudos Políticos de Nice, debate- Poder e legitimidade 75 se o tema 'Política e técnica'. Ela começa a atuar com a máquina a vapor e alcança a sua plenitude com os meios de comunicação de massa. Nessa reunião, André Siegfriedcomeça por chamar a atenção para o direito administrativo, antes em plano secundário e alcançando então o primeiro plano. E diz que 'o Estado torna-se um amigo de todos e um inimigo de cada um'. Por sua vez, o Prof. Marcel Merle profetiza a abdicação do poder político para as mãos dos técnicos. A legitimidade parece ser aquilo que impõe a sociedade mecanizadã. Mas, ao mesmo tempo, se opera a reação e a política de movimento, abastecida de valores sociais. Se surgem as grandes entidades, surgem tam bém atuantes pequenos organismos, os institutos científicos, as universi dades, os grupos de pressão, as modificações no trabalho pela automação, a modernização da pobreza, assinalada por Illich, para quem as taxas de crescimento das frustraçõ~ excedem largamente as da produção. J. M. Chevalier, afirmando que 48% daS' reservas de urânio são controladas pelos petroleiros americanos, diz que a Europa oferece a ima gem da maior irracionalidade energética possível. E esse pessimismo é acentuado por Ezra Minham, quando diz que o crescimento anotado pelos economistas significam muito mais uma degradação do que uma melhoria. E Michel Bosque sustenta que a Standard Oil, a Gulf OH, os bancos Rockfeller e Mellon já estão se prevenindo para agir depois do esgota mento da energia petrolífera. Por isso, a atmosfera reinante é no sentido de se viver do provisório e todos estão de acordo com Tocqueville que, em 1834, já dizia em De la démocratie en Amérique: 'E preciso uma ciência política nova para um mundo inteiramente novo.' Recordo-me de um velho político paulista, Ataliba Leonel, senhor e possuidor de grande prestígio, que me dizia como que corrigindo o meu gosto pelas teorias: 'A política não se ensina, não se aprende, exercita-se.' O que ele queria dizer é que a política tem sempre um caráter provi sório. Recomenda este ou aquele rumo conforme as circunstâncias, porque ela fala a linguagem dos interesses comuns. E o que aconteceu com os burgueses no século XVII, com o individualismo retórico do século XVIII e com o dogma da representatividade no século XIX. Todos estes séculos dão um sentido peculiar à legitimidade, porque, como dizia o Senador Nabuco de Araújo, quem governa sem ela, governa como quiser! Um dos pensadores que traduziram esse estado de ânimo, Max Weber, que, na opinião de Franco Ferrarotti 'ê stato piu usato che compreso', reconhece que o núcleo da civilização ocidental que reverenciou o reino das idéias, conforme a tradição liberal, não consegue legitimar a própria sociologia e não consegue nada. Acentua, com isso, a natureza problemá tica do poder e diz textualmente que, sob o ponto de vista sociológico, 'o poder é a chance de se fazer obedecido'. Volta-se a falar no poder como força. E Maquiavel é lembrado, em prega pela primeria vez a palavra stato, tendo sido interpretado como um dos campeões do poder como força. No entanto, Maquiavel mostra que a 76 R.C.P. 1/76 política é, antes de tudo, a hâbi1i~de de se contornar as incontinências da força. E daí o seu empe1i1ló dê verSoderine salvar, pela sabedoria política, ao mesmo tempo, a independência de Florença e sua forma re- publicana. . .' O marxismo não tem sido visto' se~ãt> como uma arma revolucionária e não como uma construção de. uma nova sociedade. É pelo menos assim que o vê Karl Copper, em seu liVíoA sociedade democrática e seus ini migos e a propósito diz que a estratégia da revolta contra a liberdade sem pre tem sido a de tirar a vantagem dos sentimentos, sem gastar energia em fúteis ,esforços para destruí-los. Por isso mesmo, reconhece que a maior realização de Marx foi a de ter contraditado o psicologismo, assim o fazendo como sociólogo, o q'Je toma maior vulto na obra contestatória de lIerbert Marcuse, insistindo no' tema da birilensionalidade da existência - necessidade e liberdade. Por isso, hoje há uma inclinação visível para estudar-se, ao invés da teoria política, o fato político, como o conseguiu fazer Michel Debrun num. livro publicado por esta casa. E, muito embora inclua a força material na definição do fato político, reconhece contudo a integração dos fatos sociais, da qual a política se aproveita. Assim, para ele, as forças sociais, surgiram com a Revolução Francesa e o Império Napoleônico foi aceito pelos Bourbons, permitindo a salvaguarda das conquistas econômicas e p0- líticas da burguesia. Mas é exatamente no exame atual do fato político, que vemos a legi timidade atiJlgida iámbém pela crise, quando se tenta .manter as regras do passado para pôr em ordem as aspirações novas do presente. O Estado, estruturado 4e uma forma, n~o pode 'suportar as mudanças que afetam essa forma. Numa monarquia baseada na economia escravagista, como a nossa no Império, as medidas tomadas por Pedro li para modificá-la somaram-se contra o regime. Machado de Assis, com sua habitual malícia, nos descreve um negro fugido sendo impiedosamente açoitado por um outro negro, que era um negro liberto. I acques Ellul, em seu livro Autopsie de la révolution, diz que nos movimentos revolucionários o que domina é o sentimento do intolerável. . Muitas vezes, ela não tem consciência desse 'intolerável' e não sabe o que quer, o que mostra que a força só não basta. E dá um exemplo: Pancho Villa, diz Jacques EIlul, instalado no poder, não sabe como decidir. E mostra que Spartacus em Roma, era um revoltado, mas não era um revolucionário. Eessa é uma das fases dramáticas da Revolução Francesa. Ela se rebe lava contra o intolerável, mas como nos mostra Hannah Acendt, os homens da Revolução Francesa não possuíam concepção alguma dos valores hu manos, nem o respeito pela personalidade verdadeira que devia ser garan tida pelo direito, nem encontraram um meio de fixar a legitimidade po pular. A nova ordem, que dela nasce. é resultante de trágicos e sucessivos acontecimentos em nome de' uma nova legitimidade. A revolução ainda, na maioria dos casos, é feita contra a arbitrarie dade do poder, em nome de sua legitimidade. Entre muitos casos, está Poder e legitimidade o da Revolução de 1842, chefiada em Minas por Teófilo Ottoni e, em São Paulo, pelo Pe. Antonio Feijó. O intolerável então era para os revo lucionários o desprezo do poder pela legitimidade de suas' ações. Feijó, apesar de doente, não perde sua energia e, em 19 de janeiro de 1842, envia à Assembléia Provincial de São Paulo um ofício, no qual diz que se as leis de 9 de novembro e de 3 de dezembro de 1841 continuassem toleradas, brevemente a Constituição se tomaria irrisória! A crise da cultura ocidental, que envolve a ação política, é talvez a mais profunda de todos os tempos. Nela o Estado perde, não raro, sua condição de Estado de direito, para ser um Estado executivo, com os rótulos extremistas à sua disposição. O que Carl Schmitt denomina 'Mono pólio político', não tem tempo nem prazo. Há uma inquietação política decorrente dos novos aspectos da sociedade, conduzindo para um plano secundário a diferença entre presidencialismo e parlamentarismo, entre bipartidarismo e pluripartidarismo, entre trabalhismo e sindicalismo, entre unitarismo e federalismo, porque as transformações exigem outro esquema para a direção da vida política e, portanto, uma outra legitimidade com outras substâncias. As preocupações legislativas não se demoram só em opiniões, mas procuram o auxílio dos técnicos para esclarecer medidas técnicas. Antes não era assim, tanto que Maurice Duverger, em seu livro Janus, informa que 'há menos de 20 anos o Parlamento da Noruega foi obrigado a decidir, por uma lei, se o inferno existe!' Aparece, com isso tudo, uma legitimidade adequala às épocas de crise, configurada em nome da salvação pública. Por outro lado, a época em que vivemos é de contestação por todos os meios e por toda a parte, que chega a acusar a cultura como elemento de arbitrariedade social que mostra em verdadeiros supermercados. Atualmente, nos Estados Unidos, diz Jean François Revelem Les idées de notre temps, os escolares entre 13 e 15 anos, são oscontestatórios mais virulentos do que os universitários. Para esse estado de coisas, todas as medidas tomadas pelo poder são legítimas, porque são para socorrer uma situação provisória. Poderíamos ir mais longe, mas não é preciso, porque ninguém nega que a idéia do definitivo vai ficando esquecida nos dicionários. A Universidade de Pádua, entre ábril e maio de 1951, promoveu uma série de conferências sobre a crise do direito. Nela, Ripert mostra que o jurista se vê desamparado pela abundância móvel da legitimação. E Giuseppi Capograssi diz que 'nascono tremendi statidi necessitá per la societá distrutte'. Mas, assim como há provisoriedade do legítimo, assim também há a provisoriedade do poder, que é um hoje e outro amanhã. Sr. Presidente - Com a palavra o Prof. Francisco de Souza Brasil. Prol. Francisco de Souza Brasil - Sr. Presidente, diante de tão abalisados mestres do direito, limitar-me-ei a, apenas, alguns comentários, que reputo interessantes, para uma boa compreensão histórica do próblema. Aludiu o mestre Cândido Mota Filho ao caráter sagrado do Imperador. O mais 78 R.C.P. 1/76 cwioso é que esse caráter era :ftIQOnbecido na própria Constituição do Império que, segundo Afonso Arinos, até hoje, é uma das melhores e mais bem f~itas que o ,Brasil já-~, Dizia "a Constituição: "A pessoa do Imperador é inviolável e sagraula.". Se, examinarmos as moedas do Império, encontraremos, noçunho, ~ mesmas, uma contradição, qual seja dos priticípios que, como· ~ OJ franceses, "hurlent de se trouver ensemble": "Dom Pedro 11, pela, 9~ça, (ie Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador' Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil." O grande Augusto Comte, na sua Lei dos Três, Estados, .foi contestado por Vico, que reivindicou a idéia dos cors,; i rjéorli iíaevolução social, o que é uma grande verdadé, ou seja, a coexis~Jicia' pacífica digamos assim, usando um termo bem atual, de princípios, que, -na realidade, historicamente, de veriam ter-se sucedido e, no' entanto, coexistem, até hoje. Por exemplo, com todas as inovações, impostas'- ao constitucionalismo japonês, após a fi Grande Guerra, \Terifica-se' que, na realidade, a legitimidade do poder do Imperador repousa, até hoje, na crença inabalável de que ele descende, diretamente, de uma divindade. Tive oportunidade de assistir, em Bra sília, ao tempo do Presidente' Médici, à exibição de um filme sobre a ináuguração da Feira dê Osasko. Lamento, profundamente, que esse filme não tenha sido difundido pelo Brasil, porque era extremamente interes sante., A inauguração da Feira foi presidida pelo Imperador. Falaram as mais altas autoridades do Corpo Diplomático. No momento -em que o ,, Imperador se levantou para falar, não somente todos se levantaram, como, também, baixaram as cabeças, pois não podiam :encará-Io. Isso, em pleno ano de 1974, q~ando o Japão, evidentemente, cheio de cientistas:eminen ~ mantinha; como mantém até hoje, coexistindo pacificamente, uma idéia de legitimidade, que- repousa no direito divino, incontestável e abso luto. Isso, num país onde há e continua ~vendo, incontestavelmente, progresso material extraordinário. De maneira que gostaria, apenas de colocar, na mesa dos debates, essa idéia: a coexistência, digátnos assim, pacífica. Desses princípios que, por definição deveriam ser antagônicos ou, no' míninto,' sucessivos. Prol. Djacir Menezes - E a história do astrônomo com medo tremendo do trovão. Prol. Francisco de Souza Brasil - Descendo a esse detalhe, há Um fato ainda mais interessante. QuaÍJ.do exerci as funções de adido cultural do Brasil, na América 'Central, havia lá uma Comissão Geodésica americana, interessada em fazer levantamentos específicos. Naquela área existe um fenômeno curioso: quando se encerram as estações do ano, 'que são apenas duas - chuva e calor; ou calor com' chuva ou sem chuva - há um tremor de terra. Isso nos assustou, a mim e à minha mulher. Indaguei de um cientista americano qual a relação que havia, pois, à pergunta de minha esposa à empregada, dela obtivera a seguinte resposta: "Houve um tremor, vamos ter chuva hoje à tarde." Perguntei, . então, ao americano se havia uma relação de causa. e efeito entre o tremor de terra e o encerramento da estação, o começo e o fim da chuva. Respondeu-me: "Cientificamente, não há relação Poder e legitimidade 79 alguma, mas esse fenômeno ocorre, sem exceção, desde que estou aqui, há sete anos." De modo que é este o problema: a questão do fato ainda não disci plinado, propriamente, pela lei científica. Acho, portanto, que, sob esses aspectos históricos, poder-se-ia descer a maiores detalhes. Exemplo: ao tempo do absolutismo, D. João VI, Rei do Brasil, além de sagrado, foi aclamado pelo povo. O alferes-mor desfraldava a bandeira da monarquia e, diante do pavilhão, armado no Campo de Santana, gritou, por três vezes: "Real, real, real, Sua Majestade o Rei de Portugal." Era unânime a aclamação do povo, já exigida em pleno regime absolutista. Permitam-me uma pequena digressão, para encerrar: por causa desse princípio da legi timidade, baseado no direito divino, que se transmitia pelo sangue, o nas cimento dos príncipes reais está descrito numa cena extremamente inte ressante, que ocorreu no paço da cidade, quando uma das filhas de D. João, casada com um infante espanhol, teve um filho, aqui nascido. Conta-se que o infante é trazido numa bandeja de prata - fato comum, em todas as cortes da Europa, até hoje - pelo nobre mais categorizado - no caso, o Duque de Cada vai, primeiro duque não-real de Portugal - e apresen tado à corte, na presença do Rei, que deveria reconhecê-lo, publicamente, como seu descendente, para que, a partir daquele momento, tivesse em si a qualidade que o investiria da possibilidade de o suceder. Vejam, portanto, os ilustres debatedores, aqui presentes, como essa coexistência, em pleno século das luzes, digamos assim, essas reminiscên cias históricas, que se perdem em a noite dos tempos, são como que um desafio, sempre perene, à indagação: Há progresso linear ou há, como queria Vico, "corsi i ricorsi", nesse aspecto da evolução social? Muito obrigado pela atenção. Min. Cândido Mota Filho - Pode haver essa coincidência, porque hoje é provisório o sentido da legitimidade. Prol. Fernando Whitaker da Cunha - Sr. Presidente, ouvi, com muito prazer, a preleção brilhante do Ministro Cândido Mota Filho e as inte ressantes observações do Prof. Souza Brasil e li, principalmente, com muita atenção, o estudo do Prof. Djacir Menezes, que é o ponto funda mental de nossa mesa-redonda, publicado no n. 18 da Revista de Ciência Política, abalisada publicação que V. Ex~ com idealismo dirige. Este artigo foge aos padrões convencionais sobre a matéria. Tenho lido, sobre ela, inúmeros livros e trabalhos e, ultimamente, tenho-me acostumado ao cantochão das imagens feitas, das idéias preconcebidas. Fazendo jus à inteligência e à penetração de seu autor - ensaísta, economista, sociólogo, pensador, crítico - devo dizer que ele abordou dois pontos fundamentais desse problema angustiante, que é "poder e legitimidade". Esses pontos são as relações entre a democracia e o poder e entre o poder e a re presentação. Obviamente, eu vou me dispensar de evocar as raízes da questão da legitimidade (legitimista), porque ela, hoje em dia, foi laicizada; perdeu 80 R.C.P. 1/16 os culptes das.. idéias monárqoiçlls. ~ 1p,.rn~1l-se um instrumento indefectível da oraem constitucional. .; .; .:, 'J .' A lejitimidade foi c()ncebiAA, .pc". vez .primeira, por Sto. AgQstinbo; depoi.$ Rouss~u foi sensível.a c;la.;~. foi Talleyrand. quem a .fO)'DlW;m devidamente no Congresso<l~ ViClljl. ..:r-osteJiormente, Fabred'Olivet • aceitou-a. Ela nasceu como uma, ~ia te~iosa, uma iQéia reaciooária, porque tendia a restaurar um mundo ~~dido, que era o mundo do abso lutismo e das. realezas, mas q~d9 to.sfollDou-senuma Jorçacoletiva, ela serviu aos ideais da Revolução. F'~~§l e não aos da Restauraçã(>. Na verdade, hpje em dia a'legítiJ:Qidade perdeu aquela cor:ultrapassa da que tinha em 1815. Aliás. Telleyrand assim o fez, não por espírito monárquico, . mas porque, nutml"Çpoça em Que a França derrotada, os cilav~. entre as potências. ven~as.."~ll precjso lJD)a .POlítica QpoItunIJ,.e sagaz. Foi então que defendeu, no Palácio HQfburg de Viena, . as teses da legitimidade e da não-intervenção. . Mas, como dizia eu, os pontos fugdamentais são esses; a esgrima entre a democracia e o poder e as relações entre o poder· e a repJ:esen tação. Vivemos ainda, sob. um. certo. aspecto, exceto umpugilo de estu diosos, no clima liberalóide do século XIX, mormente pelos compêndios polidos de direito público e teoria geral do Estado, nos. quais ainda se congemina, ainda se pensa e ~ argumenta em termos- do século JüX. Os exemplos são copiado, uns dos oooos.O refrão de que o Estado é meio e não fi.m, as defesas de. um falso liberalismo que· afeta a ordmn pública,. tudo isso pertence a um m.uD.do destruído .pelo . primeiro pós guerra. De modo que quando se fala -. e o Prof. Djacir levantou essa tese na coexistência da democracia com o poder -. aflora-se a um. dos pontos nevrálgicos da ~ência polítiça .co.n~mporânea, porque·.a; democ1'aeia é, na realidade, a niais difícil fonna. de governo. Exige tantc) de governantes quanto de governados. A democracia direito cedeu lugar' à delllOCl'aCia dever. O liberalismo do século. XI},(,. que criava um antagonism~ entre o indivíduo e o Estado, gerandQ um _ çllina de privilégios ao indivíduo, está morto. O, Estado conte~râneo não mais podo coabitar com os falsos direitos do indivíduo, Que conflitam com os inter~ da 'cole tividade. Então ocorre que autores como Pompeu Biondi, que· dedicou