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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO PENSAMENTO POLíTICO AUTORITÁRIO BRASILEIRO 1914/1945 * I - FRANCISCO CAMPOS JARBAS MEDEmOS Cícero: - É certo; a época é aroarmal; mas os homens podem ver as coisas a seu modo, muito diferentes do que elas são na realidade. (Shakes peare. Júlio César, Ato I, Cena IH.) O problema perene de conservar a estabilidade e admitir as mudanças apresentou-se numa forma aguda. (Roscoe Pound. Introdução à Filosofia do Direito.) A função da Universidade é a de ensinar aos estudantes como os fatos se convertem em verdade. O processo desta conversão resume teda a história do espírito humano e das suas aventuras ... A conversão dos fatos em verdade consiste num processo de discriminação e de relação ou, mais largamente, num processo de interpretação da experiência em termos ou em relações de pensamento. (Francisco Campos. Educação e cultura.) 1. A eclosão da Segunda Revolução Industrial e a rear ticulação do sistema econômico mundial. 2. O impacto causado por esta rearticulação nas estruturas políticas, e ideológicas. 3. Como o Brasil inseriu-se naquela rearti culação e como reagiu. Temas do "pensamento brasileiro". 4. A obra de Francisco Campos como uma visão parcial da "crise moderna" brasileira entre as duas Grandes Guer ras. Periodização do conjunto de sua obra. Características. Francisco Campos - o professor, o político do Poder e o ideólogo. Seu tríplice papel, na década de 30, de reforma dor institucional - a educação, o regime político, a orde nação jurídica. Estado moderno. Estado nacional, Estado autoritário. Um novo conceito de democracia, "visão apo calíptica", romantismo político e pragmatismo positivista: realismo e ceticismo. Seu neoliberalismo, após 1945. 1. O mundo, a partir dos três últimos decênios do século XIX ingressava, indubitavelmente, em uma nova fase, de caracterís ticas e personalidade mais ou menos específicas. A Segunda Re volução Industrial, promovida, sustentada e impulsionada por uma grande expansão capitalista que tinha como sede e centro * O presente texto é um resumo parcial e fragmentário, coordenado aqui R. Cio pol., Rio de Janeiro, 17 (1): 59-102, jan./mar. 1974 de propulsão as grandes potências de então (às quais se incorporaram, antes mesmo do final do século, os Estados Unidos e a Alemanha), dava um novo sentido e uma nova dimensão ao desenvolvimento industrial. E, como acontece inva riavelmente no capitalismo, suas fases de expansão são, simulta neamente, fases de crise. Assim, a superprodução industrial das grandes potências econômicas e militares, que não encontrava capacidade de absorção em seus próprios mercados nacionais, que não cresciam na mesma proporção, passou a provocar uma expan são sem precedentes do comércio internacional. Seria certamente por este motivo que a partir de então a exportação de capital pas saria, nestes grandes centros industriais, a superar a exportação de bens manufaturados, o que viria a dar uma nova qualidade ao sistema capitalista mundial. O capital financeiro, em conseqüên cia, assume uma posição hegemônica dentro do sistema e é atra vés dos grandes conglomerados de bancos, fusionados com o ca pital industrial e comercial, que se opera o movimento de uni ficação e efetiva ocupação do globo terrestre pelo capitalismo, pondo-se assim um fim ao relativo isolacionismo nacional, até então prevalecente. Este movimento de unificação do planeta não é feito de modo pacífico. Inicia-se, a partir mesmo de 1870 e, consolidando-se daí para a frente, uma áspera e cruenta fase de guerras de colonização, de recolonização e de conquista de áreas de influência e de territórios econômicos. Generaliza-se um es tado de permanente e sucessiva belicosidade, tanto entre as gran des potências entre si, como destas com o conjunto dos demais apenas em seu aspecto histórico, de algumas notas preparatórias de uma tese que esperamos apresentar à Ecole Pratique des Hautes Etudes (Paris), sob o título O Pensamento Político brasileiro - 1930/1945, dentro de um esforço solitário de pesquisa que iniciamos há cerca de dois anos. Nosso objetivo é uma abordagem crítica global do pensamento politico brasileiro no período assinalado, abrangendo suas diversas linhas de formulação e apresentado talvez como um debate entre estas correntes doutrinárias. Neste texto procuramos apenas, em esforço de caracterização e de periodi zação, apresentar e situar, histórica e politicamente, de modo organizado, o pensamento político global de Francisco Campos que pode ser, certamente, considerado um dos expoentes de nosso pensamento político autoritário. É dentro desta perspectiva que deve ser entendida a abundância de citações de textos do próprio Campos - tratar-se-ia mais de deixá-lo falar do que mesmo interpretá-lo. Salientamos, outrossim, que pouco, ou quase nada, encontramos na literatura sociológica brasileira que se referisse especifica mente à obra de Campos, a não ser uma curta referência de Antonio Paim em sua História das idéia& filosóficas no Brasil, o breve discurso de San tiago Dantas na Comissão Jurídica Interamericana, em 1955, e alguns outros textos de valor apenas biográfico e, em geral, laudatórios. É nosso intuito, logo a seguir, abordar o pensamento político de Oliveira Viana, cujo estudo já temos esboçado nesta data, outubro de 1973. 60 R.C.P. 1/74 países do globo. É a luta sem fronteiras dos poderosos trustes e monopólios pela garantia de mercados e de fontes de abasteci mento de matérias-primas, para uso efetivo e imediato ou poten cial. Coloniza-se a Mrica, a Oceania e parte da Asia. Sucedem-se, febrilmente, as alianças econômicas e financeiras e os pactos di plomáticos e militares. Um historiador de tendências conservado ras como o norte-americano Louis Snyder diria: "EI sistema de alianzas era el método aceptado para lograr la seguridad en un mundo desequilibrado a causa deI choque de intereses imperia listas y de la lucha global por mercados, materias primas y co lonias. .. EI mundo entró en el siglo XX dividido y lleno de te mor. El problema más crítico que había entonces pendi ente era el de la amenaza de la guerra." 1 Enquanto isto - e por causa disto -, a tecnologia científica ganhava um lugar de destaque na Universidade e um valioso status cultural. Afinal, a produção in dustrial diversificada, sofisticada, em massa e a baixo preço era a arma de conquista de mercados e de aperfeiçoamento militar. O poder militar nacional estaria, daí para a frente, umbilicalmen te condicionado pelo desenvolvimento econômico e industrial de sua pátria, passando poder político e poder militar a se confundir e a se equivaler. Surgem novas fontes de energia, tal como a ele tricidade e implantam-se as usinas hidrelétricas, e termoelétricas; o motor de combustão interna; a utilização do aço, que suplanta, com vantagem, a do ferro; surgem e implantam-se os sistemas de telecomunicações - a telefonia, a telegrafia e a radiofonia; apa recem a mecânica de maior precisão e potência, a turbina a va por, o automóvel e o avião; a lâmpada incandescente; a química orgânica, com os plásticos, as fibras artificiais e os vernizes; a produção industrial em linha (a moving assembly de Ford), que possibilitou a produção em massa em menor tempo unitário; a técnica de fusão de empresas - vertical, das fontes de matérias primas ao produto já no balcão, e horizontal, associação de ramos industriais e comerciais: surge a indústria petrolífera que se interliga, numa mesma planta industrial, com as indústrias têxtil, de calçados, de papel, alimentícia e de construções - as indús trias tradicionais: mecanizava-se a agricultura, com o desenvol vimento e a diversidade das máquinas, impulsionada pelas novas fontes de energia; surgiam o fonógrafo, a placa fotográfica e o filme. 2 Administrar, de modo geral, fosse o que fosse, deixava 1 Snyder, Louis L. El mu.ndo en eL siglo XX - 1900/1950. Barcelona, Ed. Labor, p. 11 e 35. 2 Estes dados, referentesà Segunda Revolução Industrial, são colhidos, em sua maior parte, em Pasdermadjian, H. La segu.nda revolu.ción. Madrid, Editorial Tecnos S.A., 1960. Pensamento polítiCO brasileiro 61 de ser algo relegado ao emplrISmO, para. constituir-se em técnica. Taylor, ainda em 1895, sustentava que aos critérios operativos anteriores, que classificava de subjetivos, empíricos e intuitivos, a administração como ciência opunha os critérios de racionaliza ção, uniformização, nivelação, generalização, institucionalização, sistematização e teorização. Era a administração científica. Na me dicina, ao lado de uma melhoria geral nas técnicas médicas, o que vinha possibilitando a redução da taxa de mortalidade, sur gia também a psicanálise, com profundas repercussões na psico logia. Na física, Einstein e Planck abriam toda uma nova visão do macro e do micro cosmos , afetando, de modo notável, a pró pria ciência do conhecimento humano. Em conseqüência, a epis temologia ganha um status privilegiado no campo das ciências e da filosofia. Na química, Loeb e na matemática, Hilbert, contri buíam para o movimento geral e global de renovação científica do saber humano. Nas artes, a ebulição não era menor: a pintura tomava o caminho do cubismo e do abstracionismo; a música, o dodecafonismo; a poesia, o do futurismo e movimentos correlatos; o romance com Proust, Martin du Gard, Gide, Thomas Mann, Kafka e Gorki, era bem um símbolo das profundas e até certo ponto desconcertantes transformações por que passava o mundo ocidental. Na filosofia e na sociologia prevaleciam, de um lado, não obstante suas relativas contradições internas, as diversas cor rentes positivistas e neopositivistas, neokantianas, empíricas, in tuicionistas, naturalistas, pragmatistas, utilitaristas e neo-hegelia nas (estas últimas de conteúdo metafísico e romântico, servindo para embasar doutrinas políticas belicosas) e, de outro