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AS ETICAS DA NATUREZA

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Síntese para as aulas de Ética ambiental – PGTA/UFF – Prof. Ozanan 
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AS ÉTICAS DA NATUREZA 
1. OS ANTROPOCENTRISMOS: eles retomam o paradigma clássico e faz deles uma 
revisão. Alguns enfocam aquilo que aproxima o homem da natureza, outros 
sobre o que os distingue. Baseiam-se no parentesco da espécie humana com 
outras espécies na evolução da vida e na interdependência dos organismos no 
seio dos sistemas ecológicos. Um grupo adota a perspectiva cognitivista que vê 
uma particularidade na natureza humana (Luc Ferry, Lothar Schafer) e se 
apoiam sobre a noção de liberdade ou de autonomia. O filósofo inglês Peter 
Carruthers se apoia sobre certas funções psicológicas como a consciência 
reflexiva. Assim, a importância moral de um ser depende de competências 
propriamente humanas. Outro grupo como o do filósofo australiano John 
Passmore relê de forma crítica as grandes concepções ocidentais da relação do 
homem com a natureza. O pragmatismo norte-americano como o de Bryan 
Norton visa sobretudo a eficácia prática da preservação do meio ambiente e 
outros ainda visam a experiência estética como o alemão Martin Seel. 
1.1 – A perspectiva cognitiva: para Ferry e Schafer, a concepção de mundo e de 
homem herdadas da modernidade continuam atuais para responder aos 
problemas da ética ambiental. Ferry, por exemplo, se indigna contra as éticas 
que apareceram depois de 1970, acusando-as de serem desumanizantes. Elas 
alteram as fronteiras entre o humano e o não-humano e algumas são até 
mesmo acusadas de fascismo. Sua abordagem é considerada por alguns 
superficial e Ferry é acusado de ignorar as descobertas e contribuições da 
ecologia científica e dos embates ambientais que desarranjam este 
“individualismo democrático e aparentemente autêntico”. 
Schafer, por sua vez, não se limita à crítica dos pensamentos ecologistas, mas 
sugere uma via original para proteger o meio ambiente. Ele visa a crítica da 
obra de Jonas “O Princípio Responsabilidade” e as perspectivas bio e 
ecocentristas. Suas críticas têm dois enfoques: as éticas ambientais recorrem a 
uma concepção normativa da natureza, o que incorre num paralogismo 
naturalista que tenta deduzir a ação moral de fatos científicos ou, por outro 
lado, o discurso moral, após a modernidade, concebeu a vontade autônoma em 
relação à natureza. Neste caso, haveria aí uma contradição entre a ideia 
normativa de natureza e a ideia de um dever para com ela, o que supõe 
justamente uma autonomia em relação à natureza. Outros críticos ainda 
pensam que a ética ambiental parte de uma concepção de natureza 
ultrapassada como a de Aristóteles, por exemplo. Uma concepção finalista da 
natureza seria incompatível com uma tecnologia que parece hoje destruir a 
natureza, o que para Aristóteles seria impossível e seria ainda incompatível 
com a evolução das espécies já que Aristóteles acreditava em espécies fixas. 
Para Schafer, os pensadores ecológicos confundem o antropocentrismo moral 
com o egoísmo. O antropocentrismo de Kant, ao contrário, visa a 
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universalidade dos princípios morais. Assim, eles veem ambiguidades nos 
discursos dos pensadores ecológicos. 
1.2. O dualismo da modernidade: Ferry e Schafer reivindicam a herança filosófica de 
Kant, sobretudo, e veem na separação entre sujeito e objeto a base da objetivação dos 
fenômenos naturais. Foi isso que tornou possível o conhecimento teórico bem como 
impediu as ilusões produzidas pela subjetividade: trata-se de separar no processo de 
elaboração do saber o que remete ao sujeito cognoscente (cores, odores, valores, etc) 
e o que releva do objeto conhecido ( a massa, a forma, etc). Para eles, a transformação 
da natureza e seu domínio técnico, originários das ciências experimentais, procuram 
satisfazer as necessidades humanas e assim reduzir a miséria humana. Esse seria o 
objetivo do projeto tecnófilo de Francis Bacon: o bem-estar da humanidade. 
