Buscar

Introdução ao estudo do pensamento político autoritário brasileiro 1914-1945


Continue navegando


Prévia do material em texto

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO PENSAMENTO 
POLíTICO AUTORITÁRIO BRASILEIRO 1914/1945 * 
I - FRANCISCO CAMPOS 
JARBAS MEDEmOS 
Cícero: - É certo; a época é aroarmal; mas os homens podem ver as 
coisas a seu modo, muito diferentes do que elas são na realidade. (Shakes­
peare. Júlio César, Ato I, Cena IH.) 
O problema perene de conservar a estabilidade e admitir as mudanças 
apresentou-se numa forma aguda. (Roscoe Pound. Introdução à Filosofia 
do Direito.) 
A função da Universidade é a de ensinar aos estudantes como os fatos 
se convertem em verdade. O processo desta conversão resume teda a história 
do espírito humano e das suas aventuras ... A conversão dos fatos em verdade 
consiste num processo de discriminação e de relação ou, mais largamente, 
num processo de interpretação da experiência em termos ou em relações 
de pensamento. (Francisco Campos. Educação e cultura.) 
1. A eclosão da Segunda Revolução Industrial e a rear­
ticulação do sistema econômico mundial. 2. O impacto 
causado por esta rearticulação nas estruturas políticas, e 
ideológicas. 3. Como o Brasil inseriu-se naquela rearti­
culação e como reagiu. Temas do "pensamento brasileiro". 
4. A obra de Francisco Campos como uma visão parcial 
da "crise moderna" brasileira entre as duas Grandes Guer­
ras. Periodização do conjunto de sua obra. Características. 
Francisco Campos - o professor, o político do Poder e o 
ideólogo. Seu tríplice papel, na década de 30, de reforma­
dor institucional - a educação, o regime político, a orde­
nação jurídica. Estado moderno. Estado nacional, Estado 
autoritário. Um novo conceito de democracia, "visão apo­
calíptica", romantismo político e pragmatismo positivista: 
realismo e ceticismo. Seu neoliberalismo, após 1945. 
1. O mundo, a partir dos três últimos decênios do século XIX 
ingressava, indubitavelmente, em uma nova fase, de caracterís­
ticas e personalidade mais ou menos específicas. A Segunda Re­
volução Industrial, promovida, sustentada e impulsionada por 
uma grande expansão capitalista que tinha como sede e centro 
* O presente texto é um resumo parcial e fragmentário, coordenado aqui 
R. Cio pol., Rio de Janeiro, 17 (1): 59-102, jan./mar. 1974 
de propulsão as grandes potências de então (às quais se 
incorporaram, antes mesmo do final do século, os Estados 
Unidos e a Alemanha), dava um novo sentido e uma nova 
dimensão ao desenvolvimento industrial. E, como acontece inva­
riavelmente no capitalismo, suas fases de expansão são, simulta­
neamente, fases de crise. Assim, a superprodução industrial das 
grandes potências econômicas e militares, que não encontrava 
capacidade de absorção em seus próprios mercados nacionais, que 
não cresciam na mesma proporção, passou a provocar uma expan­
são sem precedentes do comércio internacional. Seria certamente 
por este motivo que a partir de então a exportação de capital pas­
saria, nestes grandes centros industriais, a superar a exportação 
de bens manufaturados, o que viria a dar uma nova qualidade ao 
sistema capitalista mundial. O capital financeiro, em conseqüên­
cia, assume uma posição hegemônica dentro do sistema e é atra­
vés dos grandes conglomerados de bancos, fusionados com o ca­
pital industrial e comercial, que se opera o movimento de uni­
ficação e efetiva ocupação do globo terrestre pelo capitalismo, 
pondo-se assim um fim ao relativo isolacionismo nacional, até 
então prevalecente. Este movimento de unificação do planeta não 
é feito de modo pacífico. Inicia-se, a partir mesmo de 1870 e, 
consolidando-se daí para a frente, uma áspera e cruenta fase de 
guerras de colonização, de recolonização e de conquista de áreas 
de influência e de territórios econômicos. Generaliza-se um es­
tado de permanente e sucessiva belicosidade, tanto entre as gran­
des potências entre si, como destas com o conjunto dos demais 
apenas em seu aspecto histórico, de algumas notas preparatórias de uma 
tese que esperamos apresentar à Ecole Pratique des Hautes Etudes (Paris), 
sob o título O Pensamento Político brasileiro - 1930/1945, dentro de um 
esforço solitário de pesquisa que iniciamos há cerca de dois anos. Nosso 
objetivo é uma abordagem crítica global do pensamento politico brasileiro 
no período assinalado, abrangendo suas diversas linhas de formulação e 
apresentado talvez como um debate entre estas correntes doutrinárias. 
Neste texto procuramos apenas, em esforço de caracterização e de periodi­
zação, apresentar e situar, histórica e politicamente, de modo organizado, o 
pensamento político global de Francisco Campos que pode ser, certamente, 
considerado um dos expoentes de nosso pensamento político autoritário. É 
dentro desta perspectiva que deve ser entendida a abundância de citações 
de textos do próprio Campos - tratar-se-ia mais de deixá-lo falar do que 
mesmo interpretá-lo. Salientamos, outrossim, que pouco, ou quase nada, 
encontramos na literatura sociológica brasileira que se referisse especifica­
mente à obra de Campos, a não ser uma curta referência de Antonio Paim 
em sua História das idéia& filosóficas no Brasil, o breve discurso de San­
tiago Dantas na Comissão Jurídica Interamericana, em 1955, e alguns outros 
textos de valor apenas biográfico e, em geral, laudatórios. É nosso intuito, 
logo a seguir, abordar o pensamento político de Oliveira Viana, cujo estudo 
já temos esboçado nesta data, outubro de 1973. 
60 R.C.P. 1/74 
países do globo. É a luta sem fronteiras dos poderosos trustes e 
monopólios pela garantia de mercados e de fontes de abasteci­
mento de matérias-primas, para uso efetivo e imediato ou poten­
cial. Coloniza-se a Mrica, a Oceania e parte da Asia. Sucedem-se, 
febrilmente, as alianças econômicas e financeiras e os pactos di­
plomáticos e militares. Um historiador de tendências conservado­
ras como o norte-americano Louis Snyder diria: "EI sistema de 
alianzas era el método aceptado para lograr la seguridad en un 
mundo desequilibrado a causa deI choque de intereses imperia­
listas y de la lucha global por mercados, materias primas y co­
lonias. .. EI mundo entró en el siglo XX dividido y lleno de te­
mor. El problema más crítico que había entonces pendi ente era 
el de la amenaza de la guerra." 1 Enquanto isto - e por causa 
disto -, a tecnologia científica ganhava um lugar de destaque na 
Universidade e um valioso status cultural. Afinal, a produção in­
dustrial diversificada, sofisticada, em massa e a baixo preço era 
a arma de conquista de mercados e de aperfeiçoamento militar. 
O poder militar nacional estaria, daí para a frente, umbilicalmen­
te condicionado pelo desenvolvimento econômico e industrial de 
sua pátria, passando poder político e poder militar a se confundir 
e a se equivaler. Surgem novas fontes de energia, tal como a ele­
tricidade e implantam-se as usinas hidrelétricas, e termoelétricas; 
o motor de combustão interna; a utilização do aço, que suplanta, 
com vantagem, a do ferro; surgem e implantam-se os sistemas de 
telecomunicações - a telefonia, a telegrafia e a radiofonia; apa­
recem a mecânica de maior precisão e potência, a turbina a va­
por, o automóvel e o avião; a lâmpada incandescente; a química 
orgânica, com os plásticos, as fibras artificiais e os vernizes; a 
produção industrial em linha (a moving assembly de Ford), que 
possibilitou a produção em massa em menor tempo unitário; a 
técnica de fusão de empresas - vertical, das fontes de matérias­
primas ao produto já no balcão, e horizontal, associação de ramos 
industriais e comerciais: surge a indústria petrolífera que se 
interliga, numa mesma planta industrial, com as indústrias têxtil, 
de calçados, de papel, alimentícia e de construções - as indús­
trias tradicionais: mecanizava-se a agricultura, com o desenvol­
vimento e a diversidade das máquinas, impulsionada pelas novas 
fontes de energia; surgiam o fonógrafo, a placa fotográfica e o 
filme. 2 Administrar, de modo geral, fosse o que fosse, deixava 
1 Snyder, Louis L. El mu.ndo en eL siglo XX - 1900/1950. Barcelona, Ed. 
Labor, p. 11 e 35. 
2 Estes dados, referentesà Segunda Revolução Industrial, são colhidos, em 
sua maior parte, em Pasdermadjian, H. La segu.nda revolu.ción. Madrid, 
Editorial Tecnos S.A., 1960. 
Pensamento polítiCO brasileiro 61 
de ser algo relegado ao emplrISmO, para. constituir-se em técnica. 
Taylor, ainda em 1895, sustentava que aos critérios operativos 
anteriores, que classificava de subjetivos, empíricos e intuitivos, 
a administração como ciência opunha os critérios de racionaliza­
ção, uniformização, nivelação, generalização, institucionalização, 
sistematização e teorização. Era a administração científica. Na me­
dicina, ao lado de uma melhoria geral nas técnicas médicas, o 
que vinha possibilitando a redução da taxa de mortalidade, sur­
gia também a psicanálise, com profundas repercussões na psico­
logia. Na física, Einstein e Planck abriam toda uma nova visão 
do macro e do micro cosmos , afetando, de modo notável, a pró­
pria ciência do conhecimento humano. Em conseqüência, a epis­
temologia ganha um status privilegiado no campo das ciências e 
da filosofia. Na química, Loeb e na matemática, Hilbert, contri­
buíam para o movimento geral e global de renovação científica 
do saber humano. Nas artes, a ebulição não era menor: a pintura 
tomava o caminho do cubismo e do abstracionismo; a música, o 
dodecafonismo; a poesia, o do futurismo e movimentos correlatos; 
o romance com Proust, Martin du Gard, Gide, Thomas Mann, 
Kafka e Gorki, era bem um símbolo das profundas e até certo 
ponto desconcertantes transformações por que passava o mundo 
ocidental. Na filosofia e na sociologia prevaleciam, de um lado, 
não obstante suas relativas contradições internas, as diversas cor­
rentes positivistas e neopositivistas, neokantianas, empíricas, in­
tuicionistas, naturalistas, pragmatistas, utilitaristas e neo-hegelia­
nas (estas últimas de conteúdo metafísico e romântico, servindo 
para embasar doutrinas políticas belicosas) e, de outro lado, co­
meçando a firmar-se como categoria do saber, o chamado mate­
rialismo histórico e dialético, o qual oferecia combate ao conjunto 
daquelas correntes. O Direito, sob o influxo daquelas novas cor­
rentes filosóficas e sociológicas que se afirmavam de modo pro­
gressivo, passa a refleti-las em sua doutrina, sobretudo através 
do positivismo jurídico, que levou à "publicização" do direito 
privado. Na ciência política, abria-se a crise do Estado liberal. A 
crítica às suas instituições escudava-se sobretudo nas correntes 
positivistas e neo-hegelianas. Como se percebe, o mundo em que 
vivemos, hoje, é um mundo que começou a ser moldado nos dois 
ou três últimos decênios do século XIX. 