lado, co meçando a firmar-se como categoria do saber, o chamado mate rialismo histórico e dialético, o qual oferecia combate ao conjunto daquelas correntes. O Direito, sob o influxo daquelas novas cor rentes filosóficas e sociológicas que se afirmavam de modo pro gressivo, passa a refleti-las em sua doutrina, sobretudo através do positivismo jurídico, que levou à "publicização" do direito privado. Na ciência política, abria-se a crise do Estado liberal. A crítica às suas instituições escudava-se sobretudo nas correntes positivistas e neo-hegelianas. Como se percebe, o mundo em que vivemos, hoje, é um mundo que começou a ser moldado nos dois ou três últimos decênios do século XIX. 2. Este período histórico que vai de 1870 a 1914 e que, no pe ríodo seguinte, intermédio entre a I e a II Guerra Mundial (1914/ 1918 -- 1939/1945), vê aprofundadas e agravadas todas as suas características -- as de expansão e as de crise -- poderia, se gundo pensamos, ser assim sintetizado: 62 R.C.P. 1/74 a) o sistema econonuco, já hegemônico à escala mundial, passa a ser estruturado não mais ao nível de um capitalismo atomizado, mas sim pelo capitalismo financeiro monopolista, que se mostrava mais capacitado para operar em economia de escala, dentro da concorrência internacional em busca de mercados, de matérias primas e de realização lucrativa de capital; b) este predomínio de economias de escala no sistema econô mico global provoca e estimula, de modo dinâmico e progressivo, as novas técnicas de administração e de organização do trabalho social; ao empirismo sucede o planejamento; ao intuicionismo, a racionalização; a Universidade começa a se transformar, a fim de tornar-se apta a servir às novas condições de vida; c) com a acentuação do desequilíbrio indústria-agricultura em favor da indústria, as nações industriais assumem uma posição ni tidamente hegemônica sobre as nações agrícolas; culturalmente, civilização passa a ser sinônimo de industrialização; intensifica-se, de modo extraordinário, o processo de urbanização; a sociedade urbano-industrial define-se como uma categoria histórica; d) industrialização e urbanização provocam o aparecimento, no cenário político e social, das grandes massas populares; define-se o conceito de sociedade de massas. É ainda Louis Snyder que as sinala: "La nueva industrialización estimuló el crecimiento demográfico, la concentración de la población en las zonas urbanas, la agra Ilación de los problemas relativos e las grandes ciudades, la dis minución deI analfabetismo y la aparición de la prensa como gran medio de informaéión"; 3 ao lado de ideologias otimistas, utilitá rias, pragmáticas e reformistas surgem, também, doutrinas apo calípticas da civilização ocidental: a revolução socialista torna-se uma realidade histórica, com a Revolução bolchevique de 1917, assim como a rebelião das massas, concretizada na Revolução me xicana dos anos 10; da I Guerra Mundial para a frente, guerras e revoluções sociais se entrelaçam e se condicionam; e) o nacionalismo econômico e político, o militarismo e o li vre-cambismo passam a ser, simultânea ou sucessivamente, pra ticados por todas as nações, dependendo de suas posições de força dentro do sistema mundial; as grandes potências, que em geral haviam atingido este status pelos caminhos do nacionalismo e do li Snyder. op. cito p. 19. Pensamento político brasileiro 63 protecionismo, mais ou m.enos dentro dos postulados do Sistema Nacional de Economia, passam a defender, nas relações mundiais de mercado, o livre-cambismo; as demais nações oscilam entre o protecionismo e o livre-cambismo, muitas vezes tentando conci liá-los com maior ou menor êxito relativo, dada a situação de economias reflexas e dependentes em que haviam sido colocadas; f) crise generalizada e progressiva, mas desigual ao nível das nações, do Estado liberal; suas instituições, como sufrágio uni versal, o sistema de partidos políticos, a divisão dos poderes de Estado, o Parlamento, as liberdades públicas e as garantias indi viduais, assim como o próprio conceito de democracia passam a ser reavaliados criticamente, procurando dar-se-Ihes novos con teúdos; buscam-se formas de institucionalizar-se o amplo inter vencionismo estatal, o autoritarismo, o totalitarismo, a democracia social, o corporativismo etc. 3. O Brasil, que devia a sua própria existência a um outro ciclo anterior de colonização - o das grandes descobertas - inseria-se, ainda, ao final do século XIX e primeiras décadas do século XX (período que estudamos), numa relação de dependência para com as grandes metrópoles mundiais. Economia e cultura reflexas que éramos, as transformações ocorridas nos centros hegemônicos mundiais condicionavam, necessariamente, os termos e os limites dentro dos quais as nossas instituições políticas desfrutavam de uma relativa autonomia conjuntural na tarefa de se organizarem e se definirem. Aquela intensa e extensa expansão do capitalismo financeiro, de uma nova qualidade, que irradiava dos grandes centros mundiais, tornou-se, assim, responsável pelo início, a par tir dos últimos decênios do século XIX, de um ciclo histórico en tre nós. A economia cafeeira assume, então, uma posição de co mando dentro da economia brasileira, dada a demanda crescen temente estável do mercado internacional - fato resultante da referida expansão do capitalismo mundial, da Segunda Revolução Industrial e da unificação desse mercado. Daí para a frente es treitam-se os nossos vínculos com o mercado mundial, de tal forma que todas as oscilações e crises deste último teriam reflexo certo em nossa decisão e estratégia política internas. O modo pelo qual nos articulávamos ao mercado mundial, isto é, como nação exportadora de bens primários - os produtos exóticos - e de matérias-primas e como nação importadora de bens manufatura dos (e, àquela época, importadora também de inúmeros bens não- 64 R.C.P. 1/74 duráveis, como g~neros alimentícios) e de capitais, tornava-nos uma nação atrasada face às nações industriais- as grandes po tências - que eram adiantadas. Em termos econômicos o Brasil era o café e, depois, por um curto período, também a borracha e nada além disto. Entretanto, achávamo-nos inseridos em um sistema econômico mundial extremamente dinâmico e inovador, onde, como vimos, a industrialização e o avanço tecnológico eram o símbolo da civilização, do prestígio, da força e da hegemonia mundial. As Forças Armadas de todos os países, fossem adianta dos ou atrasados, haviam percebido que o aprimoramento e a modernização delas mesmas e, conseqüentemente, a salvaguarda da segurança nacional de seus países, da qual eram institucional mente as responsáveis, estavam na dependência do desenvolvi mento industrial deles. Havia, portanto, entre nós, um consenso favorável mais ou menos generalizado por todas as nossas elites dirigentes 4 no sentido do encaminhar o Brasil na rota da indus trialização (em geral através do investimento estrangeiro), se bem que a natureza desta, assim como os meios, os métodos e o prazo histórico para atingi-la não fossem questões pacíficas e mui tas resistências fossem efetivamente criadas, se bem que não in superáveis, como o próprio tempo se encarregou de demonstrar. O Brasil iniciou então o seu processo de industrialização que, des de a segunda metade do século XIX, se instalou entre nós como um subproduto de nossa estratégia financeira. Esta última, já no século XX, define-se e cristaliza-se em torno da valorização do café, nos anos 10, da defesa permanente do café, nos anos 20 e sustentação do café, nos anos 30. Desta forma, mais ou menos no período de 1870/1880 para a frente, o Brasil inicia um ininter rupto processo de industrialização, que se estruturava lentamente em ciclo, simultâneos ou não com os booms e com as depressões da nossa economia cafeeira. Até possivelmente o término da II Guerra Mundial (1945), aquele processo de industrialização se ria de futuro mais ou menos incerto e duvidoso, para firmar-se, depois desta data, em termos mais definitivos. 4. A articulação histórica de nossa economia, nos últimos de cênios do século XIX, em um mercado mundial que se estrutu rava pela expansão dinâmica e inovadora do capitalismo finan- 4 Preferimos o termo "elites dirigentes" a "classes dirigentes", dada a sua conotação mais próxima de nossa sociedade escravista ou, pelo menos até 1930, recentemente egressa do escravismo. Pensamento político brasileiro 65 ceiro, sob a hegemonia das grandes potências, já nos definia, atra vés do chamado modelo agrário-exportador, como uma nação capitalista atrasada. Nossa estratégia financeira, ao que nos pa rece, elaborada com grande originalidade e autenticidade, além de nos garantir, pela valorização do café, um nível de renda, servia ainda, subsidiariamente, para alimentar uma débil e limi tada industrialização, mas de toda maneira contínua e progressiva. Estabelecia-se, assim, um entrelaçamento absoluto e uma relativa solidariedade entre os interesses de nossa economia cafeeira, nos so comércio, interno e externo, dominado por firmas e bancos es trangeiros, nossa indústria possível (setores têxtil, couro e ali mentício) e nossas Forças Armadas. De fato, parece que o nosso processo substitutivo de importações, gerado por um regular pro tecionismo alfandegário e pela política cambial posta em prática, bem assim como outros projetos industriais isolados, pelo fato mesmo de não terem sido sistematizados como uma política mani festa de industrialização do país, acabaram por se acomodar den tro do modelo agrário-exportador, não chegando nunca, até pelo menos o término da 11 Guerra Mundial, a provocar uma ruptura com os interesses da nossa lavoura cafeeira, do nosso comércio e do capital estrangeiro. Teria, antes, ocorrido uma como divisão de áreas entre o conjunto destes interesses. Desta forma, o des tino agrário e o futuro industrial do Brasil se conciliavam, em termos. 