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A CONTROVÉRSIA EM TORNO DA FUNDAÇÃO DE FORTALEZA 
1. I ntrodllção 
VLADIR MENEZES 
1. Introdução; 2. Esboço histórico do Ceará; 3 .. \1. S. 
M ore/lO eM. 8eck: traços biográficos; 4. Jf artim Soares 
Moreno e a relação do Ceará (16181; 5. Diário de Matias 
8eck - J'iagem ao Ceará (1649); 6. A polêmica M. S. 
Moreno X M. 8eck. Parecer dos estudiosos; 7. Nosso 
pO/1to de J'ista; 8. Conclusão. 
A questão Martim Soares Moreno X Matias Beck foi levantada, pela pri­
meira vez, em 1945, por Raimundo Girão que, reconhecendo em M. S. ~'loreno 
o "legítimo conquistador do Ceará", creditou a M. Beck as honras da fun­
dação de Fortaleza. 
2. Esboço histórico do Ceará 
A história política do Ceará começou em 1603, quando Pedro Coelho de 
Sousa intentou a conquista do território. Fundou os fortes de São Tiago (Barra 
do Ceará) e São Lourenço (na foz do rio Jaguaribe), mas nada criou de estável. 
Os Padres Francisco Pinto e Luís Figueira, em 1607, vieram ter a Ibiapaba, 
com intenções evangelizadoras. O primeiro foi trucidado pelos índios Toca­
rijus, e o segundo fugiu para não mais voltar. 
A conquista efetiva da capitania cearense foi efetivada por Martim Soares 
Moreno, em 20 de janeiro de 1612, quando, em companhia de um clérigo e 
seis soldados, construiu, com a colaboração da indiada, o forte de São Sebastião. 
Em 1613, ausentou-se M. S. Moreno do Ceará, retornando em 1621 como 
capitão-mor. Na sua ausência, a capitania foi governada sucessivamente por 
Estêvão de Campos (1613), Manuel de Brito Freire (1614) e Domingos Lo­
pes Lobo (1617). 
Em 1631 é chamado para lutar contra o invasor holandês, em Recife. É 
substituído por Domingos da Veiga Cabral. 
Em 1637, uma expedição holandesa apodera-se do forte de São Sebastião. 
Os índios assaltam os fortes do rio Ceará, Camocim e Jericoaquara e expul­
sam o invasor, 
Em 1649, uma nova expedição holandesa, comandada por Matias Beck, er­
gue, no planalto Marajaitiba, nas vizinhanças do rio Pajeú, o forte Schoonenborch. 
R. C. poI., Rio de Janeiro, 30(4):90-4, out./ dez. 1987 
3. M. S. Moreno e M. Beck: traços biográficos 
3.1 M. S. Moreno 
Nasceu em Portugal, em 1586. Veio para o Brasil na companhia de Diogo 
Botelho, oitavo governador-geral da Colônia. Militou no Brasil durante 46 anos. 
Em 1603, com 17 anos, tomou parte na expedição de Pero Coelho ao Ceará. 
Em 1611. recebeu o título de capitão-mor do Ceará e a 20 de janeiro de 1612 
construiu o forte de São Sebastião, na barra do Ceará. Em 1613, embarca 
para Portugal. Um temporal o leva a São Domingos e, preso, à França, de 
onde, libertado chega a Portugal. Volta ao Brasil em 1619, com a carta-patente 
de capitão-mor do Ceará por 10 anos. Assume o posto em 1621 nele perma­
necendo até 1631, quando é chamado para lutar contra o invasor holandês 
em Pernambuco. Não presenciou a vitória gloriosa das Tabordas e dos Guara­
rapes. Alquebrado, retorna a Portugal, onde vem a falecer por volta de 1650. 
3.2 Matias Beck 
Calvinista holandês, profundamente religioso e humano. Anti-semita decidido. 
Comandante do Regimento dos Burgueses e deputado à Câmara dos Escabinos 
do Recife. Era um atuante nos meios político e administrativo do governo. 