2. Este período histórico que vai de 1870 a 1914 e que, no pe­
ríodo seguinte, intermédio entre a I e a II Guerra Mundial (1914/ 
1918 -- 1939/1945), vê aprofundadas e agravadas todas as suas 
características -- as de expansão e as de crise -- poderia, se­
gundo pensamos, ser assim sintetizado: 
62 R.C.P. 1/74 
a) o sistema econonuco, já hegemônico à escala mundial, passa 
a ser estruturado não mais ao nível de um capitalismo atomizado, 
mas sim pelo capitalismo financeiro monopolista, que se mostrava 
mais capacitado para operar em economia de escala, dentro da 
concorrência internacional em busca de mercados, de matérias­
primas e de realização lucrativa de capital; 
b) este predomínio de economias de escala no sistema econô­
mico global provoca e estimula, de modo dinâmico e progressivo, 
as novas técnicas de administração e de organização do trabalho 
social; ao empirismo sucede o planejamento; ao intuicionismo, a 
racionalização; a Universidade começa a se transformar, a fim 
de tornar-se apta a servir às novas condições de vida; 
c) com a acentuação do desequilíbrio indústria-agricultura em 
favor da indústria, as nações industriais assumem uma posição ni­
tidamente hegemônica sobre as nações agrícolas; culturalmente, 
civilização passa a ser sinônimo de industrialização; intensifica-se, 
de modo extraordinário, o processo de urbanização; a sociedade 
urbano-industrial define-se como uma categoria histórica; 
d) industrialização e urbanização provocam o aparecimento, no 
cenário político e social, das grandes massas populares; define-se 
o conceito de sociedade de massas. É ainda Louis Snyder que as­
sinala: 
"La nueva industrialización estimuló el crecimiento demográfico, 
la concentración de la población en las zonas urbanas, la agra­
Ilación de los problemas relativos e las grandes ciudades, la dis­
minución deI analfabetismo y la aparición de la prensa como gran 
medio de informaéión"; 3 ao lado de ideologias otimistas, utilitá­
rias, pragmáticas e reformistas surgem, também, doutrinas apo­
calípticas da civilização ocidental: a revolução socialista torna-se 
uma realidade histórica, com a Revolução bolchevique de 1917, 
assim como a rebelião das massas, concretizada na Revolução me­
xicana dos anos 10; da I Guerra Mundial para a frente, guerras 
e revoluções sociais se entrelaçam e se condicionam; 
e) o nacionalismo econômico e político, o militarismo e o li­
vre-cambismo passam a ser, simultânea ou sucessivamente, pra­
ticados por todas as nações, dependendo de suas posições de força 
dentro do sistema mundial; as grandes potências, que em geral 
haviam atingido este status pelos caminhos do nacionalismo e do 
li Snyder. op. cito p. 19. 
Pensamento político brasileiro 63 
protecionismo, mais ou m.enos dentro dos postulados do Sistema 
Nacional de Economia, passam a defender, nas relações mundiais 
de mercado, o livre-cambismo; as demais nações oscilam entre o 
protecionismo e o livre-cambismo, muitas vezes tentando conci­
liá-los com maior ou menor êxito relativo, dada a situação de 
economias reflexas e dependentes em que haviam sido colocadas; 
f) crise generalizada e progressiva, mas desigual ao nível das 
nações, do Estado liberal; suas instituições, como sufrágio uni­
versal, o sistema de partidos políticos, a divisão dos poderes de 
Estado, o Parlamento, as liberdades públicas e as garantias indi­
viduais, assim como o próprio conceito de democracia passam a 
ser reavaliados criticamente, procurando dar-se-Ihes novos con­
teúdos; buscam-se formas de institucionalizar-se o amplo inter­
vencionismo estatal, o autoritarismo, o totalitarismo, a democracia 
social, o corporativismo etc. 
3. O Brasil, que devia a sua própria existência a um outro ciclo 
anterior de colonização - o das grandes descobertas - inseria-se, 
ainda, ao final do século XIX e primeiras décadas do século XX 
(período que estudamos), numa relação de dependência para com 
as grandes metrópoles mundiais. Economia e cultura reflexas que 
éramos, as transformações ocorridas nos centros hegemônicos 
mundiais condicionavam, necessariamente, os termos e os limites 
dentro dos quais as nossas instituições políticas desfrutavam de 
uma relativa autonomia conjuntural na tarefa de se organizarem 
e se definirem. Aquela intensa e extensa expansão do capitalismo 
financeiro, de uma nova qualidade, que irradiava dos grandes 
centros mundiais, tornou-se, assim, responsável pelo início, a par­
tir dos últimos decênios do século XIX, de um ciclo histórico en­
tre nós. A economia cafeeira assume, então, uma posição de co­
mando dentro da economia brasileira, dada a demanda crescen­
temente estável do mercado internacional - fato resultante da 
referida expansão do capitalismo mundial, da Segunda Revolução 
Industrial e da unificação desse mercado. Daí para a frente es­
treitam-se os nossos vínculos com o mercado mundial, de tal 
forma que todas as oscilações e crises deste último teriam reflexo 
certo em nossa decisão e estratégia política internas. O modo pelo 
qual nos articulávamos ao mercado mundial, isto é, como nação 
exportadora de bens primários - os produtos exóticos - e de 
matérias-primas e como nação importadora de bens manufatura­
dos (e, àquela época, importadora também de inúmeros bens não-
64 R.C.P. 1/74 
duráveis, como g~neros alimentícios) e de capitais, tornava-nos 
uma nação atrasada face às nações industriais- as grandes po­
tências - que eram adiantadas. Em termos econômicos o Brasil 
era o café e, depois, por um curto período, também a borracha 
e nada além disto. Entretanto, achávamo-nos inseridos em um 
sistema econômico mundial extremamente dinâmico e inovador, 
onde, como vimos, a industrialização e o avanço tecnológico eram 
o símbolo da civilização, do prestígio, da força e da hegemonia 
mundial. As Forças Armadas de todos os países, fossem adianta­
dos ou atrasados, haviam percebido que o aprimoramento e a 
modernização delas mesmas e, conseqüentemente, a salvaguarda 
da segurança nacional de seus países, da qual eram institucional­
mente as responsáveis, estavam na dependência do desenvolvi­
mento industrial deles. Havia, portanto, entre nós, um consenso 
favorável mais ou menos generalizado por todas as nossas elites 
dirigentes 4 no sentido do encaminhar o Brasil na rota da indus­
trialização (em geral através do investimento estrangeiro), se 
bem que a natureza desta, assim como os meios, os métodos e o 
prazo histórico para atingi-la não fossem questões pacíficas e mui­
tas resistências fossem efetivamente criadas, se bem que não in­
superáveis, como o próprio tempo se encarregou de demonstrar. 
O Brasil iniciou então o seu processo de industrialização que, des­
de a segunda metade do século XIX, se instalou entre nós como 
um subproduto de nossa estratégia financeira. Esta última, já no 
século XX, define-se e cristaliza-se em torno da valorização do 
café, nos anos 10, da defesa permanente do café, nos anos 20 e 
sustentação do café, nos anos 30. Desta forma, mais ou menos no 
período de 1870/1880 para a frente, o Brasil inicia um ininter­
rupto processo de industrialização, que se estruturava lentamente 
em ciclo, simultâneos ou não com os booms e com as depressões 
da nossa economia cafeeira. Até possivelmente o término da II 
Guerra Mundial (1945), aquele processo de industrialização se­
ria de futuro mais ou menos incerto e duvidoso, para firmar-se, 
depois desta data, em termos mais definitivos. 
4. A articulação histórica de nossa economia, nos últimos de­
cênios do século XIX, em um mercado mundial que se estrutu­
rava pela expansão dinâmica e inovadora do capitalismo finan-
4 Preferimos o termo "elites dirigentes" a "classes dirigentes", dada a 
sua conotação mais próxima de nossa sociedade escravista ou, pelo menos 
até 1930, recentemente egressa do escravismo. 
Pensamento político brasileiro 65 
ceiro, sob a hegemonia das grandes potências, já nos definia, atra­
vés do chamado modelo agrário-exportador, como uma nação 
capitalista atrasada. Nossa estratégia financeira, ao que nos pa­
rece, elaborada com grande originalidade e autenticidade, além 
de nos garantir, pela valorização do café, um nível de renda, 
servia ainda, subsidiariamente, para alimentar uma débil e limi­
tada industrialização, mas de toda maneira contínua e progressiva. 
Estabelecia-se, assim, um entrelaçamento absoluto e uma relativa 
solidariedade entre os interesses de nossa economia cafeeira, nos­
so comércio, interno e externo, dominado por firmas e bancos es­
trangeiros, nossa indústria possível (setores têxtil, couro e ali­
mentício) e nossas Forças Armadas. De fato, parece que o nosso 
processo substitutivo de importações, gerado por um regular pro­
tecionismo alfandegário e pela política cambial posta em prática, 
bem assim como outros projetos industriais isolados, pelo fato 
mesmo de não terem sido sistematizados como uma política mani­
festa de industrialização do país, acabaram por se acomodar den­
tro do modelo agrário-exportador, não chegando nunca, até pelo 
menos o término da 11 Guerra Mundial, a provocar uma ruptura 
com os interesses da nossa lavoura cafeeira, do nosso comércio e 
do capital estrangeiro. Teria, antes, ocorrido uma como divisão 
de áreas entre o conjunto destes interesses. Desta forma, o des­
tino agrário e o futuro industrial do Brasil se conciliavam, em 
termos. 
