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Títulos de Crédito

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TITULOS DE CR~DITO· 
ELZA MARIA DE SoUZA MARTINS·· 
1. Introdução; 11. Títulos de crédito - parte geral; lIl. 
Letra de câmbio; IV. Institutos cambiais; V. Nota pro-
missória; VI. Cheque; VII. Duplicata de mercadorias e 
de prestações de serviços; VIII. Conhecimento de depó-
sito e warrant; IX. Conhecimento de frete ou de trans-
porte. 
I. INTRODUÇÃO 
1. Importância dos títulos de crédito 
~ um instrumento extraordinário para a atividade negociaI. A compreensão 
sobre esta parte é de fundamental importância à assessoria empresarial. 
Ressaltava Tullio Ascarelli que nos encontramos em uma economia credit6-
ria e nela os títulos de crédito constituem a construção mais importante do di-
reito comercial moderno. A importância do crédito para o desenvolvimento da 
economia tem sido destacada unanimemente, tanto por economistas como pelos 
juristas, que vêem nele o responsável pelo crescimento da economia das nações, 
em geral, e das empresas e suas operações, em particular. 
Comenta Rubens Requião (1977) que a "ilusão de que o crédito multiplica 
o capital se deve precisamente à criação dos títulos de crédito. Não fossem 
estes, o capital emprestado, saindo das mãos do mutuante, não seria mais sus-
cetível de mobilização. O título ou cártula, o papel, enfim, que contém o valor 
do empréstimo, toma-se negociável. ~ um capital, de certa forma, pois o deten-
tor pode transformá-lo novamente em dinheiro. Mas não constitui dinheiro para 
a massa de capitais globais de um país. Permite, o título de crédito, a possibili-
dade de se obter, em sua troca, outro capital em substituição àquele que se ti-
nha emprestado anteriormente. Sem dúvida, devido à criação dos títulos de cré-
dito, os capitais, pela rápida circulação, tomam-se mais úteis e, portanto, mais 
produtivos, permitindo que deles melhor se disponha a serviço da produção de 
riqueza. Compreende-se, assim, a enorme importância que adquiriram os 
títulos de crédito na economia atual, tomando seu estudo um dos pontos mais 
altos do moderno direito comercial". 
* O presente trabalho, apresentado ao Curso de Direito Empresarial promovido pelo Centro 
de Atividades D!dá~cas do In~ipo, mer~u. nota ,máxima e está sendo publicado por decisão 
do Conselho Edltonal da Revista de ClenCIQ Polltica . 
.. Advogada. 
R. C. poI., Rio de Janeiro, 29(3):35-83, jul./set. 1986 
2. Crédito 
2.1 Conceito de crédito 
Gide, em seu Compêndio de economia política, tão divulgado didaticamente 
em nosso país, conceitua o crédito como o alargamento da troca. A troca no 
tempo, em lugar de ser no espaço, escrevia o economista francês, acrescentando 
que a venda a prazo e o empréstimo constituem precisamente as duas formas 
essenciais. E são caracteres essenciais do crédito, primeiro, o consumo da coisa 
vendida ou emprestada e, segundo, a espera da coisa nova destinada a substi-
tuí-la. 
O crédito importa um ato de fé, de confiança, do credor. Daí a origem etimo-
lógica da palavra - creditum, credere. 
Não configura o crédito um agente de produção, pois consiste apenas em 
transferir a riqueza de A para B. Ora, transferir, evidentemente, não é só criar, 
nem produzir. "O crédito não cria capitais, como a troca não cria mercadorias", 
sustentava Stuart MilI. "O crédito não é mais do que a permissão para usar do 
capital alheio." 
2.2 Crédito na prática comercial 
Em nossa prática comercial, as operações de crédito passaram a ser efetuadas 
em massa, concentrando-se, basicamente, nos bancos e instituições financeiras 
que mantêm o monopólio de fato e de direito da captação, guarda e aplicação 
do dinheiro do público. As operações de crédito, que são extremamente variá-
veis, apresentando inúmeras modalidades, hoje praticamente exaurem-se nas 
operações ditas de financiamento, tanto em relação às empresas como ao pú-
blico consumidor. Sob tal aspecto, pode-se dizer que a principal operação pro-
cessada é a de financiamento, que se desdobra em empréstimos e para a aquisi-
ção de bens a prazo. Portanto, do mútuo e da compra e venda a prazo decorrem 
a grande massa dos créditos, surgindo então os títulos de crédito como desdo-
bramento desses contratos, assegurando o meio de fazer circular os créditos 
com rapidez e certeza. 
2.3 Elementos do crédito: a confiança e o tempo 
A confiança, pois ao entregar um bem ao devedor, o credor demonstra con-
fiar que o devedor o pague ou devolva, no prazo acertado. Não obstante, hoje, 
com a aplicação do crédito em massa, principalmente por intermédio dos ban-
cos, que praticamente centralizam as operações de crédito, a confiança possa 
parecer abalada pelas exigências de garantias - tais como as pessoais (ou fide-
jussórias), ou seja, aval, fiança, e as reais, tais como hipoteca e penhor - a 
verdade é que são procedimentos decorrentes justamente da intensidade da con-
cessão de crédito, o que implica a adoção de certas normas de garantia, prees-
tabelecidas. 
O tempo, havendo sempre um período de tempo mediando entre a entrega 
do bem e sua devolução ou pagamento. Portanto, o crédito pressupõe prazo. 
36 R.C.P. 3/86 
2.4 O sisterp.a de crédito e a moeda no Brasil 
Waldírio Bulgarelli (1984) tece considerações sobre este tema analisando o 
sistema de crédito e da moeda, no Brasil: 
"A regra geral no Brasil foi, durante anos, a predominância dos créditos co-
merciais sobre os créditos de produção. A explicação, em parte, dessa escassez 
de crédito para investimento é sobretudo de ordem histórica, pois os primeiros 
bancos se achavam mais ligados ao comércio internacional, enfrentando o pro-
blema da colocação dos produtos nos mercados externos. Hoje, contudo, o pro-
blema deslocou-se mais dessa área, e está representado pela inflação monetária, 
que dificulta a concessão de crédito de vulto a longo prazo. 
