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CENTRO DE ESTUDOS GERAIS INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, CONVÊNIO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA MESTRADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO DIEGO LEMOS RIBEIRO A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO EM AÇÃO: Um estudo sobre os fluxos da informação no Museu de Arqueologia de Itaipu (MAI) NITERÓI 2007 DIEGO LEMOS RIBEIRO A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO EM AÇÃO: Um estudo sobre os fluxos da informação no Museu de Arqueologia de Itaipu (MAI) Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Mestrado em Ciência da Informação do convênio PPGCI/UFF – IBICT/MCT, como quesito parcial para a obtenção do grau de mestre. ORIENTADOR: PROF. DR. GERALDO MOREIRA PRADO Rio de Janeiro 2007 DIEGO LEMOS RIBEIRO A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO EM AÇÃO: um estudo sobre os fluxos da informação no Museu de Arqueologia de Itaipu (MAI) Dissertação apresentada à banca examinadora do convênio Programa de Pós- graduação em Ciência da Informação – PPGCI/UFF – IBICT/MCT como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre, sob orientação do Prof. Dr. Geraldo Moreira Prado Aprovada por: _______________________________________ Prof. Dr. Geraldo Moreira Prado (Orientador) _______________________________________ Profª. Drª Maria Cristina Oliveira Bruno _______________________________________ Profª. Drª. Maria Nélida González de Gómez ______________________________________ Profª. Drª. Sarita Albagli (Suplente) A minha família que está sempre ao meu lado. "Me apoiarei em você e você se apoiará em mim, e nós estaremos be m" Dave Matthew's Band Não foram poucas as pessoas em que me apoiei para levar esse projeto de vida à frente, portanto não poderia deixar de agradecer as seguintes pessoas: Ao meu orientador e amigo Geraldo Moreira Prado que deu todo o crédito ao meu trabalho e tanto me auxiliou e me motivou a seguir em frente; Agradeço a minha Mãe, ao meu Pai, e ao meu irmão; Ao inestimável amigo, irmão e pai Laffayete. Não tenho palavras para te agradecer por tudo o que você fez e vem fazendo por mim; À Ana Cecília, que esteve ao meu lado em todos os momentos de tensão nos últimos 10 anos; Aos professores do PPGCI UFF-IBICT, em especial à professora Maria Nélida González de Gómez pela profissional atenciosa e exemplar que é, assim como agradeço a professora Lena Vânia pelas valiosas aulas proferidas; Aos colegas de mestrado com quem partilhei conhecimentos e experiências, tanto na sala de aula quanto nas conversas do dia-a-dia; Aos especiais amigos para eternidade, Danielle e Paulo , por todo o apoio e leitura de extensos e cansativos trabalhos; Ao professor José Mauro que foi um divisor de águas na minha vida acadêmica; À equipe de profissionais do PPGCI – IBICT que estão sempre a postos para auxiliar os alunos em tudo o que for necessário , em especial ao Tião, Sônia, Abnesser e a querida Janete; A todos os profissionais do MAI pela paciência e delicadeza, em ordem alfabética: Ana Carolina, Ana Caroline, Joãozinho, Laudessi, Maria, Miguel, Priscila, Renato, Vera Gigante e Zezé; Aos membros da Vila de Pescadores de Itaipu por toda a colaboração dispensada, principalmente, ao Seu Chico, à Erika, à Vera, ao Anibal, ao Guete, ao Cambuci, à Lúcia e tantos outros; À Alejandra Saladino pela atenção e por me ceder relevante material de pesquisa ; Aos profissionais do Arquivo do IPHAN, Dona Zezé, Ivan, Oscar e Júlio pelo auxílio e profissionalismo que facilitaram a pesquisa documental; Aos profissionais da Biblioteca do IPHAN Murilo e Ana Clara; E a todos aqueles que me suportaram nesses dois anos de egocentrismo e displicência afetiva, mas que estiveram ao meu lado me dando o apoio necessário para que finalizasse essa importante etapa de vida. “Pretensamente cabe à ciência encontrar uma explicação para tudo e acabar com o mistério e, como a exatidão científica aos poucos se impôs como uma ordem, desautorizando de partida qualquer objeção, aconselhamos às pessoas tímidas à miopia para manter vivo o mistério” G. Groddeck Resumo Essa dissertação estuda os fluxos informacionais que são intercambiados entre o Museu de Arqueologia de Itaipu e o microssocial que o envolve, a partir do ponto de vista relacional. Trata-se de um estudo exploratório em que as ações cotidianas do Museu são observadas em contexto, no instante de interface com o seu público, sob a perspectiva da formação de redes de relações. Abstract This work studies the information flows that are interchanged between the Museu de Arqueologia de Itaipu and the micro-social that involves it, from the relationary point of view. One is about a exploratory study where the daily actions of the Museum are observed in context, in the instant of interface with its public, under the perspective of the formation of nets of relations. Sumário 1. Introdução .....................................................................................................................14 2. Rede teórica ..................................................................................................................23 2.1. O MAI sob o olhar da Ciência da Informação ......................................................23 2.2. O MAI sob o olhar da Museologia .......................................................................30 2.2.1. A cumplicidade entre os Museus e a Arqueologia .......................................31 2.2.2. Nova Museologia? ........................................................................................35 2.2.3. As Cartas.......................................................................................................36 2.3. O MAI sob o olhar de outras teorias .....................................................................40 2.3.1. Museu e Educação: O Olhar Freiriano .........................................................41 2.3.2. A Virtualidade Artesanal. .............................................................................46 2.3.3. Mapeamento dos Fluxos informacionais em ação: uma abordagem Latouriana .....................................................................................................................48 3. O Museu de Arqueologia de Itaipu...............................................................................52 3.1. Conhecendo o MAI: Primeiras impressões – o que pode ser visto diretamente ao observá- lo. ........................................................................................................................55 3.2. Fontes escritas – O que não conseguimos enxergar diretamente no MAI............60 3.2.1. Projetos e ações sócio-educativas .................................................................70 3.3. O MAI em um olhar além da materialidade: as outras versões ............................73 4. Os caminhos..................................................................................................................86 4.1. O Etnométodo.......................................................................................................87 4.1.1. O que sugere Bruno Latour? .........................................................................88 4.1.2. O etnométodo em ação .................................................................................89 4.1.3. Como incorporaremosisso ao nosso laboratório? ........................................90 4.1.3.1. O que pretendemos trazer de diferencial? ............................................91 4.1.3.2. Ferramentas utilizadas em campo.........................................................93 4.1.3.3. Os relatórios de pesquisa ......................................................................94 4.2. Em campo .............................................................................................................96 5. Análise de dados ......................................................................................................... 106 5.1. À luz da Ciência da Informação ......................................................................... 106 5.2. À luz da Museologia ........................................................................................... 111 5.2.1. Qual o lugar do MAI na classificação de Museus? .................................... 111 5.2.1.1. Parâmetros de um Novo Museu:......................................................... 112 5.2.1.2. Parâmetros de um Museu Tradicional ................................................ 113 5.2.2. MAI: iniciativas intra ou supra- institucionais?........................................... 117 5.3. À luz da Educação de Freire ............................................................................... 122 5.3.1. Qual a direção que seguem os fluxos informacionais: vertical ou horizontal? 123 5.4. À luz da virtualidade de Lévy............................................................................. 130 5.5. À luz da Sociologia das Ciências de Latour ....................................................... 135 5.5.1. Montando a rede ......................................................................................... 136 5.5.2. Observando a ação dos Modernos .............................................................. 139 6. Considerações finais ................................................................................................... 149 7. Referências ................................................................................................................. 