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instâncias, etc. Tal quadro assustador denota essa nossa herança ibérica inquisito rial de hierarquia e recW'SOs. Ultimamente, a experiência republicana tem trazido contribuições ita1ianas e alemãs para uma propalada reforma de judiciário. Todavia, a estrutura jurisdicio nal brasileira mantém-se inalterada. 3. Autonomia institucional A Carta de 1824, no seu art. 92 , assegurava a autonomia dos poderes. cOnhe cemos o papel de hnperador (Poder Moderador) em relação a um verdadeiro con selho da magistratura e ao seu recrutamento. É de acrescentar .. se que o art. 151, da Carta de 1824, retirava da esfera de competência judicial os atos da administração pdblica. Uma certa autonomia institucional é assegurada na Constituição republicana de 1891. Entretanto, uma série de atos normativos anteriores à propria Consti tuição Federal~ promulgada em 24 de fevereiro de 1891, passaria a disciplinar a instituição da Justiça Federal entre n6s. Cabe destacar esse sentido autoritário, in dependente de um processo constituinte democrático, disciplinando a existência do Poder Judiciário Federal. Vale sublinhar que o período inicial da Primeira Repdblica até os anos 20 é significativo para firmar uma prática de autonomia institucional. Nesse momento, através do papel do Supremo Tribunal Federal,5 ensaia-se a constituição de um Poder Judiciário tipo norte-americano. Os conflitos pol!ticos oriundos do radicalismo republicano no final do século XIX e, mais tarde, as questões das intervenções abrem esse caminho tortuoso para o STF assumir o seu aspecto mais pol!tico. Esse quadro toma-se possível com o alargamento da interpretação do instituto do habeas-corpus, previsto no art. 72, § 22 da Constituição Federal de 1891. A RefQrma Constitucional de 1926 termina com essa rica experiência ao restrin gir o entendime'nto do citado art. 72 § 22, e, também, em relação ao art. 60, § 52, disciplinando a vedação de consulta à Justiça Federal de atos referentes à inter venção nos estados da Federação e de questionamento da aplicação do estado de sítio. - Com a Revolução de 1930, o art. 52 do Decreto n2 19.389, de 11 de novembro de 1930, retira da apreciação judicial determinadas matérias efetivadas pelo G0- verno Provis6rio e seus interventores. A Constituição Fedêral de 1934 restabelece a autonomia formal do Poder Juqi ciário. Contudo, essa carta constitucionhl mostra uma preocupação técnica tão exacerbada quanto ao Judiciário que temos dt1vida da plena garantia da autonomia da justiça brasileira. Com ó Estado Novo, em 1937, a sua Carta Constitucional materializa, natural mente, uma restrição ao papel do Judiciário. Basta lembrar os arts. 96 e 94 do ci tado diploma. O art. 96 retirava da competência da justiça o controle da constitu cionalidade, e o art. 94 impedia qualquer apreciação judicial de assuntos de cará ter pol!tico. O Regime de 1946 restaura os tradicionais paradigmas liberais da estruturação do nosso Judiciário. • Rodrigues, Leda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal (t. I, 1891-98): Defesa das lüJerdades ci vir - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965; e t_ 2 (Defesa do federalismo, 1899-19101. Civilização Brasileira, 1968. Poder Judiciário lU o Ato Institucional n2 1, de 9 de abril de 1964, institucionalizando o golpe de estado de 1964, apesar de manter o quadro constitucional, no seu art. 72 retirava as garantias constitucionais de vitaliciedade e estabilidade e, ainda, no seu § 4 2 dispôs que s6 cabia ao Poder Judiciário examiná-las se fossem cumpridas as "for malidades extrCnsecas". A fase de 1964, inaugurada com esse ato institucional, até a Carta de 1967, abre uma oportunidade extraordinária de uma presença de resistência ao arbítrio desempenhada pelo Supremo Tribunal Federal na figura de seu Presidente, Minis tro Ribeiro da Costa. Em 1965, ainda temos a Emenda Constitucional n2 16 à Constituição Federal de 1946, que disciplina a declaração de inconstitucionalidade, mas reforçando o papel