5. Esta nova fase histórica que então iniciávamos, por indução 
exterior, dadas as suas peculiaridades e características, que ha­
viam configurado a sociedade urbano-industrial-tecnológica e de 
massas, viria abalar, de modo contundente, as nossas instituições 
sociais, políticas e culturais até então vigentes. Assim é que, pro­
gressivamente, pela conjugação simultânea ou alterada de fatores 
internos e externos, estouram o nosso sistema de propriedade à 
base do braço escravo, com a Abolição; o nosso sistema de rela­
cionamento entre a Igreja e o Estado, com a separação de ambos; 
o nosso sistema político-institucional, com a República; o nosso 
sistema cultural, com a Escola do Recife e movimentos de idéias 
seus contemporâneos; nosso sistema de distribuição regional de 
Poder, com a implantação da hegemonia paulista sobre a Fede­
ração; o nosso sistema de relacionamento internacional, com a 
entrada em cena de novas potências mundiais - e, portanto, no­
vos centros de influência e de hegemonia - como os Estados Uni­
dos e a Alemanha. 
66 R.C.P. 1/74 
6. Face ao conjunto destas transformações que ocorriam inter­
na e externamente e sobretudo face a esta múltipla ruptura polí­
tico-institucional-cultural a que aludimos logo acima, a ideologia 
brasileira, conforme deduzimos de grande parte da bibliografia 
já lida, constituída dos próprios autores do período (1870-1945), 
passou a problematizar, entre outros, os seguintes temas: 
a) a conveniência ou inconveniência da industrialização do País; 
indústrias naturais versus indústrias artificiais; livre-cambismo 
versus protecionismo; destino agrário e futuro industrial do País; 
o gigante adormecido em berço esplêndido; 
b) o alinhamento ou realinhamento do País no contexto das gran­
des potências econômicas e militares; novo mundo e velho mundo; 
a Doutrina Monroe; nacionalismo, ufanismo; pan-americanismo; 
pan-germanismo; comunidade luso-brasileira; 
c) a necessidade e os caminhos para orientar o País no sentido 
de uma inevitável modernização institucional face ao impacto da 
emergente sociedade urbano-industrial-tecnológica e de massas, 
com o mínimo possível, ou mesmo sem nenhum risco para o tra­
dicional esquema de elites no Poder; a crise de "degenerescência 
do caráter nacional", a Liga de Defesa Nacional, a campanha do 
serviço militar obrigatório, o retorno ao campo; a organização 
do Estado nacional; a unidade política e social do País; a superação 
das autonomias regionalistas e dos particularismos e faccionismos 
político-partidários; o nacionalismo paulista; o fortalecimento do 
Poder Céntral; o Estado forte; revisionismo constitucional; tra­
dicionalismo, autoritarismo e liberalismo; 
d) a necessidade e os meios de integrar nossas massas urbanas 
proletárias, então emergentes, no processo político nacional; a 
conversão do ex-escravo, do mestiço alforriado e do imigrante em 
matuto e em operário urbano; o sertanejo, o Jeca Tatu e o estran­
geiro; o Brasil do sertão e o Brasil do litoral; o Brasil, país em 
formação; Macunaíma; a investigação da personalidade do brasi­
leiro; superioridade e inferioridade racial; 
e) o transplante de idéias e de doutrinas européias e norte-ame­
ricanas para o Brasil e a crítica ao mesmo; cosmopolitismo e cul­
tura nacional; a imitação como defeito, equívoco ou ingenuidade 
de nossas elites intelectuais; o ceticismo; ensaios de confronto 
crítico dos modelos estrangeiros com a realidade brasileira, esta 
última geralmente interpretada dentro de perspectivas positivis-
Pensamento político brasileiro 67 
tas, neopositivistas ou emplrlCas, o que, em essência, por um 
détour, acabava por justificar os referidos modelos estrangeiros 
através da postulação de "abrasileiramento" dos mesmos. 
Acreditamos poder distribuir ao longo destes cinco itens que 
formulamos toda a temática fundamental de conjunto de nosso 
pensamento político, sociológico e literário, em um continuum que 
viria da chamada Escola do Recife até os autores da década de 40. 
7. A obra de Francisco Campos, toda ela produzida quandoele 
mantinha o status de homem do Governo, no exercício efetivo 
de funções políticas, ou bem na qualidade de professor ou jurista, 
cobre cerca de 50 anos da vida brasileira, iniciando-se por volta 
da I Guerra Mundial e terminando em 1968, ano de seu faleci­
mento. Pela leitura que dela fizemos e desprezados os textos que 
não se relacionavam mais diretamente com o seu pensamento po­
lítico, ou seja, aqueles seus pareceres de fundo e forma eminente­
mente jurídicos, acreditamos poder periodizar sua obra, mesmo 
dentro da grande uniformidade que apresenta, em três fases: a) 
o período que vai de seu discurso junto à herma de Afonso Pena, 
quando Campos era ainda acadêmico de direito, isto é, per volta 
de 1914, 5 até o seu discurso de posse como Ministro da Educa­
ção e Saúde do Governo Revolucionário Provisório, ao final de 
1930; 6 b) deste último discurso até a elaboração da Constituição 
de 1937 e da reforma dos Códigos, e que vai de 1930 a 1942; c) 
da entrevista que concedeu a O Jornal a 3 de março de 1945, 
quando procede a uma avaliação crítica do Estado Novo que en­
tão chegava ao fim, até seu último parecer, de setembro de 1968. 7 
Como o nosso estudo visa principalmente o período que medeia 
as duas grandes guerras mundiais - 1914/18 a 1939/45 - con­
centramo-nos mais atentamente nas duas primeiras fases, fazendo 
apenas uma referência à terceira, ao final. 
8. Primeira fase - 1914/1930: neste período, Francisco Campos 
inicia sua vida profissional como professor de Filosofia do Direito 
(1917), logo a seguir deputado à Assembléia Legislativa de Minas 
Gerais (1919-1921), deputado federal por este Estado (1922/1926), 
:I Democracia e unidade nacional. In: Antecipações à reforma política. 
José Olympio Editora, 1940. 
6 Educação e cultura. José Olympio Editora, 1940. 
7 O direito de propriedade e sua garantia em face da Constituição. Di­
gesto Econômico, n. 205, jan./fev. 1969. 
68 R.C.P. 1/74 
Secretário do Interior no Governo Antônio Carlos (1926/1930), 
chegando, ao final da década de 20, a Ministro da Educação e 
Saúde do Governo Ditatorial Provisório, sendo o primeiro ocu­
pante da Pasta. Ao longo de toda esta fase Campos revela-se um 
político situacionista (aliás, é digno de nota que jamais em sua 
vida militou nas hostes da oposição), defensor convicto da ordem 
estabelecida e do regime então vigente, ou seja, das instituições 
políticas da República Velha que perduraram até a Revolução de 
1930 (que Campos ajudou a tramar e a deflagrar, na qualidade 
de Secretário do Interior do Governo Antônio Carlos, um dos 
próceres aliancistas mais destacados). Como deputado federal, 
Campos é um agressivo crítico e opositor das sublevações tenen­
tistas e do programa da Aliança Libertadora, de Assis Brasil. 
Defende, na Câmara dos Deputados, o regime da legalidade, o 
senso da ordem, a civilização, o regime de Estado de Sítio, as 
medidas de exceção e de repressão contra as manifestações mili­
tares de protesto as quais são vistas por ele como explosão de 
"instintos primitivos", como "forças da desordem e da destruição, 
espírito primário e jacobino", qualificando-as de "sombria aven­
tura" e "monstruoso atentado", de "agressão à ordem tradicional 
do País", "morticínio fratricida", "flagelação da pátria", "legiões 
de orgulho e concupiscência", referindo-se à "masorca de 5 de 
julho". Quanto a Assis Brasil e à sua pregação liberal consubs­
tanciada no lema "Representação e Justiça", a qual, segundo 
Campos, dava "cobertura ideológica" ao tenentismo ("... às ar­
mas sem programa emprestaria o seu programa"), qualificava-o 
de "demagogo". A si próprio Campos dizia-se integrado na "for­
midável obra de defesa e de preservação moral e política do País." 
Poucos anos depois, sob a Aliança Liberal, aliás compreensivel­
mente movido pelas injunções históricas e políticas e não obs­
tante as restrições que ele fazia aos tenentes, alia-se aos mesmos 
e a Assis Brasil na preparação e na deflagração vitoriosa da Re­
volução de outubro de 1930 que viria justamente pôr fim ao re­
gime até então por ele defendido, o que ilustra, enfim, o relativa­
mente pequeno peso das convicções pessoais face a um processo 
histórico determinado. Seria ainda de se assinalar aqui que Cam­
pos parecia perceber algo mais por detrás das sublevações tenen­
tistas e do programa da Aliança Libertadora, talvez uma "revo­
lução social anárquica." Leia-se este trecho de um discurso na 
Câmara Federal: "Que abalos, se este movimento (a sediação mi­
litar) se propaga, sacudiriam o país, fazendo emergir ninguém 
sabe que correntes de sentimentos, de idéias ou de paixões desses 
Pensamento político brasileiro 69 
fundos submarinos da alma nacional, cujos agregados, subita­
mente dissolvidos, libertariam poderosas energias, menos capazes 
de crear do que destruir?" A 
9. Nesta primeira fase, Campos já deixa de certo modo estabe­
lecido o seu núcleo fundamental de idéias e princípios doutriná­
rios que, na posterior década de 30, cuidará apenas de desenvol­
ver e aprofundar, de acordo com as correntes do pensamento polí­
tico ocidental que então haveriam de se definir. Este núcleo de 
idéias já pode mesmo, segundo pensamos, ser percebido em seu 
discurso de acadêmico dos anos 10, já citado, o que foi proferido 
junto à herma de Afonso Pena. Salientamos o seguinte trecho, 
que nos pareceu bastante expressivo: "Para resolver, por conse­
guinte, o problema da democracia é necessário que os juristas, 
largamente embebidos da inspiração nacional, estejam sempre 
prontos a adaptar os órgãos legais da nação à satisfação das neces­
sidades democráticas, sem permitir que a orientação do desígnio 
nacional seja quebrada pela interferência dos conflitos democrá­
ticos ... O futuro da democracia depende do futuro da autoridade. 