152 APÊNDICE......................................................................................................................... 159 A - APÊNDICE .............................................................................................................. 159 Anexos ................................................................................................................................ 208 Anexo 1........................................................................................................................... 208 Anexo 2........................................................................................................................... 209 Anexo 3........................................................................................................................... 210 Figuras Figura 1 - Visão teórica anterior ao MAI .............................................................................53 Figura 2- Visão teórica após o MAI .....................................................................................54 Figura 3 – Fachada do MAI e de uma das maquetes em exposição ....................................55 Figura 4 – Fachada e da capela do MAI ...............................................................................56 Figura 5 – Foto de dois pátios internos do MAI ...................................................................57 Figura 6- Pátio interno onde oficinas são realizadas ............................................................58 Figura 7- Fotos da sala de exposição de longa duração (externa e internas)........................59 Figura 8 – Antiga fachada antiga das Ruínas - imagem cedida pelo Arquivo Central IPHAN/-RJ. ..................................................................................................................62 Figura 9 – Bugres ao redor da Duna Grande ........................................................................67 Figura 10 – Atividade da Semana Nacional de Museus – imagens cedidas pelo MAI ........71 Figura 11 – Crianças participando da oficina de arqueologia. .............................................73 Figura 12 – Aberturas nas Ruínas - imagem cedida pelo Arquivo Central IPHAN/-RJ. .....75 Figura 13 – Foto da década de 70 no interior das Ruínas – imagem cedida por Erika Gonçalves .....................................................................................................................76 Figura 14 – Capela antes da reforma da década de 70 - imagem cedida pelo Arquivo Central IPHAN/-RJ. ......................................................................................................77 Figura 15 – Imagem da última missa celebrada no iterior da capela - imagem cedida por Erika Gonçalves ............................................................................................................79 Figura 16 – Irmão da Erika brincando na Duna – imagem cedida por Erika Gonçalves .....80 Figura 17 – Imagem da canoa na capela...............................................................................83 Figura 18 – O osso de baleia em um dos pátios do MAI......................................................84 Figura 19 - A “arqueóloga mirim” - imagem cedida por Erika Gonçalves ..........................84 Figura 20 - Desdobramento da rede – Instante fotográfico ................................................ 137 Tabelas Tabela 1 – Comparativo entre Museu Tradicional e Novo Museu.......................................38 1. Introdução A compreensão do que seria o papel dos museus brasileiros na contemporaneidade, por diversas vezes escapa de um entendimento fechado e limitado. Se lançarmos hoje essa pergunta para conceituados profissionais de museus, provavelmente causará certo desconforto e, possivelmente, obteremos respostas divergentes para a mesma indagação que, a priori, soa como simples. Usando uma fonte oficial, a definição do Conselho Internacional de Museus (ICOM / UNESCO), contida em seu código de ética, nos fornece a seguinte resposta sobre que se espera de um museu1: Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, divulga e expõe, para fins de estudo, educação e lazer, testemunhos materiais e imate riais dos povos e seu meio ambiente. (ICOM) De maneira geral, os museus estão abertos para o público com o objetivo de promover uma integração mútua, a partir da adoção de variadas estratégias de expressão, na forma de linguagens museológicas e museográficas. Mais do que isso, os museus se apresentam como mediadores da memória social que, apesar de possuírem um núcleo denso que dá conta da preservação e da pesquisa do acervo que possui, visa, sobretudo, inserir-se nos processos de comunicação. É corrente na área de museus a classificação dessas instituições em duas categorias, a princípio dicotômicas, com vistas a entender a maneira com a qual essas instituições mantêm contato com o público. Seriam elas: os Museus Tradicionais e os Novos Museus. De maneira generalizada, a primeira categoria teria as suas ações voltadas para a materialidade dos acervos em um edifício demarcado. A segunda, porém, levaria mais em conta os movimentos sócio-culturais em um espaço aberto, muitas vezes livre de delimitações físicas. Nesse sentido, mesmo que não haja uma resposta segura e cercada para classificar a função dos museus junto à sociedade, podemos aceitar que, direta ou indiretamente, seu papel gira em torno das relações comunicativas entre instituição de memória e o público. É1 Essa definição está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.icom.org.br/codigo_etica_port.pdf. 15 esse conjunto de atividades que, para fins desse estudo, pretendemos abordar sob a luz da Ciência da Informação. A presente dissertação tem sua pertinência centrada nos aspectos comunicativos estabelecidos entre um museu agenciador de informação e o público com o qual mantém contatos, em um espaço concreto de relações. Todavia, poderiam afirmar que esse tema não passaria de mais uma abordagem acerca das exposições museológicas ou de tarefas operacionais internas que os museus comumente lidam. Para desfazer essa visão, desde já asseveramos que não nos interessa aproximar da típica noção de museus voltados unicamente para a exposição de objetos em vitrines, nem para as técnicas de conservação de acervo, nem para os processamentos documentais e, muito menos, para as tecnologias da informação, tão em voga na contemporaneidade. Traremos, sim, para o nosso campo de reflexão, as manifestações comunicativas no contexto das ações sociais, espaço este permeado por estratégias de negociação de valores simbólicos e arraigado de confrontos e aceitações mútuas. Desse ponto de visão, acreditamos que a natureza social e humana da Ciência da Informação proverá um profícuo terreno de reflexão, sobretudo quando inter-relacionado às perspectivas pragmáticas da área. Analisando sob uma ótica alinhada à Sociologia e à Antropologia – áreas afins à corrente pragmática da Ciência da Informação – sustentaremos a possibilidade de pensar e pôr em questão a natureza do conceito informação, quando imerso nas relações sociais e comunicacionais. Os autores integrantes dessa filiação lançam luz para a forma e o sentido que a informação científica pode adquirir na área, levando-nos a pensar que não cabe um entendimento do conceito fechado em sua dimensão física – informação transportável e/ou estocável –, e sim mais adequado, talvez, pensar a informação como um fenômeno construído socialmente e, de maneira geral, diluído e fluidificado no entremeio das relações interlocutoras, portanto, descomprometido de amarras físicas e espaciais. Esse movimento de deslocamento de olhares, que parte dos bastidores dos museus em direção ao palco onde esses atores interagem e intercambiam sentidos e experiências, demanda-nos, também, um olhar que se desprenda do ambiente privativo das afirmações científicas e que parta para onde as relações humanas acontecem de maneira quente e, muitas vezes, imprevisível. Trataremos de adentrar no lugar onde as relações efetivamente acontecem. Olharemo-nas de perto, verificando como são tecidos esses enredamentos no momento em que 16 estão acontecendo. Essa ação, que visa observar os fluxos informacionais de maneira quase antropológica, seguramente poderá contribuir para a compreensão da pragmática da informação empiricamente, em uma localidade delimitada, em um contexto complexo e dinâmico. Nesse enfoque, o Museu de Arqueologia de Itaipu mostra-se um museu sui generis, no que tange à natureza de suas práticas informacionais, e que merece um estudo cuidadoso, que possivelmente poderá render frutos que podem amadurecer e servir de alimento a idéias e reflexões que podem, inclusive, extrapolar os limites propostos para um mestrado. Esperamos que , a partir da preparação desse terreno de análise, por intermédio de uma pesquisa exploratória do Museu, possamos deixar um campo aberto para a possibilidade de novas investidas futuras que ambicionem oxigenar as reflexões sobre as práticas comunicativas e a função social da Ciência da Informação. Para desvendar o ponto de partida desse projeto, vale indicar que no processo inicial da pesquisa estávamos voltados para um estudo que enfatizava a valoração dos objetos arqueológicos no âmbito do processo de musealização dos artefatos. Grosso modo, por longa data, nossos estudos permaneceram direcionados aos aspectos técnicos e teóricos que envolviam os processamentos documentais que geralmente são realizados no interior dos museus de arqueologia, tendo em vista que, até então, as atividades que exercíamos em paralelo à