5. Esta nova fase histórica que então iniciávamos, por indução exterior, dadas as suas peculiaridades e características, que ha viam configurado a sociedade urbano-industrial-tecnológica e de massas, viria abalar, de modo contundente, as nossas instituições sociais, políticas e culturais até então vigentes. Assim é que, pro gressivamente, pela conjugação simultânea ou alterada de fatores internos e externos, estouram o nosso sistema de propriedade à base do braço escravo, com a Abolição; o nosso sistema de rela cionamento entre a Igreja e o Estado, com a separação de ambos; o nosso sistema político-institucional, com a República; o nosso sistema cultural, com a Escola do Recife e movimentos de idéias seus contemporâneos; nosso sistema de distribuição regional de Poder, com a implantação da hegemonia paulista sobre a Fede ração; o nosso sistema de relacionamento internacional, com a entrada em cena de novas potências mundiais - e, portanto, no vos centros de influência e de hegemonia - como os Estados Uni dos e a Alemanha. 66 R.C.P. 1/74 6. Face ao conjunto destas transformações que ocorriam inter na e externamente e sobretudo face a esta múltipla ruptura polí tico-institucional-cultural a que aludimos logo acima, a ideologia brasileira, conforme deduzimos de grande parte da bibliografia já lida, constituída dos próprios autores do período (1870-1945), passou a problematizar, entre outros, os seguintes temas: a) a conveniência ou inconveniência da industrialização do País; indústrias naturais versus indústrias artificiais; livre-cambismo versus protecionismo; destino agrário e futuro industrial do País; o gigante adormecido em berço esplêndido; b) o alinhamento ou realinhamento do País no contexto das gran des potências econômicas e militares; novo mundo e velho mundo; a Doutrina Monroe; nacionalismo, ufanismo; pan-americanismo; pan-germanismo; comunidade luso-brasileira; c) a necessidade e os caminhos para orientar o País no sentido de uma inevitável modernização institucional face ao impacto da emergente sociedade urbano-industrial-tecnológica e de massas, com o mínimo possível, ou mesmo sem nenhum risco para o tra dicional esquema de elites no Poder; a crise de "degenerescência do caráter nacional", a Liga de Defesa Nacional, a campanha do serviço militar obrigatório, o retorno ao campo; a organização do Estado nacional; a unidade política e social do País; a superação das autonomias regionalistas e dos particularismos e faccionismos político-partidários; o nacionalismo paulista; o fortalecimento do Poder Céntral; o Estado forte; revisionismo constitucional; tra dicionalismo, autoritarismo e liberalismo; d) a necessidade e os meios de integrar nossas massas urbanas proletárias, então emergentes, no processo político nacional; a conversão do ex-escravo, do mestiço alforriado e do imigrante em matuto e em operário urbano; o sertanejo, o Jeca Tatu e o estran geiro; o Brasil do sertão e o Brasil do litoral; o Brasil, país em formação; Macunaíma; a investigação da personalidade do brasi leiro; superioridade e inferioridade racial; e) o transplante de idéias e de doutrinas européias e norte-ame ricanas para o Brasil e a crítica ao mesmo; cosmopolitismo e cul tura nacional; a imitação como defeito, equívoco ou ingenuidade de nossas elites intelectuais; o ceticismo; ensaios de confronto crítico dos modelos estrangeiros com a realidade brasileira, esta última geralmente interpretada dentro de perspectivas positivis- Pensamento político brasileiro 67 tas, neopositivistas ou emplrlCas, o que, em essência, por um détour, acabava por justificar os referidos modelos estrangeiros através da postulação de "abrasileiramento" dos mesmos. Acreditamos poder distribuir ao longo destes cinco itens que formulamos toda a temática fundamental de conjunto de nosso pensamento político, sociológico e literário, em um continuum que viria da chamada Escola do Recife até os autores da década de 40. 7. A obra de Francisco Campos, toda ela produzida quandoele mantinha o status de homem do Governo, no exercício efetivo de funções políticas, ou bem na qualidade de professor ou jurista, cobre cerca de 50 anos da vida brasileira, iniciando-se por volta da I Guerra Mundial e terminando em 1968, ano de seu faleci mento. Pela leitura que dela fizemos e desprezados os textos que não se relacionavam mais diretamente com o seu pensamento po lítico, ou seja, aqueles seus pareceres de fundo e forma eminente mente jurídicos, acreditamos poder periodizar sua obra, mesmo dentro da grande uniformidade que apresenta, em três fases: a) o período que vai de seu discurso junto à herma de Afonso Pena, quando Campos era ainda acadêmico de direito, isto é, per volta de 1914, 5 até o seu discurso de posse como Ministro da Educa ção e Saúde do Governo Revolucionário Provisório, ao final de 1930; 6 b) deste último discurso até a elaboração da Constituição de 1937 e da reforma dos Códigos, e que vai de 1930 a 1942; c) da entrevista que concedeu a O Jornal a 3 de março de 1945, quando procede a uma avaliação crítica do Estado Novo que en tão chegava ao fim, até seu último parecer, de setembro de 1968. 7 Como o nosso estudo visa principalmente o período que medeia as duas grandes guerras mundiais - 1914/18 a 1939/45 - con centramo-nos mais atentamente nas duas primeiras fases, fazendo apenas uma referência à terceira, ao final. 8. Primeira fase - 1914/1930: neste período, Francisco Campos inicia sua vida profissional como professor de Filosofia do Direito (1917), logo a seguir deputado à Assembléia Legislativa de Minas Gerais (1919-1921), deputado federal por este Estado (1922/1926), :I Democracia e unidade nacional. In: Antecipações à reforma política. José Olympio Editora, 1940. 6 Educação e cultura. José Olympio Editora, 1940. 7 O direito de propriedade e sua garantia em face da Constituição. Di gesto Econômico, n. 205, jan./fev. 1969. 68 R.C.P. 1/74 Secretário do Interior no Governo Antônio Carlos (1926/1930), chegando, ao final da década de 20, a Ministro da Educação e Saúde do Governo Ditatorial Provisório, sendo o primeiro ocu pante da Pasta. Ao longo de toda esta fase Campos revela-se um político situacionista (aliás, é digno de nota que jamais em sua vida militou nas hostes da oposição), defensor convicto da ordem estabelecida e do regime então vigente, ou seja, das instituições políticas da República Velha que perduraram até a Revolução de 1930 (que Campos ajudou a tramar e a deflagrar, na qualidade de Secretário do Interior do Governo Antônio Carlos, um dos próceres aliancistas mais destacados). Como deputado federal, Campos é um agressivo crítico e opositor das sublevações tenen tistas e do programa da Aliança Libertadora, de Assis Brasil. Defende, na Câmara dos Deputados, o regime da legalidade, o senso da ordem, a civilização, o regime de Estado de Sítio, as medidas de exceção e de repressão contra as manifestações mili tares de protesto as quais são vistas por ele como explosão de "instintos primitivos", como "forças da desordem e da destruição, espírito primário e jacobino", qualificando-as de "sombria aven tura" e "monstruoso atentado", de "agressão à ordem tradicional do País", "morticínio fratricida", "flagelação da pátria", "legiões de orgulho e concupiscência", referindo-se à "masorca de 5 de julho". Quanto a Assis Brasil e à sua pregação liberal consubs tanciada no lema "Representação e Justiça", a qual, segundo Campos, dava "cobertura ideológica" ao tenentismo ("... às ar mas sem programa emprestaria o seu programa"), qualificava-o de "demagogo". A si próprio Campos dizia-se integrado na "for midável obra de defesa e de preservação moral e política do País." Poucos anos depois, sob a Aliança Liberal, aliás compreensivel mente movido pelas injunções históricas e políticas e não obs tante as restrições que ele fazia aos tenentes, alia-se aos mesmos e a Assis Brasil na preparação e na deflagração vitoriosa da Re volução de outubro de 1930 que viria justamente pôr fim ao re gime até então por ele defendido, o que ilustra, enfim, o relativa mente pequeno peso das convicções pessoais face a um processo histórico determinado. Seria ainda de se assinalar aqui que Cam pos parecia perceber algo mais por detrás das sublevações tenen tistas e do programa da Aliança Libertadora, talvez uma "revo lução social anárquica." Leia-se este trecho de um discurso na Câmara Federal: "Que abalos, se este movimento (a sediação mi litar) se propaga, sacudiriam o país, fazendo emergir ninguém sabe que correntes de sentimentos, de idéias ou de paixões desses Pensamento político brasileiro 69 fundos submarinos da alma nacional, cujos agregados, subita mente dissolvidos, libertariam poderosas energias, menos capazes de crear do que destruir?" A 9. Nesta primeira fase, Campos já deixa de certo modo estabe lecido o seu núcleo fundamental de idéias e princípios doutriná rios que, na posterior década de 30, cuidará apenas de desenvol ver e aprofundar, de acordo com as correntes do pensamento polí tico ocidental que então haveriam de se definir. Este núcleo de idéias já pode mesmo, segundo pensamos, ser percebido em seu discurso de acadêmico dos anos 10, já citado, o que foi proferido junto à herma de Afonso Pena. Salientamos o seguinte trecho, que nos pareceu bastante expressivo: "Para resolver, por conse guinte, o problema da democracia é necessário que os juristas, largamente embebidos da inspiração nacional, estejam sempre prontos a adaptar os órgãos legais da nação à satisfação das neces sidades democráticas, sem permitir que a orientação do desígnio nacional seja quebrada pela interferência dos conflitos democrá ticos ... O futuro da democracia depende do futuro da autoridade. Reprimir os excessos da democracia pelo desenvolvimento da au toridade será o papel político de numerosas gerações." 