uma série de monografias a este tema e que nega a possibilidade de uma con vivência entre poder e liberdade, então, data venia, deslocados dentro do panorama filosófico moderno, mesmo porq'Je, se nós ~rct)bermos .as in discutíveis e. necessárias atividades do Estado. contemporâneo, intervindo na ordem privada, não. intervindo no sentido de absolutismo, mas para salvaguardar o bem coletivo, .. necessariamente, publicizando o direito pri vado, tomando o direito público autônomo do direito privadQ através de série de recursos. O direito adIpinistrativo, por exemplo, do qual V. :Er., Sr. Presidente, é uma autofidade, veio aos· poucos libertando-se <la ·tutela do direito privado, utilizando uma série de conceitos que lhe são es- pecífico. \ s. Poder ti legitimidade 81 Então o Estado contemporâneo é, sem dúvida alguma, um Estado fim, mas não no sentido em que os taumaturgos do liberalismo temiam, isto é, o de um Estado que denega os interesses individuais, mas no sen tido de que só o Estado pode propiciar o bem comum, com o qual, aliás, sob certo aspecto, se identifica, como dizia Kelsen. Dirão alguns: mas Kelsen é suspeito, seu pensamento nutriu tendências extremistas, mas a pureza da construção kelseniana, que possibilitou um trabalho, aliás clás sico sobre a democracia, essência e valor dela, demonstra claramente que o "L'Etat c'est moi", de Luiz XIV, é hoje "l'Etat c'est nous". O Estado somos nós, porque o Estado é uma abstração, como pressentiram Platão e a doutrina do corpo místico da Igreja. O Estado é uma realidade fisiológica, histológica e até patológica, nas épocas revolucionárias; tem angústias, compulsões, neuroses, sublima ções, estudadas pela psicologia política, a psicanálise coletiva e a psiquia tria social. De modo que, entre o Estado eI, o indivíduo, os laços são muito íntimos. O Estado não existe como um inimigo do indivíduo, ele não é uma sombra, uma ficção, uma criação da mente. Ele é uma realidade concreta e palpável. Ora, quando o insuspeito Maritain escreveu que o fim do indivíduo é o Estado, apesar de o fim do Estado ser a pessoa, ele distinguiu muito bem a órbita política do homem e a sua órbita subjetiva, colocando-se na vanguarda de um pensamento político de alto cotumo. Leio, num livro de teoria do Estado, volumoso tratado de um catedrático da Universidade de Lima, Raul Ferrero, uma observação muito sagaz: o Estado é o fim do homem, para a aprimoração deste. Os próprios autores que se poderiam ter como suspeitos, como Bo sanguet, reconhecem que o Estado é um fim, em si mesmo, mas no sen tido de que propicia ao indivíduo o clima jurídico e o oxigênio do bem comum. Em outras palavras, aquela reação contra o Estado-fim foi uma rea ção contra o absolutismo e uma reação contra o nazi-fascismo. Mas mesmo os autores, que preparam contra o nazi-fascismo, usando a velha tese do Estado-meio, evoluíram para a aceitação de um Estado-fim interme diário, que é uma contradição substancial. Porque, como dizia Aristóteles, não podemos ser e deixar de ser ao mesmo tempo. O Estado não pode ser fim e meio, ao mesmo tempo. Só por um inútil exercício de imaginação. Então o Estado é fim como um clima que propicia ao indivíduo atin gir as suas finalidades. Não como instrumento opressor. :a por esta razão, entre outras coisas, que a citação do Prof. Djacir Menezes, de que a democracia tem de se sofrear para que não seja per dida a liberdade extremamente sutil, porque a franqueza das instituições é o túmulo das garantias. Todo poder corrompe, daí a diferença entre poder e autoridade, porque o poder sem autoridade resvala na mais exe crável agressão física. Quando eu me refiro ao poder, refiro-me ao poder legítimo, ao poder que encontra consentimento na alma popular. :a por esta razão, entre outras coisas, que nós teríamos de reformular o conceito 82 R.C.P. 1/76 de Estado de direito, porque o ·Eatadode direito é a casca vazia ·de : lega lidac:le ~ic~do os regimes· de' esquerda e de direita; porque" teenicao mente, todos são Estados de direito, pelo fato de estarem sujeitos a· llma ordem normati~a. Então o que dá 1 a'o um "Estado democrático autêntico a sua característica é a legitimidade; que 6 o,.fundamento da ordem 'consti tucional. Assim, o conceito tradicional de Estado de direito é um conceito hoje em dia, 'na filosofia, tr~~t em virtude de o clireito . não ~. a única finalidade do Estado; é uma delas. O Sstado incorpo~ o direito, consuma a experiência jurídica eCOllCinua"aIé1D de~ para, realizar a cul . tura, este aprovisionamento espiritual que a. comunidade estatalirada c0n- seguiu através da história. , Há uma Constituição contemporânea, de. um país que na órbita·· ex tema não tem maior projeção política." mucuja.Carta é muito bem.feita, a do Panamá,. que no art. 76 acolhe expressamente esse . Estado ,de cul tura, não a cultura no sentido ..folclórico da palavra, no SlCntido. ~ nal, mas a cultura como criação da história, como criação:do homem sob um certo meia social.. O próprio earl Schmitt, que influiu em a nossa teoria, constitucion:al, . reconhece essa fragilidade da expressão "Estado de direito" . no mundo -conteJ!lPOrâneo. . Verifiquem V. Ex.lIs, por conseguinte, que não há dúvida ;algumà quanto à primeira sugestão do Prof. Djacir Menezes.· Ela· tem . alta tele vância, porque na verdade toda ciência política é produto de úDla esgriDia entre o poder e a liberdade. o cómando e· a dignidade;·. IibtJrdade oa .autoridade. E não se pode ser'livre Sem uma autoridadé 'fOeconteDha~ \. liberdade, dentro de seus limites, e que não tenha por essência :O ~ti1nI). De nada .adianta um governo forte num Estado fraoa e 'muito menos um governo' democrático num ·Bst.ado que não o é, por deféité de, itif .... estrutura. A democracia autêntica·aflui das bases populares para a, c6pu1a dirigente, como um sentimento glóbalizador, que nutre- Gcontexto sócial. A segunda questão que.o Prof. Djacir Menezes abordou, com muita precisão, foi a questão das relações' entre o poder' e a· reptelleotação, eJriol ,vendo também a .legitimidade, :a legitimidade que méSmo- nasrevoluçõCsnão evita o governo de fato. O governo de fato pode. vir na l'evolução legítima ou na ilegítima. A legitimidade tem os foros de autocoostituinte .c, por outro' lado, não está ligada ao direito natural. O direito. natural não ééQndição da legitimidade. Pode existir legitimidade com ele e pode a legitimidade não se inserir dentro dele. É neste caso, interessa profundamente a. questão da representação. Porque a representação política, conforme está formulada, ainda é '1UIUl reminiscência de um privativismo do direito público, quando o mundo contemporâneo caminha para a publicização do direito privado. A questão do mandato político - e Rousseau usava também expressões do direito privado - é típica de quando o direito público não tinha recumo para se autodefinir . . O direito público é muito recente; o constitucional data do final do século XIX, na Itália; o administrativo do começo do século XIX; o Poder e legitimidtule direito financeiro, o direito tributário deste século. Estamos nascendo no direito público. Mas, evidentemente, ele já tem recursos próprios que o tomam autônomo. Os conceitos de mandato político, de representação política, etc. têm ressaibos de um civilismo de direito constitucional. Isso não tem mais razão de ser, mormente com a teoria do Estado-órgão, que não se confunde, é claro, com o organicismo do século XIX, spenceriano, enfocado pela socio logia biológica. O meu organicismo é ético, idealista, cultural. Ravá mostrou que o Estado ético não é totalitário, de sorte que não há nenhuma relação substancial entre o organicismo cultural e o fascismo. Evidentemente, isso não impede que muitos conceitos válidos que hoje apli camos tenham sido utilizados, em outras circunstâncias, por pensadores de direita ou de esquerda. Temos que adotar dos teorizadores aquilo que permanece de seu pensamento. Em toda doutrina de pensador político há uma parte que parece com sua época, em que paga tributo, paga tributo à ideologia que segue, ao seu gosto estético, a seu tempo, mas há uma outra parte que encerra o intenso núcleo de suas idéias e que permanece porque desvinculada do jogo circunstancial. O organicismo demonstra claramente que, com a teoria do Estado órgão, o direito público libertou-se totalmente do problema da represen tação política, nos termos em que ela era colocada pelos pensadores do século XIX e até deste século, que recorriam ao direito privado. E por quê? Porque a teoria do Estado-órgão faz o direito público colher em si mesmo os elementos para resolver seus problemas. Vejam V. Ex.as, que essas questões são profundamente atuais. Quando estudamos a miranda do poder, quer dizer, a sua simbólica, ou a sua credenda, o consentimento que damos ao poder para que ele seja legítimo, nós estamos abordando um assunto de todas as épocas, nesta mesa-redonda, em que existem pessoas da maior