do Procurador-Geral da Rept1blica (nomeado pelo Presidente da Rept1blica sem consulta ao Congresso Nacional). Um novo sopro de autoritarismo vem no bojo da crise das eleiçÕes de 3 de ou tubro de 1965, com a vit6ria eleitoral de posições contrárias ao regime militar. Advém, assim, pelo período de 27 de outubro de 1965 a 15 de março de 1967, o Ato Institucional n2 2, muito mais duro em termos de judiciário do que o primeiro ato institucional. Há um período de degradação da ordem jurídica limitada pelo arbítrio aberto com o Ato Institucional n2 5 (13.12.68) e a Carta de 1969. O seu art. 181 vcilava a apreciação judicial de qualquer medida fundada em atos institucionais, e o art. 182 mantinha a plena vigência do AI 5. Seria um momento de atuação total da Justiça Militar e de uma participação la mentável do Tribunal Federal de Recursos, denegando a concessão de passaportes a perseguidos do Regime Militar de 1964, refugiados no exterior. A Emenda Constitucional n2 7, de 1977 (posta em vigor pelo General-Presiden te Ernesto Geisel, com base no AI 5), impõe uma reforma meraplente técnica ao Judiciário, mais tarde assegurada pela Lei Complementar n2 35, de 14 de'março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Loman). Esses instrumentos legais reforçam um Poder Judiciário numa perspectiva centralizada (aliás, tão apropriadamente de nominado "Poder Judiciário Nacional"). Mais tarde, a Emenda Constitucional n2 11, de 13 de outubro de 1978, acelera a transição do autoritarismo ao incorporar, no corpo da propria Carta de 1969, medidas de emergência. Com a Nova Rept1blica, o anteprojeto Constitucional da Comissão de Estudos Constitucionais (Comissão Afonso Arinos), de 24 de setembro de 1986, e a Cons tituição Federal de 1988 restauram a autonomia formal do Judiciário. Seguem, aliás, os passos iniciados com a Constituição Federal de 1934, preocupados com a disciplina e o rigor técnico para a estrutura da Justiça brasileira. Basta citar que a Constituição Federal de 1988 propugna por um Estatuto da Magistratura, pelo restabelecimento da Justiça comum para as questões pol!ticas e, pela primeira vez, demonstra uma preocupação de autonomia orçamentária para o Poder Judiciário. Dessa análise, extrai-se que a autonomia institucional do nosso Judiciário rara mente existiu. Na verdade, acreditamos que ela se verificou, apenas, na prática, em ocasiões de profundo conflito pol!tico. Foram as situações da Primeira Rept1- blica, com a doutrina de ampliação do remédio constitucional de habeas-corpus e, em 1964, com a passageira e eficaz atuação do STF. 104 R.C.P.2/90 . \ 4. O aspecto ~cnico versus o polftico Uma preocupação da tradição republicana foi a de tratar o Poder Judiciário com um sentido de rigor normativista e de "questões técnicas". Até recentemente, uma discussão ''técnica'' predominou em todos os textos legais e anSises doutJ:iIWias a respeito da organização judiciária. Os nossos juristas sempre se voltavam para defender a dualidade ou não do per fil da Justiça brasileira em razão da nossa estrutura federativa. Na Primeira Repd blica, levantavam-se vozes que propugnavam a tese segundo a qual, para a fede ração existir, era necessário ter a União Federal, desde a primeira instância, uma Justiça Federal pnSpria. A "Comissão do ltamarati", formuladora do anteprojeto para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933, apontara debates acirrados s0- bre a dualidade ou não da estrutura do Judici4r:io em nosso país. Uma discussão política quanto li organização da Justiça no Brasil só ocorreria com a ruptura institucional de 1964 • O restabelecimento de um quadro m!nimo de legitimidade impunha, a partir de 1985, a necessidade de que, para sua efetivação, era urgente reestruturar-se o Ju dicimo e colocá-Io dentro de uma composição favorável ao compromisso demo crático. Assim, na Assembléia Nacional Constituinte de 1987 haveria uma discussão acirrada para a instituição de uma Corte Constitucional.Tal corte substituiria, ra dicalmente, o papel exercido pelo