Reprimir os excessos da democracia pelo desenvolvimento da au­
toridade será o papel político de numerosas gerações." 9 Real­
mente, parece-nos que a formação bacharelesca de Campos, que 
já por si o qualificava como homem da "ordem legal" e defensor 
dos "interesses constituídos e dos direitos adquiridos"; depois, o 
exercício do magistério superior, que o integrava à burocracia es­
tatal de alto nível; ainda sua formação filosófica de juventude, 
toda ela neokantiana, agnóstica, relativista (e daí, certamente, o 
permanente ceticismo e ironia de Campos), intuicionista e neo­
positivista (e aqui, certamente, seu "realismo objetivo", seu prag­
matismo de homem do Poder); sua formação jurídica hobbesiana 
e positivista, seu acentuado romantismo político 10 e, também por 
8 Todas as citações deste item 8 são extraídas dos discursos de Campos 
reunidos em Antecipações à reforma política. cito 
9 Democracia e unidade nacional. Antecipações à reforma política. cito 
lU Para a formação filosófica de Francisco Campos, ver sobretudo sua 
Introdução crítica à Filosofia do Direito, de 1918, para o que diz respeito 
às suas posições neokantianas, agnósticas e relativistas; seus textos sobre 
Filosofia da Educação, nos discursos e conferências sobre a reforma do en­
sino em Minas e no Governo Federal, para seu pragnIatismo e neopositi­
vismo (Pela civilização mineira. 1930 e Educação e cultura. 1940. cit.); 
para seu intuicionismo, neohegelianismo e romantismo político, ver seus 
textos sobre o "primado do irracional", sua teoria dos gênios na História, 
70 R.C.P. 1/74 
toda a década de 20, o exerC1ClO de cargos políticos e adminis­
trativos, estaduais e federais, conduziram-no, todos estes fatores 
somados, a uma posição teórica e doutrinária que envolvia, ao 
lllesmo tempo, o conservadorismo e a aspiração de modernização 
institucional, característica fundamental de seu pensamento polí­
tico. Uma leitura atenta de suas obras nos anos 10 e na década 
de 20, iniciando-se com o já mencionado discurso junto à herma 
de Monso Pena, percorrendo seus pronunciamentos na Assem­
bléia de Minas e na Câmara Federal e depois os da Secretaria 
do Interior, quando promoveu a reforma do ensino primário e 
normal em Minas,mostra-nos que sua posição era, de certa forma, 
singular e atípica no contexto político então dominante em nosso 
País. Campos não poderia àquela época ser classificado como um 
conservador tout court, um defensor do status institucional vigen­
te. Ao contrário da grande maioria dos componentes das elites 
políticas que então dirigiam o nosso País, Campos já trazia ao 
debate e à ação administrativa pública, na década de 20, os con­
ceitos e os programas que objetivavam a montagem, entre nós, 
de um Estado Nacional, antiliberal, autoritário e moderno. Co­
locado dentro da estrutura de poder então vigente, nela traba­
lhava não certamente para solapar suas bases sociais - e nisto 
qualificava-se como um conservador -, mas sim para substituir 
e reconstruir, do alto, as suas instituições políticas e burocráticas, 
modernizando-as. A nosso ver, Campos enquadrava-se com per­
feição naquela definição de Taine dada por Carl Schmitt: "Taine 
balance entre l'éspoir d'un ordre nouveau à naitre de la décom­
position de l'ancien, et la peur du chaos." 11 Dizia Campos, por 
volta de 1925: "Pela lei... em regimen democrático, se podem 
fazer todas as transformações, por mais radicaes que sejam ... " 12 
É visando um Estado nacional moderno que Campos inicia o seu 
combate em vários fronts: investe contra a autonomia dos muni-
seu apelo a César, seu conceito de política como teologia, tudo em O Es­
tado Nacional (conferência intitulada A política e o nosso tempo) e na 
Atualidade de Dom Quixote. Imprensa Oficial de Minas, 1967. Suas idéias 
jurídicas, por sua vez, inspiraram-se nas tendências do positivismo jurí­
dico, da "publicização" do direito privado, à Kelsen e à Thering, bem como 
nas correntes constitucionalistas que prevaleceram na Constituição de 
Weimar (1919). 
11 Schmitt, Carl. Le romantisme politique. Edição francesa de 1928, sendo 
a original, alemã, de 1919. 
12 Os crimes políticos e o julgamento pelo júri. Antecipações à reforma 
política. cito 
Pensamento poLítico brasileiro 71 
ClplOS, pedindo a implantação do sistema de prefeitos nomeados 
argumentando que o município estava, afinal, envolvido de tal 
forma dentro do Estado e da União que sua autonomia política 
tornava-se inadmissível; investe contra a autonomia dos estados­
membros, a qual, no fundo, seria garantidora do sistema odioso da 
prevalência de interesses regionalistas sobre os interesses maiores 
da Nação; pede o fortalecimento do Poder Central: " ... a demo­
cracia moderna, que vive da prosperidade da unidade da nação; 
essa democracia que precisa de uma espinha dorsal e não a de­
mocracia xadrez, constituída de retângulos inumeráveis, cada 
qual com a sua bandeira e a sua cor; a democracia substancial e 
substantiva, moldada na unidade nacional... Essa democracia ... 
não pode constituir-se onde se multiplicam as autoridades polí­
ticas locais, estabelecendo separações, semeando ódios, nutrindo 
a desconfiança, a descrença, o indiferentismo e o desprezo do 
povo pelo seu regime"; 13 investe contra a visão rousseauniana 
dos direitos do cidadão e do individualismo: "Já é passado o tem­
po .. , da concepção do direito como instrumento de desintegra­
ção social; da liberdade como um direito natural, superior e an­
terior à formação orgânica da sociedade: ambos, direito e liber­
dade não passam de formas e modalidades da existência social ou 
órgãos destinados a uma função social específica. .. Compreender 
de modo irrestrito e absoluto as garantias ao direito individual, 
é erigir à ordem de uma categoria jurídica o solipsismo filosófico, 
fazendo de cada indivíduo, tomado isoladamente, o único, e do 
mundo, a sua propriedade ... No regimen moderno, as liberdades 
individuais passaram a ser garantidas pelo Estado e a adminis­
tração do Estado a ser uma administração legal;" 14 e ainda: 
"Nestes períodos críticos de dissolução de um estado social e de 
liquidação de tradições é que é preciso conter os espíritos, refrear 
os impulsos, apertando as malhas desta armadura elástica, que é 
a ordem legal, de maneira a tornar mais rigorosa e estrita a dis­
ciplina quanto mais ativos os fermentos que trabalham pela de­
composição"; 15 investe contra o voto secreto: " ... o inocente e 
imponderável voto secreto"; 16 investe contra o sistema de par­
tidos, onde vê a agitação de "antagonismos violentos" e "oposi-
la Opiniões e debates. Belo Horizonte, Editorial Ariel, 1921. p. 230. 
14 Id. ido p. 83 e 245. 
15 A competência do Supremo Tribunal Federal. In: Antecipações à re­
forma política. cito p. 228. 
16 Id. ido p. 189. 
72 R.C.P. 1/74 
ções de interesses transitórios", pleiteando sua substituição pela 
"política e partido das realizações práticas e eficazes", de onde 
se descortinariam os "interesses comuns" e onde prevaleceria "o 
espírito de conciliação e de concórdia, de imparcialidade e de 
justiça"; 11 investe contra os Parlamentos, pleiteando a iniciativa 
e o monopólio da legislação pelo Poder Executivo e assinalando 
a imprensa e os sindicatos como substitutos dos parlamentos: 