Para Kant, o homem faz parte de dois mundos: do inteligível da razão e o sensível da 
natureza. O ser humano é o único dotado de razão e possui vontade autônoma, livre, 
capaz de se dar a si mesmo as finalidades de seu agir. Mas, ao mesmo tempo, o 
homem é um ser de carne, um ser sensível submisso aos desejos, necessidades e 
inclinações. Estando a vontade submetida à razão e sendo ela por essência boa, ela 
age por dever, se impondo uma lei universal. Portador de uma vontade autônoma, 
livre, sendo sempre um fim em si mesmo, o homem não pode jamais ser um meio para 
outro fim. Ferry afirma que a superioridade do homem em relação ao resto da 
natureza não é a razão, a linguagem ou a inteligência, mas sua capacidade de agir 
moralmente. E o que o torna capaz de ação moral é sua liberdade, ou ainda a boa 
vontade, isto é, a capacidade de agir de maneira não egoísta ou desinteressada. A 
moralidade do ser humano consiste assim em sua capacidade de ser origem e fim da 
ação moral. Para Schafel, o homem não está obrigado a si mesmo e aos outros por ser 
um ser razoável, mas também por ser animal, sensível, um ser de carne e osso feito 
dos mesmos elementos da natureza. Proteger a natureza é também proteger sua 
natureza, seu bem-estar corporal. 
No humanismo de Ferry, o homem é dotado da faculdade de se arrancar à ordem da 
naturalidade e nisso consiste sua grandeza. Os problemas suscitados pela crise 
ecológica serão resolvidos por um aumento de ciência e de tecnologia. A beleza da 
natureza, sua finalidade (evocadora da inteligência), o sofrimento animal são 
suficientes para nos remeter à ideia de liberdade e assim para preservar a natureza 
como um valor moral, embora somente na medida em que ela pareça humana. 
Schafer vê na experiência estética da beleza da natureza, abordada por Kant na “Crítica 
da faculdade de julgar”, um símbolo do bem moral. Nessa experiência se exprime um 
interesse intelectual pela beleza, um interesse pelas ideias morais que a bela natureza 
apresenta sob uma forma sensível. Um tal interesse pressupõe também um interesse 
pela moralidade. 
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O interesse intelectual só é possível na experiência estética da natureza, segundo Kant. 
Ele desaparece com a arte humana. Isso porque os objetos naturalmente belos 
manifestam uma finalidade sem fim (desprovida de intenção) enquanto na obra de 
arte, ao contrário, o interesse aparece mediatizado pelo fim visado pelo artista. Esse 
argumento de Kant inverte a ordem de importância dada por Ferry ao artefato 
humano em relação à natureza. A força normativa de uma estética da natureza se 
funda até aqui sobre o que aproxima a natureza da razão humana, de suas ideias 
(beleza, finalidade, liberdade) ou de sua moralidade. É em referência a ela que convém 
proteger o meio ambiente. 
Além do prazer estético, o dever de proteger o meio ambiente pode ainda se apoiar 
sobre o bem-estar corporal que seria um excelente indicador para avaliar a qualidade 
do ambiente, segundo Schafer. Apesar da verdade que contém seu argumento, os 
processos físico-químicos da natureza são particularmente importantes pelo fato de a 
evolução técnica modificá-los diretamente como a poluição do solo, do ar, da água 
devido aos produtos químicos que são absorvidos por nosso corpo e assim o tornam 
apto para julgar a qualidade das condições ambientais. O homem, diz Schafer, faz do 
mundo o lugar de sua realização pessoal ou então o experimenta como ameaça ou 
atentado contra sua existência. 
Esta natureza fisiológica compreende dois aspectos: o ponto de vista qualitativo e 
subjetivo do corpo próprio e o ponto de vista objetivo, científico da fisiologia. 
Elementos como corpo saudável, adoentado e envenenado e os elementos naturais 
(água, ar, terra, fogo), mas também o cesium, o mercúrio, os fosfatos, etc se tornam 
fundamentais para se determinar o que fazer. A própria saúde do corpo se torna o 
elemento central para avaliar a qualidade do ambientee a continuidade entre o 
organismo humano e as outras espécies vivas levam à questão dos limites morais, 
segundo Schafer. 
Avaliação dos critérios de Schafer: a experiência estética da natureza (Kant) ajuda o ser 
humano a buscar a moralidade, pois uma bela natureza deve ser preservada em vista 
do interesse que aí se encontra. Quanto ao critério da natureza fisiológica (o próprio 
corpo como critério de obrigações para com o meio ambiente), alguns não o 
consideram um critério moral e Schafer olha o homem não sob o seu aspecto racional, 
mas sob seu aspecto fisiológico. Dizem os críticos não ser possível sustentar essas duas 
proposições ao mesmo tempo, sob o risco de recair no dualismo cartesiano. 