9 Real mente, parece-nos que a formação bacharelesca de Campos, que já por si o qualificava como homem da "ordem legal" e defensor dos "interesses constituídos e dos direitos adquiridos"; depois, o exercício do magistério superior, que o integrava à burocracia es tatal de alto nível; ainda sua formação filosófica de juventude, toda ela neokantiana, agnóstica, relativista (e daí, certamente, o permanente ceticismo e ironia de Campos), intuicionista e neo positivista (e aqui, certamente, seu "realismo objetivo", seu prag matismo de homem do Poder); sua formação jurídica hobbesiana e positivista, seu acentuado romantismo político 10 e, também por 8 Todas as citações deste item 8 são extraídas dos discursos de Campos reunidos em Antecipações à reforma política. cito 9 Democracia e unidade nacional. Antecipações à reforma política. cito lU Para a formação filosófica de Francisco Campos, ver sobretudo sua Introdução crítica à Filosofia do Direito, de 1918, para o que diz respeito às suas posições neokantianas, agnósticas e relativistas; seus textos sobre Filosofia da Educação, nos discursos e conferências sobre a reforma do en sino em Minas e no Governo Federal, para seu pragnIatismo e neopositi vismo (Pela civilização mineira. 1930 e Educação e cultura. 1940. cit.); para seu intuicionismo, neohegelianismo e romantismo político, ver seus textos sobre o "primado do irracional", sua teoria dos gênios na História, 70 R.C.P. 1/74 toda a década de 20, o exerC1ClO de cargos políticos e adminis trativos, estaduais e federais, conduziram-no, todos estes fatores somados, a uma posição teórica e doutrinária que envolvia, ao lllesmo tempo, o conservadorismo e a aspiração de modernização institucional, característica fundamental de seu pensamento polí tico. Uma leitura atenta de suas obras nos anos 10 e na década de 20, iniciando-se com o já mencionado discurso junto à herma de Monso Pena, percorrendo seus pronunciamentos na Assem bléia de Minas e na Câmara Federal e depois os da Secretaria do Interior, quando promoveu a reforma do ensino primário e normal em Minas,mostra-nos que sua posição era, de certa forma, singular e atípica no contexto político então dominante em nosso País. Campos não poderia àquela época ser classificado como um conservador tout court, um defensor do status institucional vigen te. Ao contrário da grande maioria dos componentes das elites políticas que então dirigiam o nosso País, Campos já trazia ao debate e à ação administrativa pública, na década de 20, os con ceitos e os programas que objetivavam a montagem, entre nós, de um Estado Nacional, antiliberal, autoritário e moderno. Co locado dentro da estrutura de poder então vigente, nela traba lhava não certamente para solapar suas bases sociais - e nisto qualificava-se como um conservador -, mas sim para substituir e reconstruir, do alto, as suas instituições políticas e burocráticas, modernizando-as. A nosso ver, Campos enquadrava-se com per feição naquela definição de Taine dada por Carl Schmitt: "Taine balance entre l'éspoir d'un ordre nouveau à naitre de la décom position de l'ancien, et la peur du chaos." 11 Dizia Campos, por volta de 1925: "Pela lei... em regimen democrático, se podem fazer todas as transformações, por mais radicaes que sejam ... " 12 É visando um Estado nacional moderno que Campos inicia o seu combate em vários fronts: investe contra a autonomia dos muni- seu apelo a César, seu conceito de política como teologia, tudo em O Es tado Nacional (conferência intitulada A política e o nosso tempo) e na Atualidade de Dom Quixote. Imprensa Oficial de Minas, 1967. Suas idéias jurídicas, por sua vez, inspiraram-se nas tendências do positivismo jurí dico, da "publicização" do direito privado, à Kelsen e à Thering, bem como nas correntes constitucionalistas que prevaleceram na Constituição de Weimar (1919). 11 Schmitt, Carl. Le romantisme politique. Edição francesa de 1928, sendo a original, alemã, de 1919. 12 Os crimes políticos e o julgamento pelo júri. Antecipações à reforma política. cito Pensamento poLítico brasileiro 71 ClplOS, pedindo a implantação do sistema de prefeitos nomeados argumentando que o município estava, afinal, envolvido de tal forma dentro do Estado e da União que sua autonomia política tornava-se inadmissível; investe contra a autonomia dos estados membros, a qual, no fundo, seria garantidora do sistema odioso da prevalência de interesses regionalistas sobre os interesses maiores da Nação; pede o fortalecimento do Poder Central: " ... a demo cracia moderna, que vive da prosperidade da unidade da nação; essa democracia que precisa de uma espinha dorsal e não a de mocracia xadrez, constituída de retângulos inumeráveis, cada qual com a sua bandeira e a sua cor; a democracia substancial e substantiva, moldada na unidade nacional... Essa democracia ... não pode constituir-se onde se multiplicam as autoridades polí ticas locais, estabelecendo separações, semeando ódios, nutrindo a desconfiança, a descrença, o indiferentismo e o desprezo do povo pelo seu regime"; 13 investe contra a visão rousseauniana dos direitos do cidadão e do individualismo: "Já é passado o tem po .. , da concepção do direito como instrumento de desintegra ção social; da liberdade como um direito natural, superior e an terior à formação orgânica da sociedade: ambos, direito e liber dade não passam de formas e modalidades da existência social ou órgãos destinados a uma função social específica. .. Compreender de modo irrestrito e absoluto as garantias ao direito individual, é erigir à ordem de uma categoria jurídica o solipsismo filosófico, fazendo de cada indivíduo, tomado isoladamente, o único, e do mundo, a sua propriedade ... No regimen moderno, as liberdades individuais passaram a ser garantidas pelo Estado e a adminis tração do Estado a ser uma administração legal;" 14 e ainda: "Nestes períodos críticos de dissolução de um estado social e de liquidação de tradições é que é preciso conter os espíritos, refrear os impulsos, apertando as malhas desta armadura elástica, que é a ordem legal, de maneira a tornar mais rigorosa e estrita a dis ciplina quanto mais ativos os fermentos que trabalham pela de composição"; 15 investe contra o voto secreto: " ... o inocente e imponderável voto secreto"; 16 investe contra o sistema de par tidos, onde vê a agitação de "antagonismos violentos" e "oposi- la Opiniões e debates. Belo Horizonte, Editorial Ariel, 1921. p. 230. 14 Id. ido p. 83 e 245. 15 A competência do Supremo Tribunal Federal. In: Antecipações à re forma política. cito p. 228. 16 Id. ido p. 189. 72 R.C.P. 1/74 ções de interesses transitórios", pleiteando sua substituição pela "política e partido das realizações práticas e eficazes", de onde se descortinariam os "interesses comuns" e onde prevaleceria "o espírito de conciliação e de concórdia, de imparcialidade e de justiça"; 11 investe contra os Parlamentos, pleiteando a iniciativa e o monopólio da legislação pelo Poder Executivo e assinalando a imprensa e os sindicatos como substitutos dos parlamentos: "Eu creio que nesse caso dos parlamentos continuamos a ser ví timas de uma daquelas ilusões, atribuindo às Câmaras o mesmo papel que elas representaram em outros tempos... em que as Câmaras exerciam, efetivamente, funções políticas de alta rele vância, como únicos órgãos autorizados da opinião pública. Era esta, porém, a concepção dos primeiros tempos do Parlamento, a concepção das revoluções populares do século passado e do es pírito político educado no ambiente dos princípios revolucionários do século XVIII. Do último quartel do século XIX para cá, as assembléias legislativas vêm perdendo, aos poucos, a sua impor tância política, despindo as suas aptidões representativas para re vestir o caráter funcionarista ou administrativo que faz hoje, dos Congressos, departamentos descentralizados da administra ção. .. A administração tende, portanto, a monopolizar em suas mãos o trabalho legislativo, com grandes vantagens para a sua simplicidade e regularidade"; 18 investe contra o Estado liberal e as instituições democrático-liberais, as quais qualifica de "su perstição ou obsessão política", de "fraseologia política", aludindo ao "dragão da ideologia democrática" que estaria já relegada ao "muzeu de antiguidades políticas". 19 Dizia: "O que não posso conceber é que neste momento em que a face das cousas se trans muda, recebendo um outro molde, estejamos enleiados neste ci poal de palavras e de fórmulas sagradas. .. O que caracteriza o momento presente. .. é o predomínio das preocupações técnicas, de ordem econômica ou administrativa, sobre as preocupações de toda e qualquer ordem ou natureza." 20 Por outro lado, a moder nização institucional era ainda a este tempo referida por Campos de um modo um tanto difuso e vago, mas de qualquer maneira já bastante indicativa, ao início dos anos 20, de conceitos mais definidos que iriam se afirmando no correr da década. Assim é 11 Opiniões e debates. cito 18 Opiniões e debates. cito p. 300 e 3Ol. 19 Id. ibid. p. 95, 260 e 283. 20 Id. ibid. p. 294. Pensamento político brasileiro 73 que ele alude ao "fecundo espírito de realizações práticas - en carnadas na administração eficaz e competente" ao qual ele opu nha o "infecundo espírito de ornamentação-encarnado na política verbalista e estéril, formalista e pueril" de nossos Parlamentos. 21 Da mesma forma, às "ginásticas eleitorais" do sistema partidário vigente, ele opunha a "competência técnica, para cuja apuração falta aos comícios eleitorais a necessária idoneidade". 22 Vaticina, então: "... imprimindo-se, assim, à administração um cunho téc nico mais pronunciado, sem o qual não pode nação alguma ter confiança no sucesso das pugnas que se vão travar e renhir em torno do desenvolvimento material do paiz, do seu aparelhamento técnico e econômico que constitue hoje, acima de qualquer espí rito de bisantinismo constitucional ... o objetivo definido de todas as ambições nacionais." 