"Eu creio que nesse caso dos parlamentos continuamos a ser ví­
timas de uma daquelas ilusões, atribuindo às Câmaras o mesmo 
papel que elas representaram em outros tempos... em que as 
Câmaras exerciam, efetivamente, funções políticas de alta rele­
vância, como únicos órgãos autorizados da opinião pública. Era 
esta, porém, a concepção dos primeiros tempos do Parlamento, 
a concepção das revoluções populares do século passado e do es­
pírito político educado no ambiente dos princípios revolucionários 
do século XVIII. Do último quartel do século XIX para cá, as 
assembléias legislativas vêm perdendo, aos poucos, a sua impor­
tância política, despindo as suas aptidões representativas para re­
vestir o caráter funcionarista ou administrativo que faz hoje, 
dos Congressos, departamentos descentralizados da administra­
ção. .. A administração tende, portanto, a monopolizar em suas 
mãos o trabalho legislativo, com grandes vantagens para a sua 
simplicidade e regularidade"; 18 investe contra o Estado liberal 
e as instituições democrático-liberais, as quais qualifica de "su­
perstição ou obsessão política", de "fraseologia política", aludindo 
ao "dragão da ideologia democrática" que estaria já relegada ao 
"muzeu de antiguidades políticas". 19 Dizia: "O que não posso 
conceber é que neste momento em que a face das cousas se trans­
muda, recebendo um outro molde, estejamos enleiados neste ci­
poal de palavras e de fórmulas sagradas. .. O que caracteriza o 
momento presente. .. é o predomínio das preocupações técnicas, 
de ordem econômica ou administrativa, sobre as preocupações de 
toda e qualquer ordem ou natureza." 20 Por outro lado, a moder­
nização institucional era ainda a este tempo referida por Campos 
de um modo um tanto difuso e vago, mas de qualquer maneira 
já bastante indicativa, ao início dos anos 20, de conceitos mais 
definidos que iriam se afirmando no correr da década. Assim é 
11 Opiniões e debates. cito 
18 Opiniões e debates. cito p. 300 e 3Ol. 
19 Id. ibid. p. 95, 260 e 283. 
20 Id. ibid. p. 294. 
Pensamento político brasileiro 73 
que ele alude ao "fecundo espírito de realizações práticas - en­
carnadas na administração eficaz e competente" ao qual ele opu­
nha o "infecundo espírito de ornamentação-encarnado na política 
verbalista e estéril, formalista e pueril" de nossos Parlamentos. 21 
Da mesma forma, às "ginásticas eleitorais" do sistema partidário 
vigente, ele opunha a "competência técnica, para cuja apuração 
falta aos comícios eleitorais a necessária idoneidade". 22 Vaticina, 
então: "... imprimindo-se, assim, à administração um cunho téc­
nico mais pronunciado, sem o qual não pode nação alguma ter 
confiança no sucesso das pugnas que se vão travar e renhir em 
torno do desenvolvimento material do paiz, do seu aparelhamento 
técnico e econômico que constitue hoje, acima de qualquer espí­
rito de bisantinismo constitucional ... o objetivo definido de todas 
as ambições nacionais." 23 Em parecer na Câmara Federal,como 
membro da Comissão que examinava a rescisão do contrato com 
a Itabira Iron, Campos declarava-se pela rescisão, favorável a um 
programa siderúrgico nacional e contrário à concessão para a 
mera exportação de nosso minério de ferro, o que tinha por lesivo 
aos interesses do País. 24 Mas parece-nos certo, por outro lado, 
que faltava a Campos, nas décadas de 20 e de 30, uma consciência 
manifesta da necessidade da industrialização do País como condi­
ção sine qua non de nosso desenvolvimento nacional. Mesmo mais 
tarde, em abril de 1939 e, portanto, durante o Estado Novo, Cam­
pos, aludindo ao "terreno prático" e aos "problemas vitaes do 
paiz", declara que haveríamos de conseguir "com ferro e combus­
tíveis nossos", "fabricar arados para lavrar a terra" e "fundir 
canhões que nos defendam, temperar o aço que projeta nossos 
navios e armar aviões para cobrir os céus do Brasil",25 revelan­
do, assim, que entendia a industrialização do País em termos sobre­
tudo de desenvolvimento agrário e de segurança militar. Na década 
de 20, seria sobretudo em seus discursos e conferências relativos à 
reforma do ensino em Minas 26 que ele melhor definiria o sen­
tido de modernização que pleiteava. Já em sua posse como Se­
cretário do Interior, em 1926, aludia à necessidade de criação 
do ensino técnico regular "particularmente em um paiz que, 
21 Id. ibid. p. 284. 
22 Id. ibid. p. 287. 
23 Id. ibid. p. 296. 
24 Direito constitucional. Editora Forense, 1942. v. L 
25 O Estado Nacional. Ed. José Olympio, 1940. p. 113. 
26 Reunidos em Pela civilização mineira. Belo Horizonte 1930. 
74 R.C.P. 1/74 
como o nosso, aspira a um rápido e extenso desenvolvimento in­
dustrial".27 E ainda: "A nação não é, com efeito, apenas ordem 
jurídica e moral, função de autoridade e de governo: é também, 
e hoje, antes de tudo, uma usina e um mercado." 28 Enfatizava: 
"Um paiz sem organização industrial e comercial, com toda a 
sua majestade, as suas dragonas, os seus parlamentos, as suas de­
clarações de direitos não passará de um embrião nacional, com 
uma vida de relação inteiramente artificial e inconsistente;" 29 
"um paiz pobre é um paiz necessariamente votado às desordens in­
ternas e ao desprestígio externo." 30 Pleiteava, então, a transfor­
mação do Brasil de "paiz prodigiosamente rico em uma nação 
igualmente rica": 31 revelaria, assim, a sua consciência de nosso 
"atraso". Já ao encerrar-se esta primeira fase, vitoriosa a Revo­
lução de 1930, que Campos ajudara a tramar e a deflagrar enun­
cia, em seu discurso de posse no cargo de Ministro da Educação 
e Saúde do Governo Ditatorial, no mesmo ano: "Havia no Brasil 
dois paizes, o legal e o de fato: o paiz da mentira e o paiz da 
realidade. A revolução é o protesto do último contra o primeiro; 
são as necessidades e as exigências do Brasil, acordando do sono 
e da abulia dos entorpecentes para reclamar os remédios verda­
deiros e eficazes. .. O trabalho de construção requer esse exame 
severo e sem atração do presente, verificando quais as partes moles 
e inaproveitáveis da estrutura e quais as sólidas e dignas de du­
rar, abrindo brechas onde for preciso, a fim de que se possa in­
suflar no interior confinado o sopro da renovação ... Na instrução 
será indispensável considerar, a fim de que possamos atender às 
exigências do estado atual de civilização e de cultura, que o Brasil 
não é apenas um paiz de 'liberais', mas também, e sobretudo, um 
paiz de produtores." ~2 
10. Ao final da década de 20, assim, Francisco Campos já havia 
fixado o cerne de seu pensamento político. As aspirações de um 
Estado nacional e moderno, entre nós, refletiam certamente as 
novas condições de articulação de nosso País, como um todo, den-
27 Pela civilização mineira. cito p. 73. 
28 Id. ibid. p. 86. 
Id. ibid. p. 87. 
Id. ibid. p. 89. 
31 Id. ibid. p. 91. 
32 Educação e cultura. Ed. José Olympio, 1940. p. 117 e 118. 
Pensamento político brasileiro 75 
tro do sistema sociopolítico-econômico ocidental. E, para tanto, o 
pensamento político brasileiro, já desde o final do século XIX, em­
penhava-se na formulação teórica dos possíveis caminhos e mo­
dalidades que melhor nos conduzissem a tal objetivo. Racionali­
zava e objetivava as estratégias políticas e sociais que julgava 
necessárias. As idéias de Campos parecem enquadrar-se bem den­
tro desta perspectiva. As instituições políticas então vigentes em 
nosso País - posteriormente qualificadas como sustentáculos da 
República "Velha" -, eram identificadas com o Estado liberal, 
fosse pelo sistema federativo adotado, garantidor da autonomia 
regional, fosse através do sufrágio universal e do sistema de par­
tidos, embora, como os próprios críticos do regime de então es­
clareciam, tanto a autonomia regional quanto o sufrágio e a re­
presentatividade parlamentar não significavam, de fato, expres­
sões da soberania popular, mas sim a licenciosidade de clãs e de 
oligarquias rurais que enfeudavam, na realidade, a "vontade po­
pular" e a "opinião pública".33 Estas instituições políticas que 
eram, de qualquer maneira, consideradas liberais (ou pelo menos 
como produtos "abortivos" do Estado liberal) eram encaradas 
pelos críticos do regime, tanto pelos liberais que se diziam "au­
tênticos" (Assis Brasil, por exemplo e o próprio Programa da 
Aliança Liberal) quanto pelos não-liberais, e entre estes Campos, 
como fatores de entrave, de procrastinação ou mesmo de bloqueio 
na implantação de um moderno Estado nacional. Assim, os regio­
nalismos estaduais e a prevalência dos interesses subalternos e 
particularistas dos grupos políticos (a poUticalha) sobre os inte­
resses maiores da Nação e da coletividade social eram todos con­
siderados, por nosso pensamento político "modernizador", como 
fatores de efetiva desagregação, desarticulação, desunião nacional 
e social e de atomização do poder nacional: impediam, de fato, 
a emergência de um Estado moderno e nacional entre nós. É 
aqui, de nosso parecer pessoal que, na realidade, os objetivos de 
modernização institucional estavam então encontrando alguma 
espécie de resistência da parte das elites oligárquicas dominantes, 
como conjunto. Mas, por outro lado, acreditamos que aquela resis­
tência era débil e superfiCial, o que ficou bem claro na campanha 
da Aliança Liberal e logo a seguir na própria Revolução de 1930. 
A resistência oferecida, eventual e dispersiva, foi logo superada 
(é preciso ter sempre em mente que o Presidente Washington 
Luiz foi, em última instância, deposto pela Junta Militar de seu 
33 Isto aparece particularmente claro na obra de Oliveira Viana. 
76 R.C.P. 1/74 
próprio governo e com a intermediação da Igreja) e sucedeu um 
compromisso geral dentro das elites dirigentes pois que, afinal, 
a modernização institucional gratificaria todos os seus grupos e 
setores. A década de 30, com toda a sua agitação, não significaria 
certamente outra coisa senão o jogo de ajustamento destes grupos 
e setores na nova estrutura compósita de poder. Ora, se as insti­
tuições políticas que a Revolução de 30 havia levado à derrocada 
eram fruto do Estado liberal, ainda que imperfeito entre nós; se 
aquelas instituições "liberais" eram tidas por sinônimo de Estado 
"dividido" e "desarticulado" enquanto que o Estado nacional a 
que se aspirava seria um Estado hegemônico, "integrado", "mo­
nolítico", tornava-se evidente ao nosso pensamento político "ino­
vador" que o "liberalismo" era o responsável último por nosso 
"atraso' e por nossa "fraqueza" face aos "povos civilizados". Des­
ta forma, a modernização de nossas instituições, naquela etapa 
histórica, parece ter sido equivalente, segundo a fração mais di­
nâmica de nossa ideologia dominante, ao antiliberalismo, por este 
caminho chegando-se ao Estado autoritário. O Estado moderno 
brasileiro seria, desta forma, um Estado nacional e um Estado 
autoritário, nesta ordem. 34 Era como se para chegarmos ao Es­
tado moderno e nacional tivéssemos de, forçosamente, penetrar 
no Estado autoritário, lugar ideal para comprimir-se quaisquertipos de interesses que se colocassem, por este ou aquele motivo, 
fora dos limites do projeto comum, racionalizado para o conjunto 
34 O conceito de modernização, implícito no de Estado moderno, merecia 
certamente um tratamento mais extenso, o que, no entanto, no momento, 
ultrapassa o objetivo mais limitado deste artigo conforme definimos em 
nota inicial. Acreditamos, não obstante, que o conceito de modernização 
não poderá, afinal, ser tomado em um sentido sociológico abstrato: a mo­
dernização capitalista, por envolver ao nível da estrutura econômica, uma 
valorização dos setores "de ponta", "avançados" - que são, em geral, os 
que absorvem capital e tecnologia e reduzem a mão-de-obra - implicaria 
por isto mesmo na agudização do processo de concentração de rendas, le­
vando à acentuação do desnivelamento social e regional, provocador, este, 
de tensões ao nível político, sobretudo em paises agrários, de explosão de­
mográfica e rarefeito desenvolvimento industrial, em situação, pois, de de­
semprego ou subemprego estruturais. Por outro lado, a modernização, ao 
nível institucional, causaria o "alargamento" e a complexificação da buro­
cracia estatal (terciário) provocando uma maior oferta de emprego para os 
setores e estamentos sociais médios. Haveria, assim, movimentos assincrô­
nicos de "marginalização" e de "integração". O dinamismo modernizante 
capitalista, em sua fase monopolista, por extremamente "irregular" e "desi­
gual" nos países "atrasados", teria, desta forma, nos períodos críticos do 
sistema como um todo, nestes últimos países, o autoritarismo político como 
uma superestrutura institucional adequada aos interesses dominantes. 
