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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS ALAN CASTRO AZEVEDO E SILVA ACURÁCIA DA CREATININA DOSADA EM GOTA DE SANGUE SECA EM PAPEL DE FILTRO PARA RASTREAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA NITERÓI - RJ 2015 II ALAN CASTRO AZEVEDO E SILVA ACURÁCIA DA CREATININA DOSADA EM GOTA DE SANGUE SECA EM PAPEL DE FILTRO PARA RASTREAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Ciências Médicas Orientador: Prof. Dr. Jocemir Ronaldo Lugon Coorientador: Prof. Dr. Miguel Luiz Graciano NITERÓI - RJ 2015 III FICHA CATALOGRÁFICA S586 Silva, Alan Castro Azevedo e Acurácia da creatinina dosada em gota de sangue seca em papel de filtro para rastreamento da doença renal crônica. / Alan Castro Azevedo e Silva. – Niterói, 2015. 34f. Orientador: Jocemir Ronaldo Lugon. Coorientador: Miguel Luiz Graciano. Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas) Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Medicina, 2015. 1. 1. Insuficiência renal crônica. 2. Diagnóstico. 3. Creatinina. I. Título. CDD 616.61 IV ALAN CASTRO AZEVEDO E SILVA ACURÁCIA DA CREATININA DOSADA EM GOTA DE SANGUE SECA EM PAPEL DE FILTRO PARA RASTREAMENTO DA DOENÇA RENAL CRÔNICA Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos necessários à obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: Ciências Médicas Aprovado em: BANCA EXAMINADORA ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Jorge Paulo Strogoff de Mattos ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Marcus Gomes Bastos ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Edison Regio de Moraes Souza NITERÓI – RJ 2015 V DEDICATÓRIA A meus pais, Sulamita e Wilson, que me trouxeram ao mundo e, afortunadamente, ainda me ensinam a viver com dignidade, respeitar o próximo e buscar a felicidade. À minha esposa Leila, companheira de todas as horas, minha maior incentivadora e que me faz feliz. Aos meus filhos Elaine, Talita e Gabriel pessoas maravilhosas que vieram para me recompensar. Às minhas irmãs Tamar, Gulnar e Sônia pela forte relação de amizade e apoio. Aos amigos, amigas e colegas de trabalho pelo incentivo de continuar sempre aperfeiçoando e tratar melhor às pessoas. Finalmente, aos pacientes que atendi, atendo e irei atender, pois é para eles que dedico todo meu esforço profissional. VI AGRADECIMENTOS Aos professores Dr. Jocemir Ronaldo Lugon e Dr. Miguel Graciano por toda orientação científica que me deram para elaboração do artigo e dessa dissertação. Ao professor Juan Fidel Bencomo Gómez pelo desenvolvimento da técnica que motivou a realização desse trabalho. Aos professores da pós-graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal Fluminense Dra. Solange Artimos de Oliveira, Dr. Gilberto Perez Cardoso, Dr. Luis Guillermo Coca Velarde e Dra. Maria Luiza Garcia Rosa por terem me ensinando a ver a ciência de uma forma mais criteriosa. A Sra. Orlandina da Silva e Souza Alvarenga, secretária do Programa de Pós- graduação em Ciências Médicas, pelo carinho e paciência em me ajudar a resolver as questões burocráticas. A todos os colaboradores e acompanhantes dos pacientes do Complexo Hospitalar de Niterói que aceitaram de bom grado participar da pesquisa. A todos os membros da Igreja Batista da Pavuna e participantes das Ações Sociais que viabilizaram a coleta de um maior número de voluntários. E finalmente ao Antonio Pio, paciente, amigo e professor de estatística que foi fundamental para que eu pudesse superar as dificuldades. VII “Prevenção individual é identificar pessoas susceptíveis de alto risco e oferecer a elas alguma proteção” Geoffrey Rose VIII RESUMO A identificação precoce da doença renal crônica (DRC) em populações de risco é preconizada devido à elevada morbidade e mortalidade dessa patologia. O rastreamento é normalmente feito utilizando testes de baixo custo e pouco invasivos, como a detecção de albumina na urina ou a dosagem da creatinina sérica. Apresentamos nesse estudo uma forma alternativa inovadora e de simples execução para dosar a creatinina. Cento e seis pessoas com alto risco de desenvolverem DRC foram envolvidas. A idade dos participantes foi de 57 ± 12 anos, 78 (73,5%) eram do sexo feminino, 