O fato é que às atividades produtoras do país sempre foram concedidos cré-
ditos em bases comerciais, emprestando-se sob garantias hipotecárias de imóveis 
rurais e urbanos, warrant, avais etc., a juros elevados e a prazos mínimos, o 
que lhes dificultava a expansão, sobretudo da agricultura. Principalmente esta 
última, já que o anco do Brasil, que é o grande propulsor do crédito, estava im-
pedido por suas disposiçes estatutárias de conceder crédito agrícola espedi-
cado, muito embora financiasse, dentro de suas possibilidades monetárias, for-
çado pela necessidade de movimentar suas reservas, os agricultores, criadores e 
indústrias conexas, mas sempre em bases comerciais. 
Em decorrência disso a lavoura permanecia sem créditos específicos, sendo 
obrigada a competir no mesmo pé de igualdade com a indústria e o comércio 
para obter financiamentos, permanecendo em condições precárias, sem qual-
quer possibilidade de desenvolvimento. Do que resultou em 1930 - quando 
do grande crack da Bolsa de Nova Iorque, de efeitos terríveis para a econo-
mia de todas as nações - o completo colapso da nossa economia agrícola, pois 
esta não estava em condições de resistir àquele impacto, em virtude dos inú-
meros erros acumulados, como a falta de racionalização da cultura, imprevidên-
cia dos agricultores, ausência de qualquer planejamento oficial de fomento de 
produção, padronização de produtos, política de retenção de café etc. 
Datam daí as primeiras tentativas de reerguimento da lavoura nacional, vindo 
inicialmente o Decreto n.O 23.533, de 1 de dezembro de 1933 (que, derrogado, 
foi posteriormente revigorado em 12 de maio de 1934), o qual continha disposi-
ções benéficas aos agricultores, reduzindo suas dívidas contraídas até 30 de ju-
nho de 1933 em 50%, desde que tivessem garantia real. Reduzia também em 
50% os débitos de qualquer natureza (não as de fim estranho à atividade agríco-
la) contraídos com bancos e casas bancárias, quando o patrimônio do devedor 
fosse inferior ao total do seu passivo. Concedia indenização aos credores, me-
diante a entrega de apólices da dívida pública federal, que venciam juros de 
5% ao ano; autorizava a emissão de Cr$500.000.000 em apólices para esse 
fim e criava a Câmara de ReajustamentoEconômico, como órgão encarregado 
da supervisão referente aos benefícios concedidos pelo decreto. 
A par dessas medidas, outra destinada a ter certa repercussão foi tomada 
com a criação, por meio da Lei n.O 454, de 9 de julho de 1937, da Carteira de 
Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, cuja função, devidamente es-
pecificada pela lei de 20 de setembro de 1937, era a de conceder crédito à agri-
cultura, pecuária e indústria. 
Títulos de crédito 37 
Para a agricultura e pecuária, os empréstimos seriam feitos sob penhor agrí-
cola para a aquisição de sementes, adubos, gado, criação e melhoramentos de re-
banhos e custeio de entressafra. 
Para as indústrias de transformação, os critérios destinavam-se à aquisição 
de matérias-primas, reforma ou aperfeiçoamento da maquinaria existente, ou 
aquisição de máquinas novas em empresas já estabelecidas. 
Contava inicialmente a Carteira com recursos irrisórios para o seu ambicioso 
objetivo, pois dispunha de Cr$100.000.000 obtidos através de bônus até o 
montante das operações financeiras, os quais seriam obrigatoriamente aceitos 
pelos institutos de seguro e previdência social. Como se vê, tais recursos decor-
riam das reservas do próprio banco, mas dos referidos institutos que se desen-
volviam à época com a política trabalhista. 
Como essas, outras tentativas de solução da crise agrária brasileira continua-
ram sendo feitas pelo governo, baseadas sempre no sistema bancário existente, 
que continuava operando desarmonicamente, sem estrutura articulada nos se-
tores básicos da indústria, agricultura e comércio. 
Foi somente durante a 11 Guerra Mundial que a situação do crédito agrícola 
começou a melhorar, surgindo em 1945 como o setor mais amparado em rela-
ção à indústria e ao comércio. Esta situação levou o governo de 1942, influen-
ciado pela Missão Cooke, que recomendavam a organização do crédito indus-
trial, a planejar uma reforma bancária geral, e por intermédio do seu Ministro 
da Fazenda, Corrêa e Castro, a elaborar um anteprojeto de reforma do sistema 
bancário que, após ser debatido e revisado por comissão técnica, foi enviado à 
Câmara em 21.06.47 (Mensagem n.O 296/47). 
O projeto previa ampla reforma com a criação de um banco central (Título 
11), e de bancos semi-estatais (Título 111), que seriam o Banco Hipotecário do 
Brasil, Banco Rural do Brasil, Banco Industrial do Brasil, Banco de Investimen-
tos do Brasil, Banco de Exportação e Importação e, em conclusão, a regulamen-
tação dos bancos de economia privada, incluídos aí os bancos estrangeiros. 
Como conseqüência da nova orientação governamental criou-se, a título pre-
cário, com a incumbência de controlar o mercado monetário e preparar a orga-
nização do Banco Central, a Superintendência da Moeda e do Crédito, pelo De-
creto-lei n.O 7.293, de 2 de fevereiro de 1945, orientada por um conselho com-
posto de elementos de confiança imediata do chefe do governo. 
Outros organismos foram criados paralelamente, na mesma linha do projeto 
(enquanto este não se convertia em lei), face às necessidades do país, e até por 
injunção de acordos internacionais, como foi o caso do Banco Nacional de De-
senvolvimento Econômico. Finalmente, em 31 de dezembro de 1964 foi pro-
mulgada a Lei n.O 4.595. 
Era a seguinte a estrutura do sistema bancário brasileiro antes da Lei n.O 4.595 
de 1964: 
1. Sumoc - Superintendência da Moeda e do Crédito 
2. Banco do Brasil - Carteira de Redesconto 
3. Caixa de mobilização bancária - BNDE - Banco do Nordeste 
4. Bancos de investimentos - Banco de Crédito da Amazônia - Banco Na-
cional de Crédito Cooperativo 
5. Bancos particulares. 
38 R.C.P. 3/86 
2.5 Estrutura atual do sistema financeiro nacional 
A Lei n.O 4.595, de 31 de dezembro de 1964, modificou totalmente a estrutura 
do sistema financeiro nacional com a criação do Conselho Monetário Nacional, 
órgão colegiado ao qual competirá ditar toda a política de crédito no país; ex-
tinta a Superintendência da Moeda e do Crédito, foi substituída pelo Banco 
Central do Brasil (que já fora previsto no Decreto-Iei n.O 7.293. de 2 de fevereiro 
de 1945), para o qual foram transferidas também as funções exercidas pela Caixa 
de Mobilização Bancária e a Carteira de Redescontos do Banco do Brasil SI A, 
que também foram extintas, incorporados seus bens, direitos e obrigações àquele 
Banco Central - alterando as funções do Banco do Brasil, que passou a executor 
de várias atividades próprias e outras por delegação do Banco Central do Brasil; 
e ainda modificações gerais no regime das instituições financeiras públicas e 
privadas. 