23 Em parecer na Câmara Federal,como membro da Comissão que examinava a rescisão do contrato com a Itabira Iron, Campos declarava-se pela rescisão, favorável a um programa siderúrgico nacional e contrário à concessão para a mera exportação de nosso minério de ferro, o que tinha por lesivo aos interesses do País. 24 Mas parece-nos certo, por outro lado, que faltava a Campos, nas décadas de 20 e de 30, uma consciência manifesta da necessidade da industrialização do País como condi ção sine qua non de nosso desenvolvimento nacional. Mesmo mais tarde, em abril de 1939 e, portanto, durante o Estado Novo, Cam pos, aludindo ao "terreno prático" e aos "problemas vitaes do paiz", declara que haveríamos de conseguir "com ferro e combus tíveis nossos", "fabricar arados para lavrar a terra" e "fundir canhões que nos defendam, temperar o aço que projeta nossos navios e armar aviões para cobrir os céus do Brasil",25 revelan do, assim, que entendia a industrialização do País em termos sobre tudo de desenvolvimento agrário e de segurança militar. Na década de 20, seria sobretudo em seus discursos e conferências relativos à reforma do ensino em Minas 26 que ele melhor definiria o sen tido de modernização que pleiteava. Já em sua posse como Se cretário do Interior, em 1926, aludia à necessidade de criação do ensino técnico regular "particularmente em um paiz que, 21 Id. ibid. p. 284. 22 Id. ibid. p. 287. 23 Id. ibid. p. 296. 24 Direito constitucional. Editora Forense, 1942. v. L 25 O Estado Nacional. Ed. José Olympio, 1940. p. 113. 26 Reunidos em Pela civilização mineira. Belo Horizonte 1930. 74 R.C.P. 1/74 como o nosso, aspira a um rápido e extenso desenvolvimento in dustrial".27 E ainda: "A nação não é, com efeito, apenas ordem jurídica e moral, função de autoridade e de governo: é também, e hoje, antes de tudo, uma usina e um mercado." 28 Enfatizava: "Um paiz sem organização industrial e comercial, com toda a sua majestade, as suas dragonas, os seus parlamentos, as suas de clarações de direitos não passará de um embrião nacional, com uma vida de relação inteiramente artificial e inconsistente;" 29 "um paiz pobre é um paiz necessariamente votado às desordens in ternas e ao desprestígio externo." 30 Pleiteava, então, a transfor mação do Brasil de "paiz prodigiosamente rico em uma nação igualmente rica": 31 revelaria, assim, a sua consciência de nosso "atraso". Já ao encerrar-se esta primeira fase, vitoriosa a Revo lução de 1930, que Campos ajudara a tramar e a deflagrar enun cia, em seu discurso de posse no cargo de Ministro da Educação e Saúde do Governo Ditatorial, no mesmo ano: "Havia no Brasil dois paizes, o legal e o de fato: o paiz da mentira e o paiz da realidade. A revolução é o protesto do último contra o primeiro; são as necessidades e as exigências do Brasil, acordando do sono e da abulia dos entorpecentes para reclamar os remédios verda deiros e eficazes. .. O trabalho de construção requer esse exame severo e sem atração do presente, verificando quais as partes moles e inaproveitáveis da estrutura e quais as sólidas e dignas de du rar, abrindo brechas onde for preciso, a fim de que se possa in suflar no interior confinado o sopro da renovação ... Na instrução será indispensável considerar, a fim de que possamos atender às exigências do estado atual de civilização e de cultura, que o Brasil não é apenas um paiz de 'liberais', mas também, e sobretudo, um paiz de produtores." ~2 10. Ao final da década de 20, assim, Francisco Campos já havia fixado o cerne de seu pensamento político. As aspirações de um Estado nacional e moderno, entre nós, refletiam certamente as novas condições de articulação de nosso País, como um todo, den- 27 Pela civilização mineira. cito p. 73. 28 Id. ibid. p. 86. Id. ibid. p. 87. Id. ibid. p. 89. 31 Id. ibid. p. 91. 32 Educação e cultura. Ed. José Olympio, 1940. p. 117 e 118. Pensamento político brasileiro 75 tro do sistema sociopolítico-econômico ocidental. E, para tanto, o pensamento político brasileiro, já desde o final do século XIX, em penhava-se na formulação teórica dos possíveis caminhos e mo dalidades que melhor nos conduzissem a tal objetivo. Racionali zava e objetivava as estratégias políticas e sociais que julgava necessárias. As idéias de Campos parecem enquadrar-se bem den tro desta perspectiva. As instituições políticas então vigentes em nosso País - posteriormente qualificadas como sustentáculos da República "Velha" -, eram identificadas com o Estado liberal, fosse pelo sistema federativo adotado, garantidor da autonomia regional, fosse através do sufrágio universal e do sistema de par tidos, embora, como os próprios críticos do regime de então es clareciam, tanto a autonomia regional quanto o sufrágio e a re presentatividade parlamentar não significavam, de fato, expres sões da soberania popular, mas sim a licenciosidade de clãs e de oligarquias rurais que enfeudavam, na realidade, a "vontade po pular" e a "opinião pública".33 Estas instituições políticas que eram, de qualquer maneira, consideradas liberais (ou pelo menos como produtos "abortivos" do Estado liberal) eram encaradas pelos críticos do regime, tanto pelos liberais que se diziam "au tênticos" (Assis Brasil, por exemplo e o próprio Programa da Aliança Liberal) quanto pelos não-liberais, e entre estes Campos, como fatores de entrave, de procrastinação ou mesmo de bloqueio na implantação de um moderno Estado nacional. Assim, os regio nalismos estaduais e a prevalência dos interesses subalternos e particularistas dos grupos políticos (a poUticalha) sobre os inte resses maiores da Nação e da coletividade social eram todos con siderados, por nosso pensamento político "modernizador", como fatores de efetiva desagregação, desarticulação, desunião nacional e social e de atomização do poder nacional: impediam, de fato, a emergência de um Estado moderno e nacional entre nós. É aqui, de nosso parecer pessoal que, na realidade, os objetivos de modernização institucional estavam então encontrando alguma espécie de resistência da parte das elites oligárquicas dominantes, como conjunto. Mas, por outro lado, acreditamos que aquela resis tência era débil e superfiCial, o que ficou bem claro na campanha da Aliança Liberal e logo a seguir na própria Revolução de 1930. A resistência oferecida, eventual e dispersiva, foi logo superada (é preciso ter sempre em mente que o Presidente Washington Luiz foi, em última instância, deposto pela Junta Militar de seu 33 Isto aparece particularmente claro na obra de Oliveira Viana. 76 R.C.P. 1/74 próprio governo e com a intermediação da Igreja) e sucedeu um compromisso geral dentro das elites dirigentes pois que, afinal, a modernização institucional gratificaria todos os seus grupos e setores. A década de 30, com toda a sua agitação, não significaria certamente outra coisa senão o jogo de ajustamento destes grupos e setores na nova estrutura compósita de poder. Ora, se as insti tuições políticas que a Revolução de 30 havia levado à derrocada eram fruto do Estado liberal, ainda que imperfeito entre nós; se aquelas instituições "liberais" eram tidas por sinônimo de Estado "dividido" e "desarticulado" enquanto que o Estado nacional a que se aspirava seria um Estado hegemônico, "integrado", "mo nolítico", tornava-se evidente ao nosso pensamento político "ino vador" que o "liberalismo" era o responsável último por nosso "atraso' e por nossa "fraqueza" face aos "povos civilizados". Des ta forma, a modernização de nossas instituições, naquela etapa histórica, parece ter sido equivalente, segundo a fração mais di nâmica de nossa ideologia dominante, ao antiliberalismo, por este caminho chegando-se ao Estado autoritário. O Estado moderno brasileiro seria, desta forma, um Estado nacional e um Estado autoritário, nesta ordem. 34 Era como se para chegarmos ao Es tado moderno e nacional tivéssemos de, forçosamente, penetrar no Estado autoritário, lugar ideal para comprimir-se quaisquertipos de interesses que se colocassem, por este ou aquele motivo, fora dos limites do projeto comum, racionalizado para o conjunto 34 O conceito de modernização, implícito no de Estado moderno, merecia certamente um tratamento mais extenso, o que, no entanto, no momento, ultrapassa o objetivo mais limitado deste artigo conforme definimos em nota inicial. Acreditamos, não obstante, que o conceito de modernização não poderá, afinal, ser tomado em um sentido sociológico abstrato: a mo dernização capitalista, por envolver ao nível da estrutura econômica, uma valorização dos setores "de ponta", "avançados" - que são, em geral, os que absorvem capital e tecnologia e reduzem a mão-de-obra - implicaria por isto mesmo na agudização do processo de concentração de rendas, le vando à acentuação do desnivelamento social e regional, provocador, este, de tensões ao nível político, sobretudo em paises agrários, de explosão de mográfica e rarefeito desenvolvimento industrial, em situação, pois, de de semprego ou subemprego estruturais. Por outro lado, a modernização, ao nível institucional, causaria o "alargamento" e a complexificação da buro cracia estatal (terciário) provocando uma maior oferta de emprego para os setores e estamentos sociais médios. Haveria, assim, movimentos assincrô nicos de "marginalização" e de "integração". O dinamismo modernizante capitalista, em sua fase monopolista, por extremamente "irregular" e "desi gual" nos países "atrasados", teria, desta forma, nos períodos críticos do sistema como um todo, nestes últimos países, o autoritarismo político como uma superestrutura institucional adequada aos interesses dominantes. Pe1l8amento político brasileiro 77 do bloco no poder. Por outro lado, a depressão econômica favorecia, também, o autoritarismo, tanto pela necessidade de medidas go vernamentais mais rápidas quanto como forma de prevenir dis túrbios sociais. Fixavam-se, assim, de modo embrionário, no nível ideológico, a modernização institucional, o nacionalismo e o auto ritarismo - a matriz do pensamento político brasileiro no período que vai de 1930 a 1945. 