STF. Nesse nível, existiam propostas de não re conduzir os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, os inte grantes dessa nova Corte teriam um mandato para cumprir, dando sintonia política e legitimidade ao exercício dessa função. Outra proposta polftica na ANC foi defendida por Calmon de Passos, inspirado no Conselho Nacional de Magistratura, art. 223 da Constituição Portuguesa de 1976. Assim, esse jurista baiano lutava pela instituição de um Conselho Nacional de Justiça. O lobby do Poder JudicWi.o, através de SUBS associações de classes, foi extremamente poderoso para barrar a idéia de que um conselho, como o proposto, poderia instituir um controle democrático. O mesmo fato ocorreu nas Assembléias Constituintes Estaduais, onde o Judiciá rio local permaneceu contra qualquer proposta de viabilização de um órgão demo crático, como seria um Conselho Estadual de Justiça. Uin dado novo na ANC, que não pode ficar desconhecido, é a possibilidade de uma justiça não togada. Pode-se perceber que, nas atas da subcomissão do Poder Judiciário, nos testemunhos de juristas mais avançados, essa noção de uma Justiça leiga não encontrou entusiasmo na sua defesa. O resultado é que a Constituição ,Federal de 1988 inovou, muito timidamente, a favor de uma justiça não-togada, através de seu' art. 98. Em síntese, a experiência republicana demonstra que na tônica da discussão da organização do judiciário no Brasil manteve-se um sentido meramente técnico. Devido à ruptura do paradigma formal do liberalismo na estrutura do nosso Judi ciário, tomou-se irreversCvel uma conscientização polCtica do seu papel. As dis cussões dentro da Assembléia Nacional Cbnstituinte de 1987/88 demonstram o ponto de não retomo dessa visão pasteurizada imposta sobre a nossa Justiça. 5. Os juristas orgOnicos A Primeira Repdblica representa, nos seus momentos iniciais, com as dis cussões da aplicação alargada do habeas-corpus e das questões de intervenção Poder Judiciário 105 nos estados, um espaço para a participação de juristas voltados a dar organicidade às suas crenças liberais. Os exemplos marcantes são Rui Barbosa, na sua atuação advocatícia; e do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Pedro Lessa, com sua obra O Poder Judi cü.1rio. 7 Consideravam que bastava copiar o figurino americano com suas doutri nas e jurisprudências para termos um STF como a Corte Suprema norte-americana. Coube a esses juristas orgânicos à la Gramsci o papel de tentar reverter uma tradição jurídica de base institucional inglesa, francesa e até mesmo portuguesa, transmitida pela nossas Escolas de Direito de Recife e de São Paulo. Aliás, Oliveira Vianna leciona a esse respeito, ao citar Luis Vianna Filho: "Os mais cultos ... estarreciam-se ante a novidade da doutrina, pois apesar da Consti tuição promulgada em 1891 haver-se inspirado na dos Estados Unidos, ainda pou cos juristas brasileiros estavam familiarizados com os escritores e com a juris prudência norte-americana. Caberia a Rui a tarefa de divulgá-los. Ao país, ele re velaria os trabalhos de Kent, Cooley, Story, Hare, Dicey e Marshall, despertando a curiosidade sobre a influência que haviam exercido na formação do direito dos Estados Unidos. Punha-os em circulação para os seus compatriotas e confiava nas conseqüências desta disseminação tenaz das idéias por que se batia. Dentro de al gum tempo, aqueles autores norte-americanos, até então quase ignorados no Bra sil, estariam em moda. Tão em moda como qualquer figurino de Paris. E mesmo os advogados mais modestos envergonhar-se-iam de desconhecer algumas sentenças de Marshall. ". No penodo p6s-30 a preocupação de nossos juristas é o abandono dessa linha apontada por Oliveira Vianna. Assim, a obra volumosa de Castro Nunes a respei to do Poder Judiciário transmite um saber especializado a respeito da organização judiciária, das suas competências, das instâncias, da hierarquia, etc.