Pe1l8amento político brasileiro 77 
do bloco no poder. Por outro lado, a depressão econômica favorecia, 
também, o autoritarismo, tanto pela necessidade de medidas go­
vernamentais mais rápidas quanto como forma de prevenir dis­
túrbios sociais. Fixavam-se, assim, de modo embrionário, no nível 
ideológico, a modernização institucional, o nacionalismo e o auto­
ritarismo - a matriz do pensamento político brasileiro no período 
que vai de 1930 a 1945. 35 Daí, talvez, desta procura de caminhos 
não-institucionalizados, mas que também não deveriam trazer a 
ameaça de uma "revolução social", a constante alusão que já se 
encontra na década de 20, em Oliveira Viana, por exemplo, ao 
"bom tirano" e em Gilberto Freire, ambos no sugestivo elogio a 
Pedro II 36 e que em Campos encontrou ressonância, na década de 
30, em seu apelo a César. 37 
11. Necessário ainda salientar que em todos os textos de Cam­
pos neste período e mesmo depois, na década de 30, as fontes 
doutrinárias citadas por ele em abono de seu pensamento político 
antiliberal e modernizador são, em sua grande maioria, os cons­
titucionalistas e os juristas norte-americanos e ingleses e, subsi­
diariamente, os italianos, franceses e alemães. Ao considerar a 
nossa Constituição de 1891, assim se manifestava: "Não foi uma 
invenção, mas uma transplantação. Se assim é. .. nada mais na­
tural do que procurarmos no funcionamento do autogoverno local 
(Campos tratava de autonomia municipal) nos países de onde o 
transladamos e em que ele atingiu o mais alto grau de atuação, 
o critério pelo qual nos devemos conduzir na conceituação do que 
seja autonomia." 38 E ainda: "Nos Estados Unidos, que sempre 
temos à vista e à mão quando tratamos de questões constitucio­
nais." 39 Também as suas idéias inovadoras no campo educacional 
eram todas inspiradas na Escola Nova, de Dewey, Decroly e Cla­
parede. A seguir, procuramos entender como a década de 30 as­
similou e realizou, na medida de sua possibilidade concreta, os 
objetivos "nacionais" e "modernizantes" que o nosso pensamento 
35 Esta matriz ideológica - modernização/nacionalismo/autoritarismo -
à qual se acrescentaria, na década de 30, também o populismo, com a inte­
gração, por cooptação, do proletariado urbano ao processo político nacional, 
encontraria a sua expressão ótima na prática política, aparentemente des­
provida de ideologia de Getulio Vargas, um notável mediador de estratégias 
no bloco das elites no Poder. 
36 Oliveira Viana. Problemas de política objetiva. 1930. p. 80; Freire. 
Gilberto. Perfil de Euclides e outros perfis. Ensaio sobre Pedro lI. 
37 A política e o nosso tempo. O Estado Nacional. cit. p. 16. 
38 Opiniões e debates. cit. p. 106. 
39 Id. ibid. p. 216. 
78 R.C.P. 1/74 
político, desde notadamente os anos 10, com Alberto Torres, (e 
Francisco Campos foi um elo desta cadeia), vinha colocando pe­
rante as nossas elites dirigentes. 
12. Segunda Fase - 1930/1942: Campos inicia este período como 
Ministro da Educação e Saúde, permanecendo como tal até 1932, 
ocupando interinamente, neste interregno, o Ministério da Jus­
tiça. De 1933 a 1935 foi Consultor-Geral da República. Em 1933, 
candidatou-se a uma cadeira de deputado federal, não tendo lo­
grado eleger-se. De 1935 a 1937 ocupou o cargo de Secretário 
da Educação e Cultura do antigo Distrito Federal. Em 1937 foi 
nomeado Ministro da Justiça, onde permaneceu até 1942. De 
1943 a 1955, já afastado das atividades políticas, exerceu as fun­
ções de Presidente da Comissão Jurídica Interamericana. Nesta 
segunda fase, ao que nos parece, Campos poderia ser visto como: 
a) reformador do sistema do ensino nacional, quando lançou, efe­
tivamente, as bases para a institucionalização da reforma do en­
sino médio e superior em nosso País; b) reformador das ins­
tituições jurídicas, quando promoveu a reforma dos Códigos do 
Processo Penal e Civil, do Processo Penal, a Lei de Contraven­
ções, as leis de crimes contra a economia popular, a nova Lei do 
Júri, a Lei Orgânica do Ministério Público Federal, a Lei de 
Sociedade Anônima, a Lei de Fronteiras, a nova Lei dQ Segu­
rança e a Reorganização do Tribunal de Segurança, a de nacio­
nalidades, a de extradição e de expulsão de estrangeiros, a de 
imigração, a de atividades políticas de estrangeiros, a Lei Orgâ­
nica dos Estados (que estabeleceu o sistema de interventorias) e 
os anteprojetos do Código Civil e Comercial; c) reformador das 
instituições políticas, o que realizou com a Constituição de 1937, 
a qual, se não teve, de fato, legitimidade, uma vez que não foi 
adotada em sua plenitude, teve certamente vigência, pois sofreu 
logo emendas e muitos de seus dispositivos foram regulamentados. 
Toda a legislação de exceção do Estado Novo, realizada através de 
decretos-leis, fazia, aliás, menção ao inciso n.o 180, da Constituição 
de 1937. Parece-nos inegável que o desempenho deste tríplice 
papel por Campos só se tornou possível a partir da Revolução de 
1930. Em Parecer emitido no correr da década,40 Campos assim 
se refere a ela: "Ou as revoluções entendem de mudar todo o 
sistema jurídico e, neste caso, como na Rússia, o novo Estado não 
subsiste em continuação do antigo, havendo entre ambos antago­
nismo jurídico total ou quase total, ou se limitam a mudar o 
40 Direito constitucional. cit. v. 1, Parecer sobre a Aprovação pela cons­
tituinte estadual, dos atos do Governo do Estado. 
Pensamento político brasileiro 79 
regime político, deixando mais ou menos intacta a estrutura so­
cial, econômica e jurídica, havendo, assim, nesta hipótese, sim­
ples mudanças de constituição ou apenas alterações ou reformas 
na constituição vigente. A revolução brasileira de 1930 não se 
pode dizer que haja mudado o regime político, nem mesmo a Cons­
tituição, pois a nova é (Campos referia-se à Constituição de 1934), 
nas suas linhas mestras ou na sua substância, apenas uma refor­
ma ou modificação da antiga." E ainda: "Não podia ser mais 
expressa, mais cabal e mais completa a vontade, manifestada pela 
revolução vitoriosa, de manter a continuidade do sistema jurídico 
que encontrou vigente, não apenas no que tocava ao direito co­
mum, ao direito civil, comercial e processual, mas, igualmente, 
ao direito político ou à estrutura jurídica do Estado." Este texto 
de Campos, no entretanto, foi produzido quando a Assembléia 
Constituinteainda se reunia nos trabalhos para a elaboração da 
Carta de 1934. Campos acabara de ser derrotado em sua preten­
são a uma cadeira de deputado-constituinte e estávamos num 
daqueles momentos de oscilação no processo de recomposição e 
de reajuste dos grupos, estamentose setores sociais dentro da 
estrutura de Poder. Campos avaliava, então, a Revolução de 30 
a partir desta perspectiva: a reconstitucionalização representava 
um recuo histórico. Deixando de lado a parte de verdade que 
havia em seu texto acima transcrito, é de se ver que nem bem 
decorridos dois ou três anos de vigência do regime constitucional 
de 1934, já ele se tornara um seu agressivo crítico, conforme se 
pode constatar de sua conferência de setembro de 1935, A polí­
tica e o nosso tempo. 41 E quando se cogitou justamente de dar 
um fim ao regime de 34 foi Campos, e não outro, o convocado 
para o Ministério da Justiça. É nomeado ministro em setembro 
de 1937, elabora a nova Constituição, a que viria implantar o 
Estado Novo e a 10 de novembro do mesmo ano o Congresso é 
dissolvido. Poucos dias após, em sua primeira entrevista à impren­
sa, Campos afirmava: "Mas a Revolução de 30 só se operou, efe­
tivamente, em 10 de novembro de 1937." 42 E é, assim, exami­
nando agora retrospectivamente as décadas de 30 e 40, que rea­
firmamos nosso ponto de vista, sobre a Revolução de 1930, que 
foi esta que afinal lhe permitiu o desempenho daquele tríplice 
papel. Se a Revolução de 30 não chegou, segundo pensamos, a 
explicitar uma ideologia específica, senão aquela comum e tra­
dicional das nossas elites dirigentes; se não representou, de fato, 
mais do que um movimento no interior e dentro dos limites destas 
41 In: O Estado Nacional. cito 
42 O Estado Nacional. cito p. 36. 
80 R.C.P. 1174 
elites, referindo-se, assim, sobretudo, ao jogo e ao equilíbrio entre 
seus diversos setores e estamentos, também nos parece certo que, 
pelo fato de haver quebrado e rompido a mecânica político-insti­
tucional até então vigente, logo alcunhada de República "Velha", 
a Revolução de Outubro abriu, efetivamente, como possibilidade, 
logo coadjuvada pelos efeitos da depressão econômica mundial, as 
portas e as janelas do nosso país para uma fase de modernização 
institucional, já alimentada em bojo, como vimos, nas duas dé­
cadas imediatamente anteriores. A Revolução trazia, em potencial, 
as bases efetivas para a modernização institucional do país. Ou­
tra coisa não prova, decerto, a perplexidade que logo em seguida 
tomou conta de nossos grupos revolucionários, assim como o le­
que de possibilidades na adoção de modelos políticos (e foi a partir 
de então que se definiram, entre nós, de forma mais precisa, uma 
"esquerda" e uma "direita") e a intensidade do debate ideológico 
generalizado ao nível de nossa intelectualidade de então. Tudo isto 
comprova, ao mesmo tempo, a profunda inquietação que afligia, 
como conjunto, nossas elites dirigentes e a indefinição manifesta 
(mas não certamente latente) do movimento revolucionário. A 
indefinição manifesta tornara possível a conciliação geral de gru­
pos de vários matizes na trama e na deflagração da Revolução: a 
progressiva definição latente operou os ajustes e os reajustes, 
assim como as expulsões do bloco revolucionário antes coeso. Fos­
se qual fosse, porém, ao nível teórico, o debate ideológico, desde 
os primeiros dias após a Revolução de 30, o Estado autoritário 
começara, de modo concreto, sua caminhada no sentido de uma 
hegemonia política sobre a Nação. O curto interregno liberal do 
regime de 34 nada mais fez, na realidade, do que fornecer argu­
mento e uma base factual para o advento do Estado Novo. 