pós- graduação mantinham estreita afinidade com as pesquisas que estávamos desenvolvendo. Ao lançarmo-nos à procura de um museu de arqueologia que servisse como campo empírico para abrigar passivamente as teorias anteriormente construídas, o campo com o qual nos deparamos rendeu para a pesquisa mais indagações do que um simples um repositório de estocagem de informação acabada. Concomitantemente, as leituras incorporadas no decorrer da pesquisa nos aguçavam um olhar voltado para o exterior dessas caixas de processamento e produção de informação, embora tivéssemos dificuldade de inserí-las no contexto dos museus que conhecíamos e pretendíamos adotar como campo de análise. O Museu de Arqueologia de Itaipu foi inicialmente escolhido como uma possível instituição a ser pesquisada por possuir duas características básicas: ser um museu que abriga acervos arqueológicos e estar em uma localidade próxima, apesar de nunca termos a visitado. Chegando ao Museu, antes mesmo de adentrar as suas muralhas, vieram as primeiras surpresas, que podem ser descritas neste cenário : o Museu é localizado em uma antiga ruína, bem perto da praia, cercado por uma ativa comunidade pesqueira (Colônia de Pescadores Z-7, RJ); 17 fisicamente apresenta ainda os muros da antiga ruína, mesclando uma grande área gramada a céu aberto com partes cobertas; embora o Museu estivesse fechado para visitação, era possível encontrar alguns jovens conversando sossegadamente no interior de suas dependências. Logo depois, as portas fechadas do Museu abrem-se para alguns adolescentes com pranchas de surf, que foram guardadas em um pequeno quarto; notamos, também, algumas crianças correndo e brincando na grama entre as ruínas internas. Em um primeiro momento, aquele Museu limitado por suas barreiras físicas parecia expandir-se potencialmente para além de seus muros, amplificando o seu tamanho e mesclando-se à comunidade que o cerca e, nesse sentido, parece não se conformar (se amoldar) em suas fronteiras, vazando para sua externalidade. Após esse primeiro reconhecimento exploratório do terreno de análise, as certezas teóricas previamente solidificadas fluidificaram-se quando nos deparamos com uma instituição que nos fez voltar os olhos para uma série de questões que até então não tínhamos levado em consideração em nossa pesquisa: as ações comunicativas (fluxos informacionais) empreendidas entre o Museu e a sociedade no cotidiano de suas práticas, inserido em um contexto acional delimitado, levando em conta a justaposição entre esses dois agentes interlocutores no momento em que se enredam as teias de relações. Por conta desses novos olhares, esse inusitado Museu despertou um sem- número de indagações que ambicionávamos compreender, e que ainda nos parecia um pouco confuso e desfocado. Surgem nesse contexto algumas indagações, como, quais seriam essas ações promovidas pelo museu que o fazem avançar em direção à externalidade de seus muros? Essas iniciativas seriam próprias do Museu ou regidas por proposições externas, supra-institucionais? Esse museu que nos parece, até onde vimos, sem um paralelo de análise estaria enquadrado em uma das duas tipologias de museu (novo ou tradicional) ou sua feição dinâmica passaria ao longo da rigidez classificatória? Qual seria o tom ou topologia que ganharia essa relação comunicativa? Seria de forma verticalizada ou horizontal, simbiótica ou parasitária? Apenas para citar algumas. Finalmente, delineado o nosso terreno de análise, propusemos algumas metas que buscamos alcançar ao longo da pesquisa. A principal delas seria: investigar e observar os fluxos informacionais empreendidos entre o Museu de Arqueologia de Itaipu (MAI) e a18 comunidade local, para entender como se estabelecem as ações comunicativas no contexto de suas relações cotidianas. Essa grande meta se desdobraria em questões como: mapear as mananciais desses fluxos informacionais, apontando para as suas possíveis assimetrias e obstáculos, averiguar a dinâmica acional do MAI e a sua expansão extramuros e contextualizar o Museu enquanto um exemplar sui generis, a ser observado no interior dos paradigmas museológicos. Para alcançar tais desafios, paramentamo-nos com uma sólida rede teórica para apurar os nossos olhares sobre este peculiar objeto de pesquisa. No campo da ciência da Ciência da Informação, como área que mescla as ciências sociais e humanas, o microssocial que engloba o MAI acomodou-se confortavelmente na perspectiva pragmática da Ciência da Informação. Observando as ações sociais empregadas pelo Museu sob o ponto de vista das ações de informação, podemos vislumbrar um amplo leque de possíveis reflexões. Avistamos, nesse sentido, a possibilidade de transpor nossos olhares para o local onde as informações circulam livremente nos relacionamentos humanos, atentando para essas zonas de conflito/negociação de sentidos e valores que permeiam essas práticas informacionais. Com relação aos museus, buscamos contextualizar o MAI no âmbito das problemáticas que envolvem os Museus de Arqueologia e nas recentes discussões sobre as novas correntes da Museologia. Parece-nos que, de forma latente, subdivide-se o campo em Museologia Tradicional e Nova Museologia, encontrando aparentemente um paradoxo quando defrontado com nosso campo empírico: tratar-se-ia de um museu tradicional ou um novo museu? Eis aí o mote que pretendemos adotar para esse momento da pesquisa. A terminologia “transferência de informação”2 é um outro foco de reflexão que intentamos mirar em nossa abordagem, a partir dos pensamentos de Paulo Freire. O termo, geralmente aplicado para encerrar a complexidade do “contato efetivo entre o gerador e a fonte”3, mola propulsora e razão de ser dos Sistemas de Recuperação de Informação (SRIs), parece esmaecer em sua carga de significação quando observado do ponto de vista da Pedagogia 2 Esse termo na Ciência da Informação guarda relação com a assimetria entre contextos em desequilíbrio. Posteriormente, voltaremos a ele para discuti-lo de modo específico ao contexto de nosso campo empírico. 3 Esse termo é exaustivamente utilizado na área da Ciência da Informação por diversos autores. 19 freiriana, assim como da corrente pragmática da Ciência da Informação, que trata essas circunstâncias em sua esfera relacional e dialogada. Lévy facilitará a fundamentação teórica do que chamamos de virtualização dos muros quando observarmos ações como as dos kits pedagógicos que itineram pelas instituições de ensino, levando o museu em potência e relativizando o enclausuramento do museu físico. Após a confecção de uma cartografia teórica com base na literatura da Ciência da Informação, trataremos de imergir no campo empírico para averiguar in loco como se estabelecem essas relações entre o museu e a comunidade local (fluxos informacionais). Para solucionar a questão da observação empírica, adotaremos o etnométodo de Bruno Latour para investigar os fluxos no momento de sua feitura e traçar um mapa mais aproximado do cotidiano dessas relações. Nessa concepção aproximada de visão, desde já adotando a perspectiva humanizadora do processo de produção científica, cabe elucidar que o caminho percorrido nessa empreitada foi marcado por descobertas, estranhamentos e inquietações. Os primeiros passos do estudo, no cerne do nosso objeto de análise, mostraram-se de tal forma complexos que, longe de nos dar respostas seguras, trouxeram-nos uma desequilibração4 motivadora que nos fez querer buscar mais. Estimulou-nos, também, a explorar, quase que arqueologicamente, um fio condutor de entendimento nesse labiríntico e confuso contexto de relações humanas e sociais. O caminho por nós seguido foi pautado por características muito próprias por não haver uma direção muito rígida a ser seguida, em virtude da característica exploratória da pesquisa e a carência de indícios para revestir nosso objeto de significados. Por essa razão, acreditamos que mais do que um limitador de possibilidades, nosso balizamento metodológico teve que assumir uma feição maleável e flexível conforme caminhávamos, a fim de acompanhar esse museu dinâmico. Embora não tenhamos partido de uma metodologia prévia e rígida para caminhar em torno do nosso objeto de feição fluida, alicerçamo-nos de parâmetros bem estruturados. Em primeiro lugar, assumimos uma característica pautada na rede teórica de Bruno Latour, que trata de esmaecer as fronteiras que separam a ciência do senso comum, a partir da 4 Adotamos esse termo da teia teórica de Piaget que, apesar de não incorporarmos em nossa análise, trata-se de uma boa forma de ilustrar a desestabilização cognitiva ocasionada por perturbações externas e o desencadeamento de uma sucessiva busca de auto-regulação ou equilibração. 