43 eram brancos (40,5%), 36 eram pardos (34%) e 27 negros (25,5%). Setenta e seis por cento alegaram serem hipertensos, 30% já sabiam ter diabetes, 37% disseram ter história familiar para DRC e 22% eram tabagistas. O índice de massa corpórea (IMC) foi de 29,5 ± 6,9 kg/m 2 , a pressão arterial sistólica foi de 125 mmHg (intervalo interquartil [IQR] 120-140 mmHg) e a pressão arterial diastólica de 80 mmHg (IQR 70-80 mmHg). A validade do teste feito com papel filtro foi calculada considerando como a variável de interesse uma taxa de filtração glomerular estimada menor que 60/ml/min/1,73m 2 , calculado pelas equações MDRD e CKD-EPI. Desta maneira, a sensibilidade do PF foi de 96% na equação MDRD e de 94% na CKD-EPI. O valor preditivo positivo foi de 96% para ambas equações. A acurácia mostrou um desempenho de 92% na MDRD e de 90% na CKD-EPI. O método de Bland e Altman mostrou que os valores de creatinina entre os dois testes estão numa faixa relativamente estreita (+0.68 mg/dL a -0.55 mg/dL) para um desvio padrão de ±1.96. Concluímos que a dosagem da creatinina em papel filtro é um teste pouco invasivo e apresentou um bom desempenho para rastrear a DRC. PALAVRAS CHAVES: rastreamento; doença renal crônica; creatinina; gota de sangue seca em papel filtro. IX ABSTRACT Chronic kidney disease (CKD) screening is advisable in populations with risk factors for chronic kidney disease due to its high morbidity and mortality. It´s usually performed by sampling blood for creatinine and urine for albuminuria. Here we present an innovative and simpler method, by measuring creatinine in a dry blood spot on filter paper. One-hundred and six individuals at high risk for CKD were enrolled. Mean age was 57±12 years, 74% were female, 40% white, and 60% non-white. Seventy-six percent were hypertensive, 30% diabetic, 37% had family history of CKD, and 22% of smoking. The BMI was 29.5 ± 6.9 kg/m 2 , median systolic blood pressure was 125 mmHg (IQR 120-140 mmHg) and median diastolic blood pressure was 80 mmHg (IQR 70-80 mmHg). Adopting CKD with the found of a e_GFR60/ml/min/1,73m 2 for MDRD and CKD-EPI equation, the sensitivity was 96% for MDRD and 94% in CKD-EPI. The positive predictive value was 96% for both equations. The accuracy was 92% in MDRD and 90% for CKD-EPI. . A Bland and Altman analysis showed a relatively narrow range of creatinine values differences (+0.68 mg/dL to -0.55 mg/dL) inside the ±1.96 SD, without systematic differences. Accordingly, the minimally invasive dry blood spot creatinine measurement disclosed goodperformance, and may be useful as a screening tool for CKD. KEY WORDS: screening; chronic kidney disease; creatinine; dry blood spot test in paper filter X LISTA DE FIGURAS NÚMERO TÍTULO PÁGINA Figura 1 Correlação de Pearson dos valores de creatinina e da estimativa de filtração glomerular 23 Figura 2 Concordância entre os valores de creatinina e da estimativa de filtração glomerular pelo método de Bland e Altman 24 XI LISTA DE TABELAS NÚMERO TÍTULO PÁGINA Tabela 1 Características demográficas e clinicas da população 21 Tabela 2 Desempenho do teste em papel filtro 22 XII LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS CG Cockroft-Gault CHN Complexo Hospitalar de Niterói CKD-EPI Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration DCV Doença cardiovascular DRC Doença renal crônica IVB Instituto Vital Brazil KDIGO Kidney Disease Improving Global Outcomes MDRD Modification of Diet in Renal Disease PF Papel filtro TFG Taxa de filtração glomerular IDMS Isotope diluition mass spectrometry XIII SUMÁRIO SEÇÕES PÁGINA INTRODUÇÃO 14 MATERIAL E MÉTODOS 18 DESENHO 18 POPULAÇÃO DO ESTUDO 18 AVALIAÇÕES 19 ANÁLISE ESTATÍSTICA 20 RESULTADOS 21 CARACTERÍSTICAS DOS PARTICIPANTES 21 DESEMPENHO DO TESTE 22 DISCUSSÃO 25 CONCLUSÃO 30 REFERENCIAS 31 14 1. INTRODUÇÃO Embora em 1827, Richard Bright já tivesse observado, em sua celebre publicação [1], uma associação entre as alterações morfológicas dos rins com doença sistêmica [2], só no final do século XX é que atenção médica passou a dar mais importância ao diagnóstico e prevenção dos pacientes com doença renal, que ainda não estavam em diálise ou transplante [3]. Até então, o foco era garantir a sobrevida dos