Ficou, portanto, assim constituído o sistema financeiro nacional (art. 1.0): 
• Conselho Monetário Nacional 
• Banco Central do Brasil 
• Banco do Brasil S.A. 
• Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico 
• Banco Nacional da Habitação (§ 7.°, art. 4.°) 
• demais instituições financeiras públicas e privadas. 
11. T1TULOS DE CR~DITO - PARTE GERAL 
1. Conceito dos titulos de crédito 
o capítulo do direito comercial que trata dos títulos de crédito é, geralmente, 
denominado direito cambiário devido a que, cronologicamente falando, a letra 
de câmbio foi o primeiro título de crédito. Foi também o primeiro a ter uma 
regulamentação nas diversas legislações. Quando diversos outros títulos de cré-
dito começaram a receber regulamentação análoga, surgiu o "direito dos títulos 
de crédito" ou, como mais comumente passou a ser chamado, como se disse 
anteriormente, direito cambiário. 
O jurista germânico Brunner havia definido o título de crédito como o 
"documento de um direito privado que não se pode exercitar, se não se dispõe 
do título". Cesare Vivante, grande comercialista italiano, achou a definição 
insuficiente, pois lhe faltavam elementos essenciais, que são os verdadeiros fun-
damentos dos títulos de crédito, isto é, o caráter literal e o caráter aut6nomo 
de que eles se revestem. Acrescentando ao enunciado de Brunner esses dois 
conceitos, Vivante formulou a sua célebre definição, geralmente considerada 
perfeita: "Título de crédito é um documento necessário para o exercício do 
direito literal e autônomo nele mencionado." Essa definição, concisa e precisa, 
foi adotada pelo Projeto de Código Civil, em nosso país, cujo art. 923 propõe: 
Títulos de c~ito 39 
"O título de crédito, documento necessano ao exerClClO do direito literal e 
autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos 
da lei." 
2 . Características dos títulos de crédito 
A justificativa principal da elaboração do direito cambiário é que na circula-
ção dos títulos de crédito exista um cerco de segurança e certeza. 
Por isso, os títulos de crédito são documentos característicos, cujos principais 
requisitos os distinguem do documento comum, que, como assinala Eunápio Bor-
ges, se apresenta com outras características. O direito, no documento comum: 
a) existe sem o documento que, embora útil e às vezes necessário como prova, 
não é imprescindível para a existência do direito; 
b) pode transmitir-se o documento, que pode acompanhar ou não a cessão 
do direito nele mencionado; 
c) pode ser exigido sem a exibição do documento, valendo a quitação dada pelo 
credor como prova oponível erga omnes da extinção do direito; 
d) a respectiva cessão transmite um direito derivado de acordo com a regra 
clássica: nemo plus jus ad allium transferri potest quam habet. O direito do 
cessionário é o mesmo do cedente, podendo o devedor alegar contra aquele 
as mesmas exceções que poderia opor a este. 
No título de crédito, ao contrário, o direito materializa-se no documento, pas-
sando este a representar assim um direito, normalmente distinto do que lhe deu 
causa, suscetível de ser transferido, portanto de circular, de forma simples ou 
diretamente pela simples entrega (tradição) ou por meio da assinatura do seu 
proprietário (endosso), valendo pelo que nele contém, de forma autônoma e 
às vezes independente. 
Essa materialização do direito no documento, que o convolapor isso mesmo 
em título de crédito, é tão importante que: 
a) o direito não existe sem o documento; 
b o direito não se transmite sem a transferência do documento; 
c) o direito não pode ser exigido sem a exibição do documento; 
d) o adquirente do título, pela autonomia característica dos títulos de crédito, 
toma-se credor originário, sem ser considerado sucessor do cedente. Daí tam-
bém a inoponibilidade das exceções pessoais do devedor contra ele e seus su-
cessores. 
3 . Circulação cios títulos de crédito 
A propósito da circulação dos créditos comuns e daqueles incorporados em 
títulos de crédito, não é despiciendo insistir sobre as particularidades de cada 
um. 
40 R.C.P. 3/86 
A cessão de crédito é regulada pelo Código Civil nos arts. 1.065 e segs .• 
dispondo esse primeiro artigo que o credor pode ceder o seu crédito, se a isso 
não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor. 
Portanto, não será qualquer credor que se poderá utilizar da cessão. 
Essa cessão fica subordinada, ainda, a uma série de requisitos e formalidades, 
como, por exemplo: 
1. Na cessão, salvo disposição em contrário, estão abrangidos todos os seus aces-
sórios (art. 1.066), e o devedor pode opor, tanto ao cessionário como ao cedente, 
as exceções que lhe competirem no momento em que tiver conhecimento da ces-
são, embora não possa opor ao cessionário de boa fé a simulação do cedente (art. 
1.072). Disto decorre, em princípio, que a cessão se faz a título derivado e não 
em caráter autônomo e independente, como ocorre com os títulos de crédito. l! 
o que dispõe a Lei n.O 2.044, de 31 de dezembro de 1908, no art. 43, a saber: 
"As obrigações cambiais são autônomas e independentes umas das outras. O sig-
natário da declaração cambial fica por ela vinculado e solidariamente respon-
sável pelo aceite e pelo pagamento da letra, sem embargo da falsificação ou da 
nulidade de qualquer outra assinatura." Também a ação cambial é sempre exe-
cutiva; e somente a defesa fundada no direito pessoal do réu contra o autor, em 
defeito de forma do título e na falta de requisito necessário ao exercício da ação 
(arts. 49 e 51). 
2. A cessão do crédito deve ser necessariamente comunicada ao devedor 
(art. 1.069) e não vale em relação a terceiros se não for celebrada por inter-
mediário público ou particular revestido das solenidades do art. 135. 