autoridade intelectual e que tem significativa experiência dos três poderes do Estado, razão pela qual podem sentir o problema em suas diversas e perturbadoras nuanças, ansiosos de ver um Brasil economicamente forte, política e juridicamente soberano e socialmente justo. Sr. Presidente - Com a palavra o Dr. Manoel Gonçalves Fereira Filho. Dr. Manoel Gonçalves.Ferreira Filho - f: para mim uma experiência extre mamente enriquecedora participar desta mesa-redonda, conjuntamente com tantas figuras de realce do pensamento brasileiro, seja do pensamento filo sófico, seja do pensamento jurídico; seja do pensamento sociológico. Como professor de direito constitucional, a ordem de preocupações que me traz o tema "Poder e legitimidade" é, de certa forma, mais chã, mais rasteira do que as considerações filosóficas especialmente, que foram tão bem expendidas pelos oradores que me precederam. O ponto fundamental, na minha opinião, a respeito desta questão, é a distinção entre legitimidade e legalidade. A legitimidade, como referência a um conjunto de crenças que a comunidade tem, num determinado mo mento, ou seja, como uma idéia que essa comunidade faz do que seja direito, do que seja justo, portanto, de quem deve governar, de como deve ser estruturado o governo, ou de até onde pode ir o governo. E a legali- R.C.P. 1/76 dáde, a refe~ncia a um corpo de,:regras, pdsitivas, isto é, regras editadas e garantidas pelo Estado, pelo podt6 POUtico. Nessas condições, estabelecida.essa distinção, nós podemos encontrar um poder legítimo que não seja um;poder legal,' um poder legítimo que seja poder ilegal, como nós podemos~encontrar um poder ilegal que seja um poder legítimo. :e exatamente em Virtude dessa dualidade de situaçOOs, que cabe o fenômeno revolucionmo, freqüentemente um fenômeno de restauração da legitimidade contraumgovemo legal, que se tomou ilegí: timo, mas que pode ter a conotação inversa de um movimento para o esta belecimento, ou para o prevalecimento de uma nova legitimidade. Esta minha última afirmação pode deixar de pé uma certa dúvida, ou pode parecer uma certa incoerência. Mas o fato é que em determittada~ fases históricas é propriamente encontrado um conflito de legitimidade, porque não prevalece, globalmente falando, uma concepção sobre o justo, uma idéia de direito, mas se ch'éX:am e lutam entre si diferentes concepções do "que seja o direito. Esse problema foi ~orado, brilhantemente, pelo meu Prof. Souza Brasil, há pouco, quando ele apontava o fenômeno histórico da coexistência de princípios que são opostos, como muito bem traduz o preâmbulo à Constituição de 1824, a Carta Constitucional do Império, fazendo refe rência de um lado à soberania de direito divino, ao direito diviao dos reis, e de outro lado à soberania popular. Nessas épocas de conflito" de' legitimidade, é extremamente difícil' a situação do poder político, porque este tem pela frente dois paradigmas diferentes, um o paradigma legal, outro o paradigma legítimo, e o- paradigma legítimo, às vezes, dividido entre si. Essa matéria é de suma importância, 'quando nóS analliiáníós a 'queS~ tão no estrito prisma do direito constitucional. O direito constitucloi1al começa com a Constituição. Mas CO'DlO começa uma constituição? Numa análise fenomenológica, nós enCOl1tramos um grupo que se arroga o direito de estabelecer instituições novas, ou seja, triunfando por esta ou aquela maneira edita um 'ato que pretende venha a ser uma constituição. Mas, de certa forma, qualquer 'um pode fazer isso, qualquer grupo pode preten der estabelecer uma constituição nova, pode formular essa declaração' de instituições novas. Mas em que momento, ou em que condições esse ato se transforma numa constituição? A meu ver, esse ato se tnrosforma numa constituição, no momento em que se toma eficaz, ou seja, no momentO em que ganha a aceitação dos governados, a aceitação global e mansa da comunidade que pretende seja regida por essas regras. Essa aceitação,evi dentemente, é facilitada, quando essa declaração de instituições nóvas, e,sse ato constituinte, coincide com uma idéia de direito preexistente, uma legi-: timidade preexistente. Mas pode ocorrer em sentido oposto, ou seja, essa declaração pode não encontrar, por si, a legitimidade. E aí me parece caber a análise de um outro fenôn;teno, que é o fenômeno da legitiniaçlo. Eu assim designaria por falta de um termo melhor, é a ação do próprio poder que se estabelece, liga-se pela força, para ganhar a '8céitaçio da COIpUnidade, para conquistar essa aceitação. E temos inúmeros exemplos Poder e' lelfÍtimidode históricos em que o poder, ilegítimo em sua origem, consegue por sua ação, usando todos os recursos e, modemamente, em especial, dos meios de comunicação de massa, transformar a legitimidade, transformar-se a legitimidade, transformar-se de poder ilegítimo, de início, em poder legítimo. Esse problema de conflito de legitimidade, parece-me ser o problema político fundamental da época em que vivemos. Nós vivemos - e, especial mente, em alguns países, vivemos mais intensamente - o conflitoentre o princípio democrático e o princípio liberal, em face de novas circunstân cias e de uma conjuntura especialmente difícil. f: preciso, porém, bem distinguir esses dois princípios, o que nem sempre aparece nas disputas e nos debates. O princípio democrático já é de caracterização difícil, porque quem se debruça sobre a história das idéias políticas, encontra diferentes colocações do princípio democrático. De fato, o princípio de mocrático pode significar simplesmente a resposta à indagação de quem provém o poder, ou a quem cabe o exercício do poder. Tomada na primeira acepção, a concepção de democracia. Suáfez, por exemplo, seria um democrata. Mas há uma colocação mais restrita, que éa de que democracia significa quem exerce o poder, todos ou maioria dentre todos. Essa, por exemplo, seria, de alguma forma a colocação de Aristóteles, na Antiguidade, seria a colocação de Rousseau, no Contrato social. Só. haveria democracia, propriamente, quando todos, ou a maioria, exercessem diretamente o poder. Entretanto falta uma terceira concepção, que já coloca a democracia como, simplesmente, a participação no poder, especialmente pela designação dos representantes. Daí o problema tão bem colocado pelo Prof. Whitaker da Cunha. f: preciso, num debate sobre a democracia no século XX, começar por distinguir o que se vai entender por democracia no plano dos princípios. E existe hoje, sem dúvida, uma legitimidade formada em torno do prin cípio- democrático: todos são pela democracia. Mas se a análise se apro funda, já não existe legitimidade tão firme. Pelo menos, uma legitimidade sobre o que se entender por democracia estritamente falando. Esse pro blema ainda . avulta, quando se combina a problemática da democracia com a problemática· do liberalismo, ou do princípio liberal. Este o prin cípio é, na verdade, não um princípio relativo à estruturação do poder, mas à limitação do poder. O princípio liberal significa que o homem tem determinados direitos,· tem determinadas liberdades, que estão fora da esfera do Estado. Na verdade, o pensamento revolucionário do fim do século XVII, na Inglaterra, e século XVIII, na França, era, em primeiro lugar, um pensamento liberal e, só secundariamente, um pensamento demo crático. A grande preocupação era garantir a liberdade, e não estabelecer a democracia. O estabelecimento da democracia era, de certa forma, um instrumento para a defesa da liberdade. O princípio democrático, no século XVIII, é um princípio ancilar do princípio liberal. Acredito que o princípio liberal, ·nosell.tido da afirmàção dos direitos do homem, superiores ao Estado, postos além da esfera legítima de ação do Estado, continue um princípio· válido. Não acredito que se tenha de pôr de lado o princípio liberal. O que é" preciso, a-meu ver, em face das condições deVida da 86 R.C;P. 1176 segunda metade do século xx, é, ~trar uma outra formulação,· uma outra combinação de instituições, pua temperar-se o eterno conflito entre democracia e liberalismo, entre piidcípio democrático e princípio liberal. O princípio democrático, levado às últimas conseqüências, pode ser um princípio profundamente antiliberal. Na verdade, os gregos antigos, quando concebiam a democracia, não concebiam uma democracia limitada. Certas decisões que, legitimamente, eram tomadas pelos poderes democráticos atenienses, seriam intoleráveis para nós, no século XX. Uma última questão, suscitada, muito bem, pelo Prof. Fernando Whi taker da Cunha, merece um exame detido por esta assembléia: a rel~ entre poder e representação. Não há dúvida - e muito bem colocou o Prof. Fernando Whitaker da Cunha - que a representação nasceu mar cada por uma reminiscência do privativismo. Isso se nota, especialmente, no seu vocabulário. O que me parece mais preocupante, no tocante à representação, no tempo que corre, é que ela tem, verdadeira e politica mente, dois