35 Daí, talvez, desta procura de caminhos não-institucionalizados, mas que também não deveriam trazer a ameaça de uma "revolução social", a constante alusão que já se encontra na década de 20, em Oliveira Viana, por exemplo, ao "bom tirano" e em Gilberto Freire, ambos no sugestivo elogio a Pedro II 36 e que em Campos encontrou ressonância, na década de 30, em seu apelo a César. 37 11. Necessário ainda salientar que em todos os textos de Cam pos neste período e mesmo depois, na década de 30, as fontes doutrinárias citadas por ele em abono de seu pensamento político antiliberal e modernizador são, em sua grande maioria, os cons titucionalistas e os juristas norte-americanos e ingleses e, subsi diariamente, os italianos, franceses e alemães. Ao considerar a nossa Constituição de 1891, assim se manifestava: "Não foi uma invenção, mas uma transplantação. Se assim é. .. nada mais na tural do que procurarmos no funcionamento do autogoverno local (Campos tratava de autonomia municipal) nos países de onde o transladamos e em que ele atingiu o mais alto grau de atuação, o critério pelo qual nos devemos conduzir na conceituação do que seja autonomia." 38 E ainda: "Nos Estados Unidos, que sempre temos à vista e à mão quando tratamos de questões constitucio nais." 39 Também as suas idéias inovadoras no campo educacional eram todas inspiradas na Escola Nova, de Dewey, Decroly e Cla parede. A seguir, procuramos entender como a década de 30 as similou e realizou, na medida de sua possibilidade concreta, os objetivos "nacionais" e "modernizantes" que o nosso pensamento 35 Esta matriz ideológica - modernização/nacionalismo/autoritarismo - à qual se acrescentaria, na década de 30, também o populismo, com a inte gração, por cooptação, do proletariado urbano ao processo político nacional, encontraria a sua expressão ótima na prática política, aparentemente des provida de ideologia de Getulio Vargas, um notável mediador de estratégias no bloco das elites no Poder. 36 Oliveira Viana. Problemas de política objetiva. 1930. p. 80; Freire. Gilberto. Perfil de Euclides e outros perfis. Ensaio sobre Pedro lI. 37 A política e o nosso tempo. O Estado Nacional. cit. p. 16. 38 Opiniões e debates. cit. p. 106. 39 Id. ibid. p. 216. 78 R.C.P. 1/74 político, desde notadamente os anos 10, com Alberto Torres, (e Francisco Campos foi um elo desta cadeia), vinha colocando pe rante as nossas elites dirigentes. 12. Segunda Fase - 1930/1942: Campos inicia este período como Ministro da Educação e Saúde, permanecendo como tal até 1932, ocupando interinamente, neste interregno, o Ministério da Jus tiça. De 1933 a 1935 foi Consultor-Geral da República. Em 1933, candidatou-se a uma cadeira de deputado federal, não tendo lo grado eleger-se. De 1935 a 1937 ocupou o cargo de Secretário da Educação e Cultura do antigo Distrito Federal. Em 1937 foi nomeado Ministro da Justiça, onde permaneceu até 1942. De 1943 a 1955, já afastado das atividades políticas, exerceu as fun ções de Presidente da Comissão Jurídica Interamericana. Nesta segunda fase, ao que nos parece, Campos poderia ser visto como: a) reformador do sistema do ensino nacional, quando lançou, efe tivamente, as bases para a institucionalização da reforma do en sino médio e superior em nosso País; b) reformador das ins tituições jurídicas, quando promoveu a reforma dos Códigos do Processo Penal e Civil, do Processo Penal, a Lei de Contraven ções, as leis de crimes contra a economia popular, a nova Lei do Júri, a Lei Orgânica do Ministério Público Federal, a Lei de Sociedade Anônima, a Lei de Fronteiras, a nova Lei dQ Segu rança e a Reorganização do Tribunal de Segurança, a de nacio nalidades, a de extradição e de expulsão de estrangeiros, a de imigração, a de atividades políticas de estrangeiros, a Lei Orgâ nica dos Estados (que estabeleceu o sistema de interventorias) e os anteprojetos do Código Civil e Comercial; c) reformador das instituições políticas, o que realizou com a Constituição de 1937, a qual, se não teve, de fato, legitimidade, uma vez que não foi adotada em sua plenitude, teve certamente vigência, pois sofreu logo emendas e muitos de seus dispositivos foram regulamentados. Toda a legislação de exceção do Estado Novo, realizada através de decretos-leis, fazia, aliás, menção ao inciso n.o 180, da Constituição de 1937. Parece-nos inegável que o desempenho deste tríplice papel por Campos só se tornou possível a partir da Revolução de 1930. Em Parecer emitido no correr da década,40 Campos assim se refere a ela: "Ou as revoluções entendem de mudar todo o sistema jurídico e, neste caso, como na Rússia, o novo Estado não subsiste em continuação do antigo, havendo entre ambos antago nismo jurídico total ou quase total, ou se limitam a mudar o 40 Direito constitucional. cit. v. 1, Parecer sobre a Aprovação pela cons tituinte estadual, dos atos do Governo do Estado. Pensamento político brasileiro 79 regime político, deixando mais ou menos intacta a estrutura so cial, econômica e jurídica, havendo, assim, nesta hipótese, sim ples mudanças de constituição ou apenas alterações ou reformas na constituição vigente. A revolução brasileira de 1930 não se pode dizer que haja mudado o regime político, nem mesmo a Cons tituição, pois a nova é (Campos referia-se à Constituição de 1934), nas suas linhas mestras ou na sua substância, apenas uma refor ma ou modificação da antiga." E ainda: "Não podia ser mais expressa, mais cabal e mais completa a vontade, manifestada pela revolução vitoriosa, de manter a continuidade do sistema jurídico que encontrou vigente, não apenas no que tocava ao direito co mum, ao direito civil, comercial e processual, mas, igualmente, ao direito político ou à estrutura jurídica do Estado." Este texto de Campos, no entretanto, foi produzido quando a Assembléia Constituinteainda se reunia nos trabalhos para a elaboração da Carta de 1934. Campos acabara de ser derrotado em sua preten são a uma cadeira de deputado-constituinte e estávamos num daqueles momentos de oscilação no processo de recomposição e de reajuste dos grupos, estamentose setores sociais dentro da estrutura de Poder. Campos avaliava, então, a Revolução de 30 a partir desta perspectiva: a reconstitucionalização representava um recuo histórico. Deixando de lado a parte de verdade que havia em seu texto acima transcrito, é de se ver que nem bem decorridos dois ou três anos de vigência do regime constitucional de 1934, já ele se tornara um seu agressivo crítico, conforme se pode constatar de sua conferência de setembro de 1935, A polí tica e o nosso tempo. 41 E quando se cogitou justamente de dar um fim ao regime de 34 foi Campos, e não outro, o convocado para o Ministério da Justiça. É nomeado ministro em setembro de 1937, elabora a nova Constituição, a que viria implantar o Estado Novo e a 10 de novembro do mesmo ano o Congresso é dissolvido. Poucos dias após, em sua primeira entrevista à impren sa, Campos afirmava: "Mas a Revolução de 30 só se operou, efe tivamente, em 10 de novembro de 1937." 42 E é, assim, exami nando agora retrospectivamente as décadas de 30 e 40, que rea firmamos nosso ponto de vista, sobre a Revolução de 1930, que foi esta que afinal lhe permitiu o desempenho daquele tríplice papel. Se a Revolução de 30 não chegou, segundo pensamos, a explicitar uma ideologia específica, senão aquela comum e tra dicional das nossas elites dirigentes; se não representou, de fato, mais do que um movimento no interior e dentro dos limites destas 41 In: O Estado Nacional. cito 42 O Estado Nacional. cito p. 36. 80 R.C.P. 1174 elites, referindo-se, assim, sobretudo, ao jogo e ao equilíbrio entre seus diversos setores e estamentos, também nos parece certo que, pelo fato de haver quebrado e rompido a mecânica político-insti tucional até então vigente, logo alcunhada de República "Velha", a Revolução de Outubro abriu, efetivamente, como possibilidade, logo coadjuvada pelos efeitos da depressão econômica mundial, as portas e as janelas do nosso país para uma fase de modernização institucional, já alimentada em bojo, como vimos, nas duas dé cadas imediatamente anteriores. A Revolução trazia, em potencial, as bases efetivas para a modernização institucional do país. Ou tra coisa não prova, decerto, a perplexidade que logo em seguida tomou conta de nossos grupos revolucionários, assim como o le que de possibilidades na adoção de modelos políticos (e foi a partir de então que se definiram, entre nós, de forma mais precisa, uma "esquerda" e uma "direita") e a intensidade do debate ideológico generalizado ao nível de nossa intelectualidade de então. Tudo isto comprova, ao mesmo tempo, a profunda inquietação que afligia, como conjunto, nossas elites dirigentes e a indefinição manifesta (mas não certamente latente) do movimento revolucionário. A indefinição manifesta tornara possível a conciliação geral de gru pos de vários matizes na trama e na deflagração da Revolução: a progressiva definição latente operou os ajustes e os reajustes, assim como as expulsões do bloco revolucionário antes coeso. Fos se qual fosse, porém, ao nível teórico, o debate ideológico, desde os primeiros dias após a Revolução de 30, o Estado autoritário começara, de modo concreto, sua caminhada no sentido de uma hegemonia política sobre a Nação. O curto interregno liberal do regime de 34 nada mais fez, na realidade, do que fornecer argu mento e uma base factual para o advento do Estado Novo. 13. Examinemos, dentro deste contexto, as três linhas da atuação renovadora e reformista de Campos na década de 30 - as bases da renovação do sistema educacional, do sistema político e do sistema do País. Na área da Escola, Campos iniciou, como Minis tro da Educação, em mensagens carregadas de novos padrões e valores