1.3 – Peter Carruthers: o espírito animal e o contratualismo. Este autor usa sua 
concepção de espírito para pensar o estatuto moral destes seres naturais que 
são os animais não-humanos que não estão conscientes de seus próprios 
desejos e crenças e assim não são agentes racionais nem podem ser pacientes 
morais. 
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Descartes e o animal: Descartes liga o corpo à matéria e a razão ao espírito. O corpo é 
uma simples máquina. Os animais seriam ainda desprovidos de linguagem e não 
podem exprimir pensamentos e assim os animais não possuem razão. Ser dotado de 
razão significa ter consciência de seus pensamentos e de seus sentimentos ou ainda 
experimentar, de maneira qualitativa, seus próprios estados mentais ou afetivos. 
Desse modo, a consciência cartesiana conjuga dois traços que alguns filósofos do 
espírito se esforçam em distinguir: o aspecto fenomenológico da consciência, de uma 
parte, ou o ponto de vista subjetivo e o aspecto reflexivo de outro. 
Carruthers contesta a ideia segundo a qual a consciência implica um ponto de vista 
subjetivo, mas aceita a ideia de que a consciência possui estados mentais e que a 
reflexividade é uma propriedade da consciência e, por isso, os animais não são agentes 
racionais. Thomas Nagel, filósofo e jurista norte-americano, sustenta, no entanto, que 
o organismo pode ter uma experiência fenomenal como a da cor e a da dor que são 
diretamente acessíveis ao ser consciente que faz essa experiência. Se há consciência 
delas, essa experiência é fenomenal. 
Carruthers recusa essa maneira de ver, pois, para ele, o que faz de um estado mental 
(uma crença, um desejo) ou de uma experiência (como a dor) um estado consciente 
não é o efeito que isso provoca de crer ou de haver mal. Eu posso crer num conteúdo 
sem ter dele uma experiência subjetiva qualquer. O que torna consciente minha dor 
ou minha crença é sua acessibilidade ao pensamento consciente. Exceto os 
chimpanzés, é pouco provável que as outras espécies animais possuam os conceitos 
necessários a uma tal consciência assim compreendida. Logo, a maior parte dos 
animais não experimentam conscientemente a dor. A dor pode ser não-consciente e os 
animais são então desprovidos de consciência fenomenal. 
Carruthers sustenta que mesmo os animais (ao menos os mamíferos) são capazes de 
se representar o ambiente deles, ainda que não possuam linguagem. Suas 
competências cognitivas não se reduzem ao processo de estímulo-resposta. Eles 
poderiam apreender sua realidade imediata e satisfazer seus desejos imediatos, 
sugerindo o autor o uso de um raciocínio prático. Eles não podem se representar o 
futuro a longo prazo, pois isso exigiria um conceito de si, de futuro, de existência. Eles 
desejam apenas evitar o perigo e realizar seu bem-estar, mas eles o fazem sem saber o 
que significa existir por oposição à não-existência. 
As consequências éticas: o contratualismo – para Carruthers, os que sustentam a 
existência de direitos dos animais (Tom Reagan) ou o utilitarista Peter Singer se 
baseiam numa falsa premissa, isto é, eles supõem que os desejos e as experiências dos 
animais são similares às nossas e assim são conscientes. Se os animais não têm 
consciência reflexiva, eles não podem ser objetos de consideração moral. Para 
Carruthers, a teoria moral mais convincente é a de John Rawls, pois ela concebe as 
noções morais como construções humanas que visam regrar as relações entre os 
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homens, facilitar a cooperação e a vida em comum. E para fazer parte de um contrato, 
é preciso não somente ser um agente racional, mas ainda ter a capacidade de agir sob 
uma regra sob a qual todos os demais também agem. O contratante deve assim ter 
crenças sobre os desejos e crenças do outro, isto é, deve dispor de uma teoria do 
espírito. Com exceção dos chimpanzés, os demais animais não dispõem de uma teoria 
do espírito e por isso não podem ser agentes contratantes e não podem ser titulares 
de direitos e obrigações. Os animais só podem ter, segundo Carruthers, uma 
significação moral indireta. Logo, não podendo ser agentes racionais nem agentes 
contratantes, os animais não podem ser pacientes morais. Há também quem conteste 
as posições de Carruthers! Trata-se de uma antropocentrismo moral fundado sobre as 
competências cognitivas. A ausência de reflexão e de uma teoria do espírito na maior 
parte dos animais parece impedir a atribuição de um valor moral a eles, na posição de 
Carruthers. Para o autor, a Teoria do Contrato como a de Rawls se opõe à tomada em 
consideração moral dos animais. Outros sustentam que ela pode incluir também os 
direitos dos animais. 