Ora, a cessão dos títulos de crédito faz-se por via da mera tradição, ou do 
endosso; e para a validade deste é suficiente a simples assinatura do próprio 
punho do endossador ou do mandatário especial, no verso da letra (art. 8.0 da 
Lei n.O 2.044 de 1908), dispensando-se assim qualquer outra formalidade. 
4. Títulos de crédito como coisa móvel 
Cabe destacar que o título de crédito é considerado coisa móvel (arts. 47 e 
48 do Código Civil), constituindo verdadeiro direito ob rem ou propter rem, a 
favor do possuidor do documento. A incorporação do direito no documento, 
considerado este como coisa móvel, o faz refugirda cessão de direito e cair 
na regra da circulação das coisas móveis. 
5. Requisitos essenciais do~ titulos de crédito 
Dessa definição ressaltam os requisitos essenciais dos títulos de crédito, que 
são: 
a) cartularidade 
b) ~utonQmia. 
c) literalidade ' 
Títulos de crédito 41 
também chamados requisitos ordinários, aos quais se devem acrescer outros de-
nominados extraordinários, não essenciais, a saber: 
d) independência 
e) abstração 
acrescentando, outros autores, em relação principalmente ao direito positivo de 
cada país, o da 
f) legalidade ou tipicidade 
A cartularidade, também chamada incorporação, notadamente pelos autores 
espanhóis modernos, como Broseta Dont e Rodrigo Uria, e pelo nosso Eunápio 
Borges, consiste em última análise na materialização do direito, no documento. 
Daí se dizer que o direito se incorpora ao documento, expressão empregada 
até mesmo por Cesare Vivante. A expressão cartularidade ou direito cartular 
(de chartula, do baixo latim) é empregada para significar tanto a incorporação 
do direito ao documento, como o direito decorrente do título em relação ao negó-
cio subjacente, de relação extracartular (na Espanha, extracartacea). 
Assim, deve-se ter presente que um negócio qualquer, quando gera a emissão 
de título de crédito, passa a ser, perante o título, negócio ou relação extracar-
tular, enquanto o título se apresenta como cártula. 
Pelo direito cartular, o documento toma-se essencial à existência do direito 
nele mencionado, e necessário para a sua exigência, tornando-se legítima a co-
brança pelo titular que o adquiriu regularmente (função de legitimação). Por-
tanto, em decorrência da incorporação do direito no título: 
a) quem detém o título, legitimamente, pode exigir a prestação; 
b) sem o documento, o devedor não está obrigado, em princípio, a cumprir a 
obrigação. 
A literalidade é a medida do direito contido no título. Vale assim o docu-
mento pelo que nele se contém, exprimindo, portanto, a sua existência, o seu 
conteúdo, a sua extensão, e a modalidade do direito nele mencionado. Em con-
seqüência, assinala Ascarelli que a literalidade atua tanto em favor do credor, 
que pode exigir o que nele está mencionado, insuscetível de discussão, assim o 
valor, o prazo etc., como também em favor do devedor, pois o credor não po-
derá pedir mais do que está estabelecido no título. Daí se dizer que "o que não 
está no título não está no mundo". 
Resumindo a função da literalidade, Ascarelli assinala que ela: 
a) toma o direito cartular distinto da relação fundamental, tendo assim valor 
constitutivo; 
b) atribui à declaração cartular, como declaração da vontade, condição de fonte 
de direito autônomo, cujo exercício e transmissão estão em função~ respectiva-
mente, da apresentação e transferência do título. 
A autonomia é requisito fundamental para a circulação dos títulos de crédito. 
Por ela, o seu adquirente passa a ser titular de direito autônomo, independente 
42 R.C.P. 3/86 
da relação anterior entre os possuidores. Em conseqüência, não podem 
ser oponíveis ao cessionário de boa fé as excessões decorrentes da relação extra-
cartular, que eventualmente possam ser opostas ao credor originário. 
:E. de lembrar, a propósito, que a Lei Saraiva, Decreto n° 2.044, de 1908, con-
sagra a autonomia, dispondo em seu art. 43: 
"As obrigações cambiais são autônomas e independentes uma das outras. O 
signatário da declaração cambial fica, por ela, vinculado e solidariamente respon-
sável pelo aceite e pelo pagamento da letra, sem embargo da falsidade, da fal-
sificação ou da nulidade de qualquer outra assinatura." 
Como possuidor legitimado do título, o credor, como terceiro de boa fé, está 
imune às exceções decorrentes da relação fundamental, entre o seu cessionário 
e o devedor. Esse fato, como é evidente, dá ampla garantia ao credor de boa fé, 
permitindo assim a circulação dos títulos, com ampla aceitação. 
A independência não é um requisito essencial aos títulos de crédito. Dela dizia 
Vivante que não é nem essencial nem co-natural aos títulos de crédito, podendo 
ou não ocorrer. 
O título basta-se a si mesmo, sem necessidade de outro documento para com-
pletá-lo. Enquanto, por exemplo, a letra de câmbio e a nota promissória são, 
em princípio, títulos independentes, pois não se remetem a qualquer documento 
para completá-las, já outros títulos dependem de documentos ou, se não depen-
dem, estão estreitamente vinculados a outros documentos, inclusive, por dispo-
sição legal. 
A dependência do título pode, segundo nosso parecer, decorrer: 
a) da vontade das partes - quando referem no corpo do título a existência de 
outro documento, insertando-o na cártula por via da literalidade; 
b) de imposição legal, ou seja, quando é determinada por lei a ligação do título 
com outro documento, como ocorre, por exemplo, na cédula de crédito rural que 
a lei vincula ao orçamento (Decreto-Iei n.o 167, de 14 de fevereiro de 1967); 
c) resultar da própria substância e conformaçãodo negócio e do título, como 
ocorre, por exemplo, com as ações, as quais, como títulos de participação, são 
oomplementadas necessariamente pelo estatuto da sociedade de emissora. 
Todos os títulos de crédito são emitidos por alguma razão; têm por isso uma 
causa, a qual, na generalidade dos casos, decorre de um negócio como compra 
e venda, mútuo etc. Essa causa poderá ou não ser declarada no título. Em alguns 
casos ela não é mencionada no título de crédito, tomando-o completamente 
abstrato em relação ao negócio fundamental que lhe deu origem. Exemplo tí-
pico são as letras de câmbio e a nota promissória, nas quais não é necessário 
mencionar-se a razão, a causa da sua emissão ou criação, não podendo, por isso 
mesmo, serem opostas exceções ao credor com base nelas. Não obstante, a abs-
tração não é essencial aos títulos de crédito, contrapondo-se os chamados títu-
los causais aos títulos abstratos, estes, basicamente, a letra de câmbio e a nota 
promissória. 