culturais, seguidas de programas educacionais e pedagó gicos, a suscitar a consciência nacional para a necessidade de im plantação de uma Escola Nova entre nós e promoveu, efetiva mente, a reforma do ensino médio e superior. Adepto de Dewey, Decroly, Claparede, Kilpatrick, entre outros, coadjuvava aqui os esforços de Fernando de Azevedo e de outros poucos pedagogos brasileiros que já desde a década de 20 vinham procurando dis seminar os novos princípios educacionais. A filosofia educacional da Escola Nova, ou Escola para a Vida, através dos textos de Pensamento político brasileiro 81 Campos, pedia um sistema educacional com métodos de pesquisa e com objetivos diferentes daqueles da Escola Tradicional, consi derada por ela como de natureza retórica e ornamental - uma escola, segundo os adeptos da Escola Nova, dirigida para a for mação de "elites" - o que era duramente criticado pelos fun dadores dos novos métodos pedagógicos. Campos secundava-os e reclamava uma escola que ensinasse a pensar, a inventar e a criar soluções para a multiplicidade de novos problemas que a com plexidade da vida moderna estava a exigir. Recusava uma escola de dogmas, de fórmulas e de receitas prontas. Dizia ele: "A edu cação do homem não se fará jamais mediante o sistema de recep tividade passiva... A verdadeira educação concentra o seu in teresse antes sobre os processos de aquisição do que sobre o objeto que eles têm em vista, e a sua preferência tende não para a transmissão de soluções já feitas, acabadas e formuladas, mas para as direções do espírito, procurando crear, com os elementos constitutivos do problema ou da situação de facto, a oportunidade e o interesse pelo inquérito, a investigação e o trabalho pessoal em vista da solução própria e adequada e, si possível, individual e nova. .. A humanidade. .. verifica que começou para ela uma época de transformações e de mudança. .. A função da escola ... cresce ainda de vulto com as transformações por que vem pas sando a vida contemporânea. .. o mundo vive hoje sob o signal do econômico, como já viveu em outros tempos sob o signal do religioso e do político." 43 Assinalando "a crescente complexidade da vida e, particularmente, dos processos industriaes, com a fa cilidade e a rapidez das comunicações", mostrava o "desequilíbrio existente entre a nossa já intensa vida econômica e a ausência de uma educação adequada às novas formas de atividades comer cial e industrial", concluindo que o nosso ensino era "destituído de cunho técnico e profissional" sendo mais um "ensino literário e livresco, sem conexão com as realidades". H Campos explicita va: "Economia dirigida é, sobretudo, economia organizada e ra cionalizada. .. Dirigir a economia nacional em uma intensa pre paração centífica e prática de um corpo de técnicos e de peritos destinados a orientar as medidas legislativas e as intervenções do governo é, evidentemente, passar dos mais competentes, que são os produtores, para o empirismo e as aventuras oficiais o go verno da riqueza nacional." 45 Era, como se vê, o núcleo da tec nocracia brasileira em formação. Mais tarde, em 1935, quando 4~ Educação e cultura. cito p. 48-50, 125. 44 Educação e cultura. cito p. 50, 111, 128-9. 45 Id. ibid. p. 127. 82 R.C.P. 1/74 , Secretário da Educação do Distrito Federal, Campos resumma sua filosofia educacional no lema "Educação para o que der e vier" e explicava: "O que se quer é que ela seja uma educação para problemas, e não para soluções... uma educação para o que der e vier, como se estivéssemos preparando uma equipe de aventureiros para uma expedição em que tivessem de consumir a sua vida, adaptando-se a circunstâncias que não poderíamos prever e realizando obras e trabalhos nunca antes realizados pela raça humana. .. Perdemos as aquisições substanciais do passado e não constituímos ainda um novo patrimônio." 46 Ao mesmo tem po que reclamava o advento da Escola Nova, Campos procurava "a recuperação dos valores perdidos", os quaisidentificava com a "religião", a "família" e a "pátria", assinalando que só "a edu cação poderá incumbir-se dessa tarefa".47 Fazendo o elogio do decreto do ensino religioso do Governo Revolucionário Provisório, o autor investe contra o liberalismo educacional: "Ao passo que, sob a bandeira da doutrina liberal e em nome da liberdade de cátedra, era permitido o ensino das mais extravagantes e destem peradas teorias e às escolas se franqueavam todas as superstições científicas e todas as cosmogonias, teodicéias e teologias raciona listas, sob o rótulo fraudulento de ciência, fechavam-se à religião as portas das escolas como si se tratasse de uma expressão espú ria da natureza humana." 48 Percebemos, assim, que no pensa mento de Campos o racionalismo, ao mesmo tempo que era in vocado favoravelmente para justificar a Escola Nova, era, tam bém, negativamente criticado quando se tratava da salvaguarda dos valores culturais a serem preservados pela modernizaçãô. Fixa sua posição anticomunista: "Há três laços que reúnem os homens - a religião, a família e a pátria. Mais do que ninguém o comunismo sabe disso. Ele combate os três ao mesmo tempo ... As monstruosas ideologias internacionalistas visam apenas enfra quecer a humanidade no homem para transformá-lo mais facil mente em animal de um rebanho miserável, tangido pela fome e pelo medo... Onde se rompem os vínculos, começa o reino da morte e não o da liberdade e da justiça." 49 Mais tarde, em um depoimento sobre Campos, Abgar Renault revelaria: "Lembra-me que, em 1935. .. um estudo sobre a cidade universitária de Madri arrancava-lhe (a Campos) este comentário: "No mundo de hoje, 46 Id. ibid. p. 6, 7. 47 Id. ibid. p. 153, 154. 48 Id. ibid. p. 150. 49 Educação e cultura. cit. p. 154, 161. Pensamento político brasileiro 83 as grandes concentrações de estudantes constituem erro grave: dificultarão a administração, lançarão em perigo a disciplina e passarão rapidamente a focos da rebeldia e agitação." 50 14. Na área da Política, seus principais textos nesta década estão reunidos no volume O Estado Nacional - sua estrutura, seu con teúdo ideológico, publicado em 1940 e também, naturalmente, a Constituição de 1937. Aqueles textos foram produzidos por Cam dos quando ele ocupava a Secretaria da Educação do Distrito Fe deral (1935-1937) e o Ministério da Justiça, ao implantar o Estado Novo, que veio por suas mãos (1937-1942), no que se refere à sua montagem institucional. São, portanto, textos de um ideólogo no exercício de funções do Poder. É o que diferencia, a nosso ver, qualitativamente, a obra de Campos daquela de Alberto Tôr res, por exemplo, que formulou seus principais estudos na situa ção de Ministro aposentado, a partir, portanto, de uma perspec ti.va "de fora" do aparelho estatal e porisso mesmo colocados a título de "sugestões à Nação". Mesmo a obra de Oliveira Viana, ressalvada aquela produzida de 1932 a 1940, quando ele exerceu, com destaque, as funções de consultor jurídico do Ministério do Trabalho, poderia mesmo ser considerada a de um "estudioso" de nossos problemas, e, portanto, um tanto ou quanto gratuita. O que não significa, certamente, que não seja de importância para a formulação de nossa ideologia política autoritária. De qualquer forma, não se trata, evidentemente, de avaliar qualitativamente a obra destes autores em vista da posição que ocupavam na es trutura de Poder, mas tão-somente de assinalar as diferenças, para uma possível correlação. O fato é que, em Campos, o teórico era ao mesmo tempo o político e vice-versa. Em 1931, logo após a Revolução e exercendo já o Ministério da Educação e Saúde, ele intentara fundar, em Minas, a Legião de Outubro, sem êxito. Tratava-se de uma organização de tipo paramilitar - os "camisas caquis" - nos moldes das milícias nacional-socialistas e fas cistas, 51 tendo mesmo sido realizado um desfile na capital mi- 50 Renault, Abgar. In: Campos, Francisco. Digesto Econômico, 215, p. 17, set./out. 1970. 51 Não encontramos nenhum texto de Campos, ao longo de toda a sua obra, em que ele se reconhecesse expressamente adepto do fascismo ou do nacional-socialismo, mesmo na década de 30. Nem mesmo o salazarismo é referido. Como se verá, ele sempre há de se referir à democracia como modelo ideal de regime político, se bem que sempre se declarando decidi damente antiliberal. Suas críticas ao Estado liberal, até 1945, foram inva riavelmente virulentas e sarcásticas. O que expressamente ele fazia era postular uma democracia "de novo tipo". Durante a II Guerra Mundial, já em 1942, declara-se contrário à Alemanha nazista, defendendo nossa 84 R.C.P. 1/74 neira, com a presença do então Governador do Estado, Olegário Maciel: o objetivo declarado da Legião de Outubro era o de de fender e consolidar os princípios da Revolução de 30 e dar com bate aos seus inimigos, os quais, segundo o Manifesto da Legião, eram três: "inimigos oriundos do velho regime (os governadores depostos, os aderentes hipócritas e os viciados e corruptos de toda a espécie), inimigos existentes no seio da própria revolução (os revolucionários sem convicção e os revolucionários preguiçosos e céticos) e inimigos de origem externa (todos os propagandistas pregoeiros e apóstolos de doutrinas políticas exóticas e inaplicá veis para a solução de problemas brasileiros." 