1.4. John Passmore: a responsabilidade humana no lugar da natureza. Filósofo 
australiano se interessou pela questão ambiental desde 1974 quando lançou seu livro 
“Man’s responsability for Nature”. Para ele, a cultura ocidental possui os recursos para 
solucionar a crise ecológica tanto do ponto de vista metafísico, social ou político. Não 
há dúvida de que as raízes da tradição ocidental são cristãs. O Gênesis encoraja o 
homem a dominar a natureza, mas outras interpretações são também possíveis como 
a do homem como administrador da natureza ou como a daquele que contribui para 
aperfeiçoar a natureza. Ele vê então no Ocidente cristão três atitudes para com a 
natureza: a da dominação, da administração ou gestão e a da cooperação. Para 
Passmore, na tradição judaica, a criação é boa antes da aparição do ser humano e os 
seres criados tinham um valor por eles mesmos e a natureza não existia para o 
homem, mas para a glória de Deus. O Cristianismo, por sua vez, introduziu a tradição 
do homem como mestre da natureza. Na Bíblia judaico-cristã, a natureza não é vista 
como sagrada. A influência grega, sobretudo dos estóicos, viu a semelhança entre o 
homem e Deus na razão, distanciando o homem por isso do restante da natureza. 
Assim, a natureza serve à satisfação dos interesses do homem. Bacon e Descartes 
seriam herdeiros dessa tradição cristã de dominação da natureza. As duas outras 
tradições (da administração e da cooperação) seriam minoritárias no Ocidente. A 
tradição do administrador endossa a responsabilidade que o homem tem para com 
toda a criação divina. Trata-se de uma representação neoplatônica cuja origem 
remonta ao séc. III de nossa era. O homem é responsável pelo bem-estar de todos os 
seres e deve conservar a fertilidade e a riqueza da terra. A tradição da cooperação é a 
mais distante da tradição judaica e cristã, mas vem do estóico Possidônio (séc. I a. C). 
Aqui o dever do homem é o de contribuir para a perfeição da natureza, trabalhando-a 
com todas as suas potencialidades. Tal atitude não se opõe às transformações da 
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natureza, mas opera com elas e não contra elas. As modificações da natureza pelo 
homem se justificam desde que sejam para melhorá-la, torna-la mais bela e rica. 
Essas duas últimas tradições podem fundar uma nova metafísica que nos encoraja a 
aprender a conhecer as relações ecológicas, evitando as transformações humanas na 
natureza que são prejudiciais e causadas por nossa ignorânciadaquilo que deveríamos 
saber. O homem provém do processo evolutivo do vivente e depende da natureza. Há 
uma interdependência dos organismos e o homem não ocupa o centro sozinho. Ele 
acrescenta à natureza a civilização. Sendo parte da natureza, ele se distingue dela pela 
criatividade tecnológica, científica, arquitetural, paisagística, etc. e isso não se faz sem 
uma certa sujeição da natureza. O homem provém da natureza, mas se separa dela ou 
se emancipa dela pelo cuidado do futuro. Passmore partilha do humanismo do 
Iluminismo e se opõe ao naturalismo e ao reducionismo. Tanto a teria da evolução 
como a da interdependência ecológica permitem compreender o parentesco e as 
interações do homem com a natureza e menos aquilo que o torna diferente. Ele 
considera então os prejuízos a longo termo causados à biodiversidade, a exploração 
abusiva dos recursos naturais, a poluição dos oceanos, do ar e do solo são prejuízos 
causados também a outros seres humanos contemporâneos e do futuro. Ele não fala 
do valor intrínseco da natureza, mas do valor intrínseco da experiência humana da 
natureza. Precisamos então passar da sociedade da abundância e do consumo a uma 
sociedade mais sóbria, mais social e mais justa. A economia está no centro dos debates 
e os ambientalistas precisam se interessar por ela de mais perto. O problema, para 
Passmore, não está em atribuir um valor moral à natureza, mas em controlar a avidez 
e o egoísmo dos homens. A evolução cultural do homem ocidental em relação à 
natureza e seu distanciamento dela são responsáveis pela crise ecológica. Assim, a 
tradição da administração e da cooperação devem substituir a do despotismo, 
apoiando-se na teoria da evolução e na ecologia científica. 