20 concepção do etnométodo e da formação de híbridos, quando pensamos o processo de enredamento das redes de relações. Em outros termos, quando traçamos as redes de relações nas quais se dissipam os fluxos informacionais, tivemos a cautela de humanizar o processo de pesquisa, dando voz aos atores que outrora eram desconsiderados ou obscurecidos nas redes de relações que compõem o fazer científico, considerando-os também como partícipes dessas ações. Nesse elenco, ou nesses nós que compõem essa rede heterogênea, estão vigilantes do Museu, pescadores anônimos, sorveteiras, os guardadores de carros, os diretores da Instituição, cozinheiros e visitantes. Assim como kits circulantes5, interesses imobiliários, forças de poder entre outros infinitos atores e co- atores, humanos e não-humanos. Em complemento a tudo isso, buscamos um caminho que diverge das pesquisas tradicionais, que, em sua maioria, buscam toda ou a maior parte de seus indícios a partir do que os cientistas estão dizendo, a partir de fontes como: arquivos históricos, bibliotecas centrais, fontes documentais da instituição, dentre outros registros, que aqui chamamos de oficiais e são imbuídos da chancela da Ciência. Em nosso estudo, não descartamos o que os cientistas estão “falando”, entretanto, não amplificamos as suas vozes e, contrariamente do comumente visto, equalizamos as suas falas no mesmo tom e altura que as dos cidadãos comuns. Nesse ponto, esmaecemos as assimetrias e evitamos prover graus de importância e significação aos relatos dos personagens que compõem a nossa narrativa. A título de exemplificação da dinâmica maleável incorporada na investigação, no instante em que buscávamos lançar luz nas questões que circundam os fluxos informacionais intercambiados entre Museu e meio externo, é interessante notar que, em princípio, o processo de pesquisa permaneceu dentro dos muros do Museu, sendo observados os colégios que participavam das visitas orientadas. Após um período de ausência de escolas agendadas para tal fim, as investigações passaram a se voltar mais fortemente para a externalidade das divisas, local de vivência cotidiana dos moradores e comerciantes locais. Ao aportar na vivência das “pessoas comuns” pudemos perceber novas questões a serem analisadas, assim como a existência de divergências de versões e de pontos de vista acerca de fatos ocorridos. 5 Os kits circulantes a que nos referimos tratam-se dos cestos do projeto educativo “Caniço e Samburá”, que hoje é um dos carros-chefe do MAI no tocante ao relacionamento comunicativo entre Museu e escolas. 21 Delineados os questionamentos e objetivos propostospara essa investigação, da mesma forma que esboçada a lente pela qual observaremos nosso inusitado objeto, veremos em seguida a estrutura que dá corpo à escrita da dissertação. Inicialmente, no momento destinado à introdução, explanaremos a trajetória que elencamos para que o leitor transite pela dissertação. Essa demarcação privilegia uma cadência em que o mesmo é orientado a compreender em que parâmetros se baliza nosso caminhar dentro do objeto observado - trata-se de construir junto ao leitor a lente pela qual olharemos o microssocial do MAI. Em um segundo momento, trataremos de acrescentar ao processo a intitulada rede teórica. Esta será estruturada, a princípio , por duas principais vertentes teóricas que alicerçarão a pesquisa: a Ciência da Informação e a Museologia. Na primeira base, compreenderemos o microssocial do Museu pela ótica das práticas informacionais em contextos conflituosos de ação da informação, observadas do ponto de vista das relações humanas e sociais. Na segunda, vamos inserir o MAI na breve problematização do surgimento dos museus de arqueologia e no aparecimento da visão dicotômica que polariza os museus em Tradicionais e Novos em meados da década de 70. Posteriormente, abarcaremos o que intitulamos de teorias complementares - a partir de Paulo Freire, Pierre Lévy e Bruno Latour – a fim de darmos um entendimento mais individualizado a algumas questões específicas, da mesma forma que proporcionar sustentação a algumas hipóteses que tomaram corpo no decorrer da pesquisa, que são respectivamente: a tese de que nas ações comunicativas entre dois agenciadores de informação – nesse caso o Museu e a comunidade – os fluxos informacionais devem assumir uma feição horizontal e dialogada, ao contrário da topologia vertical e transferida; a análise particular dos muros do Museu, seguindo uma teoria de “virtualidade artesanal”, no momento em que a instituição se relaciona com a sociedade e, por último, a concepção de teoria social de redes e a conseqüente hibridização de elementos heterogêneos na configuração das mesmas que, em última instância, fundamentam a ruptura da barreira que separa a ciência e o senso comum. No terceiro capítulo convidamos o leitor a observar o nosso campo empírico – o nosso contexto de ação – em três vertentes: na primeira revelaremos as primeiras impressões físicas e relacionais do Museu, ainda um tanto desfocadas, todavia, invocando uma temporalidade que nós próprios seguimos ao nos defrontarmos com o MAI; na segunda, traçaremos um histórico 22 do Museu, privilegiando os documentos escritos e, finalmente, na terceira, daremos ênfase aos documentos orais. Em seguida detalharemos nosso método de pesquisa. Começaremos por uma contextualização de Bruno Latour e do Etnométodo, e das formas nas quais essa última será utilizada em campo. Posteriormente trataremos de ilustrar empiricamente como o Etnométodo foi incorporado no decorrer da nossa pesquisa, mostrando o comportamento da rede que ia se formando no instante em que transitávamos no microssocial do MAI. No quinto e último capítulo daremos conta de analisar os dados colhidos na investigação do nosso objeto, direcionando o olhar para os resultados da pesquisa de acordo com as questões e hipóteses que foram estruturadas na parte inicial do estudo. Apontaremos, por último, as nossas considerações finais que, ao mesmo tempo, são pontos de partida para uma futura investigação. 23 2. Rede teórica Os grandes blocos teóricos: Ciência da Informação e Museologia. Olhares disciplinares sobre as teias não disciplinadas. Temos o plano, em seguida, de observar o MAI fundamentados em olhares que proverão a devida consistência teórica ao nosso estudo exploratório. Por esse ângulo, traremos um estrato a mais à análise do Museu. Ou seja, mais do que descrever um contexto, ambicionamos alinhavar a essa observação de primeiro grau os parâmetros científicos sobre contextos conflituosos, difusos e confusos que são os cenários concretos de ação comunicativa – nesse caso o microssocial do MAI. 2.1. O MAI sob o olhar da Ciência da Informação “Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação só interessa se circula, e, sobretudo, se circula livremente” Le Coadic Analisar os fluxos informacionais entre o Museu de Arqueologia de Itaipu e seu público guia-nos a um entendimento de museu orgânico, em movimento, aberto ao novo e em constante troca com o seu meio externo, de mane ira que, por integrar-se ao ambiente de forma dinâmica, não seja mais possível delimitar com precisão o que é “fora” e o que é “dentro”. Propor uma averiguação em que seja privilegiado o contexto das práticas informacionais em confluência com a comunidade direciona nossos olhares para as questões sociais que abarcam a Ciência da Informação. Isso nos permite enunciar que, mais que nos ater às questões processuais e técnicas direcionadas ao tratamento documental dos objetos, deter-nos- emos a explorar o intercâmbio de informações na fronteira em que são sobrepostos o Museu e a sociedade. Inicialmente, trataremos de inserir a instituição museológica de arqueologia no âmbito dos sistemas de informação, questão esta que se localiza de forma privilegiada no campo de estudo da Ciência da Informação. Para tal, operacionalizaremos o conceito de Sistema Formal Intermediário de Recuperação de Informação oferecido por Gonzá lez de Gómez (1990). 24 Segundo a autora supracitada, os sistemas de informação manifestam-se como modelos de ação de informação6, muitas vezes institucionalizados em forma de bibliotecas, arquivos, centros de documentação e, por analogia nossa, em forma de museus. Ao depurar o conceito proposto (Sistema Formal Intermediário de Recuperação de Informação), a autora esclarece a utilização dos termos que compõem o conceito, que são resumidamente: Sistema – Em razão de advir de uma ação intencional entre dois pólos (geradores e usuários), num fluxo desejável, por meio de um controle sistêmico de etapas de um processo. Formal – Por ser institucional, ou seja, balizado por regras de produção e externalização, e por estar no universo da comunicação formal. Interme diário – Por se tratar de uma mediação entre uma agência ou agente e a realização dos objetivos do sistema em seu campo de ação, por intermédio de uma ação informacional. Ainda de acordo com a autora, o convencional conceito de “contato do usuário com a fonte”, para designar o processo de fluxo informacional num sistema de informação, não daria conta do fluxo em sua complexidade, mostrando-se apenas uma solução superficial. Tal premissa seria balizada pelo fato de que a realização integral da ação de informação [...] só se completa num contexto de ação que lhe é externo e tem seus próprios ‘jogos’ de linguagem e representação com os quais constrói suas próprias dinâmicas de informação (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1990, p. 118) Nessa mesma linha, Gilda Braga (1995) observa que contrariamente ao que fora observado durante a década de 60 – na esfera dos sistemas de recuperação de informação que pendiam ao conceito de informação atrelado ao documento –, a Ciência da Informação contemporânea estava atenta a um conceito de informação que vai além da interioridade do sistema. No entender da autora: 6 Trabalharemos mais apuradamente o conceito “ação de informação” no decorrer do texto. 