pacientes que perdiam a função renal por meio dos avanços técnicos que viabilizaram essas modalidades de tratamento [4]. Os efeitos das fases menos avançadas da doença renal crônica (DRC), que acometem proporcionalmente mais pessoas, permaneceram praticamente ignorados pela comunidade médica, gestores e público [5]. Somente em 2002, após o acúmulo de evidências sobre os agravos provocados pela DRC, da importância de retardar sua progressão, que essa patologia era subdiagnosticada e subtratada nos EUA, um consenso foi estabelecido para padronizar uma definição e estágios para a DRC [6]. O termo DRC passou a ser usado internacionalmente para definir o conjunto de doenças heterogêneas que afetam a estrutura e/ou funcionamento dos rins por um período superior a três meses [7]. Essa padronização facilitou a elaboração de vários estudos epidemiológicos que demonstraram uma clara e forte associação entre DRC e aumento da taxa de mortalidade, principalmente na doença cardiovascular (DCV) [8-16]. Diante da importância de prevenir as complicações relacionadas à DRC, mesmo nas fases iniciais e assintomáticas, um consenso agora internacional chamado KDIGO (Kidney Disease Improving Global Outcomes) foi desenvolvido e implantado [17]. Dessa forma, passou a ser enfatizada a identificação precoce da DRC, sua prevenção, reversão (se possível) ou retardo de sua progressão. O rastreio da DRC é usualmente realizado utilizando, de forma sequencial, um primeiro teste mais barato e pouco 15 invasivo para o paciente. Os exames preconizados são a detecção de albumina na urina e dosagem da creatinina plasmática [18]. A creatinina é o produto final do catabolismo da creatina, cuja vasta maioria (98%) é encontrada nos músculos [19]. A aplicação clínica da creatinina para avaliar a função renal começou em 1926 [20]. A partir de 1947 a dosagem da creatinina ganha popularidade [21]. Porém, ela não é o marcador ideal da função renal. Primeiro por sua concentração variar com a idade, sexo, dieta e massa muscular. Segundo, porque 10 a 40% da eliminação urinária da creatinina é oriunda da secreção dos túbulos renais e isso interfere diretamente no cálculo da depuração da creatinina pelos glomérulos. Terceiro, porque sua concentração plasmática demora a aumentar no plasma, provocando certo atraso no diagnóstico da disfunção renal aguda [22]. Assim, para compensar variações relacionadas à idade, raça e sexo, foram criadas diversas equações para estimar a função renal a partir da creatinina plasmática. Essas fórmulas ou nomogramas partem do princípio que a excreção da creatinina é constante, igual a sua produção e proporcional a massa muscular, que pode ser estimada individualmente pela idade, raça, sexo e peso [22]. A primeira equação proposta foi a de Poul Effersoe em 1957 [23]. Usando uma amostra de 38 pacientes com DRC e o clearance de creatinina em urina de 24h como “padrão ouro”, Effersoe elaborou uma fórmula logarítmica, cujo cálculo era difícil de realizar na época. A partir daí diversas equações foram criadas. Porém a mais popular e utilizada até hoje é a de Cockcroft-Gault [24]. Publicada em 1976, a CG foi elaborada a partir de uma coorte de 249 pacientes internados. O “padrão ouro” foi o clearance de creatinina em urina de 24h. A grande vantagem dessa equação era a simplicidade matemática para calculá-la. Apesar de sua grande aceitação na prática clínica, essa equação tem diversas limitações como estimar o clearance de creatinina e não a taxa de 16 filtração glomerular, apenas 4% da amostra era do sexo feminino, utilizar um método para dosar a creatinina não padronizado e não ser precisa em pacientes com IMC elevado [25]. Em 1999 é apresentada a Modification of Diet in Renal Disease (MDRD) [26]. O objetivo foi de estimar a verdadeira TFG e indexá-la à superfície corporal. Uma coorte de 1628 da população americana é utilizada, tendo uma TFG média de 40 ± 21 ml/min/1.73 m². O “padrão ouro” agora é o clearance urinário de iotamalato que é muito mais preciso para cálculo da TFG. Não obstante sua superioridade em relação a CG, a MDRD possui limitações. A primeira é ter sido validade apenas para pessoas com DRC. Isso provoca uma subestimação para TFG elevada (>60ml/min/1,73m 2 ), acarretando aumento da prevalência de pessoas com DRC (TFG<60ml/min/1,73m 2 [27]. Outra limitação da MDRD é que a creatinina é a principal variável da equação. Assim, qualquer variabilidade do método utilizado para dosar a creatinina impacta no resultado final [25]. Visando corrigir a subestimação da MDRD, um consórcio de pesquisadores elaboraram mais recentemente a Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration (CKD-EPI) [27]. A coorte agora incluiu indivíduos sadios, elevando a média da TFG para 68ml/min/1,73m 2 . A dosagem da creatinina foi padronizada pelo isotope diluition mass spectrometry (IDMS) e o “padrão ouro” também foi o clearance urinário de iotamalato. O tradicional método de dosagem da creatinina que usa a clássica reação de Jaffé, de 1886, foi aprimorado durante anos para melhorar sua especificidade [28]. Para diminuir a interferência de outras substâncias do sangue, Rene Dubos passou a utilizar enzimas para decomporem a creatinina [29]. A automatização da dosagem da creatinina ocorreu em 1957 quando Skeggs inventou o AutoAnalyzer [30]. Um grande avanço foi em 1975, quando Moss publicou uma nova técnica totalmente enzimática, que melhorou muito a especificidade [31]. Um esforço para aprimorar, padronizar e calibrar as 17 técnicas de dosagem da creatinina está sendo feita por organizações não governamentais como a National Kidney Foundation, International Federation of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine (IFCC) e European Federation of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine. Através do National Kidney Disease Education Program (NKDEP) os laboratórios de medicina laboratorial podem acessar via internet instruções para calibrar seusaparelhos, usando amostras controle da creatinina elaboradas pelo método de espectrometria de massa por diluição isotópica – isotope diluition mass spectrometry (IDMS) [32]. Para se empregar a equação de CKD-EPI mencionada anteriormente é preconizado o uso da dosagem de creatinina e aparelhos calibrados dessa forma. A dosagem da creatinina, feita de forma convencional, requer a coleta de um volume de sangue por canulação venosa, armazenamento refrigerado e posterior processamento bioquímico, o que pode dificultar o rastreamento da DRC. Apresentamos nesse estudo uma forma alternativa e de simples execução para dosar a creatinina, visando a facilitar o rastreamento da DRC. A técnica proposta envolve a coleta de uma gota de sangue através de picada de polpa digital com lanceta. A amostra de sangue é armazenada em papel filtro (PF) e, seca, pode ser facilmente transportada em temperatura ambiente. O objetivo deste estudo é medir a acurácia deste novo teste para rastreamento da DRC, comparando-o com o método convencional. 18 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1- Desenho do estudo Conduzimos um estudo observacional transversal em pessoas voluntárias efetuando avaliação de dados clínicos, exame físico e coleta de sangue. As dosagens das creatininas obtidas pelos dois testes e os dados demográficos de cada participante permitiram estimar a taxa de filtração glomerular (TFG). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Clínica da Universidade Federal Fluminense e todos os participantes assinaram o termo de consentimento informado. 2.2- População do estudo Os participantes foram recrutados de forma a incluir pessoas com maior susceptibilidade para DRC entre os acompanhantes e funcionários do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN) e em três ações sociais realizadas pela Igreja Batista da Pavuna, em comunidades carentes. Os critérios de inclusão foram: pessoas com um ou mais fatores de risco cardiovascular como hipertensão arterial, diabetes mellitus, tabagismo, sobrepeso/obesidade ou idade acima de 50 anos. Foram excluídos: voluntários com diagnóstico prévio de DRC já estabelecido ou que apresentassem alguma característica que evidentemente pudesse interferir no cálculo correto da função renal estimada, como por exemplo: amputados ou portadores de ascite evidente. Um total de 119 pessoas preencheram os critérios de inclusão. O período de recrutamento foi de 3 de abril de 2012 a 15 de dezembro de 2012. 