13. Examinemos, dentro deste contexto, as três linhas da atuação 
renovadora e reformista de Campos na década de 30 - as bases 
da renovação do sistema educacional, do sistema político e do 
sistema do País. Na área da Escola, Campos iniciou, como Minis­
tro da Educação, em mensagens carregadas de novos padrões e 
valores culturais, seguidas de programas educacionais e pedagó­
gicos, a suscitar a consciência nacional para a necessidade de im­
plantação de uma Escola Nova entre nós e promoveu, efetiva­
mente, a reforma do ensino médio e superior. Adepto de Dewey, 
Decroly, Claparede, Kilpatrick, entre outros, coadjuvava aqui os 
esforços de Fernando de Azevedo e de outros poucos pedagogos 
brasileiros que já desde a década de 20 vinham procurando dis­
seminar os novos princípios educacionais. A filosofia educacional 
da Escola Nova, ou Escola para a Vida, através dos textos de 
Pensamento político brasileiro 81 
Campos, pedia um sistema educacional com métodos de pesquisa 
e com objetivos diferentes daqueles da Escola Tradicional, consi­
derada por ela como de natureza retórica e ornamental - uma 
escola, segundo os adeptos da Escola Nova, dirigida para a for­
mação de "elites" - o que era duramente criticado pelos fun­
dadores dos novos métodos pedagógicos. Campos secundava-os e 
reclamava uma escola que ensinasse a pensar, a inventar e a criar 
soluções para a multiplicidade de novos problemas que a com­
plexidade da vida moderna estava a exigir. Recusava uma escola 
de dogmas, de fórmulas e de receitas prontas. Dizia ele: "A edu­
cação do homem não se fará jamais mediante o sistema de recep­
tividade passiva... A verdadeira educação concentra o seu in­
teresse antes sobre os processos de aquisição do que sobre o 
objeto que eles têm em vista, e a sua preferência tende não para 
a transmissão de soluções já feitas, acabadas e formuladas, mas 
para as direções do espírito, procurando crear, com os elementos 
constitutivos do problema ou da situação de facto, a oportunidade 
e o interesse pelo inquérito, a investigação e o trabalho pessoal 
em vista da solução própria e adequada e, si possível, individual 
e nova. .. A humanidade. .. verifica que começou para ela uma 
época de transformações e de mudança. .. A função da escola ... 
cresce ainda de vulto com as transformações por que vem pas­
sando a vida contemporânea. .. o mundo vive hoje sob o signal 
do econômico, como já viveu em outros tempos sob o signal do 
religioso e do político." 43 Assinalando "a crescente complexidade 
da vida e, particularmente, dos processos industriaes, com a fa­
cilidade e a rapidez das comunicações", mostrava o "desequilíbrio 
existente entre a nossa já intensa vida econômica e a ausência 
de uma educação adequada às novas formas de atividades comer­
cial e industrial", concluindo que o nosso ensino era "destituído 
de cunho técnico e profissional" sendo mais um "ensino literário 
e livresco, sem conexão com as realidades". H Campos explicita­
va: "Economia dirigida é, sobretudo, economia organizada e ra­
cionalizada. .. Dirigir a economia nacional em uma intensa pre­
paração centífica e prática de um corpo de técnicos e de peritos 
destinados a orientar as medidas legislativas e as intervenções 
do governo é, evidentemente, passar dos mais competentes, que 
são os produtores, para o empirismo e as aventuras oficiais o go­
verno da riqueza nacional." 45 Era, como se vê, o núcleo da tec­
nocracia brasileira em formação. Mais tarde, em 1935, quando 
4~ Educação e cultura. cito p. 48-50, 125. 
44 Educação e cultura. cito p. 50, 111, 128-9. 
45 Id. ibid. p. 127. 
82 R.C.P. 1/74 
, 
Secretário da Educação do Distrito Federal, Campos resumma 
sua filosofia educacional no lema "Educação para o que der 
e vier" e explicava: "O que se quer é que ela seja uma educação 
para problemas, e não para soluções... uma educação para o 
que der e vier, como se estivéssemos preparando uma equipe de 
aventureiros para uma expedição em que tivessem de consumir 
a sua vida, adaptando-se a circunstâncias que não poderíamos 
prever e realizando obras e trabalhos nunca antes realizados pela 
raça humana. .. Perdemos as aquisições substanciais do passado 
e não constituímos ainda um novo patrimônio." 46 Ao mesmo tem­
po que reclamava o advento da Escola Nova, Campos procurava 
"a recuperação dos valores perdidos", os quaisidentificava com 
a "religião", a "família" e a "pátria", assinalando que só "a edu­
cação poderá incumbir-se dessa tarefa".47 Fazendo o elogio do 
decreto do ensino religioso do Governo Revolucionário Provisório, 
o autor investe contra o liberalismo educacional: "Ao passo que, 
sob a bandeira da doutrina liberal e em nome da liberdade de 
cátedra, era permitido o ensino das mais extravagantes e destem­
peradas teorias e às escolas se franqueavam todas as superstições 
científicas e todas as cosmogonias, teodicéias e teologias raciona­
listas, sob o rótulo fraudulento de ciência, fechavam-se à religião 
as portas das escolas como si se tratasse de uma expressão espú­
ria da natureza humana." 48 Percebemos, assim, que no pensa­
mento de Campos o racionalismo, ao mesmo tempo que era in­
vocado favoravelmente para justificar a Escola Nova, era, tam­
bém, negativamente criticado quando se tratava da salvaguarda 
dos valores culturais a serem preservados pela modernizaçãô. 
Fixa sua posição anticomunista: "Há três laços que reúnem os 
homens - a religião, a família e a pátria. Mais do que ninguém o 
comunismo sabe disso. Ele combate os três ao mesmo tempo ... 
As monstruosas ideologias internacionalistas visam apenas enfra­
quecer a humanidade no homem para transformá-lo mais facil­
mente em animal de um rebanho miserável, tangido pela fome e 
pelo medo... Onde se rompem os vínculos, começa o reino da 
morte e não o da liberdade e da justiça." 49 Mais tarde, em um 
depoimento sobre Campos, Abgar Renault revelaria: "Lembra-me 
que, em 1935. .. um estudo sobre a cidade universitária de Madri 
arrancava-lhe (a Campos) este comentário: "No mundo de hoje, 
46 Id. ibid. p. 6, 7. 
47 Id. ibid. p. 153, 154. 
48 Id. ibid. p. 150. 
49 Educação e cultura. cit. p. 154, 161. 
Pensamento político brasileiro 83 
as grandes concentrações de estudantes constituem erro grave: 
dificultarão a administração, lançarão em perigo a disciplina e 
passarão rapidamente a focos da rebeldia e agitação." 50 
14. Na área da Política, seus principais textos nesta década estão 
reunidos no volume O Estado Nacional - sua estrutura, seu con­
teúdo ideológico, publicado em 1940 e também, naturalmente, a 
Constituição de 1937. Aqueles textos foram produzidos por Cam­
dos quando ele ocupava a Secretaria da Educação do Distrito Fe­
deral (1935-1937) e o Ministério da Justiça, ao implantar o Estado 
Novo, que veio por suas mãos (1937-1942), no que se refere à 
sua montagem institucional. São, portanto, textos de um ideólogo 
no exercício de funções do Poder. É o que diferencia, a nosso 
ver, qualitativamente, a obra de Campos daquela de Alberto Tôr­
res, por exemplo, que formulou seus principais estudos na situa­
ção de Ministro aposentado, a partir, portanto, de uma perspec­
ti.va "de fora" do aparelho estatal e porisso mesmo colocados a 
título de "sugestões à Nação". Mesmo a obra de Oliveira Viana, 
ressalvada aquela produzida de 1932 a 1940, quando ele exerceu, 
com destaque, as funções de consultor jurídico do Ministério do 
Trabalho, poderia mesmo ser considerada a de um "estudioso" 
de nossos problemas, e, portanto, um tanto ou quanto gratuita. 
O que não significa, certamente, que não seja de importância para 
a formulação de nossa ideologia política autoritária. De qualquer 
forma, não se trata, evidentemente, de avaliar qualitativamente 
a obra destes autores em vista da posição que ocupavam na es­
trutura de Poder, mas tão-somente de assinalar as diferenças, 
para uma possível correlação. O fato é que, em Campos, o teórico 
era ao mesmo tempo o político e vice-versa. Em 1931, logo após 
a Revolução e exercendo já o Ministério da Educação e Saúde, 
ele intentara fundar, em Minas, a Legião de Outubro, sem êxito. 
Tratava-se de uma organização de tipo paramilitar - os "camisas 
caquis" - nos moldes das milícias nacional-socialistas e fas­
cistas, 51 tendo mesmo sido realizado um desfile na capital mi-
50 Renault, Abgar. In: Campos, Francisco. Digesto Econômico, 215, p. 17, 
set./out. 1970. 
51 Não encontramos nenhum texto de Campos, ao longo de toda a sua 
obra, em que ele se reconhecesse expressamente adepto do fascismo ou 
do nacional-socialismo, mesmo na década de 30. Nem mesmo o salazarismo 
é referido. Como se verá, ele sempre há de se referir à democracia como 
modelo ideal de regime político, se bem que sempre se declarando decidi­
damente antiliberal. Suas críticas ao Estado liberal, até 1945, foram inva­
riavelmente virulentas e sarcásticas. O que expressamente ele fazia era 
postular uma democracia "de novo tipo". Durante a II Guerra Mundial, 
já em 1942, declara-se contrário à Alemanha nazista, defendendo nossa 
84 R.C.P. 1/74 
neira, com a presença do então Governador do Estado, Olegário 
Maciel: o objetivo declarado da Legião de Outubro era o de de­
fender e consolidar os princípios da Revolução de 30 e dar com­
bate aos seus inimigos, os quais, segundo o Manifesto da Legião, 
eram três: "inimigos oriundos do velho regime (os governadores 
depostos, os aderentes hipócritas e os viciados e corruptos de toda 
a espécie), inimigos existentes no seio da própria revolução (os 
revolucionários sem convicção e os revolucionários preguiçosos e 
céticos) e inimigos de origem externa (todos os propagandistas 
pregoeiros e apóstolos de doutrinas políticas exóticas e inaplicá­
veis para a solução de problemas brasileiros." 52 Em 1933, como 
vimos, com a reconstitucionalização do país, Campos candidata­
se à Câmara Federal, por Minas, mas não se elege. Durante o 
curto interregno constitucional exerce as funções de Consultor­
geral da República e de Secretário da Educação e Cultura do 
Distrito Federal, e, também, sua cátedra de Filosofia do Direito. 
Em 1937 é nomeado Ministro da Justiça, quando elabora a Cons­
tituição que objetivaria institucionalizar politicamente o Estado 
Novo, instaurado por um golpe a 10 de novembro daquele mesmo 
aliança com os &tados Unidos. Mais tarde, em março de 1945, em entre­
vista onde rompia com o Estado Novo já em sua agonia histórica, afir­
mava: "Poderia haver ao lado ou à sombra da Constituição de 1937 ideo­
logias ou individualidades fascistas. Eram, porém, fascistas frustes, larvados 
(no bom sentido latino) ou inacabados, sem o fundo das grandes culturas 
históricas, cujo espírito os autênticos fascistas europeus haviam traído, assi­
milando o seu aspecto técnico e dinâmico e esquecendo os seus valores de 
sentido e direção. Mas a Constituição de 1937 não é fascista, nem é fas­
cista a ditadura cujos fundamentos são falsamente imputados à Constituição. 