25 Na verdade, os SRIs não recuperam informação, ou recuperam apenas uma informação em potencial, uma probabilidade de informação, que vai se consubstanciar a partir do estímulo externo ao documento, se também houver uma identificação (e vários níveis) da linguagem desse, documento, e uma alteração, uma reordenação mental do receptor-usuário. (BRAGA,1995, p.3) A partir dessa abordagem, facilitada pela conceituação sistematizada por González de Gómez e complementada por Braga, podemos trazer para nossa pesquisa alguns conceitos relevantes para então darmos início ao urdimento de nossa rede teórica. O primeiro deles diz respeito aos fluxos informacionais que, por intermédio de ações de informação, perpassam os sistemas de recuperação. Outro ponto importante concentra- se no entendimento de que não basta a sua simples transmissão “via única” de um pólo a outro, mas, sim, a necessidade de identificação e/ou negociação de significados entre a fonte e o receptor – que a primeira autora entende como “princípio de reciprocidade” – para que haja um fluxo desejável de informação. Por fim, somente após este diálogo, aquela seria utilizada pelo indivíduo em sua relação com o mundo. Como fora assinalado anteriormente, estamos tratando da zona de intercessão em que se inter-relaciona o Museu e a sociedade, explorando a abrangência e o alcance das ações de informação propostas pelo Museu de Arqueologia de Itaipu nas ações sociais da comunidade que interage com o organismo museológico. Como poucos autores clássicos trataram a questão dos museus no âmbito da Ciência da Informação, será necessário fazer analogias teóricas na utilização de certos conceitos, fundamentais ao entendimento de algumas das características do nosso problema de pesquisa. Embora Belkin e Wersig dirijam de formas distintas os estudos sobre o fenômeno informacional, o elenco desses autores justifica-se pelo fato de que suas abordagens voltam-se para a externalidade dos sistemas. O primeiro observa na direção do indivíduo e o segundo observa o contexto social em que este está imerso. Belkin insere-se de forma pioneira na intitulada corrente cognitivista da Ciência da Informação. Assentado primordialmente no entendimento de modificação de estruturas, a principal contribuição deste autor no contexto informacional diz respeito à introdução do indivíduo cognoscente no processo comunicacional. Junto a Robertson, no fim da década de 70, buscou determinar qual seria o interesse primordial da Ciência da Informação. Como resultado, os autores chegam a uma definição de informação indefinidamente sistematizada por diversos 26 estudiosos deste fenômeno: informação é tudo aquilo capaz de transformar estruturas. (BELKIN; ROBERTSON, 1976). A definição apresentada pelos autores, ao mesmo tempo em que esclarece uma parte do fenômeno informacional, abre brechas para outros questionamentos. Até que ponto, por exemplo, podemos utilizar tal conceito e quais são as estruturas passíveis de serem alteradas? O fato de esses autores não responderem plenamente tais indagações não representa um problema para nós, uma vez que no escopo de nossa pesquisa não trataremos de aspectos tão específicos. Tomaremos de empréstimo a conceituação de Belkin para ilustrar que em um processo de transferência de informação7 a informação disponibilizada configura-se somente como uma possibilidade, uma potência. Tal definição auxiliará também na compreensão de que, somente quando reconhecida pelo indivíduo, esta informação detonaria um processo de reordenação mental, ou modificação de estruturas, que o levaria para um novo estado de conhecimento8. Outro conceito a ser discutido, introduzido nos estudos do autor na década de 80, abrange a categoria de estado anômalo do conhecimento ou anomalous state of knowledge9 (ASK). Tal conceito, de certa maneira, esclareceria como se desencadeia o processo de busca por informação e a subseqüente reestruturação do mapa cognitivo do receptor. (BELKIN, 1980). Segundo Belkin (1980, 1984), o estado anômalo do conhecimento (ASK) teria como estopim o reconhecimento por parte do indivíduo de uma anomalia no seu estado cognitivo, ou seja, ao verificar um problema em sua estrutura mental para enfrentar uma situação cotidiana não consegue encontrar uma resposta. A percepção de uma situação problemática no estado cognitivo do indivíduo culminaria na busca por informação, em um sistema de recuperação, que pudesse dar cabo de sua carência informacional, ao menos momentaneamente. 7 Esse termo é empregado de maneira pertinente e está adequada ao contexto em que é utilizado. Trata-se de uma relação desequilibrada entre situações no qual um saber privilegiado se direciona a uma lacuna de conhecimento. 8 Em nosso enfoque consideramos que o entendimento de “reconhecimento da informação” se dá de forma dialogada e intersubjetiva entre os atores que intercambiam informação e, para que realmente se estabeleça, há necessidade de um entendimento mútuo entre os agentes (no amplo sentido do termo). 9 Preferimos manter a abreviação em inglês (ASK) por acreditarmos que esta tenha em si uma significação que corresponde à “pergunta” na língua inglesa, insinuando uma dupla acepção da expressão, embora esta intenção não seja declarada pelo autor. 27 Embora tenhamos em mente que a conc eituação de Belkin não se limita ao recorte estabelecido por nós, a apropriação desses conceitos-chave será de grande valia na análise de nosso objeto de pesquisa. Balizados nas proposições do autor, teremos a visualização de um fluxo informacional que extravasa a internalidade dos sistemas de recuperação de informação e passa a reconhecer um sujeito conhecedor na outra ponta do sistema gerador. González de Gómez reconhece que a “virada cognitivista”, na qual Belkin está imerso, “trata-se de uma reformulação dos modelos conceituais e metodológicos da ‘recuperação da informação’, deslocando a ênfase do tratamento das fontes de informação e direcionando-os aos usuários”. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002, p.3) Um segundo ponto que se destaca é o fato do surgimento da noção de que no outro extremo do sistema encontra-se um sujeito social, reflexivo, pensante e dotado de emoções10. Posto de outra maneira, “o conhecimento não tem como momento inicial um sujeito oco, que recebe a informação como uma externalidade pré-constituída” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002, p.3). É importante assinalar, por outro lado, que os conceitos coletados da teoria belkiana não dão conta de examinar toda a complexidade do nosso objeto. Verificar a abrangência dos fluxos informacionais intercambiados entre Museu e sociedade, no contexto microssocial de Itaipu, nos requer um olhar que extravase o enfoque individualizado e individualizante dos visitantes do Museu, inserindo-os no contexto das ações sociais. Dentro dessa linha de argumentação, mostra-se relevante a entrada na filiação pragmática da Ciência da Informação. Entendida também como “virada pragmática”11, esta linha de pensamento “situa a informação como dimensão das práticas e interações do homem, situado no mundo e junto aos outros homens”. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2002, p. 5). González de Gómez (1996, p.54), no contexto da corrente pragmática da Ciência da Informação, define “pragmática da informação” como “estratégias de geração e uso da informação em contextos acionais concretos, agenciadas por sujeitos/ interlocutores que 10 Voltaremos a abordar esta questão ao refletirmos o papel da Pedagogia de Paulo Freire no contexto dos novos paradigmas da Museologia. De acordo com o autor, no âmbito da educação, a informação deve ser dialogada, levando em conta que o educando é um sujeito cognoscente e, portanto, um agente (ator) no mundo. Dessa forma, Freire considera que na educação em comunhão (dialogada) os educandos não podem ser tratados como “recipientes vazios” no qual os saberes dos educadores são “depositados”. 11 A autora denomina a virada pragmática como o momento em que a Ciência da Informação incorpora em seu domínio teórico os contextos das ações sociais. 28 mantém entre si relações sociais e comunicativas”. O conceitode pragmática da informação, estudado pela autora em questão, nos dá uma dimensão mais alargada das relações estabelecidas entre a instituição museológica e o seu público, sem limitar-se ao contexto individualizado e/ou psicológico das ações. Outro conceito sistematizado pela autora em questão diz respeito à ação de informação. Conceito afeiçoado aos principais pragmatas da área em suas redes teóricas, em especial a Gernot Wersig, este ganha uma acepção consistente quando recuperado e observado por González de Gómez (1990, 1995, 2002). A autora reconhece a “ação de informação” sob o prisma da intervenção12 de um Sistema de Recuperação de Informação num contexto acional concreto, levando em conta as condições históricas, culturais e sociais entranhadas nesse processo. Essas ações repousariam, grosso modo, nas práticas de informar, informar-se e ser informado, que seriam fruto de fluxos que perpassam as agências de informação e o público. É importante salientar que é possível observar uma relação de retroalimentação no interior desses sistemas. Segundo a abordagem pragmática da autora, os fatores situacionais (histórico, cultural e social) deixam de ser meras contingências externas aos sistemas e passam a se configurar como fatores constitutivos das suas ações de geração e uso da informação, assim como em sua mediação, que se realizariam entre os sujeitos interlocutores da ação comunicativa. (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 1990). Wersig, no contexto da Ciência da informação, do ponto de vista pragmático, desloca o cerne das questões pertinentes à área para o campo das ações sociais. Em artigo clássico, que versa sobre o fenômeno de interesse da Ciência da Informação, Wersig e Neveling (1975) analisam e discutem diversas definições de informação e Ciência da Informação, correlacionando tais significações aos seus contextos históricos. Ao traçar as diferentes origens da disciplina, especificamente, os autores reconhecem que a Ciência da Informação tem um forte alicerce prático e tecnológico, calcado na documentação e na recuperação da informação, da mesma forma que no processamento eletrônico de dados, respectivamente. Diante disso, afirmam que “é interessante notar que disciplinas como Ciências 12 No quadro conceitual da autora o termo “intervenção” adquire o sentido de mediação da informação (por meio de ações intencionais de informação), implementada por um SRI, no contexto das práticas sociais. 