19 2.3- Avaliações Depois de preenchido um questionário contendo dados clínicos e demográficos, foi medido peso, altura e pressão arterial dos participantes. Após a entrevista e exame físico, coletou-se sangue venoso por punção com agulha e sangue periférico através de lanceta. Todas as amostras de sangue venoso foram acondicionadas em recipientes térmicos para envio ao laboratório. Os dados demográficos e de exame físico foram inseridos num registro eletrônico especialmente elaborado para o estudo e programado para calcular as equações que estimam a taxa de filtração glomerular (e/ou depuração de creatinina) a partir dos resultados dos valores das creatininas. O padrão ouro da medida da creatinina foi realizado, de forma automatizada e padronizada, pelo método Jaffé modificado (equipamento automatizado Dimension RxLMax ® - Siemens Healthcare, Newark, Estados Unidos da América) na filial do Laboratório Sérgio Franco no CHN. As amostras coletadas em gota de sangue e armazenadas em papel filtro (Schleicher & Schuell Bioscience, Inc – New Hampshire, Estados Unidos da América) foram encaminhadas ao Laboratório Biomarc do Instituto Vital Brazil (IVB) – Niterói – RJ. Nesse laboratório, o papel filtro era submetido à eluição orgânica com a solução alcoólica. O eluato é condicionado numa microplaca (tipo ELISA) que é o suporte da automação do procedimento tecnológico. A creatinina presente no mesmo reage com a creatinase formando creatina. Posteriormente na presença de creatininase, formam-se os produtos sacacina + ureia. Em presença de superóxido dismutase produz-se peróxido de hidrogênio e finalmente, com a presença da peroxidase, forma-se o complexo colorido Quinona, que é quantificado na densidade ótica de λ=556 nm. Os valores de densidade ótica são obtidos em um espectrofotômetro ELISA. Os laboratórios não tinham acesso aos dados clínicos dos participantes do estudo. 20 2.4- Análise estatística As variáveis com distribuição normal foram descritas como média ± desvio padrão e as variáveis com distribuição não normal foram descritas como mediana e intervalo interquartílico. Usamos tabelas 2 × 2 para calcular características do teste tais como sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo, razão de verossimilhança, medida de acurácia e índice de kappa para concordância das amostras. Também foi avaliada a concordância entre as duas formas de se dosar a creatinina empregando a correlação de Pearson. Erros persistentes e dispersão de resultados foram avaliados através do teste de Bland-Altman. Os valores considerados estatisticamente significativos foram de p< 0,05. 21 3. RESULTADOS Das 119 (cento e dezenove) pessoas que concordaram em participar do estudo, 13 (treze) foram excluídas. Três voluntários recrutados em uma das Ações Sociais não chegaram a ter sangue coletado para os dois testes. Outras 10 (dez) pessoas não tiveram suas amostras em papel filtro processadas por extravio no recebimento no laboratório. 3.1- Características dos participantes Cento e seis pessoas foram incluídas nesse estudo piloto. Vinte e oito foram recrutados entre os funcionários e acompanhantes dos pacientes do HCN, 18 da Ação Social de 7 de julho de 2012, 32 da Ação Social de 22 de setembro de 2012 e, finalmente, 28 da Ação Social de 15 de dezembro de 2012. A idade dos participantes foi de 57 ± 12 anos, 78 (73,5%) eram do sexo feminino, 43 eram brancos (40,5%), 36 eram pardos (34%) e 27 negros (25,5%). O índice de massa corpórea foi de 29,5 ± 6,9 kg/m 2 , a pressão arterial sistólica foi de 125 mmHg (intervalo interquartil [IQR] 120-140 mmHg) e a pressão arterial diastólica de 80 mmHg (IQR 70-80 mmHg). Os dados gerais da população estão descritos na Tabela 1. Tabela 1. Características demográficas e clínicas da população N 106 Idade (anos) 57 ± 12 Sexo feminino (%) 78 (73,5) Raça branca (%) 43 (40,5) Raça negra (%) 27 (25,5) Raça parda (%) 36 (34) IMC (kg/m2) 29,5 ± 6,9 PA sistólica na triagem (mmHg) 125 (120-140) PA diastólica na triagem (mmHg) 80 (70-80) Co-morbidades relatadas: 1- Hipertenão arterial ou cardiopatia (%) 80 (76) 2- Diabetes mellitus (%) 32 (30) 3- História familiar de DRC (%) 39 (37) 4- Tabagismo (%) 23 (22) Dados expressos como média DP, mediana (intervalo interquartil) ou pela freqüência. IMC= Índice de massa corpórea PA= Pressão arterial DRC=Doença renal crônica 22 Entre os 106 participantes do estudo, 80 (76%) tinham diagnóstico prévio de hipertensão arterial e 32 (30%) já tinham recebido o diagnóstico de diabetes mellitus. Dos entrevistados, 39 (37%) alegaram ter uma história familiar de DRC e 23 (22%) serem tabagistas. Os dados clínicos foram descritos na Tabela 1. 