Hess: nas sociedades democrática laicizadas, o uso e a transformação da natureza não 
conhecem limites e nenhuma alteridade. A desmedida do administrador e do 
cooperador ambicioso permanecem uma possibilidade. Como frear sua ambição? 
Reconhecer que o homem procede da natureza não é suficiente para passar da 
arrogância à modéstia. 
1.4 – A perspectiva pragmática de Bryan Norton: o antropocentrismo moral fraco e 
a gestão adaptativa da natureza. O filósofo norte-americano Norton propõe 
uma abordagem pragmática na resolução dos problemas práticos de política 
ambiental. Para ele, a oposição entre valores econômicos e valor intrínseco da 
natureza é um falso problema e acaba por desenvolver um antropocentrismo 
moral dito ‘fraco’. O problema ético da durabilidade consiste em gerar recursos 
naturais sãos para que a vida humana se perpetue indefinidamente. 
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Para Norton, o morador da floresta e ecólogo Aldo Leopoldo é um pragmático mais 
interessado na resolução de problemas que em princípios metafísicos dos quais se 
deduzem critérios para escolher e agir. Norton considera Leopoldo o precursor da 
gestão adaptativa. A gestão adaptativa consiste em usar nossa experiência para reduzir 
a incerteza e para ajustar nossos fins e nossos engajamentos. Ela aborda os problemas 
ambientais como se desenrolando em múltiplas escalas de tempo e de espaço. Cada 
problema deve ser examinado em seu contexto particular, estando atento às 
diferenças que importam num determinado lugar. A gestão adaptativa de Leopoldo se 
apoia sobre a Seleção Natural de Darwin, pois para Norton as sociedades e culturas 
que sobrevivem são aquelas que descobriram a verdade a respeito de sua terra. Ele 
sustenta que todos os valores que os homens atribuem à natureza (valores 
econômicos, ecológicos ou geomorfológicos) não são valores intrínsecos ou morais 
que existem independentemente da perspectiva humana. Não são valores 
ontologicamente objetivos. 
O pragmatismo ambiental: inspira-se na filosofia pragmatista norte-americana de John 
Dewey, Charles Peirce e William James. Para essa corrente filosófica, a experiência é 
fundamental na colocação à prova das crenças. Seu segundo princípio afirma a 
dimensão social das atividades humanas, inclusive as do saber científico. E o terceiro é 
que sua compreensão de verdade não é a simples correspondência entre o discurso e 
uma realidade independente dos sujeitos humanos. O mundo não está desligado das 
concepções que se fazem dele e a verdade é fruto de práticas comunicativas entre 
indivíduos de uma comunidade com a ajuda da linguagem e do recurso à experiência. 
A pluralidade de valores de uma sociedade corresponde a um estado de fato e não há 
oposição entre valor moral ou intrínseco da natureza e valores humanos, pois todos 
são valores humanos ou construções humanas. Ao invés de distinguir entre valor moral 
e intrínseco da natureza e valor instrumental ou econômico, ele distingue entre valor 
instrumental e não instrumental da natureza. Os valores instrumentais são 
convertíveis em termos econômicos enquanto os valores ecológicos e os 
geomorfológicos escapam ao princípio do mercado. Os valores não instrumentais não 
podem ser transpostos ao plano econômico e são os valores estéticos, espirituais e os 
valores afetivos. Norton admite que a própria natureza ensina aos homens alguns 
valores e nesse caso ela é vista ainda de maneira instrumental. Mas ao instruir os 
homens em valores, a natureza fornece o meio de passar de um nível de desejo 
particular (preferências sentidas) a um outro nível mais elaborado que é o das 
preferências refletidas que são correlatas a uma reflexão que avalia a compatibilidade 
de preferências sentidas com um conjunto de crenças e valores. Nesse caso, o valor 
transformacional da natureza conduz a uma visão de mundo ideal em que o homem 
faz parte de um todo da natureza. Ele o denomina antropocentrismo moral fraco 
devido à disparidade entre as preferências sentidas reais e as preferências refletidas 
supostas. Essa distância não é engendrada somente pelo valor transformacional da 
natureza, mas também pelo exame científico, a consulta, a discussão com os pares que 
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ajudam a construí-lo. O raciocínio básico de Norton é o seguinte: “a perpetuação da 
espécie humana é uma boa coisa porque um universo que contém nele a consciência 
humana é preferível a um universo do qual esta consciência está ausente”. É este valor 
fundamental que funda todos os valores instrumentais (econômicos, ecológicos, 
geomorfológicos) e não-instrumentais (estéticos, espirituais e afetivos) da natureza e 
justificam uma política de preservação dos ecossistemas. Mas qual é o consenso 
indispensável às decisões inerentes a toda política ambiental? 