sentidos: primeiro, a escolha de quem vai governar em nome do povo. Poderemos chamar de representante-governante, por exemplo, o presidente da república, o governador do estado e, mesmo, o parlamentar, na medida em que ele exerce o poder legislativo, para estabelecer normas, para tomar decisões. Segundo, o do defensor de certos interesses: advogado, se preferirem uma colocação mais 'nobre, ou despachante, se preferirem a menos nobre. Coexistem ambas, especialmente. em relação aos membrQS do poder legislativo, que é tomado, sobretudo nos Estados que têm interior, também como defensor de certos interesses particulares: de grupos ou intereses, até de pessoas. Na verdade, ele gasta grande parte de seu tempo, ainda hoje, na defesa desses interesSes. Essa dualidade é de grande reper .. cussão, na procura de um modelo de instituições. No caso <1;0 poder legis lativo, o membro deste Poder é um representante-governante~ e ao mesmo tempo um representante-advogado. Freqüentemente, não exerce <te modo ad~uado nenhuma dessas duas tarefas, exatamente por causa dessa duali dade. Pergunto se não seria de j,maginar-se uma reestruturação da repre seÍltação, em que .se separasse o representante-governante do representante advogado. Isso, de alguma forma, já reponta, com a formação dos lobbies. que é caminho para a manifeStação dessa defesa de interesses. O reconhe cimento dos grupos de pressão não seria, de alguma forma, a institucio nalização, desse segundo aspecto da representação? Perdoem-me os eminentes mestres, aqui reunidos, se me alonguei um pouco, mas o interesse que o tema me suscitou, especialmente as palavi'às tão bem Colocadas pelos professores que me antecederam, me levaram a não ser breve. Sr. Presidente - Vou dar a palavra à Prol' Lúcia Maria Gomes Klein. ProF Lúcia Maria Gomes Klein - Minhas preocupações vão bem mais longe do que as suscitadas aqui e se aproximam mais das do Prof. Ferreira Filho e do Min. Cândido Mota Filho, quando colocam o problema dá pro visoriedade das bases de legitimidade, nos sistemas de poder atuais, e mais especificamente· com o que o Prof. Ferreira Filho chamou de proceSso de legitimação de sistemas de· poder, que se instauram' por vias nio-insti- Foder e legitimidade 17 tucionalitadas. Conviria, então, lembrar mais uma vez a distinção entre dois tipos de legitimidade, nos sistemas de poder atuais. No primeiro caso, a legitimidade que decorre da existência de um pacto entre governantes e governados, no sentido de que o poder foi obtido e é exercido em' conso nância com regras preestabelecidas, claramente definidas, e promulgadas segundo procedimentos aprovados. Nesse tipo de regime, o exercício do poder visa, em última instância, a consecução dos fins definidos como prioritários pela sociedade. O Estado é visto como um instrumento para a consecução desses fins, e as bases de legitimidade são estáveis. A rotati vidade do poder é um processo relativamente indolor ê esses sistemas são relativamente autônomos em relação ao seu próprio desempenho, no sen tido de que esse aspecto importante, mas não há componente básica para a legitimação. Já no caso de sistemas de poder que se instauram por vias não-institucionalizadas, vigora, como colocou o Prof. Ferreira Filho, um processo de legitimáção a posteriori. Na medida em que se instauram sem a observância a normas preestabelecidas e socialmente aprovadas, esses sistemas de poder se vêem na contingência de forjar a sua legitimidade de criar a sua própria legitimação. O problema que me tem ocorrido, nesse último caso - e penso que o estamos vivendo agora - é que as bases de legitimidade são extremamente instáveis e essa legitimação, criada a posteriori, tende a esgotar-se. Vale a pena urna referência ao caso brasi leiro, ainda não mencionado até o momento. Uma das grandes dificuldades do atual regime, nesses últimos 11 anos, tem sido a estruturação de bases estáveis de legitimidade. Desde 1964, o regime vem se apoiando em dife rentes bases de legitimidade. Uma delas, como o Prof. Djacir Menezes deixa claro. emseu artigo, está explicitada no Ato Institucional nQ 1, e consiste na legitimação do poder pelo poder. Mais tarde, durante o Gover no Castelo Branco, o regime procurou se legitimar para o poder, em função da presença de um compromisso democrático. Em seguida, o eixo da legitimidade foi deslocado para a eficácia, expressa através da perfor mance governamental na esfera econômico-administrativa. No momento, parece estar se processando um novo deslocamento das bases de legitimi dade, desta vez para a dimensão social do desempenho do governo. Os sistemas de poder instaurados por via não-institucionalizada pare cem, portanto, debater-se permanentemente com o problema da criação de bases estáveis de legitimidade. Não surpreende que os momentos cru ciais do sistema político brasileiro, nestes últimos 11 anos, tenham corres pondido precisamente, aos períodos em que a legitimidade do próprio regi me foi colocada em xeque. Ao tentar institucionalizar-se, através da criação de suas próprias bases de legitimidade, o regime tem enfrentado um sério impasse. A verdade é que a' criação de bases estáveis de legitimidade, condição sine qua non para institucionalização do regime, requer a autolimitação do poder. Entre tanto todas as vezes que se tem deparado com esse tipo de situação, o regime tem optado por lançar mão de instrumentos jurídico-poIíticos, que, na. verdade, invalidam as normas que ele próprio estabeleceu para criar 88 R.C.P. 1/76 novas -normas que lhe confiram' maiór, àutoiiomia e que resultem na ex pansão' do seu próprio raio de 'ação. - -:. Eu coloco então em debate este problema específico, que é o da criação de bases estáveis de legitimidade, num sistema de poder que se instaura por vias não-institucionalizadas. Pro!. Francisco de Souza Brasil- Sr. Presidente, peço permissão a V.~, e peço desculpas por usar novaniente da palavra, mas a posição do nosso eminente mestre, Or. Manoel Gonç3Ives Ferreira Filho, complementada pela professora que acaba de u~r da palavra, obriga-me a algumas refle xões que eu também peço licença para trazer à mesa de debates. O primeiro desafio, digamos aSsim, do Dr. Manoel Gonçalves é quanto ao sentido das palavras,' especificamente, que se referem à demo cracia. Fustel de Coulanges, em livro clássico, foi contraditado por alguns que diziam que ele havia empregado mal certas palavras. E citavam entre elas a liberdade. Dizia: enganam-se os que pensam tomar como modelo a liberdade grega, pois ela nunca existiu. Então enumera uma série de casos em que, na realidade, o que existia na Grécia era uma conduta extremamente bitolada pelos interesses sociais ou estatais. Dr. Manoel Gonçalves Ferreira Filho - La liberté des anciens et la liberté des modernes. Pro!. Francisco de Souza Brasil - Outro modelo muito interessante, que se reflete no campo do direito internacional, é o que se observa nos textos legais. Por dever de ofício, comparando a Convenção de Havana, que regulava as relações consulares, na década de 20, com a Convenção de Viena, na década de 6O,que trata do mesmo assunto, entre os dois textos, regulando idêntica situação, que não evoluiu muito, as relações consulares se mantêm mais ou menos estáveis há muitos anos, acontece o seguinte: enquanto a Convenção de Havana entrava diretamente no âmago do problema, a Convenção de Viena tem, em seu art. 19 , um longo .ementário dizendo como interpretar, Como entender as palavras para aqueles fins. Começa dizendo o que é cônsul, o que é família consular, o que é empregado Con sular, oq~ é poder consular, o que é chefe de missão consular. Evidente- ,mente, para cada uma dessas expressões, cada um teria o direito de en contrar conceitos diversos daqueles, mas, por força de lei, aqueles é que são os conceitos e em tomo daqueles conceitos, estabelecidos por lei, é que se devem discutir os problemas. O que acontece é o seguinte: a nossa brilhante colega situou a ques tão em termos muito interessantes. Muitas idéias são oriundas da nossa Escola Superior de Guerra. E aqui temos, a começar pelo Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o Dr. Armando Marinho, o Ministro Themistocles Cavalcanti, diplomado honoris causa, conferencista várias vezes, o Ministro Cândido Mota Filho e o Prof. Djacir Menezes, que nos honrou diversas vezes com a sua presença. A Escola Superior de Guerra, que na realidade foi o primeiro centro brasi leiro de estudos políticos, pois há mais de 25 anos, quando não se falava Poder e legitimidade 89 absolutamente em clencia política entre nós, já. ela se preocupava com isso, a escola situou muito bem este problema, qual seja o da conotação - entre poder e política. Disso o espelho está na Constituição atual que foi em grande parte, ainda que não completamente, influenciada pelas idéias da Escola Superior de Guerra. Dentro da nossa Constituição, que é Constituição vigente em termos constitucionais - o Estado tem uma finalidade, que é a de atingir determinados objetivos nacionais. E, havendo curiosidade poder-se-á, entre as atribuições do Conselho de Segurança Nacional que, ao contrário do que muita gente pensa - aí também entram as pala\'ras - não tem nada a ver com segurança militar ou segurança policial, sendo composto de todos os ministros de Estado, onde apenas três são detentores de pastas militares, aí encontrar-se-ão os objetivos nacionais e bases políticas. Ministro Cândido Mota Filho - Se V. Exl!