Comanda a expedição que veio ao Ceará, em 1649, onde ergue o forte 
Schoonenborch. 
4. Jlcrtim Soares Moreno e a relação do Ceará (1618) 
Em documento datado de 1618. M. S. Moreno descreve a conquista de Tagua­
ribe, Ceará, e Mel-Redondo e das guerras com os índios e franceses e as 
conquistas. dizendo das riquezas da colônia e suas necessidades. 
5. Diário de Matins Bec l: - viagem ao Ceará (1649) 
Documento em que relata a viagem ao Ceará. "empreendida ao serviço da 
Pátria e da Companhia das lndias Ocidentais". comunicando o ocorrido e 
re21i7:ado na via2:em. O diário. trazido da Holanda por José Higino (1885/6) é 
um documento incompleto. Em cinco anos. abrange apenas meses do primeiro. 
Nada se sabe do realizado nos anos seguintes (1650 a 1654). 
6. A polêmica M. S. Moreno X M. Beck. Parecer dos estudiosos 
6.1 Barão de Studart 
"Martim Soares Moreno é o vulto culminante da primitiva história do Ceará ... 
é ele o fundador do Ceará" (Martim Soares Moreno - O fundador do Ceará. 
p. 3). 
Fundação de Fortaleza 91 
6.2 Tristão de Alencar Araripe 
"É M. S. Moreno o verdadeiro fundador do Ceará, que deve honrar a me­
mona desse varão prestante como lançador da primeira pedra da grandeza 
futura do torrão cearense." (História da Província do Ceará, 2. ed., p. 124.) 
6.3 João Brígido 
"Pode-se dizer que M. S. Moreno foi o fundador do Ceará, por isso que, 
graças à sua administração, as povoações começadas mantiveram-se e progre­
diram." (Ceará - homens e fatos, p. 13.) 
6.4 Francisco Adolfo de Varnhagen 
" ... devemos contemplar em primeiro lugar a M. S. Moreno, que depois 
veio a ser o verdadeiro fundador da capitania." (História geral do Brasil, 
10. ed. v. 1. t. 2, p. 60-1.) 
6.5 Raimundo Girão 
"Embora tenha sido M. S. Moreno o legítimo conquistador do Ceará, e 
por todos os títulos seja considerado o seu fundador, parece de justiça ligar 
a fundação da capital cearense ao nome de Matias Beck." (Matias Beck -
Fundador de Fortaleza. p. 109.) 
6.6 Tomás Pompeu Sobrinho 
Em prefácio ao livro de R. Girão, citado, mostra-se solidário à tese, ade­
rindo à causa daquele autor. "Realmente, perquirindo minuciosa e diretamente 
todos os documentos conhecidos referentes à matéria nada encontramos que nos 
levasse a admitir Moreno como o fundador de Fortaleza." (op. cit., p. 10.) 
6.7 Cruz Filho 
"Afirmar-se que teria sido M. S. Moreno o fundador de Fortaleza, seria 
ato de pura má-fé ou declarada tartufice, que nem o próprio Tartufo come­
teria. Cumpre-nos venerar a memória de M. Beck, por haver sido em torno 
de sua fortificação que se construíram os primeiros casebres de Fortaleza." 
(Ceará - Síntese histórica. In: O Ceará, 3. ed., 1966, p. 34.) 
6.8 José Aurélio Câmara 
"M. Beck foi o fundador da cidade, e 10 de abril (1649) é a sua data 
genetIíaca e se a picareta do flamengo fracassou no procurar os suspirados 
92 R.C.P. 4/87 
veios de prata, pelo menos escreveu, fundando uma cidade, uma pagma das 
mais sugestivas da aventura holandesa sob os céus dos trópicos." (In: O Ceará, 
op. cit., p. 250.) 