Em nosso direito são considerados títulos abstratos a cambial (nas suas duas 
variantes, a letra de câmbio e a nota promissória), em que é dispensável a enun-
ciação da causa, e como títulos causais, uma série grande, como a duplicata (que 
Títulos de crédito 43 
só pode ser emitida em decorrência de uma entrega efetiva de mercadorias, ou 
de efetivo serviço prestado, de acordo com a Lei n.O 5.474, de 18 de julho de 
1968), e outros. 
A abstração, como nota a doutrina moderna, foi construída não em favor do 
credor de boa fé, mas para garantir a segurança da circulação. Ela atua basica-
mente, pois, em favor do terceiro que não foi parte da relação fundamental (o 
negócio que deu origem à emissão ou criação do título). Entre as partes, obvia-
mente, a causa dessa emissão ou criação do título poderá ser invocada, proces-
sualmente, por via do direito pessoal do réu contra o autor ou em decorrência 
da lei que os criou. 
Necessário é, a propósito, distinguir-se a causa da relação fundamental (o 
negócio jurídico entre as partes, ou seja, mútuo, compra e venda, doação etc.) 
da causa da emissão ou criação do título (esta chamada pela doutrina, de con-
venção executiva, ou seja, negócio distinto da relação fundamental embora de-
corrente dele, como: pagamento, garantia, crédito, declaração etc.), daí por que 
o negócio abstrato se caracteriza como um negócio de segundo grau, conseqüên-
cia de um negócio causal entre as mesmas partes. 
:\. legalidade ou tipicidade consiste na impossibilidade, pela lei, de se emiti-
rem títulos de crédito que não estejam previamente definidos e disciplinados 
por lei. Entre nós tem-se admitido essa orientação, e o projeto do Código Civil, 
ora em trâmite no Congresso Nacional, dispõe que o título de crédito somente 
produz efeito quando preencha os requisitos da lei (art. 923). 
C. Teorias gerais dos títulos de crédito 
6.1 Teoria de Vivante 
Começa Vivante por indagar como se explica a posição jurídica diversa en-
tre o devedor que emite o título de crédito e o credor que lhe está à frente, e 
aquele a quem este transferiu o título. 
Se se considera, comenta o autor, como fundamento da obrigação (do deve-
dor versus credor originário) o contrato, não se explica como o devedor perde 
a faculdade de opor ao terceiro possuidor do título os vícios que suprimem a 
obrigação; se for explicado como resultante da vontade unilateral do devedor, 
não se explica por que pode opor ao seu credor todas as exceções procedentes 
do contrato que deu origem ao crédito ... 
Não é possível, pois, estabelecer critério unitário para dar explicação a ques-
tão tão complexa. Por isso Vivante desdobra a relação jurídica em duas partes, 
formulando sua teoria baseada em um duplo sentido da vontade, o que lhe va-
leu a crítica de Bonelli. Mas tomamos de Vivante as suas próprias palavras: 
"Para explicar ~ posição distinta do devedor, há que penetrar nos motivos de 
sua vontade, fazer a análise desta vontade, que é o fundamento da obrigação, e 
reconhecer que se ele, para obter o benefício do crédito, quis dar à outra parte, 
seja vendedor ou mutuante, um título apto para a circulação, quis também, não 
obstante, conservar intatas contra ele as defesas que o direito comum propor-
ciona. Mas a disciplina do título deve adaptar-se a essa diferente direção da 
vontade que lhe deu origem, devendo a condição de devedor regular-se confor-
me a relação jurídica total que deu origem ao título, quando se encontra ante 
aquele com quem o negociou; e deve, em troca, ajustar-se à sua vontade unHa-
44 R.C.P. 3/86 
teral, tal como se manifestou no título,quando se encontra frente aos subse-
qüentes portadores de boa fé." 
Assim, em relação ao seu credor, o devedor do título se obriga por uma rela-
ção contratual, motivo por que contra ele mantém intatas as defesas pessoais 
que o direito comum lhe assegura; em relação a terceiros, o fundamento da 
obrigação está na sua forma (do emissor), que expressa sua vontade unilateral 
de obrigar-se, e essa manifestação não deve defraudar as esperanças que desper-
ta em sua circulação. 
Essa teoria foi saudada como definitiva para a ciência por Bolaffio Segre. 
Bonelli, como já enunciamos, a contestou, considerando-a ilógica - contrária 
à lógica jurídica - devido a admitir o duplo sentido da vontade. Mas Vivante, 
com vantagem, contraditou, demonstrando que na sociedade comercial e na re-
presentação é comum esse duplo sentido da vontade. 
6.2 Outras teorias 
Pelas simples anotações já apresentadas, podemos perceber como é fascinante 
o estudo dos títulos de crédito na sua essência. Convém conhecer· outras teorias, 
de diferentes juristas, que tentam desvendar-lhes os mistérios. 
• Einnert - o grande jurista alemão considerava a cambial como papel-moeda 
dos comerciantes (Papier-Geldstheorie). Emitida a promessa ao público, cria-se 
neste a fé no pagamento, de acordo com as cláusulas apostas no título, e daí a 
existência do direito autônomo. Se houvesse contrato, expressa Einnert, não se 
poderia conceber a autonomia. Kuntze aprofundou a teoria incutindo-lhe um 
pouco do pensamento moderno no sentido de que o título não é simples docu-
mento probatório: 
a) é veículo de promessa; 
b) a promessa de pagamento é abstrata; independe da relação fundamental; 
c) não se trata de contrato, mas de promessa unilateral. O título para esses 
autores surge de uma promessa unilateral. 
• Savigny - seguido por Jolly, Goldschmidt e Unger. Parte Savigny da idéia 
de que quem emite o título geralmente o faz em massa; o emissor visa o con-
trato com incerta persona e incorpora a dívida no papel. Como verdadeiro cre-
dor, diz o jurista, "é preciso considerar, em todos os casos, o proprietário do 
papel. A posse de fato está sempre unida à presunção de propriedade". 
• Schweppe - cria esse autor a teoria da personificação do título. ~ curiosa. 
O titular do direito é o título mesmo, que se personifica no momento da criação. 