52 Em 1933, como vimos, com a reconstitucionalização do país, Campos candidata se à Câmara Federal, por Minas, mas não se elege. Durante o curto interregno constitucional exerce as funções de Consultor geral da República e de Secretário da Educação e Cultura do Distrito Federal, e, também, sua cátedra de Filosofia do Direito. Em 1937 é nomeado Ministro da Justiça, quando elabora a Cons tituição que objetivaria institucionalizar politicamente o Estado Novo, instaurado por um golpe a 10 de novembro daquele mesmo aliança com os &tados Unidos. Mais tarde, em março de 1945, em entre vista onde rompia com o Estado Novo já em sua agonia histórica, afir mava: "Poderia haver ao lado ou à sombra da Constituição de 1937 ideo logias ou individualidades fascistas. Eram, porém, fascistas frustes, larvados (no bom sentido latino) ou inacabados, sem o fundo das grandes culturas históricas, cujo espírito os autênticos fascistas europeus haviam traído, assi milando o seu aspecto técnico e dinâmico e esquecendo os seus valores de sentido e direção. Mas a Constituição de 1937 não é fascista, nem é fas cista a ditadura cujos fundamentos são falsamente imputados à Constituição. O nosso regime, de 1937 até hoje, tem sido uma ditadura puramente pessoal, sem o dinamismo característico das ditaduras fascistas ou uma ditadura nos moldes clássicos das ditaduras sul-americanas" (Entrevista a O Jornal, 3 de março de 1945). Na mesma entrevista ainda, criticando o Ato Adicional que vinha de ser decretado, dizia: "A tese implícita no Ato Adicional é que o Poder Constitucional, ao invés de residir no povo, reside no chefe do Governo. Ora, essa tese é o fundamento do regime totalitário e o pri meiro postulado desse regime. Aqui está, por exemplo, o constitucionalista oficial da Alemanha nazista, o Professor Karlreutter. Eis o que ele diz a propósito de Constituição: 'No &tado de Chefe, ou no &tado totalitário, a Constituição é a vontade do Fuehrer. Todo o ato do Fuehrer relativo à estrutura do &tado é um Ato Constitucional.' &te é, precisamente, o postulado no qual se funda o Ato Adicional" (entrevista citada). Recente mente, no entanto, Plínio Salgado, que também nunca admitiu que a Ação Integralista Brasileira, na década de 30, fosse um movimento fascista, re ferindo-se à Legião de Outubro, de 1931, dizia: "Não tardou que, em Minas, fizesse a sua entrada em cena o fascismo brasileiro, dos camisas cáqui, chefiados diretamente pelo Governador Maciel" (Diário do Congresso Nacio nal, seção 1, p. 4.164, 11 out. 1972). ~2 Silva, Hélio. 1931 - Os tenentes no poder. 1966. p. 156. Pensamento políticobrasileiro 85 ano. Campos é convocado, de fato, expressamente para realizar a montagem política e jurídica do Estado Novo o que, na reali dade, efetiva. Assim sintetizamos suas idéias políticas na década de 30: a) uma visão apocalíptica daquele período histórico: 53 "Esse mundo está mudando à nossa vista, e mudando sem nenhu ma atenção para com as nossas idéias e os nossos desejos. Nele a nossa geração não encontra resposta satisfatória às questões que aprendeu a formular, nem quadram com as soluções que lhe foram ensinadas. .. Os valores consagrados foram postos em dúvida, sem que se fizesse a sua substituição por outros valo res. .. (uma) situação que muda segundo uma razão que ainda não conseguimos fixar. .. O que chamamos de época de transição é exatamente esta época profundamente trágica ... Nunca falhou em tão grande escala a confiança humana na coerência do uni verso do pensamento e do universo da ação"; 54 alude ao "de mônio do tempo". 55 " ••• desarrumamos o sistema de valores que constituía a nossa herança espiritual"; 56 b) uma visão da socie dade moderna como "sociedade de massas": "O estado de massa gera a mentalidade de massa ... O indivíduo não é uma perso nalidade espiritual, mas uma realidade gruPal' partidária ou na cional. .. A vida política, como a vida moral, é do domínio da irracionalidade e da ininteligibilidade ... Somente o apelo às forças irracionais ou às formas elementares de solidariedade humana tor nará possível a integração total das massas humanas em regime de Estado ... O mito é o meio pelo qual se procura disciplinar e utilizar essas forças desencadeadas... Quem quiser saber qual o processo pelo qual se formam efetivamente, hoje em dia, as decisões políticas, contemple a massa alemã, medusada sob a ação carismática do Fuehrer"; 57 c) uma visão de Estado moder no como Estado autoritário e antiliberal: "Os Estados autori tários não são criação arbitrária de um reduzido número de indi víduos: resultam, ao contrário, da própria presença das massas ... A entrada das massas no cenário político. .. traduz-se... pelo di- 53 Sugerimos aqui que um estudo do pensamento político de Campos, já não mais em seu aspecto histórico, mas sim ideológico, deveria partir da constante dualidade realismo-ceticismo de sua "visão de mundo". Cam pos, neste sentido, parece-nos filosoficamente cético porque politicamente "realista", dentro de sua perspectiva de classe no poder. E sua "visão apocalíptica" seria justamente um resultado, a unidade daquela dualidade ideológica. 1)4 O Estado Nacional. cito p. 3, 4, 5, 6 e 7. 55 Ver nota 54. 56 Ver nota 54. 57 O Estado Nacional. cito p. 13, 14, 15, 29. 86 R.C.P. 1/74 vórcio, hoje confessado, entre a democracia e o liberalismo ... O clima das massas não obedece às regras do jogo parlamentar e desconhece as premissas racionalistas de liberalismo... As deci sões políticas fundamentais são declaradas tabu e integralmente subtraídas ao princípio da livre discussão. O sistema constitucio nal é dotado de um novo dogma, que consiste em pressupor, acima da constituição escrita, uma constituição não escrita, na qual se contém a regra fundamental de que os direitos de liberdade são concedidos sob a reserva de se não envolverem no seu exercício os dogmas básicos ou as decisões constitucionais à substância do regime ... A conseqüência do desdobramento desse processo dia lético será, por força, a transformação da democracia, de regime relativista e liberal, em estado integral ou totalitário. .. A den sidade e a extensão da área de Governo torna cada vez mais inacessíveis à opinião os problemas do Governo .. , As formas par lamentares da vida política são hoje resíduos destituídos de qual quer conteúdo ou significação espirituaL.. O que o Estado to talitário realiza é - mediante o emprego da violência, que não obedece, como nos Estados democráticos, a métodos jurídicos nem à atenuação feminina da chicana forense - a eliminação das formas exteriores ou ostensivas de tensão política... O sufrágio universal, a representação direta, o voto secreto e proporcional, a duração rápida do mandato presidencial foram meios impró prios, senão funestos aos ideais democráticos .. , A linguagem po lítica do liberalismo só tem um conteúdo de significação didática, ou onde reinam os professores, cuja função é conjugar o presente e o futuro nos tempos do pretérito. Para as decisões políticas uma sala de parlamento tem hoje a mesma importância que uma sala de museu .. , Ora, a máquina democrática não tem nenhuma relação com o ideal democrático. A máquina democrática pode produzir e tem, efetivamente, produzido o contrário da democra cia ou do ideal democrático. .. O regime político das massas é o da ditadura .. , Não há hoje um povo que não clame por um Cé sar"; 58 d) uma apologia das elites, vistas como agentes da His tória: "Uma nação vale o que valem as suas elites"; 59 "As elites políticas, se querem sobreviver, devem participar das preocupa ções quotidianas do povo... Da sua inteligente solução depen derá o futuro das nossas instituições políticas, o regime de ordem e de liberdade. .. Já começam a apontar no horizonte, carregadas na crista das agitações populares, as novas elites, ainda rescen- 58 O Estado Nacional. cito p. 17, 21, 23, 27, 28, 30, 75, 77, 222. 59 Pela civilização mineira. cito p. 72. Pensamento político brasileiro 87 dendo ao cheiro da terra e ao suor do povo;" 60 "As transforma ções não se operaram pela ação da mentalidade primitiva das multidões e dos seus líderes, mas pela influência das ciências e das artes, filósofos, pesquisadores, cientistas, engenheiros, artis tas .. , As forças silenciosas e profundas continuam a atuar en quanto os líderes e as multidões fanáticas figuram de criadores de história." 61 A possível falência do Estado Novo é assim ante vista por Campos: "Si, apesar disto, o ideal democrático não se realizar entre nós em medida maior do que no passado, o mal não estará no regime, mas nos homens incumbidos de operá-lo." 62 15. Como Ministro da Justiça, Campos procura definir ideolo gicamente o Estado Novo, que situa eqüidistante dos "extremos": "O Estado Novo não se filia, com efeito, a nenhuma ideologia exó tica. É uma criação nacional, eqüidistante da licença demogógica e da compressão autocrática, procurando conciliar o clima liberal, específico da América e as duras contingências da vida contem porânea, cheia de problemas e de riscos e varrida de ondas de inquietação e de desordem ... Nem o indivíduo se opõe ao Estado, no velho conflito, que degenera freqüentemente em agitaçõs de magógicas da concepção liberal clássica, nem o Estado o reduz à posição de escravo segundo algumas fórmulas extremadas dos tempos modernos ... Nem o exagero dos regimes totalitários nem a criminosa negligência dos regimes puramente liberais." 63 Cam pos procura, também, apresentar o Estado Novo como uma decor rência histórica necessária da Revolução de 1930 e ressalta a "bra silidade" do novo regime: "O 10 de novembro foi o elo final de uma longa cadeia de experiências e de acontecimentos, de ten tativas e de aproximações .. , a Revolução de 30 só se operou, efe tivamente, em 10 de novembro de 1937;" 6~ "O 10 de novembro ... apenas consagrou o sentido das realidades brasileiras. Aceitou, exprimiu e fortaleceu, defendendo-o (o País) contra desvios pe rigosos. .. A ideologia do novo regime é extraída das realidades brasileiras. .. Sendo autoritário, por definição e por conteúdo, o Estado Novo não contraria, entretanto, a índole brasileira ... Não criamos, porém, do nada o novo regime. Conservamos e desenvol vemos o que havia de bom no velho Brasil, no Brasil imperial 60 Problemas cruciais da economia brasileira In: Digesto Econômico, maio 1954. 61 Educação e cultura 1940. cit. p. 172,176. 62 O Estado Nacional. cit. p. 80. 63 O Estado Nacional. 1940. cit. p. 71, 81, 100, 147. 64 Id. ibid. p. 229, 36. 88 R.C.P. 1174