7. N osso ponto de vista 
Consideramos M. S. Moreno o legítimo fundador do Ceará e de Fortaleza, 
porque: 
a) Pero Coelho, em 1603, esteve no Ceará "em correria". Fundou os fortes 
de São Tiago (Barra do Ceará) e São Lourenço (foz do rio Jaguaribe), mas 
nada criou de estável. 
b) Os padres missionários Francisco Pinto e Luís Figueira, que aqui esti­
veram em 1607, com intenções evangelizadoras, foram assaltados pelos índios 
Tocarijus, na Ibiabapa; o primeiro foi trucidado e, o segundo, fugiu para não 
mais volver. 
c) M. S. Moreno que, com 17 anos, acompanhara Pero Coelho, aqui voltou 
em 1612, para fundar o forte de São Sebastião. Graças a sua administração 
as povoações começadas mantiveram-se e progrediram. O núcleo não desapa­
receu; houve continuidade no tempo. Quando daqui saiu, em 1631, deixou 
em seu lugar Domingos da Veiga Cabral. 
d) Matias Beck, em 1649 - 37 anos depois de M. S. Moreno - veio ao 
Ceará, na condição de "invasor" com intuitos predatórios: explorar uma pre­
tensa mina de prata em Itarema (Taquara). Construiu o forte Schoonenborch 
na foz do rio Pajeú. Não trouxe família e jamais tomou providências no 
sentido de fixar uma população em torno de seu forte. 
Ressalte-se que aqui encontrou uma comunidade organizada. Para construção 
do forte holandês foram trazidos os materiais prestantes - telhas e canhões -, 
transportados, ao correr da praia, da Barra do Ceará para a foz do rio Pajeú, 
distante pouco mais de uma légua. 
A fundação do forte Schoonenborch não representou o abandono do núcleo 
da Barra do Ceará. 
É Martim Soares Moreno o legítimo fundador do Ceará e de Fortaleza. 
8. Conclusão 
Barão de Studart, em trabalho publicado na Revista do Ceará, v. 17, p. 81, 
afirma: 
"A história é assim mesmo quese faz e que se apura. Longos anos são 
narrados os fatos desta ou daquela forma até que do pó dos arquivos se 
desentranha um documento que, merecedor de fé e bem interpretado, dá aos 
indivíduos e aos seus atos feição diferente daquele com que até então ha­
viam sido encarados e julgados." 
Fundação de Fortaleza 93 
Os documentos existentes a epoca do Barão de Studart, entre os quais po­
demos destacar uma Carta de Martim Soares Moreno e Gaspar de Sousa, 
datada de 27 de abril de 1614, "expondo as peripécias de sua viagem ao 
:Vlaranhão", o relato do mesmo M. S. Moreno ao rei, dizendo dos serviços 
prestados no Ceará e Maranhão e, principalmente, a Relação do Ceará, são 
preciosos. 
Os documentos trazidos de Holanda pelo Dr. José Higino, quando ali es­
teve nos anos de 1885 e 1886, entre os quais afIora o Diário de Matias Beck 
- que abrange apenas meses do primeiro ano, silenciando sobre os aconte­
cimentos ocorridos no período compreendido entre 1650 e 1654 -, são, também, 
valiosos. 
Não cremos, entretanto, que estes últimos documentos sejam suficientes para 
alterar a história do Ceará no que diz respeito ao seu fundador. 
Martim Soares Moreno é o legítimo fundador do Ceará e de Fortaleza." 
" N. da R. Embora não seja a opmlao dominante no Instituto do Ceará, há, contudo, 
uma corrente minoritária que defende a idéia exposta pelo professor de história Dr. Vladir 
Menezes. Aliás, esta é a opinião do Barão de Studart. O Dr. Raimundo Girão, depois 
de longos estudos, opina por Matias Beck, como se lê da honesta exposição que publicamos. 
No próximo número desta revista editaremos o resumo do trabalho do historiador Raimundo 
Girão, hoje o primaz da historiografia cearense. 
94 R.C.P. 4/87

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