O nosso regime, de 1937 até hoje, tem sido uma ditadura puramente pessoal, 
sem o dinamismo característico das ditaduras fascistas ou uma ditadura nos 
moldes clássicos das ditaduras sul-americanas" (Entrevista a O Jornal, 3 de 
março de 1945). Na mesma entrevista ainda, criticando o Ato Adicional 
que vinha de ser decretado, dizia: "A tese implícita no Ato Adicional é 
que o Poder Constitucional, ao invés de residir no povo, reside no chefe 
do Governo. Ora, essa tese é o fundamento do regime totalitário e o pri­
meiro postulado desse regime. Aqui está, por exemplo, o constitucionalista 
oficial da Alemanha nazista, o Professor Karlreutter. Eis o que ele diz a 
propósito de Constituição: 'No &tado de Chefe, ou no &tado totalitário, 
a Constituição é a vontade do Fuehrer. Todo o ato do Fuehrer relativo à 
estrutura do &tado é um Ato Constitucional.' &te é, precisamente, o 
postulado no qual se funda o Ato Adicional" (entrevista citada). Recente­
mente, no entanto, Plínio Salgado, que também nunca admitiu que a Ação 
Integralista Brasileira, na década de 30, fosse um movimento fascista, re­
ferindo-se à Legião de Outubro, de 1931, dizia: "Não tardou que, em Minas, 
fizesse a sua entrada em cena o fascismo brasileiro, dos camisas cáqui, 
chefiados diretamente pelo Governador Maciel" (Diário do Congresso Nacio­
nal, seção 1, p. 4.164, 11 out. 1972). 
~2 Silva, Hélio. 1931 - Os tenentes no poder. 1966. p. 156. 
Pensamento políticobrasileiro 85 
ano. Campos é convocado, de fato, expressamente para realizar 
a montagem política e jurídica do Estado Novo o que, na reali­
dade, efetiva. Assim sintetizamos suas idéias políticas na década 
de 30: a) uma visão apocalíptica daquele período histórico: 53 
"Esse mundo está mudando à nossa vista, e mudando sem nenhu­
ma atenção para com as nossas idéias e os nossos desejos. Nele 
a nossa geração não encontra resposta satisfatória às questões 
que aprendeu a formular, nem quadram com as soluções que 
lhe foram ensinadas. .. Os valores consagrados foram postos em 
dúvida, sem que se fizesse a sua substituição por outros valo­
res. .. (uma) situação que muda segundo uma razão que ainda 
não conseguimos fixar. .. O que chamamos de época de transição 
é exatamente esta época profundamente trágica ... Nunca falhou 
em tão grande escala a confiança humana na coerência do uni­
verso do pensamento e do universo da ação"; 54 alude ao "de­
mônio do tempo". 55 " ••• desarrumamos o sistema de valores que 
constituía a nossa herança espiritual"; 56 b) uma visão da socie­
dade moderna como "sociedade de massas": "O estado de massa 
gera a mentalidade de massa ... O indivíduo não é uma perso­
nalidade espiritual, mas uma realidade gruPal' partidária ou na­
cional. .. A vida política, como a vida moral, é do domínio da 
irracionalidade e da ininteligibilidade ... Somente o apelo às forças 
irracionais ou às formas elementares de solidariedade humana tor­
nará possível a integração total das massas humanas em regime 
de Estado ... O mito é o meio pelo qual se procura disciplinar e 
utilizar essas forças desencadeadas... Quem quiser saber qual 
o processo pelo qual se formam efetivamente, hoje em dia, as 
decisões políticas, contemple a massa alemã, medusada sob a 
ação carismática do Fuehrer"; 57 c) uma visão de Estado moder­
no como Estado autoritário e antiliberal: "Os Estados autori­
tários não são criação arbitrária de um reduzido número de indi­
víduos: resultam, ao contrário, da própria presença das massas ... 
A entrada das massas no cenário político. .. traduz-se... pelo di-
53 Sugerimos aqui que um estudo do pensamento político de Campos, já 
não mais em seu aspecto histórico, mas sim ideológico, deveria partir da 
constante dualidade realismo-ceticismo de sua "visão de mundo". Cam­
pos, neste sentido, parece-nos filosoficamente cético porque politicamente 
"realista", dentro de sua perspectiva de classe no poder. E sua "visão 
apocalíptica" seria justamente um resultado, a unidade daquela dualidade 
ideológica. 
1)4 O Estado Nacional. cito p. 3, 4, 5, 6 e 7. 
55 Ver nota 54. 
56 Ver nota 54. 
57 O Estado Nacional. cito p. 13, 14, 15, 29. 
86 R.C.P. 1/74 
vórcio, hoje confessado, entre a democracia e o liberalismo ... O 
clima das massas não obedece às regras do jogo parlamentar e 
desconhece as premissas racionalistas de liberalismo... As deci­
sões políticas fundamentais são declaradas tabu e integralmente 
subtraídas ao princípio da livre discussão. O sistema constitucio­
nal é dotado de um novo dogma, que consiste em pressupor, acima 
da constituição escrita, uma constituição não escrita, na qual se 
contém a regra fundamental de que os direitos de liberdade são 
concedidos sob a reserva de se não envolverem no seu exercício 
os dogmas básicos ou as decisões constitucionais à substância do 
regime ... A conseqüência do desdobramento desse processo dia­
lético será, por força, a transformação da democracia, de regime 
relativista e liberal, em estado integral ou totalitário. .. A den­
sidade e a extensão da área de Governo torna cada vez mais 
inacessíveis à opinião os problemas do Governo .. , As formas par­
lamentares da vida política são hoje resíduos destituídos de qual­
quer conteúdo ou significação espirituaL.. O que o Estado to­
talitário realiza é - mediante o emprego da violência, que não 
obedece, como nos Estados democráticos, a métodos jurídicos nem 
à atenuação feminina da chicana forense - a eliminação das 
formas exteriores ou ostensivas de tensão política... O sufrágio 
universal, a representação direta, o voto secreto e proporcional, 
a duração rápida do mandato presidencial foram meios impró­
prios, senão funestos aos ideais democráticos .. , A linguagem po­
lítica do liberalismo só tem um conteúdo de significação didática, 
ou onde reinam os professores, cuja função é conjugar o presente 
e o futuro nos tempos do pretérito. Para as decisões políticas 
uma sala de parlamento tem hoje a mesma importância que uma 
sala de museu .. , Ora, a máquina democrática não tem nenhuma 
relação com o ideal democrático. A máquina democrática pode 
produzir e tem, efetivamente, produzido o contrário da democra­
cia ou do ideal democrático. .. O regime político das massas é o 
da ditadura .. , Não há hoje um povo que não clame por um Cé­
sar"; 58 d) uma apologia das elites, vistas como agentes da His­
tória: "Uma nação vale o que valem as suas elites"; 59 "As elites 
políticas, se querem sobreviver, devem participar das preocupa­
ções quotidianas do povo... Da sua inteligente solução depen­
derá o futuro das nossas instituições políticas, o regime de ordem 
e de liberdade. .. Já começam a apontar no horizonte, carregadas 
na crista das agitações populares, as novas elites, ainda rescen-
58 O Estado Nacional. cito p. 17, 21, 23, 27, 28, 30, 75, 77, 222. 
59 Pela civilização mineira. cito p. 72. 
Pensamento político brasileiro 87 
dendo ao cheiro da terra e ao suor do povo;" 60 "As transforma­
ções não se operaram pela ação da mentalidade primitiva das 
multidões e dos seus líderes, mas pela influência das ciências e 
das artes, filósofos, pesquisadores, cientistas, engenheiros, artis­
tas .. , As forças silenciosas e profundas continuam a atuar en­
quanto os líderes e as multidões fanáticas figuram de criadores 
de história." 61 A possível falência do Estado Novo é assim ante­
vista por Campos: "Si, apesar disto, o ideal democrático não se 
realizar entre nós em medida maior do que no passado, o mal 
não estará no regime, mas nos homens incumbidos de operá-lo." 62 
15. Como Ministro da Justiça, Campos procura definir ideolo­
gicamente o Estado Novo, que situa eqüidistante dos "extremos": 
"O Estado Novo não se filia, com efeito, a nenhuma ideologia exó­
tica. É uma criação nacional, eqüidistante da licença demogógica 
e da compressão autocrática, procurando conciliar o clima liberal, 
específico da América e as duras contingências da vida contem­
porânea, cheia de problemas e de riscos e varrida de ondas de 
inquietação e de desordem ... Nem o indivíduo se opõe ao Estado, 
no velho conflito, que degenera freqüentemente em agitaçõs de­
magógicas da concepção liberal clássica, nem o Estado o reduz 
à posição de escravo segundo algumas fórmulas extremadas dos 
tempos modernos ... Nem o exagero dos regimes totalitários nem 
a criminosa negligência dos regimes puramente liberais." 63 Cam­
pos procura, também, apresentar o Estado Novo como uma decor­
rência histórica necessária da Revolução de 1930 e ressalta a "bra­
silidade" do novo regime: "O 10 de novembro foi o elo final de 
uma longa cadeia de experiências e de acontecimentos, de ten­
tativas e de aproximações .. , a Revolução de 30 só se operou, efe­
tivamente, em 10 de novembro de 1937;" 6~ "O 10 de novembro ... 
apenas consagrou o sentido das realidades brasileiras. Aceitou, 
exprimiu e fortaleceu, defendendo-o (o País) contra desvios pe­
rigosos. .. A ideologia do novo regime é extraída das realidades 
brasileiras. .. Sendo autoritário, por definição e por conteúdo, o 
Estado Novo não contraria, entretanto, a índole brasileira ... Não 
criamos, porém, do nada o novo regime. Conservamos e desenvol­
vemos o que havia de bom no velho Brasil, no Brasil imperial 
60 Problemas cruciais da economia brasileira In: Digesto Econômico, 
maio 1954. 
61 Educação e cultura 1940. cit. p. 172,176. 
62 O Estado Nacional. cit. p. 80. 
63 O Estado Nacional. 1940. cit. p. 71, 81, 100, 147. 
64 Id. ibid. p. 229, 36. 
88 R.C.P. 1174