3.2- Desempenho do teste A validade do teste feito com PF foi calculada considerando como variável de interesse uma TFG estimada menor que 60/ml/min/1,73 m 2 , determinado pelas equações MDRD e CKD-EPI. Conforme mencionado, nas tabelas de contingências o teste que mede a creatinina sérica de forma convencional foi considerado o “padrão-ouro”. Desta maneira, a sensibilidade do PF foi de 96% na equação MDRD e de 94% na CKD-EPI para diagnóstico de TFG menor que 60 ml/min/1,73 m 2 . De forma análoga, a especificidade para o teste com PF foi de 55% tanto para a equaçãode MDRD quanto de CKD-EPI. Esses resultados estão apresentados na Tabela 2. Tabela 2. Valores de sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivos, negativos e acurácia do teste da creatinina em papel filtro para estimar uma TFG < <60ml/min/1,73m2 Equação Sensibilidade Especificidade VPP VPN Acurácia % % % % % (IC 95%) (IC 95%) (IC 95%) (IC 95%) MMDDRRDD 9966 5555 9966 5555 9922 (89-98) (21-86) (89-98) (21-86) CCKKDD--EEPPII 9944 5555 9944 5555 9900 (87-97) (21-86) (87-97) (21-86) IC=Intervalo de confiança MDRD=Modification of Diet in Renal Disease CKD-EPI=Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration VPP=Valor preditivo positivo VPN=Valor preditivo negativo 23 O valor preditivo positivo foi de 95 96% tanto na equação MDRD quanto na CKD-EPI. O valor preditivo negativo foi de 55% na MDRD e de 45% na CKD-EPI. Por fim a acurácia mostrou um desempenho de 92% na equação MDRD e de 90% na CKD- EPI. Esses resultados foram apresentados na Tabela 2. Considerando como variável categórica a capacidade dos testes em identificar “doente” quem tinha uma TFG estimada menor que 60 ml/min/1,73 m 2 , a proporção de concordância não aleatória calculada pelo índice de Kappa foi 0,15 para a equação MDRD e 0,45 para a CKD-EPI. O coeficiente de correlação de Pearson dos valores nominais de creatinina, obtidos entre os dois testes, mostrou uma correlação de 0,30 (p=0,002). Já para a estimativa da TFG pela equação CKD-EPI empregando os valores da creatinina obtidos pelos dois testes, o coeficiente de correlação de Pearson foi de 0,48 (p=0,001). Esses resultados foram apresentados na Figura 1. A análise da concordância entre os testes segundo o método proposto por Bland e Altman mostrou que a grande maioria das diferenças entre as medidas dentro do intervalo de ±1,96 DP estão entre valores de creatinina situados numa faixa relativamente estreita (+ 0,68 mg/dL e - 0,55 mg/dL) e não foi observada diferença sistemática dentro da faixa de valores de creatinina observados (média dos dois métodos 24 medindo no mínimo 0,45 mg/dL e no máximo 1,9 md/dL). Esses resultados foram mostrados na Figura 2. A análise da concordância da medida da TFG estimada pela equação CKD-EPI também pode ser observada na Figura 2. Figura 2. Concordância pelo Bland-Altman dos valores da creatinina e da taxa de filtração estimada pela equação CKD-EPI C r e a ti n in a (C o n v e n c io n a l- P a p e l fi lt r o ) 0 .2 0 .4 0 .6 0 .8 1 .0 1 .2 1 .4 1 .6 1 .8 2 .0 -1 .2 -1 .0 -0 .8 -0 .6 -0 .4 -0 .2 0 .0 0 .2 0 .4 0 .6 0 .8 1 .0 1 .2 0 ,3 1 D p - 0 ,3 1 D p M é d ia C D K -E P I (C o n v e n c io n a l - P a p e l fi lt r o ) 2 0 4 0 6 0 8 0 1 0 0 1 2 0 1 4 0 1 6 0 1 8 0 2 0 0 -1 4 0 -1 2 0 -1 0 0 -8 0 -6 0 -4 0 -2 0 0 2 0 4 0 6 0 8 0 1 0 0 + 2 9 .5 D p -2 9 ,5 D p M é d ia 25 4. DISCUSSÃO A metodologia de armazenar e analisar amostra de sangue em papel filtro foi descrita há 100 anos por Ivar Bang [33-34]. A partir dos anos 60 essa técnica ganhou notoriedade devido a Robert Guthrie. Motivado por ter tido uma sobrinha e depois um filho com fenilcetonúria [35], Guthrie criou um método simples e efetivo para rastrear essa patologia, através da coleta de uma gota de sangue no calcanhar dos bebês [36]. Hoje, o famoso “teste do pezinho” é amplamente