· 6. Recrutamento e continuidade Embora a Constituição Federal de 1934 previsse o recrutamento por cpncurso páblico, a tradição republicana não rompeu com uma linha advinda desde o peno do colonial. O Poder Judiciário caracterizava-se por ser uma estrutura corporativa que se auto-alimentava. Apesar do critério de oxigenação aberto pelo concurso páblico, ele não foi suficientemente forte para reverter ésse quadro de "fanúlias" ou "castas" existentes dentro da máquina judiciária. Tal dinâmica consolidou-se no processo promocional. Contra esse aspecto, a Constituição Federal de 1988 disciplina, ri~idamente, a ascensã~ na carreira da magistrmura. Gostaríamos de acentuar qúe a Carta de 1937 reforçou muito essa situação ao criar uma Justiça dnica. Basta lembrar que quase automaticamente os Ministros do STF eram recrutados do então Tribunal da Relação do Distrito Federal. • Barbosa, Rui. Rep4blica: teoria e prdttca. Petr6po/is. Vozes, 1978. 7 Lessa, Pedro. Do Poder Judiciário. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1915. Aliás, PedroLessa foi cognomi· nado de MarshaIl brasileiro pelos seus próprios contemporâneos. • Vianna, Oliveira. Instituições pollfticas brasüeiras. 3. ed. Metodologia do direito público, Rio de Janeiro. Record,1974.v.2,p.40. • Nunes, Castro. Teoria e protica do Poder Judicit1rio. Rio de Janeiro, Revista Forense. 1943. O título dessa obra evidencia até urna preocupaçlio natural com o funcionamento da organização judicWia. 106 R.C.P.2/90 Para os tribunais superiores prevaleceu um recrutamento de base regional na tradição republicana, favorecendo, até 1964, mais os estados do Rio de Janeiro (Primeira Rept1blica), Minas Gerais e São Paulo. O Regime Militar caracterizou, no seu final, a constituição do STF com ministros prestes a cair na compuls6ria, provocando um rod!zio para evitar a consolidação da jurisprudência. Cabe assinalar que o penodo de 1964 e a Nova Rept1blica reforçaram (orno critério, ainda para a composição dos tribunais superiores, a idéia de lealdade e o uso de juristas de formação med!ocre, muitas vezes sem a m!riima experiência no exerc!cic da advocacia. A Constituição Federal de 1988 foi obrigada a..-exigjr lima _ expeº~"lÇia rnfuiJPa. Em nome da necessidade de restaurar a presença de julzes capazes, recentemen te alguns estados movimentaram-se para instituir as suas Escolas de Magistratura. Fica patente a nossa observação no sentido de essas escolas reforçarem um recru tamento mais corporativo. Há, ainda, o ataque à Justiça não-togada, como ocorreu na ANC, no tocante aos ju!zes sindicais da Justiça do Trabalho e ao Tribunal do Jt1ri. Outra marca do penodo republicano foi a continuidade. Mesmo nos momentos de rupturas que seriam bem-vindos à renovação do Judiciário, ocorria a permanên cia do quadro. A primeira composição do STF republicano deu-se com a incorpo ração dos integrantes do Superior Tribunal de Justiça do Império. \" Recentemente, a ANC não conseguiu romper com a estrutura judiciária advinda p\ de 1964. O STF assume as atribuições constitucionais estatu!das pela Constituição ... Federal de 1988. O recém-institu!do Superior Tribunal de Justiça incorpora os quadros do Tribunal Federal de Recursos, e os Tribunais Federais agregam inte grantes de "velhos esquemas". 7. Conclusão ,Recorrendo a José Murilo de Carvalho, podemos afmnar que hoje em dia há um descompasso. O ideário republicano entre nós consolidou-se, através de movimen tos sociais e de uma conscientização profunda pela urgência de uma sociedzde mais igual e por uma cidadania concreta. A resposta dada pela pressão do lobby do Judiciário na ANC, foi a de dispositivos constitucionais que organizam a nossa Justiça por parâmetros meramente técnicos e mantêm-na presa numa legitimidade de categorias abstratas. Por fim, os cem anos da Rept1blica não foram capazes, ainda, de estruturar um Poder Judiciário na soberania democrática, como, aliás, dispõe o art. 205 da Cons tituição Portuguesa,que reza: "Os tribunais são os órgãos de soberania com com petência para administrar a Justiça em nome do povo:' Poder Judiciário 107
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