29 Sociais, Ciência da Ciência e Teoria da Comunicação entraram bem tardiamente na discussão sobre a Ciência da Informação”. (WERSIG E NEVELING, 1975, p.128) No decorrer do artigo, de forma a delimitar suas posições pessoais sobre o tema, os autores indicam que as práticas científicas devem ser apoiadas por alguma necessidade social que a justifique, devido ao fato de não acreditarem ser possível que uma ciência seja justificada por si mesma. No mesmo documento, em tópico específico que versa sobre as propostas para interpretação de “informação” na Ciência da Informação, os autores apontam para a responsabilidade social da área: Nos dias de hoje a questão de transmissão de conhecimento para aqueles que precisam é uma responsabilidade social, e essa responsabilidade social parece ser a verdadeira questão da “Ciência da Informação” (WERSIG E NEVELING, 1975, p.134). Wersig (1993) retoma o mote da responsabilidade social da área anos mais tarde, em artigo que versa sobre as conseqüências das novas práticas de uso da informação, em virtude da informatização da sociedade, o que guiaria a Ciência da Informação a uma feição de ciência pós-moderna. Segundo o autor, as mudanças que abarcam o papel do conhecimento na modernidade levariam a surgir questões como a despersonalização, fragmentação, credibilidade e racionalização, quando lidamos com problemas do conhecimento. Ao abordar os novos cenários de uso do conhecimento, o autor em questão indica, sobretudo, que a informação está inserida no entremeio das ações sociais onde, em última análise, se endereçariam as ações comunicativas. Wersig (1993 p. 233), apropriando-se de uma idéia proposta por Kuhlen para cunhar suas considerações, afirma que “informação é conhecimento em ação”. Desse ponto de vista, o autor crê que o comportamento racional do homem necessita de conhecimento. Continua a tecer sua argumentação certificando que “esse conhecimento deve ser transformado em algo que dê sustentação a uma ação específica em uma situação específica” (WERSIG, 1993, p. 233). Dentro disso, o autor alerta que os profissionais da informação devem estar atentos para o que seria o núcleo da Ciência da Informação: ajudar pessoas13 confusas a se 13 “Pessoas” em seu contexto de análise assume o entendimento mais abrangente de “atores” que, nesse aspecto, incorpora tanto indivíduos como grupos, organizações e culturas. 30 orientarem nas situações adversas causadas pelas novas circunstâncias que abarcam as práticas de uso do conhecimento. Vale ressalvar que a perspectiva apontada pelo autor pode por diversas vezes surtir um efeito contrário. Como exemplificação disso, apontamos para a experiência de nossa própria pesquisa quando, ao recorrer a uma fonte de informação para amenizar uma situação confusa e adversa em uma situação específica, acabamos por ficar ainda mais desorientados com as possibilidades inusitadas que esse sistema de informação nos apontou. Por tal razão, em nosso entender, os SRIs não buscam apenas oferecer respostas prontas e soluções acabadas para problemas específicos, mas, sim, negociar sentidos que promovam uma solução autônoma. Coadunando as idéias dispostas anteriormente ao escopo de nossa análise, entendemos que as práticas informacionais empreendidas pelo Museu de Arqueologia de Itaipu devem ser observadas em contexto, privilegiando um olhar que atente para as ações sociais que se realizam no microssocial no qual o MAI se encontra imerso. Ressalva-se, entretanto, que não buscamos solucionar um problema específico que venha a se apresentar nas ações de informação no terreno das práticas sociais, embora não descartemos a hipótese de apontar possíveis diferenciais pragmáticos14. 2.2. O MAI sob o olhar da Museologia Nesse segundo grande bloco temático, problematizaremos alguns temas no âmbito da Museologia, atentando para a confluência entre esta disciplina e a Arqueologia. Ao pôr em foco a problemática que orbita os museus de arqueologia, estaremos agregando mais olhares para direcionarmos ao nosso objeto de pesquisa, o MAI. De forma abreviada, admitimos que a origem dos museus de arqueologia, ou dos museus que abrigam coleções arqueológicas, remonta à gênese dos museus de ciência europeus que se desdobraram impulsionados pela febre colecionista que despontava nos séculos XV e XVI. Observa-se nesse momento o surgimento dos Gabinetes de Curiosidades. Estes locais eram formados pelos mais heterogêneos objetos provenientes majoritariamente da América e da 14 A autora utiliza esse termo para designar as circunstâncias que atrapalham a interlocução da informação entre os participantes da ação comunicativa. Engloba também as barreiras que interferem nas normas de aceitação recíproca dos fluxos de informação e na atribuição conjunta de valores a estes. 31 Ásia, que tinham como fator comum de seleção o aspecto curioso, exótico e até bizarro aos olhos dos seus proprietários – famílias reais e nobres. Alguns dos objetos mais comuns nessas coleções quase sempre caóticas são animais empalhados, quadros, moedas, instrumentos científicos, fósseis, antiguidades, exemplares da natureza, entre outros. Com o passar do tempo, por contingências múltiplas que não cabem ser especificadas nesse momento, os museusque se formam como desdobramentos dos Gabinetes de Curiosidades passaram a se especializar seguindo os novos paradigmas da ciência (século XVI e XVII), de modo que estes objetos fossem pesquisados, estudados e ordenados, utilizando a razão instrumental como ferramenta. É somente no século XVIII, quando desponta na Europa a necessidade do uso da razão como instrumento de libertação do homem, que o conhecimento científico produzido nessas instituições passa a ser vulgarizado no sentido de tornar-se público. 2.2.1. A cumplicidade entre os Museus e a Arqueologia Seguindo a lógica da dissertação, que se sustenta na compreensão do direcionamento dos fluxos informacionais empreendidos entre Museu e sociedade, cabe problematizar alguns fatores que estão intrinsecamente ligados ao tratamento da arqueologia nos museus de ciência brasileiros e que, de forma direta ou indireta, influem nas relações comunicativas que são estabelecidas no âmbito dessas instituições. Respaldado pelo trabalho de Maria Cristina Bruno, em especial pela sua tese de doutorado, daremos impulso às nossas primeiras reflexões. Em pesquisa que traz uma extensa reflexão sobre a Musealização da Arqueologia, a referida autora denuncia o sistemático abandono das fontes arqueológicas na interpretação da sociedade brasileira. Sob a nomenclatura de “estratigrafia do abandono”, a autora indica, em analogia com as camadas do solo em que se escondem os artefatos arqueológicos, as omissões a que são submetidas as fontes pré-coloniais aos olhos dos estudiosos: Percebe-se, então, que os estudos arqueológicos, embora voltados para a identificação e compreensão das continuidades e mudanças dos processos culturais das sociedades nativas, nas suas mais diferentes características, raramente são considerados como fontes para interpretação desta nação (BRUNO, 1995, p.7) 32 Pinçamos alguns dos indícios coletados pela autora que nos ajudam a nortear alguns importantes empecilhos que colaboram para o exílio da memória dos nossos antepassados: a) A ocupação européia em solo brasileiro levou a uma degradação ambiental exaustiva e, consequentemente, à destruição de vestígios arqueológicos; b) A imposição da linguagem escrita, ainda no contexto colonial, desprezou a oralidade e os artefatos desses povos, sendo descartados seus mitos de origem, interpretações do meio ambiente entre outros aspectos; c) A dominação das elites econômicas que privilegiaram as manifestações eruditas, deixando em segundo plano as culturas populares; d) A visão progressista que se mostrou avessa aos processos preservacionistas. Como nos interessa observar a Arqueologia inserida na esfera dos museus, trataremos de fazer breves considerações sobre o surgimento dessas instituições em terras brasileiras. No Brasil, as primeiras instituições dessa natureza - que trazem em seus acervos objetos arqueológicos dos mais diversificados - surgem no século XIX, tendo o modelo europeu transplantado para o Novo Mundo sem modificações estruturais significantes, pautado principalmente em sua feição colecionista. Estão entre os mais proeminentes, a saber: o Museu Nacional, o Museu Paulista e o Museu Emílio Goeldi. O que é importante percebermos nesse contexto, respaldado por Bruno (1995), é o fato de que os contingentes históricos impregnados no decorrer do percurso desses museus no Ocidente ainda são refletidos nos dias atuais, principalmente nos museus brasileiros. A feição curiosa e exótica dos objetos expostos e armazenados, o caráter universalista e enciclopédico das coleções e o acúmulo dos objetos que se mostram presentes em parte dos museus de arqueologia brasileiros são alguns dos indícios que confirmam esta tese. 33 De forma sintética, a autora esboça da seguinte forma o papel dos museus no início do século passado, enfatizando que, em muitos