O título emitido não é coisa, mas pessoa. Foi seguida por Bekker. Saleilles a 
combateu, porque "as coisas materiais não podem ser sujeitos de direito, por 
si próprias, e não pode haver crédito sem credor". 
• Von Ihering - enunciou o famoso jurista a teoria do germe. O credor 
é o último portador. A declaração de vontade do emissor produz imediatamente 
um vínculo passivo da obrigação, porém não o direito de crédito correspon-
dente; durante a circulação este existe em germe, em potencial, não pertence, 
TífUlos de crédito 45 
porém, ao patrimônio de ninguém. Amadurece quando deixa de circular. Vi-
vante a classificou como artificiosa, e pergunta: os milhões de títulos nas Bolsas, 
objeto do comércio, não existem? 
Diante destas análises pequenas das teorias, duas são das mais expressivas e 
dividem as preferências da legislação dos países modernos: "a teoria da criação 
e a teoria da emissão." 
6.3 Teoria da criação 
Essa teoria tem como paladinos Siegel e Kuntze, seguidos por Brauschettinni, 
Bonelli, Navarrini e outros. O direito deriva da criação do título. O subscritordispõe de um elemento de seu patrimônio; fez para a vida o que, por testamen-
to, faria para efeitos post mortem: dispor dos próprios bens. O título é como 
o testamento: tem valor próprio, dispensa e lhe repugna o acordo de vontades. 
O emissor fica ligado à sua assinatura, e obrigado para o futuro portador, cre-
dor eventual e indeterminado. Mas só com o aparecimento desse futuro deten-
tor é que nasce a obrigação. Otávio Mendes criticou essa teoria, por confundir 
criação do título com nascimento da obrigação. Assim, para Kuntze, com a en-
trada em circulação do título nasce a obrigação; com a concepção do escrito 
nasce, apenas, o título. 
A conseqüência da teoria da criação é severa e grave. O título roubado ou 
perdido, antes da emissão, mas após a criação, leva consigo a obrigação do subs-
critor. 
Essa teoria foi adotada em grande parte pelo Código Civil alemão. Como 
comentou Pontes de Miranda, em mãos do subscritor, o título, segundo essa teo-
ria, já é um valor patrimonial e prestes a se tomar de direito de crédito. A von-
tade do devedor já não importa para tal efeito obrigacional: o título é que o 
produz... É o título que cria a dívida. A única condição que se impõe à sua 
eficácia é a posse pelo primeiro portador, qualquer que seja ela. 
6.4 Teoria da emissão 
Foi defendida por Stobbe e Windscheid. Sustenta essa teoria que do ato da 
criação, isto é, da assinatura do título, não pode surgir vínculo algum, porque 
a redação e subscrição não patenteiam ainda a vontade de se obrigar. Só após 
o abandono voluntário da posse, seja por ato unilateral, seja por tradição, é que 
nasce a obrigação do subscritor. Sem emissão voluntária não se forma o vínculo. 
Se o título foi posto fraudulentamente em circulação, não subsiste a obrigação. 
6.5 Teoria adotada pelo direito brasileiro 
Muito embora as teorias estudadas sobre títulos de crédito digam respeito 
a todas as suas formas, mais se acentuam e aproveitam em relação aos títulos 
de crédito ao portador. O Código Civil brasileiro disciplinou os títulos de cré-
dito ao portador, embora fosse muito criticada a inclusão dessa matéria em seu 
âmbito. Considerou-os não como resultantes de relação contratual, mas de de-
46 R.C.P. 3/86 
daração unilateral da vontade. Por isso alinha-os sob o título Das obrigações 
por declaração unilateral da vontade, ao lado do capítulo Da promessa de re-
compensa. 
A esse respeito Clóvis Beviláqua comentou: "Depois de longas, eruditas e 
acaloradas discussões, chegou afinal a doutrina jurídica a fixar-se na explica-
ção do mecanismo do título ao portador pela eficácia da declaração unilateral 
da vontade. Somente ela explica a relação direta entre devedor e o portador 
do título, fazendo-se tábula rasa de todos os precedentes possuidores, de modo 
a poder-se dizer que o direito de todos os portadores é igual e simultâneo, para 
significar que a obrigação da parte do emissor permanece íntegra a todo o mo-
mento, perante quem quer que apresente o documento onde ela se incorpora; 
ou para exprimir que a vontade do subscritor, depois de assumir obrigação, se 
conserva em passividade receptiva, à espera de quem se lhe apresente a exigir-
lhe o cumprimento da promessa; ou para dar a entender que entre o obrigado 
e o primeiro detentor do título não há vínculo obrigatório pessoal, nem tam-
pouco entre eles e os sucessivos portadores. O credor é uma pessoa incerta, que 
se determina pela apresentação do título." 
Não é fácil, por outro lado, situar a doutrina do Código entre as teorias da 
criação ou da emissão. Clóvis, ao estudar a reivindicação dos títulos ao por-
tador, revela que "fundiram-se em nosso direito doutrinas divergentes". Em 
face aos diversos dispositivos legais, com efeito, ora aparece-nos a teoria da 
emissão, ora da criação. Tomemos como exemplo o dispositivo no art. 1.506, 
que diz que "a obrigação do emissor subsiste ainda que o título tenha entrado 
em circulação contra a sua vontade". Isso é pura teoria da criação, na qual 
se integra a obrigação pela simples assinatura do subscritor no título, pouco 
importando que o tenha feito circular. Os autores indicam o art. 794 do Código 
Civil alemão, inspirado nessa teoria, como fonte do dispositivo de nossa lei: 
"O emissor de um título ao portador se acha obrigado, ainda se lhe foi roubado, 
se lhe foi extraviado ou de qualquer outro modo foi posto em circulação contra 
sua vontade( ... )." 
Mas, se assim é, a lei civil não impede o subscritor ou portador de reavê-lo 
das mãos desonestas, o que lhe faculta o art. 1.509, embora nada possa intentar 
contra terceiro de boa fé, a cujas mãos veio ter o título. A possibilidade de 
reaver o título, posto a circular indevidamente nos aproxima da teoria da emis-
são ... 
A conclusão a tirar é que o Código não se filiou puramente a nenhuma das 
duas teorias, temperando os rigores da teoria da criação com nuanças da teoria 
da emissão. 