utilizado e foi expandido podendo identificar 31 desordens que um recém-nato pode apresentar [37]. No entanto, à luz de nosso conhecimento, a dosagem da creatinina coletada em gota de sangue e armazenada em papel filtro ainda não foi empregada para rastrear DRC. A utilização do papel filtro tem diversas vantagens. A obtenção do sangue por uma picada é mais simples e não requer treinamento especializado. A quantidade de sangue para análise é pequena, em torno de 10-25 µl [38]. Os insumos custam bem menos que os utilizados no método convencional [39]. Além disso, pela facilidade de transporte, armazenamento, manuseio, processamento, análise e destruição das amostras, toda operação logística é mais simples e econômica [40]. As desvantagens da dosagem de substâncias pela técnica do papel filtro devem-se à natureza da própria amostra. O sangue armazenado e seco no papel filtro sofre hemólise. Assim, a quantidade de hemoglobina e liberação de componentes intracelulares pode interferir nas concentrações de algumas análises [41]. Recentemente foi comprovado que a estabilidade na análise de alguns metabólicos pode sofrer influências da temperatura ambiente [42]. Esse tipo de teste com papel de filtro tem sido empregado em rastreamentos clínicos [43]. Assim, para saber se uma triagem irá trazer algum benefício para as pessoas examinadas é preciso responder as três clássicas perguntas de Geoffrey Rose e 26 D J Parker [44]: O tratamento precoce irá melhorar o prognóstico? Qual a validade e reprodutibilidade do teste de triagem utilizado? E finalmente, qual o resultado do rastreamento? Nosso estudo procurou rastrear pessoas com maior risco de desenvolverem DRC. Confirmando essa expectativa, a média de idade observada foi de 57 ± 12 anos, 75,5% dos participantes tinham um IMC acima de 25 kg/m 2 , 76% eram sabidamente hipertensos e 30% apresentavam diabetes mellitus. A prevalência de DRC utilizando o critério de uma TFG <60ml/min/1,73m 2 variou de 8,4 a 10,3% nas duas equações utilizadas para estimar a TFG nos dois testes. Existem poucas publicações sobre prevalência de DRC no Brasil para fazermos comparações. Bastos e colaboradores [45] estimando uma TFG pelo MDRD, <60ml/min/1,73m 2 em 24.248 indivíduos acima dos 18 anos, que coletaram sangue em um laboratório de Juiz de Fora (MG, Brasil), no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2005, encontrou uma prevalência de DRC de 9,6% nos indivíduos abaixo de 60 anos e 25,2% nos acima de 60 anos. Já Passos e colaboradores [46] realizaram um dos primeiros estudos de prevalência de DRC em países em desenvolvimento na cidade de Bambuí (MG Brasil). Foi um estudo observacional realizado de janeiro a agosto de 1997. O critério para diagnóstico de DRC foi uma creatinina maior que 1,3 mg/dL para homens e 1,2 mg/dL para mulheres. A prevalência de DRC nos habitantes acima de 60 anos, que participaram do estudo, foi de 5,09 %. Nosso estudo encontrou uma prevalência maior de DRC, o que pode ser explicado por termos rastreado uma população de risco. Ao empregarmos o papel filtro para rastrear DRC, o teste mostrou uma elevada sensibilidade, o que conferiu um valor preditivo positivo acima de 95% nas três equações que estimaram a TFG da população rastreada. É importante observar que essas 27 são as características mais relevantes que se procura encontrar em teste que se destina a rastreamento. O uso do papel filtro não visa a substituir a coleta da creatinina convencional para diagnóstico e monitoramento da DRC. Ao compararmos os valores dos dois testes, encontramos uma correlação pelo Índice de Pearson considerada “fraca”. Porém, a correlação de Pearson para a equação CKD-EPI foi “moderada”. Não estudamos a correlação de Pearson nem concordância pelo Bland-Altman para as equações CG e MDRD por estas não terem sido validades para TFG>60ml/min/1,73m 2 . A concordância foi avaliada pelo índice de Kappa para discriminar quem tinha uma TFG<60/ml/min/173m 2 . O desempenho do teste do papel filtro foi considerado “moderado” na CKD-EPI segundo escalas usualmente empregadas para avaliar os resultados da estatística Kappa [47]. O índice de Kappa, no entanto, presta-se primariamente para comparar medidas entre dois observadores