casos, ainda são uma dura realidade. Os museus brasileiros entraram neste século [XX], com coleções arqueológicas provenientes de coletas assistemáticas, como locais de ensino e produção científica, como depósitos de objetos ordenados, atuando a partir de uma perspectiva enciclopédica, evolucionista e classificatória. (BRUNO, 1995, p.111) Vistos os elementos pretéritos da rede que configuram a idéia dos museus brasileiros, muitos deles transplantados de sua origem européia, cabe questionar que outras contingências incidiram no distanciamento entre os museus e a sociedade e que agem diretamente na fluidez dos fluxos informacionais que estamos investigando. Um importante elemento destacado pela autora, e que fortalece sua tese de que os museus de arqueologia brasileiros têm uma história de coadjuvantes, é o já mencionado fato de essas instituições terem em suas raízes uma visão colonizada e, nesse sentido, “os museus serviriam, também, para separar o unive rso cultural da elite (erudito) do universo de vida (popular) das camadas menos favorecidas da população” (BRUNO, 1995, p.101). Sob este mesmo prisma, a autora sinaliza a visão dúbia herdada pela sociedade brasileira no que tange aos museus de arqueologia: [os museus de arqueologia ] ao mesmo tempo em que trouxeram ‘progresso’ e ‘futuro’, não evidenciaram o seu cotidiano. Portanto, dificultaram a compreensão e interação com esses centros do saber (BRUNO, 1995, p.102) Um segundo elemento – e esse merece destaque em nossa análise – diz respeito à lógica universitária que passa a abraçar o estudo da Arqueologia. Cristina Bruno sublinha que em meados da década de 50, diversas universidades passam a abrigar ou a criar instituições arqueológicas, entretanto, contrariamente do que se poderia imaginar, o envolvimento com a universidade mostrou-se como mais um elemento de afastamento dos museus de Arqueologia para um espaço de coadjuvante. 34 Esse envolvimento arqueológico-universitário, se, por um lado, garantiu a pesquisa, por outro, estrangulou as atribuições museológicas. [...] Toda a lógica acadêmica tem se mostrado adversa para com os museus. [...] Esta perda da identidade museológica tem grande responsabilidade nas questões inerentes à comunicação arqueológica (BRUNO, 1995, p.124) Diante desses indícios coletados, o leitor pode estar se perguntando: qual seria a relação entre o Museu de Arqueologia de Itaipu e a origem dos museus de arqueologia, já que o primeiro é um museu jovem com origem que remonta a década de setenta? Responderíamos de pronto que há muita relação entre os dois. Embora seja um museu de nascimento recente, nossas pesquisas indicam que sua origem tem uma forte marca governamental tendendo a apagar de sua constituição os saberes locais da comunidade que o abraça, deixando em segundo plano a sua oralidade e o seu cotidiano – visto ser também um museu de arqueologia histórica e um Bem com o qual moradores antigos, ainda presentes em seu entorno, mantêm direta ligação. Sob o entendimento de conjunturas que guiam os museus de arqueologia a um papel de coadjuvantes no cenário brasileiro, entendemos essas ações museológicas, principalmente o da lógica científica como fator de extirpação do senso comum, como fatores que levam os museus a uma “decolagem” que faz com que a lógica museológica “voe sobre a cabeça das pessoas comuns”. Nessa dissertação, com base no MAI, pretendemos pregar a “aterrissagem” dessas instituições, a hibridização do museu com a comunidade, mais do que o acirramento dessas assimetrias. Com o intuito de localizar o MAI no contexto das ações museológicas, daremos prosseguimento à contextualização dos museus no cenário brasileiro – agora em um sentido mais lato e não com relação à Arqueologia – dando ênfase ao surgimento de uma construção teórica que forja uma nomenclatura que divide os museus em dois grandes pólos: os museus tradicionais e a nova museologia 15, fenômeno esse que se faz presente contemporaneamenteao surgimento do museu que estamos pesquisando. De maneira geral, a lógica do colecionismo enraizado no embrionamento dos museus de ciência, e por conseguinte nos de arqueologia, fez com que o papel dessas instituições na sociedade fosse questionado e duramente criticado por parte de estudiosos da área, principalmente a partir da década de setenta. Nesse momento, cresce a demanda pelo 15 Nesse estudo não provemos graus de valoração a essas convenções, entendendo os museus tradicionais piores ou melhores que os novos museus. Contrariamente, buscaremos entender o local do nosso exemplar no entremeio dessas conceituações. 35 posicionamento dessas instituições na direção das ações sociais. Desta forma, a lógica preservacionista que incidia sobre a ma terialidade dos objetos deveria ser sobrepujada por suas premissas sociais. Dentre as principais críticas ao dito padrão de Museu Tradicional, o qual é associado aos indícios mencionados anteriormente, encontra-se a passividade do público em relação ao acervo dos museus que denotaria a estaticidade desses centros de memória. Por tal razão, alavancado também pela cientificidade que perpassa o estudo dos acervos, estas instituições teriam adquirido um caráter sisudo e afastado da realidade cotidiana das populações, como se estes espaços pairassem sobre a cabeça das pessoas, alheios às suas demandas e aos usos sociais. Em nossa análise, verificamos que os autores da área de museus reconhecem a concepção de Museu Tradicional de maneira semelhante ao que intitulamos aqui como transmissão assimétrica de informação, na qual o museu assevera verdades que devem ser embutidas e assimiladas pelo público passivo. Seria o equivalente às transmissões de informação de um pólo que tudo sabe a um pólo vazio, ávido por adquirir informação pronta e acabada, de forma verticalizada e sem negociação. Visto isso, nos ocuparemos de investigar quais seriam as principais premissas dessa corrente, que se reconhece como a Nova Museologia , utilizando como base os principais documentos da área e que versam sobre essa tentativa de oxigenação dos museus. 2.2.2. Nova Museologia? Como já indicado anteriormente, faz-se presente na década de 70 uma nova corrente teórica que se abre para a nascente perspectiva social da área. Como forma de acentuar as proposições basilares que os profissionais de diversos setores culturais passam a postular, destacaremos os mais reconhecidos documentos que abarcam esses novos conceitos sociais da museologia, que são eles: a Mesa Redonda de Santiago de 1972, a Declaração de Quebec de 1984, a Declaração de Caracas 16 de 1992 e a Bases para Política Nacional de Museus de 2003. Os 16 Com exceção do documento “Bases para política Nacional de Museus”, todas as demais Cartas citadas foram retiradas do mesmo documento, a saber: “A memória do pensamento contemporâneo: documentos e depoimentos” de 1995. 36 três primeiros documentos nos dão uma visão mais abrangente do que veio a se chamar de uma Nova Museologia17, englobando os países em desenvolvimento como um todo. Já o quarto documento prover-nos-á uma vertente mais voltada para as demandas brasileiras, além de mostrar-se mais atualizada. Nesse estudo, consideramos a essência dessas linhas de argumentação como os parâmetros do que chamamos de cartilha paradigmática18 que, dito de outra forma, seriam os balizamentos necessários para que os museus saíssem de sua estagnação para entrar na mobilidade das ações. 2.2.3. As Cartas A primeira das Cartas – a Mesa Redonda de Santiago de 1972 – tem um destaque s imbólico em relação aos demais documentos por ocorrer em um momento marcado por opressões militares na América Latina. Trata-se de uma forte tomada de posição política e social dos profissionais de museus, posição esta que ia de encontro com uma conjuntura de cerceamento das liberdades. A Mesa Redonda de Santiago lança um novo conceito de Museu Integral. Este conceito tem como premissa a necessidade de integração dos museus na vida cotidiana da sociedade, atentando aos problemas sociais, econômicos e políticos mais patentes das comunidades em que estão inseridos, buscando solução para estes problemas. Vale destacar, também, o grande mote do documento: o papel decisivo do museu na educação permanente da comunidade. Nesse momento, é convergida para o museu a influência da pedagogia de Paulo Freire 19 que, entre outros aspectos, guia-nos para o entendimento de uma educação libertadora. Do ponto de vista de Hugues de Varine, reconhecido teórico francês na área de museologia, é possível perceber que os textos, com o passar dos anos, tornaram-se um tanto “envelhecidos”, embora seja “sempre possível reencontrar seu sentido verdadeiramente inovador, 17 Esclareceremos a dimensão desse termo adiante, quando faremos a compilação dos documentos em questão. 18 Notificamos e ratificamos que esta tomada de decisão transparece solidamente nas correntes teóricas dessa conjuntura. Não podemos afirmar, contudo, que esta teoria era refletida na práxis das instituições com a mesma veemência. 19 Trataremos de analisar a contribuição da obra de Paulo Freire em um segundo momento do trabalho. 