7. Inoponibilidade das exceções 
O interesse social visa, no terreno do crédito, proporcionar ampla circulação 
dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa fé plena garantia e segurança 
na sua aquisição. ~ necessário que na circulação do título aquele que o adqui-
riu, mas que não conheceu ou participou da relação fundamental ou da relação 
anterior que ao mesmo deu nascimento ou circulação, fique assegurado de que 
nenhuma surpresa lhe venha perturbar o seu direito de crédito por quem com-
ele não esteve em relação direta. O título deve, destarte, passar-lhe às mãos pu-
rificado de todas as questões fundadas em direito pessoal, que porventura os 
Títulos de crédito 47 
antecessores tivessem entre si, de forma a permanecer límpido e cristalino nas 
mãos do novo portador. 
A segurança do terceiro de boa fé é essencial na negociabilidade dos títulos 
de crédito. O direito, em diversos preceitos legais, realiza essa proteção, impe-
dindo que o subscritor ou devedor do título se valha, contra o terceiro adqui-
rente, de defesa que tivesse contra aquele com quem manteve relação direta 
e a favor de quem dirigiu a sua declaração de vontade. Por conseguinte, em 
toda a fase da circulação do título, o emissor pode opor ao seu credor direto 
as exceções de direito pessoal que contra ele tiver, tais como, por exemplo, a 
circunstância de já lhe ter efetuado o pagamento do mesmo título, ou pretender 
compensá-lo com crédito que contra ele possuir. Mas, se o mesmo título hou-
ver saído das mãos do credor direto e for apresentado por um terceiro, que já 
esteja de boa fé, já nenhuma exceção de defesa ou oposição poderá usar o de-
vedor contra o novo credor, baseado na relação pessoal anterior. Este, ao rece-
ber o título, houve-o purificado de todas as relações pessoais anteriores que 
não lhe dizem respeito. 
Esse princípio que resulta do conceito já exposto da "autonomia das rela-
ções cartulares", pois o portador de boa fé exercita um direito próprio e não 
derivado de relação anterior, está consagrado em algumas normas de lei. O Có-
digo Civil, ao regular os títulos ao portador, consagra no art. 1.507 o princípio 
da inoponibilidade das exceções, expressando que "ao portador de boa fé, o su-
bscritor, ou emissor, não poderá opor outra defesa além da que assente em nuli-
dade interna ou externa do título, ou em direito pessoal ao emissor, ou subs-
critor, contra o portador". O Decreto n.O 2.044, de 31 de dezembro de 1908, 
também regula a matéria no setor cambiário, dispondo, no art. 51, que "na 
ação cambial somente é admissível defesa fundada no direito pessoal do réu 
contra o autor, em defeito de forma do título e na falta de requisito necessário 
ao exercício da ação". Esse preceitQ ressurge no art. 17 da Lei Uniforme, de Ge-
nebra, segundo o qual "as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem 
opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o 
sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a 
letra, tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor". 
Afora a oponibilidade de defesaresultante de relação pessoal direta entre o 
subscritor ou transmitente do título e o novo portador, podem ser opostos a 
qualquer portador os vícios formais ou falta de requisito necessário ao exercí-
cio da ação. Uma letra de câmbio, por exemplo, a que falte um requisito essen-
cial, não configura título cambiário, e qualquer pessoa que nele apareça em 
posição de devedor pode opor ao credor esse vício fundamental, elidindo a 
ação fundada no título de crédito. O mesmo ocorre quando o emissor do título 
for incapaz, não podendo o credor dele exigir o crédito ilegalmente reconhecido 
pelo menor. Os interesses sociais de proteção ao incapaz superam os interesses 
sociais de segurança da circulação dos títulos de crédito. 
Se, todavia, o adquirente do título agir de má fé, estando, por exemplo, con-
luiado com o portador anterior, a fim de frustrar o princípio da inoponibilidade 
da exceção de defesa que contra ele tivesse o devedor, este tem o direito de 
opor-Ihe a defesa que teria o antecessor. 
A inoponibilidade das exceções fundadas em direito pessoal do devedor con-
tra o credor constitui a mais importante afinnação do direito moderno em fa-
vor da segurança da circulação e negociabilidade dos títulos de crédito. 
48 R.C.P. 3/86 
8. Título de crédito não opera novação do crédito anterior 
Um dos aspectos mais curiosos do direito relativo aos títulos de crédito re-
sulta da debatida questão de se saber se, incorporado um direito de crédito ao 
título, esse direito se extingue pela novação, ou se subsiste de forma latente. 
Essa questão, como observam os professores franceses Hamel, Lagarde e 
Jauffret, apresenta diversos interesses práticos. E assim é, de fato, pois se o 
crédito originário desaparecer, isso ocorrerá por efeito da novação da dívida; 
o título substituirá o crédito antigo, que desaparecerá ao mesmo tempo que 
suas garantias; e mais, se o crédito antigo desaparecesse, não poderia renascer 
na hipótese de o título não ser pago ou em conseqüência de decadência ou 
prescrição. Esses autores invocam a jurisprudência dos tribunais franceses, que 
admitem que as garantias do crédito originário passam ao portador regular e 
asseguram o crédito, e, ao mesmo tempo, permitem ao credor agir em virtude 
do antigo crédito quando o título sobre ele emitido desaparecer pela decadên-
cia ou prescrição. E concluem que é forçoso, então, reconhecer que o crédito 
antigo não desaparece pelo fato de sua incorporação no título. 
Em nosso direito estabeleceu-se séria controvérsia. Sustenta Magarinos Tor-
res que a nota promissória - título de crédito a que dedica sua obra pelo seu 
caráter de título de crédito completo - desempenhe as funções de dinheiro e 
paga, como este, para os efeitos jurídicos, conquanto seja na realidade um adi-
antamento. "Ela leva o dinheiro", prossegue o autor, "representado apenas no 
crédito das assinaturas, de um lugar para outro, de um mesmo ou de países di-
versos; e realiza por aí a extinção de uma dívida, quer seja o preço de uma com-
pra, ou de um serviço, ou o débito de uma conta, ou um empréstimo; ao mes-
mo tempo que retarda a entrega efetiva do dinheiro." O título de crédito, em 
conseqüência, opera a novação do crédito antigo, pois a novação é a conser-
vação de uma obrigação em outra, que absorve a primitiva. O título de crédito 
extingue, em virtude dessa doutrina, o crédito que lhe deu causa, novando-o;, 
o crédito primitivo extingue-se, mas ressurge sob a roupagem e forma de título 
de crédito. Como observa Inglez de Souza, que perfilha a mesma opinião, "o 
indivíduo devedor de uma conta, e que emite uma nota promissória, deixa de 
dever aquela conta que se considera paga pela novação operada com a emissão 
do título". 