- me permite, a Constituição fala que todo cidadão é responsável pela segurança nacional. Prol. Francisco de Souza Brasil - Vou chegar lá também. Pois bem, ao Conselho de Segurança Nacional incumbe: fixar os objetivos nacionais permanentes do Brasil e as bases da política nacional. Veja bem que não são bases nem objetivos de política de segurança nacional. Não. São bases da política nacional. Assim, dentro da concepção que defendemos, o Estado, que segundo George Bourdeau é o titular abstrato do poder, que se exerce concreta mente através de seus agentes, os governantes, este Estado usa como instrumento o poder nacional. Para quê? Para atingir objetivos nacionais, que classificamos de permanentes, quando devem ser atingidos a longo prazo, através de um poder que se possa ir apurando ao correr dos anos. Mas deve ser meta de cada governo fixar objetivos nacionais atuais, aqueles que devem ser alcançados, no decorrer daquele governo, através de um poder nacional que existe. Poder nacional este que nada mais é do que - como sabem todos os adesguianos - uma síntese, uma soma, um conjunto integrado de meios de toda ordem que a Nação dispõe para. que, sob orientação do Estado, alcance seus objetivos nacionais. Veja bem, ilustre colega, como essas idéias, hoje em dia, já estão apresentando uma conotação extremamente diferente. O que sentimos, é. uma observação que ultimamente tenho frisado muito, é aquilo que os norte-americanos chamam de cultura lag, que é a diferença entre os nossos conhecimentos, a tecnologia moderna e a rotina em que vivemos. Por exemplo, no momento em que o homem, sentado tranqüila mente em sua casa, diante da sua televisão, assiste, instantaneamente, a um astronauta pisar no solo da Lua, há determinadas rotinas que ainda se prendem a procedimentos usuais à época do direito romano, inteiramente em desacordo com a tecnologia que existe e faz com que hoje em dia tudo seja profundamente modificado, tendo em vista uma realidade que está, cada dia, mais se impondo e atuando. Então há este cultural lag, que é a contradição entre o indivíduo com as suas idéias em flagrante contraste com a realidade que o cerca. Creio 90 R.C.P. 1/76 que, dentro deste panorama de constante evolução e de constante mutação, devemos situar o entendimento das palavras, para que elas tenham um valor relativo. Assim como nascemos, cresceJJlOS, nos desenvolvemos e morremos, as palavras também nascem, crescem, desenvolvem-se e morrem, segundo o conceito que delas usamos em uma .época determinada.Acredito que dentro deste pequeno argumento, não tão pequeno quan to desejaria, infelizmen~e - talvez fosse interessante debater a matéria. Sr. Presidente - Eu compreendo o ponto de vista da Prof~ Lúcia Maria. Talvez fosse interessante examinar um pouco o problema que ela coloca. Eu compreendo bem o que ela quer significar. Como se explica que o próprio poder que estabeleceu suas bases constitucionais se tenha autolimi tado, ou limitado essas bases constitucionais através de um ato? f: este, me parece, o sentido da sua esplanação, não é? Projl} Lúcia Maria Gomes Klein - f:. Prol. Fernando Whitaker da Cunha - Sr. Presidente, há dois pontos que me parece interessante abordar no momento. A primeira é ainda a questão democrática, porque faltou uma espla nação na minha primeira etapa. Não vi necessidade disso na ocasião, mas os debates evoluíram num sentido muito interessante. Inicialmente, pela abordagem da questão democrática pelo Prof. Ferreira Filho e depois pela questão aventada pela ProP. Lúcia Maria, sobre esta autolimitação do poder por si mesmo. Na primeira questão, temos que dizer o seguinte: Como poderemos chamar a democracia grega de democracia? A palavra democracia foi criada por Heródqto, -em seus livros de história. Os gregos adotaram esta palavra como . dando a maioria, mas a maioria totalitária. Na Grécia antiga, todos sabem, havia escravidão. A mulher não tinha direito algum, os estrangeiros não tinham quaisquer prerrogativas, não se exerciam ofícios manuais. Havia o horror do cotidiano por aquela aristocracia. Isso era democr~cia? Não, etimologicamente falando. A democracia grega não era uma democracia. De modo que quando Péricles, na oração aos mortos no Peloponeso, diz que a democracia era um modelo, que todos deveriam seguir, ele usou uma força de expressão para sua época. Para a democraCia antiga não era uma democracia. A democracia, em meu entendimento, começou a ser aflorada com o cristianismo, o cristianismo desarraigado do seu' aspecto reIígioso. Mesmo porque o deísmo das constituições não implica a aceitação dessa ou daquela religião. A Constituição do Vaticano não fala no nome de Deus; no entanto, é profundamente religiosa. A Constituição dos Estados Unidos, que é pro fundamente religiosa, não aborda o problema de religião. Então o nome de Deus não pode ser uma invocação formal; tem de ser substancial. Ora, então a democracia nasce quando o paganismo aflora à questão de direitos individuais, que não havia antes dele. f: a consciência do homem perante o ~ado. Mas vejam V. Ex.lIs, este é um aspecto curioso. A democracia que nós buscamos encontrar é a que se encontra no Evangelho, politicamente Poder e legitimidade 91 considerado, não se discutindo se o Evangelho é obra histórica rigorosa. Não é isso que interessa, mas sim saber se no Evangelho há uma mensa gem política, o Cristo foi um homo politicus. Então a primeira questão importante: essa democracia que o cristia nismo pela primeira vez sugeriu não foi ainda realizada na sua integridade, e este é o grande defeito do Ocidente, porque enquanto os países marxistas têm uma ideologia que se pode discutir, que se pode refutar, da qual se pode discordar, mas que é uma ideologia sólida e séria, e perigosa por isso, porque apela não só ao espírito como ao estômago, o Ocidente não tem qualquer ideologia, nada tem. O Ocidente vive de uma indefmição ideológica. Qual a ideologia do Ocidente? Min. Cândido Mota Filho - Quando houve a Guerra Civil Americana, Lincoln pronunciou aquele famoso discurso no qual defendeu e definiu a democracia como governo do povo, para o povo e pelo povo. Dr. Manoel Gonçalves Ferreira Filho - Mas isso é forma oratória que não esclarece nada, em termos de ciência política, de direito constitucional. Min. Cândido Mota Filho - Como não? Governo do povo, que é repre sentação; governo pelo povo e governo· para o povo, que é administração. Pro!. Fernando Whitaker da Cunha - Mas eu quero observar o seguinte: a democracia não é só isso. A democracia é mais do que a mera vontade da maioria expressa. A democracia é também o respeito da minoria à estrutura oligárquica como parte do poder, como elite do poder. Isso é custoso, isso é muscular, dentro da ciência política. Mas dizia eu a razão: é porque o Ocidente jaz por indefinição ideo lógica, por uma incapacidade de defender uma ideologia. E aí vem o aspecto secundário da observação. No Brasil, atualmente, e é este o grande elogio que se pode fazer à Revolução de 64, ocorre o seguinte: eu dei aula no Estado-Maior do Exército, na Escola Superior de Guerra; eu penso com independência. E na Escola Superior de Guerra, cuja ideologia ainda está em elaboração, não se pode tê-la como um fato consumado em alguns sentidos, tem muita coisa lacrimosa; pois bem, o Estado para essa Escola é apenas um aparelho político, quando o Estado é um aparelho político-jurídico. Eu mesmo disse lá, isso que estou dizendo agora. A defi nição de Wilson em O Estado-nação é do século passado. Foi utilizada depois, mas isso significava o Estado liberal do século XIX. Não é só político o Estado. :E: político-jurídico também, porque é a cápsula jurídica da nação. Sem ele, a nação não funciona. :E: claro que, num conflito entre o Estado e a nação, a legitimidade impõe a nação sobre o Estado. Dizia eu da contribuição da Escola Superior de Guerra, inclusive sobre o 4Q poder partidário - isso nós fixamos - mas a doutrina dela é uma doutrina que tem a grande vantagem de oferecer os princípios de uma ideologia. :E: claro que essa ideologia ainda está em elaboração, mas ela tem feito apelos aos pensadores que demonstraram objetividade, inclu sive V. Exl1-, em vários ensaios publicados, sobre estrutura política; Alberto Torres, Oliveira Vianna, Afonso Arinos, Sérgio Buarque de Holanda; e sob um certo ângulo, inclusive Plínio Salgado. Então, o que sucede: quando 92 R;C.P; 1/76 foi criada a cadeira de