37 senão revolucionário”. O autor assinala, então, as duas características mais marcantes: a noção de Museu Integral que leva em consideração a totalidade dos problemas da sociedade e a idéia de “museu enquanto ação”, ou seja, “enquanto instrumento dinâmico de mudança social”. (VARINE-BOHAN,1995, p.18, grifo nosso) Em contrapartida, Horta (1995) em reflexão sobre a Mesa-Redonda, alerta para a feição ainda monológica da “educação permanente”, proposta no bojo das recomendações: A função do Museu no documento de Santiago, ainda postula a ‘intervenção’ no meio social e no seu território, cabendo-lhe ainda um papel de ‘mestre’, conscientizando o ‘público’ sobre a necessidade da ‘preservação’ do patrimônio cultural e natural. Ainda temos um museu cheio de certezas, definidor de um discurso, por mais revolucionário, ainda monológico. A idéia de ‘museu’, em sua nova forma ‘integral’, ainda é nebulosa, como um ‘papel, (representação, imagem?) a ser desempenhado, que se configura mais ideologicamente, politicamente, socialmente do que funcionalmente, especificamente, tecnicamente, pragmaticamente. (HORTA,1995, p. 34) Podemos averiguar duas ressalvas feitas pela autora, a primeira em relação a uma intervenção educativa ainda transversal e monológica do museu, em que esta instituição ocuparia lugar de mestre que tudo sabe, transmissor de certezas. Enquanto que a segunda aponta, ainda, que as recomendações seriam mais teóricas do que pragmáticas. Embora não intencionemos confrontar o conteúdo dos documentos e, sim, exprimir seus principais conceitos como insumo da construção de parâmetros de análise do campo empírico, é interessante observa rmos que apesar desses registros criarem parâmetros e diretrizes excelentes de uma ação museológica para mudança, muitas dessas recomendações ainda situam-se desconectadas de uma situação pragmática. Estas ressalvas serão de suma relevância para utilizarmos posteriormente como parâmetros de análise de nossas hipóteses. A Declaração de Quebec de 1984 tem como base o estabelecimento da Nova Museologia. Embora tenha como cerne as mesmas bases conceituais da Mesa-Redonda de Santiago, o que se demonstra interessante nessa Declaração é uma clara manifestação dicotômica entre uma Museologia Tradicional e uma Nova Museologia, que deveria ser reconhecida pela comunidade internacional. 38 Mario Moutinho (1995, p.26) indica que, nesse conceito de Nova Museologia, estariam abarcadas de forma convergente as ações de uma idéia ainda vaga de“novas correntes museológicas”, como museus comunitários, museus de vizinhança, ecomuseus etc. Teria, sobretudo, como proposta fundamental, a seguinte bandeira: “por oposição a uma museologia de coleções, tomava forma uma museologia de preocupações de caráter social”. Por sua vez, Judite Primo (1999) promove um cotejamento detalhado das três primeiras cartas estudadas por nós (entre outras), reforçando o caráter dicotômico que emerge das recomendações da Carta de Quebec. Segundo a autora: [...] no afã de legitimar o Movimento da Nova Museologia se criou um antagonismo entre a Museologia Tradicional e a Nova Museologia, passando a falar-se da existência de duas museologias que se revelam antagônicas. (PRIMO, 1999, p. 22) Primo (1999) reproduz em seu artigo uma tabela criada pelos autores que defendem esta ruptura, na qual se opõem as diferenças criadas entre as supostas duas museologias. Fonte: PRIMO, 1999. Museologia Tradicional Nova Museologia • Edifícios • Território • Coleções • Patrimônio • Público determinado • Comunidade Participativa • Função educadora • Museu entendido como um ato pedagógico para o ecodesenvolvimento. Tabela 1 – Comparativo entre Museu Tradicional e Novo Museu A tabela em questão, utilizada a exaustão por diversos autores, simboliza uma tendência classificatória e antagônica de duas museologias e será utilizada como um dos parâmetros de análise para a verificação: onde se encaixaria o MAI nessa classificação? Seria esta classificação dura demais para acomodar um organismo maleável e fluido? 39 A Declaração de Caracas de 1992 denota explicitamente a influência da Mesa- Redonda de Santiago na confecção de suas recomendações, no entanto, deixa claro que, no decorrer de vinte anos, “velhos dogmas que pareciam imutáveis caem, e com eles os muros que marcavam fronteiras ideológicas e políticas” (1995, p.37). Portanto, diante do reconhecimento de profundas mudanças de caráter social, político, econômico e amb iental que pesam sobre a América Latina, o documento alerta para uma tomada de posição que contemple as relações: Museu e Comunicação, Museu e Patrimônio, Museu e Liderança, Museu e Gestão e, por fim, Museu e Recursos Humanos. Visto que não nos cabe dissecar cada uma das relações propostas pela Declaração, temos como meta assinalar o fator de destaque desse documento em relação aos demais selecionados. A análise de Horta nos indica que: A grande novidade que parece surgir do Documento de Caracas é a transformação do ‘museu integral’ (abrangente mas fugaz, impalpável, etéreo em sua identidade) no museu integrado (termo não formulado, mas implícito nas propostas e postulados do Documento) à vida de uma Comunidade. Mais do que realizações, propõe-se ações e processos que contemplam e consideram as particularidades de cada contexto local e específico, no qual atuam e se situam. (HORTA, 1995, p.35, grifo nosso). A colocação de Horta sinaliza para a proposta central da Declaração de 1992, qual seja a transmutação de um museu integral a um museu integrado. A tendência semeada na Mesa-Redonda de 1972, que traduz a idéia de um museu para a comunidade, porém ainda pouco contaminado pelo público externo em suas ações internas, não chega a ser ainda um museu realmente integrado e em busca de resolução de problemas com as comunidades locais, agindo contextualmente em uma co-gestão. Nesse contexto, a Carta de Caracas introduz a idéia tácita de um museu integrado em uma comunidade específica, com o fim de agir cooperativamente em busca de uma ação conjunta em torno de um problema específico. O documento “Bases para Política Nacional de Museus”, confeccionado em março de 2003, exprime a iniciativa do Ministério da Cultura em propor uma revitalização dessas instituições no contexto brasileiro. A relevância desse documento assemelha-se aos demais anteriormente citados, porém, nos oferece uma versão mais atualizada e aproximada do cenário 40 brasileiro. Destaca-se para nosso propósito, também, por ser um parâmetro governamental federal (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN) que nos habilita a traçar paralelos com as iniciativas do MAI – também federal e administrado pelo IPHAN - que, em tese, são orientadas por tais diretrizes. O objetivo nuclear dessa iniciativa governamental é promover a valorização do patrimônio cultural brasileiro a partir do desenvolvimento e da revitalização dessas instituições de memória, levando em consideração a diversidade sócio, ético e cultural do país. O texto discorre com base nos seguintes eixos programáticos: Gestão e Configuração do Campo Museológico, Democratização e Acesso aos Bens Culturais, Formação e Capacitação de Recursos Humanos, Informatização de Museus, Modernização de Infra-Estruturas Museológicas, Financiamento e Fomento para os Museus e, por último, Aquisição e Gerenciamento de Acervos Culturais. Apesar de não nos aprofundarmos nos tópicos relativos a essa última carta, podemos dizer que essa iniciativa se configura como um importante momento para a Museologia brasileira no tocante a novos investimentos governamentais. É nesse mesmo período que é criado o Departamento de Museus no IPHAN/ MINC, que visa investir em novos cursos nessa área, assim como na modernização das instituições museológicas20. Contextualizadas as principais questões que orbitam os museus e postas as tendências que regem o campo, daremos continuidade a nossa rede teórica incorporando novos pontos de visão. 2.3. O MAI sob o olhar de outras teorias Tendo visto o segmento correspondente aos dois blocos teóricos, respectivamente a Ciência da Informação e a Museologia, introduziremos o que chamamos de teorias complementares. Com base nas principais proposições de Paulo Freire, Pierre Lévy e Bruno Latour, trataremos de forma específica alguns assuntos que exigem atenção, como a topologia 20 Nesse sentido, acreditamos que a contratação, via concurso público, de um profissional Museólogo ,especificamente para o MAI, seja um grande avanço para as futuras investidas da instuição em questão. 41 dos fluxos informacionais, o processo de virtualização das muralhas do Museu e a rede de relações que fazem com que Museu e sociedade se tornem uma entidade híbrida. 2.3.1. Museu e Educação: O Olhar Freiriano “A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” Paulo Freire Observamos, até o momento, que tanto os SRIs como as instituições museológicas ( para nós também um SRI) passam por reformulações teóricas que indicam uma mudança de postura perante a sociedade com quem mantêm trocas. Essa analogia entre os SRIs e os museus mostra-se pertine nte quando pinçamos alguns conceitos-chave e as principais proposições desses organismos em seus aspectos comunicacionais. No âmbito dos SRIs, abordados sob o prisma da Ciência da Informação, constatamos que, em um primeiro momento, a informação parece ser transferida e/ou transmitida priorizando o processual mais do que o contextual. O que queremos evidenciar com isso é que, nesse instante, os receptores seriam considerados uma externalidade à parte do sistema, no qual suas demandas e necessidades informacionais não seriam prioridades para a regulação do fluxo informacional interno. Ao abordarmos a corrente cognitiva, em que Belkin está inserido, notamos que estes sistemas passam a incorporar o público como parte integrante de seu mecanismo passando, então, a orientar e compor o próprio processo de produção e transferência de informação (fluxos), no entanto, ainda numa perspectiva individualizada e psicológica. Já em um terceiro
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