diferentes, por exemplo, dois patologistas e métodos onde ainda pairamdúvidas sobre qual seria o método padrão ouro. A análise de Bland-Altman, por outro lado, mostrou que os métodos (padrão ouro e papel de filtro) não diferem sistematicamente na medida da creatinina e, o mais importante, que a diferença entre os métodos não tem uma dispersão muito grande. Quando se empregou o método de Bland-Altman para as equações de cálculo da função renal foi observado, conforme esperado e mencionado anteriormente, que a equação de CKD-EPI corrige as distorções das outras equações para valores mais elevados de filtração glomerular. Portanto, a nosso ver, os resultados do índice de correlação e do teste de kappa não invalidam a utilidade do teste para rastrear DRC em pessoas de risco. De acordo com essa afirmação, observamos acurácia de 92% na equação do MDRD e de 90% na equação de Cockcroft-Gault e CKD-EPI para diagnóstico de DRC. 28 A utilização da tecnologia do papel filtro para dosar substâncias em humanos e em animais precisa, a nosso ver, ser expandida. Ao precisar, na fase pré-analítica, de pequena quantidade de sangue coletado por lanceta, o paciente poderá no futuro realizar ele mesmo a coleta e enviar o papel filtro pelo correio. Isto viabilizará seu monitoramento sem necessitar grandes deslocamentos para ir até um posto de coleta. Além disso, o papel filtro poderá ser uma ótima opção para coleta de material biológica em animais de forma alinhada a política atual de proteção e não agressão. Independente do benefício para a população que a técnica de dosar a creatinina em papel filtro pode ter, nosso estudo apresentou algumas limitações. A primeira foi ter selecionado uma população com valores baixos de creatinina, que aceitaram participar de “ações sociais”. Estes rastreamentos foram realizados em comunidades. A maior participação é de pessoas do sexo feminino, que são mais receptivas a esse tipo de atividade. Também deve ser mencionado o número relativamente pequeno de participantes. Porém para o propósito do estudo, que é a validação inicial do método de dosagem de papel de filtro para triagem de doença renal, esse número se mostrou adequado. Evidentemente o próximo passo é testar o método numa amostra populacional mais robusta. Uma questão relevante e específica se refere à capacidade das equações utilizadas para estimar a função renal na população brasileira. Poucas publicações abordaram essa questão no Brasil. Silveiro e colaboradores [48] compararam a equação de MDRD e CKD-EPI com o clearance por EDTA em 105 pacientes diabéticos tipo 2 do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS). Os critérios de inclusão eram: glicemia <200mg/dL e TFG>60ml/min/1,73m 2 . Os resultados encontrados foram: TFG pelo EDTA foi de 103 ± 23, pelo CKD-EPI 83 ± 15 e pelo MDRD GFR 78 ± 17 ml/min/1.73 m 2 . A conclusão foi que as equações subestimaram a TFG nesta população de diabéticos brasileiros. Outro estudo brasileiro de Soares e 29 colaboradores [49] comparou o TFG medida pelo EDTA com as equações MDRD e CKD-EPI em 96 indivíduos sadios do Rio Grande do Sul. Os valores encontrados foram de 94 ± 19 18 ml/min/1.73 m 2 para a MDRD e de 102 ± 18 ml/min/1.73 m 2 para a CKD-EPI. Segundo os autores, o desempenho da CKD-EPI foi melhor nesta população. Finalmente, a realização das dosagens das creatininas em laboratórios diferentes (Sérgio Franco e Vital Brazil). Além disso, apesar das coletas terem sido feitas no mesmo momento, os processamentos foram realizadas em períodos diferentes. 30 5. CONCLUSÃO Em que pesem as limitações mencionadas, o presente estudo mostrou que o teste de papel de filtro pode ter utilidade na triagem de doença renal. De fato, este trabalho mostrou que a dosagem da creatinina coletada em gota de sangue em papel filtro é um teste diagnóstico simples de ser realizado, pouco invasivo e que apresentou uma ótima acurácia, podendo ser útil para rastrear DRC. Outros estudos observacionais devem ser realizados para confirmar nossa conclusão e provar seu benefício para um grande número de pacientes. 31 6. REFERENCIAS 1. Slater E A W. Bright and Bright’s Disease. Res Medica. 1960; 2(2): 43-6. 2. Fine LG. 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