probl~lJUIlbtaSileirQS, uma cadeira mal compreen dida - eu posso dizer porque:rlOy., titular ,dessa cadeira na Faculdade Nacional de Direito - ela foicri~d~; inclusive, inoculada por uma compre- ensão cristã do fenômeno social,., rlão meramente católico. . Prol. Francisco de' Souza Brasil - O(aulQr. do projeto, que se transformou nesse decreto, não é propriamente ,um penSador cristão. E mais um teósofo. Pr%~~ Fernando Whitaker da Cunha -, .' Mas. a Constituição brasileira, que é inspirada obviamente na perfeição técnica da Carta de 37, entre outras coisas, e a Constituição atual, elas, fazem um largo apelo à interpretação cristã do fenômeno social, tanto q~ um pensador argentino, meu amigo particular, Carlos Fayt, notável pensador político, observou num trabalho penetrante a itlfluência da Materet Magistra na o.rdem econômica e social. ,De modo que eu pergunto:'qual é a importância disso'?, A importância disso é que no Brasil - e este é o. aspecto importante da Escola Superior de ,Guerra - já uma classe começa a pensar, começa a se preocupar em criar uma ideologia, . ainda em certos aspectos tateante, indecisa, porque é colaboração de não-juristas, 'não-sociólogos, não-políticos,mas de pa triotas e isso é' importante., E chegará o dia em que essa ideologia será completada, mas essa ideologia sabe onde se inspirar para criar uma democracia autêntica e a ideologia é a única forma. Uma idéia é a única forma de combater outra idéia. Não se combate uma idéia com tiro. , Quando Heine chegou a Paris e foi abordado pela Alfândega e per guntaram a ele: "Onde está seu contrabando?, ele respondeu: "Está na cabeça." Então, nessa questão de limitação do poder por si mesmo, já Jellinek havia abordado esse problema de o Estado se autolimitar, porque em todo poder de fato há um poder jurídico. Não há poder de fato perma nentemente de' fato. De modo que a tendência do poder é tomar-se jurí dico; mesmo o poder de fato ilegítimo toma-se poder de direito. A ten dência natural do poder é uma tendênciaem se tomar jurídico. ' Dr. Manoel Gonçalves Fe"eira Filho - Sr. Presidente, peço excusaS por voltar ao assunto. Mas a análise que a Prof/!- Lúcia Maria fez, afinal de contas, do problema brasileiro, que se enquadra estritamente dentro do problema de conflito de legitimidade, acho que merece um exame mais detido. A Prof~ Lúcia Maria diagnosticou uma instabilidade de bases de legi timidade. Eu diagnosticaria um conflito de legitimidade, porque no Brasil, não de 64, mas desde um pouco antes, de 62 e 63, conflitam três con cepções de legitimidade, uma das quais eu veria bipartida. Uma é a concepção que tem um relativamente grande apoio no que eu chamaria de núcleo tradicional, que identifica legitimidade com um modelo democrático liberal estabelecido no século XVIII e que gira em tomo de dois pólos: o primeiro, o sistema de eleições livres, com a devo lução do poder de baixo para cima. O, segundo, o aspecto estritamente constitucional da limitação do poder, para que nenhum dos poderes possa dispor da existência do outro, ou possa gozar de poderes excepcionais. Essa seria a colocação, ou a concepção tradicional que, evidentemente, Poder e legitimidade !H não entende que a Constituição atual, especialmente por causa de seu art. 182, corresponda a esse quadro de legitimidade. Temos no extremo oposto dessa concepção tradicional, uma outra que poderíamos chamar marxizante, que também está presente num setor ponderável da nossa intelectualidade. Esta concebe que legítimo é apenas o poder que é atribuído direta ou indiretamente ao proletariado e, portanto, não aceitará qualquer corpo de instituições que não sejam as instituições da ditadura do proletariado, ou de qualquer versão melhorada, adaptada ou modernizada dessa concepção. Há uma terceira concepção que, para uso deste debate, se denomina ria de concepção revolucionária, revolucionária entendendo-se como a concepção da Revolução de 1964. É uma concepção esta que tem, con forme muito bem apresentou o Prof. Souza Brasil, a idéia de que poder legítimo é aquele que atende à realização dos objetivos nacionais perma nentes. Nesse corpo, vejo duas correntes que, na verdade, se têm alternado no poder. Uma que governou de 1964 até o At{) Institucional n'? 2, outra que preponderou depois do Ato Institucional n'? 2 ou, pelo menos, a partir de 15 de março de 1967, até 15 de março de 1974. E, de certa forma, é a primeira que volta a partir de março de 1964. A diferença fundamental é que uma, a que primeiro prevaleceu e que hoje, ao que parece, volta a prevalecer, entende que politicamente o governo se legitima pelo respeito ao princípio democrático e ao princípio liberal, mas não aceita um modelo tradicional de institucionalização democrático-liberal, se propõe resolver um problema grave que é a procura do outro modelo, tradicional de institucionalização democrático-liberal, se propõe resolver um problema grave que é a procura do outro modelo, daí o convite à imaginação criadora. A segunda corrente não cuida desses aspectos formais, mas se preocupa pragmaticamente com a realização de um desenvolvi mento que importe o atendimento dos objetivos nacionais permanentes com o fortalecimento do Estado brasileiro. Nesse quadro que, evidentemente, simplifiquei para que pudesse ser condensado, nós vivemos um conflito de legitimidade, porque o que é legítimo para o tradicional não é legítimo para os demais, o que é legí timo para o marxizante não é legítimo para os outros, o que é legítimo para um revolucionário não é legítimo para um tradicional, nem para um marxizante. E a grande verdade que tem que ser dita aqui é que no próprio setor revolucionário, nem todas as iniciativas são igualmente recebidas: uns acham que se vai muito depressa, outros acham que se vai muito devagar. Nós vivemos, a meu ver, um quadro de conflito de legitimidade e somente, a meu ver, quando se resolver esse conflito, ôe uma forma ou de outra, nós teremos a estabilidade das instituições. Min. Themistocles Cavalcanti - Prof~ Lúcia Maria, a senhora quer voltar a usar da palavra? Profl Lúcia Maria Gomes Klein - Concordo com o Prof Ferreira Filho. Gostaria de acrescentar que, na minha opinião, tem-se procurado resolver esse conflito de legitimidade através de uma tentativa de legitimar a nova ordem legal. Na realidade, vem-se procurando legitimar a ordem legal 94 R.C.P. 1/76 que emerge a partir de 1964 e' que 'Se 'configura de uma forma mais nítida . a partir de' dezembro de 1968, ao se estabelecer uma vinculação direta entre os índices de crescimento· econômico e a vigência da legislação de exceção. A intensificação a partir de 1975, do uso do Ato Institucional para solucionar crimes de corrupção, configura uma nova tentativa de legitimar uma ordem legal estruturada no decorrer de diversas etapas, desde 1964. Prol. Armando de Oliveira Marinho - Mas me parece que a aplicação dos atos institucionais para crimes' de corrupção não é coisa recente. Prol. Francisco de Souza Brasil- Uma das origens do ato foi essa. Quero lembrar só que há uma definição de revolução, creio que de George Bourdeau, muito interessante. Revolução é a' mudança de um Estado de direito 'para outro Estado de direito. Vejam bem que o direito está sempre presente. A título de aparte, quero dizer que há uma obra clássica de Bertrand de Jouvenel, Le pouvoir, que deveria ser lida e meditada. Ela não tem nada a ver com a revolução brasileira. Diz o seguinte: entre liber dade e segurança, todos escolhem segurança, ao longo da história. Então, dá uma explicação histórica admirável, que é a seguinte: por que a cultura desenvolveu-se apenas nos mosteiros, na Idade Média? Porque era o único lugar onde havia segurança. Os que queriam praticar a cultura, abdicavam da liberdade para aceitar a segurança porque, naquele tempo, como até bem recentemente, a vida de um monge, de um sacerdote regular, era o que . havia de menos livre no mundo inteiro, porque a primeira promessa que um sacerdote regular faz ao entrar no mosteiro, diante de seu superior, é abdicàr da sua liberdade, da sua vontade, na mão do superior. Pois bem, o homem preferia abdicar disso para ter segurança e poder dedicar-se aos seus estudos. Quem leu - e todos devem ter lido - Victor Hugo no seu famoso O corcunda de Notre Dame, verá que na hora em que Esmeralda quis fugir da polícia, refugiou-se na igreja, onde a polícia do rei não podia entrar, porque era um lugar de asilo divino. Então, Bertrand de Jouvenel situa o poder de uma maneira extraordinária e, ainda mais, mostra, cultivando o paradoxo, que nos períodos de absolutismo havia muito mais liberdade que nos períodos democráticos. Cita o exemplo europeu, sempre o europeu: serviço militar. Por que a Guerra dos Cem Anos durou cem anos? Por que levou cronologicamente cem anos? Não. No regime feudal, o senhor feudal, o suserano, ao outorgar ao vassalo uma terra, dava-lhe o direito inalienável de cultivá-la e, para cultivá-la, o