1. Durabilidade fraca e durabilidade forte: a durabilidade fraca ensina que o que 
devemos às gerações futuras é a conservação de um bem-estar já que 
ignoramos suas preferências e os recursos naturais são substituíveis uns aos 
outros (ex: a extinção dos recursos fósseis pode ser compensada pela inovação 
tecnológica da energia solar). E conservar o bem-estar é compatível com a 
diminuição das reservas naturais se elas podem ser substituídas pelas 
capacidades produtivas ou o saber tecnológico. Uma das objeções que Norton 
levanta contra os defensores da durabilidade fraca é sua incapacidade em fazer 
a diferença entre, por exemplo, o fato de cortar algumas árvores que serão 
substituídas por plantas da mesma espécie e aquele que destrói uma floresta 
para cultivar seu solo. Nesse último caso, o efeito a curto e longo prazo será a 
erosão irreversível do solo, inundações eventuais, etc, e eu prejudico as 
gerações futuras dessa região ao limitar os recursos disponíveis, restringindo 
suas opções de buscar seu próprio bem-estar. 
2. Norton opõe então à durabilidade fraca a durabilidade forte que contraria a 
lógica utilitarista de maximização do valor econômico. O critério adotado aqui 
não é o bem-estar, mas os recursos e o capital natural a que têm direito as 
gerações futuras. Há elementos e recursos da natureza que não são 
substituíveis ou cuja perda não podeser compensada. 
Uma ética não-individualista e procedural: ao contrário dos valores econômicos, os 
valores ecológicos e geomorfológicos são bens naturais comuns, isto é, não 
correspondem aos interesses individuais agregados, mas são os valores comuns que 
uma comunidade transmite aos descendentes. Eles são compostos dos valores 
ecológicos e geomorfológicos que constituem a própria identidade da comunidade e 
de seus membros. Daí não ser necessária uma nova ética não-antropocêntrica, mas 
uma nova ética já que as éticas deontológicas e utilitaristas dizem respeito apenas aos 
indivíduos e seus interesses e não às coletividades. O bem comum não diz respeito ao 
indivíduo, mas à coletividade. Portanto, há obrigações generalizadas que pesam sobre 
as gerações atuais que estão moralmente obrigadas a manter um fluxo estável de 
recursos durante um tempo indefinido. Estas obrigações devem se traduzir em 
políticas públicas que devem ser objeto de um consenso para serem aplicadas. Para 
isso, Norton se baseia na ética da discussão de Habermas que articula o nível individual 
onde os mais diversos valores se exprimem e o nível coletivo ou comunitário do 
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consenso. Trata-se de uma gestão adaptativa do ambiente. Segunda a ética da 
discussão, todo indivíduo participa de uma comunidade histórica de comunicação e 
age participando da discussão. Assim fazendo, ele aceita os pressupostos normativos 
cuja validade é universal: a justiça, o respeito mútuo, etc. Isso não impede que uma 
comunidade defenda valores particular de um lugar ou cultura. Norton então elabora 
um modelo de decisão sensível ao contexto que ele acredita estar em Habermas. Esse 
modelo se compõe de duas fases: a fase reflexiva em que se discutem os valores e 
objetivos em torno dos quais há desacordo para persuadir seus interlocutores a 
modificar suas crenças, a debater critérios e indicadores capazes de tomar em conta 
diferentes valores ambientais até encontrar um equilíbrio entre eles. A segunda fase é 
a da ação que consiste em agir de maneira comunicacional a fim de realizar seus 
objetivos ou os valores em torno dos quais se obteve um consenso. Um tal processo 
contextualiza a gestão adaptativa do ambiente em função das necessidades e valores 
das diversas comunidades locais. 
Crítica: a ideia de que o homem detém um lugar privilegiado no universo moral faz de 
Norton um antropocentrista, embora a Teoria da Evolução em que ele se baseia e a da 
ecologia relativizem o lugar do humano e a perpetuação da espécie humana depende 
do engajamento moral direto para com as outras espécies do sistema biosférico. 
Fonte: Hess, Gérald. Éthiques de la Nature. Éthique et philosophie morale. Paris : PUF, 
2013.

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