vassalo interrompia a ajuda militar que prestava ao suserano. E hoje'! As leis votadas pelos parlamentos obrigam o cidadão a dois, três ou quatro anos de serviço militar e todo mundo acha isso democrático. O que seria mais democrático? O poder absoluto que, no entanto, dava ao vassalo o direito de interromper uma. batalha para cultivar a terra, independente de consulta à vontade do suserano, ou hoje em dia em que as leis, cada vez mais, reduzem a liberdade individual favorecendo o poder do Estado? Vejam essa contradição, que é muito interessante. Prol. Armando de Oliveira Marinho - Parece-me que hoje há uma aliança entre o tradicionalismo e o marxismo, que se sentem frustrados diante da Poder e legitimidade 95 realização dessa terceira corrente, a corrente revolucionária que, reformu lando as instituições, modernizando-as, dando-lhes pelo menos a proximi dade de uma democracia possível, que é uma democracia identificada com a realidade brasileira, e essas duas correntes, então,parece-me que hoje em dia têm uma posição antagônica e coexistem pacificamente, apesar de serem contrárias. Sr. Presidente - Com a palavra o Prof. Armando de Oliveira Marinho. Prof. Armando de Oliveira Marin/w - A mim me parece que, na trilogia proposta por Maurice Hauriou, "ordem, poder e liberdade", pode ser resu mido o cerne da problemática política e, conseqüentemente, do tema, ora em debate, segundo ensinamentos de Bidat Campos. Esses três elementos, sendo cada um deles uma força, se completam e de sua conjugação, avaliada em grau de intensidade, resulta o maior ou menor equilíbrio do Estado e a sua tipificação como maior ou menor pro ximidade do que se pode ter como democracia. A ordem atua como uma força de resistência que pode nos transmitir uma imagem de imobilismo, como se disséssemos: alguma coisa está aqui e não se move. Não obstante ela é a propulsora da organização, colocando os diversos atores do jogo político em seu lugar, tanto os cidadãos como as instituições políticas e os governantes. Enquanto isso, a liberdade pode ser comparada a uma força em mo vimento, em expansão, que necessita ser contida, limitada para não atingir a desordem, a anarquia, estado desagregador de qualquer sociedade politi camente organizada. Esta força de contenção, este freio da liberdade, é exatamente a ordem. Finalmente, temos o poder, que, segundo o já citado Bidat Campos, secundado por Xifras Heras, se apresenta como uma força de equihôrio. Do poder necessitam tanto a ordem quanto a liberdade para suas res pectivas ações, para se protegerem. E ao poder são igualmente indispen sáveis a ordem e a liberdade. A liberdade se torna indispensável ao poder, porque apenas a coação não gera a obediência estável. Sem a ordem, no entanto, o poder não obtém o concurso dos governados. Mas o poder há que ser equilibrado. Mister se faz que ele se formule de maneira a não aniquilar a liberdade, enrijecendo a ordem. Entendendo assim, é válido o debate hoje encetado em tomo do tema poder e legitimidade. É este um dos grandes temas da política cujas ilações e estudo talvez possam ser resumidas na resposta a três indagações fundamentais: Quem manda? Como manda? Para que manda? Principalmente na primeira indagação, de vez que ela está intima mente vinculada à titularidade do poder, o que equivale dizer à sua legi timidade. Dentro de outra formulação, se aquele~ que detêm e exercem o poder possuem competência para tal, e qual a fonte primeira desta competência? Neste plano, o debate é tão válido quanto se nos colocarmos numa posição dosada por certo pragmatismo: a organização do poder, as diversas fun ções de seus titulares e os limites destas funções. 96 R.C.P. 1176 o fundamental· em torDó'-"teMl í .6realmente saber se quem manda tem competência para mandar~lSe' máiída bem: ou mal, é outra indagàção. Os debates desta reunião·~· alcançar o nível tradicional dáS mesas--redondas efetuadas pel()~IPO, especialÔlente e graças à sabedoria destas duas glórias de nosso peWíáfiiêDtopólftico: Ministro Themistocles Cavalcanti e Prof. Djacir Lima Menezes. Sr. Presidente - Com a palaVra;o ~ Adilson Macabu. Prol. Adilson Macabu - Sr. MiniStto,;soStáriá de, inicialmente, cumpri mentar o Prof. Djacir Menezes, , pelo' notlvel trabalho que realizou, e . os debates aqui 'suscitados, demonstram aqua'tidade das idéias formuladas e das proposições oferecidas. Em segundo lugar, desejàría diUr~~tambeni;'que,em parte ou numa grande parte, concordo com a ópiniãb' do Prof. Whitaker da Cunha, quando ele se refere ao problema da rep~ação, quer dizer, ao poder e à re- presentação. .' , . Sabemos que. o sistema políticO é o' conjunto da Vida política de uma sociedade. Tradicionalmente, foi co~~ituado dessa forma e, hoje, a res posta das elites políticas ao 'desafio do sistema é que lhe vai, concreta mente, dar legitimidade. Atualmente, ó corpo eleitoral tem crescido de modo considerável, deixando o exercfcio do voto de ser privilégio de certas camadas sociais. Assim, uma parCela cada vez mais substancial' da popu lação participa das eleições. E, ao participar dessas eleições, o Prol. Djacir Menezes coloca muito bem o problema, surge o monopólio político dos partidos, umnionopólio político que se consubstancia 'nas ,listas de candida tos às eleições, feitas à revelia do eleitorado, inteiraq1eDte estranhas às suas preferências. Isso' demonstra, cJl&tamente, a coe~á' dessaS cor rentes, muito bem lembrada· pelo Prof. Manoel Gonçalves, Ferreira Filho, onde elas se entreChocam, sobtevivendo e' subsistindo, dentro do sistema existente no país. Tais dificuldades, evidentemente, geram uma instabili dade !;to processo eleitoral, cada v& mais, pressionado pelas reivindicações econômicas e sociais dos diversoS' grupos ém jogo. Outro ponto sobre o qual gostaria de falar, rapidamente, diz respeito à evoltição do conceito de poder e a idéia de legitimidade. . COncordo, em grande 'parte, e não insistirei em desenvolver, ainda mais, o que já foi dito pelo Prof. Manoel Gonçalves, mas devo dizer que a sociedade' contemporânea,' extremamente influenciada pelo progresso tecnológico e expansão dos meios de comunicação, adquiriu novos hábitos e está condicionada a outro tipo de aspirações que não são as mesmas de muitos dos homens públicos, que deixaram de assimilar os novos valores mais dinâmicos e definidos. Atualmente aumenta, de forma acentuada, a preocupação do cidadão em conseguir assegurar para si e sua família melhores condições de edu cação, saúde, bem-estar, conforto e segurança. Ao mesmo tempo, o Estado para cumprir tais tarefas, precisa adaptar suas estruturas, pois se ignorar os anseios populares perderá, gradativa mente, o controle do poder e, mesmo que o mantenha, carecerá de sua legitimidade política. Este, parece-me ser um dos problemas básicos: o não Poder e legitimidade 97 ajustamento do Estado às novas transformações sociais, políticas e eco nômicas, que estão a desafiar os cientistas políticos, não apenas do Brasil, mas de todo o mundo, em todas as sociedades, orientadas por doutrinas socialistas ou capitalistas, enfim uma nova realidade de concepção de poder e do próprio sistema de interdependência, existente entre os diversos povos. :e preciso, mais do· que nunca, formular uma nova concepção de poder, que propicie a modernização das elites e a realização das reformas necessárias para garantir uma sustentação democrática, apoiada na possi bilidade oferecida a cada indivíduo de desenvolver suas potencialidades humanas. A estratégia do presente e do futuro é o grande desafio do Estado, pois este deve formular uma nova concepção do poder que, ao propor cionar a modernização das elites, promova também a sua legitimidade no exercício desse poder, bem como a realização das reformas, de modo a dar a cada indivíduo aquilo a que, realmente, pode legitimamente aspirar de uma nova evolução social, tecnológica, política e humana. A idéia de autoridade, outro ponto desenvolvido no trabalho do Prof. Djacir Menezes - não pode ser dissociada da noção de poder. A autoridade é o direito de dirigir e comandar e o poder é a força através da qual se pode obrigar alguém a obedecer. Toda autoridade está, portanto, intimamente ligada ao poder, pois este subentende aquela. Para J acques Maritain "separar o poder e a autoridade, é separar a força e a justiça". O termo legítimo está ligado à idéia de -um direito baseado l1a justiça e na eqüidade. Este é um ponto importante da legitimidade. :e um direito superior que pode estar em contradição com o direito em vigor, isto é, com o direito positivo. Legítimo, portanto. é sinônimo de justo e se opõe a legal, que significa obrigatório em razão de uma lei existente. De modo que a legitimidade é o consensus geral que justifica o direito de mando, dos que governam e o dever de obedecer que cabe aos indivíduos. O consensus é uma adesão do espírito a um regime político eficiente, em
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