Não é essa, porém, a corrente vitoriosa em nosso direito. J. X. Carvalho de 
Mendonça, por exemplo, é conclusivo quando compara a moeda corrente aos 
títulos de crédito, afirmando que "os pagamentos feitos com a primeira são 
imediatamente operativos e extintos de débito, enquanto que os pagamentos 
realizados com os segundos não extinguem absolutamente a obrigação; a extin-
ção fica dependente do pagamento no vencimento, da execução da prometida 
prestação, causa única do valor desses títulos. Por outra, tais títulos só recebem 
pro solvendo e não pro soluto. 
Desse lado se alinham Paulo de Lacerda, Saraiva e Arruda. Para eles, o tí-
tulo de crédito não opera novação da obrigação subjacente, que lhe deu ori-
gem. E assim, com efeito parece ser o correto. Se o título de crédito engen-
drasse novação de crédito antigo, extiguind<K>, não se poderia cogitar da ação 
de locupletamento ou de enriquecimento sem causa, a que expressamente alude 
o art. 48 do Decreto n.O 2.044, quando permite que "sem embargo da desone-
ração da responsabilidade cambial, o sacador ou o aceitante' fica obrigado a res-
tituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou à custa 
Títulos de crédito 49 
deste"; nem se admitiria a oponibilidade das exceções fundadas em direito pes-
soal do devedor contra o portador, que, como se estudou, podem ser opostas 
nas relações diretas entre um e outro (Decreto n.O 2.044, art. 51). A inclinação 
do Supremo Tribunal Federal é considerar o pagamento feito por título de cré-
dito como pro solvendo, como vê no julgamento do Recurso Extraordinário n.O 
14.065, de 1951, relatado pelo Ministro Nélson Hungria (Revista Forense, 
140/175). 
9. Classificação dos títulos de crédito 
O título de crédito é um documento que exerce função de legitimação, pois 
seu possuidor de boa fé está apto a exercer o direito nele mencionado, e como 
existem outros documentos que, embora tendo tal função, não são títulos de 
crédito, convém distingui-los. Destarte diferenciam-se, na doutrina, os compro-
vantes de legitimação e os títulos de legitimação; sendo os primeiros aqueles 
em que o direito do titular não deriva do documento, mas de um contrato, cons-
tituindo-se em simples prova (como, por exemplo, as passagens de ônibus, os 
recibos de depósito, as fichas entregues nos guichês dos bancos etc.) devendo 
ser apresentados para o cumprimento da obrigação; os segundos, documentos 
também meramente probatórios, caracterizam-se por serem transferíveis, ope-
rando a cessão independente de notificação, ficando, portanto, o devedor obri-
gado a cumprir a obrigação, como no caso dos vales postais, e outros. Em sín-
tese apropriada, mostra Eunápio Borges (1983) as diferenças entre os três: "as-
sim, pois, nos comprovantes de legitimação, provado que o possuidor não é o 
titular originário, o devedor não é obrigado à prestação; nos títulos de legitima-
ção, a obrigação só inexistirá se for provada a falta da cessão do credor originá-
rio ao possuidor. Em resumo: nos comprovantes de legitimação, o possuidor se 
legitima como contraente originário; nos títulos de legitimação, como contraente 
ou cessionário, e, nos títulos de crédito, como proprietário do título." 
9.1 Títulos de crédito quanto ao conteúdo 
Para Cesare Vivante, os títulos de crédito classificam-se, segundo seu conteú-
do, em quatro grupos: 
a) títulos de crédito propriamente ditos - que dão direito a uma prestação 
de coisa fungível em mercadoria ou em dinheiro (letra de câmbio etc.); 
h) títulos que servem para adquirir direito real sobre coisa determinada (cé-
dula pignoratícia); 
c) títulos que atribuem a qualidade de sócio (ação); 
d) títulos que dão direito a serviços (bilhete de passagem). 
J . X. Carvalho de Mendonça distinguiu duas ordens de títulos de crédito 
(quanto ao conteúdo da declaração cartular): 
1. Os títulos de crédito propriamente ditos, nos quais se atesta uma operação 
de crédito, figurando entre eles os títulos da dívida pública, as letras de câm-
bio, os warrants, as debêntures etc. 
50 R.C.P. 3/86 
2. Os títulos de crédito impropriamente ditos, nos quais, ainda que não repre-
sentem uma operação de crédito, se encontram, a par da sua literalidade e auto-
nomia, id quod quacumque causa debetur. 
Entre eles enumerou os seguintes:a) os que permitem a livre disponibilidade de certas mercadorias, tais como: 
conhecimento de depósitos emitidos por armazéns gerais; os conhecimentos de 
carga; 
b) o título que permite ao emissor retirar, em favor próprio, ou de terceiro, a 
totalidade dos fundos disponíveis em poder do comerciante; este título é o 
cheque, o qual não é instrumento de crédito propriamente dito; representa 
antes um título de exação, destinado aos pagamentos e liquidações; 
c) os títulos atributivos do complexo de direitos conexos à qualidade de sócio 
(direitos societários e tais são as ações das sociedades anônimas e das em coman-
dita por ações). 
Como se vê, tal classificação distancia-se bastante substancialmente da apre-
sentada por Vivante. 
O que se procura acentuar na classificação dos títulos de crédito, em razão 
do conteúdo da declaração cartular, é a natureza e extenção do direito mencio-
nado, pois que na variedade dos títulos de crédito existentes esse direito varia 
também. Assim ocorre com os chamados representativos, com o conhecimento 
de depósito, que representam mercadorias; os de participação, como as ações 
de sociedade anônima, e os de direito de crédito (a bem dizer, monetário), como 
as letras de câmbio etc. 
Entretanto, como bem acentua Vivante, essa distinção não tem maior impor-
tância para a teoria dos títulos de crédito que se ocupa, desde que foram emi-
tidos, da sua circulação. 
Cumpre acentuar, a propósito, que não tem sentido denominar-se alguns 
títulos de propriamente ditos e outros de impropriamente ditos, de vez que ou 
são títulos de crédito (conformados ao conceito vivantiano) ou então seriam tí-
tulos impróprios (terminologia característica da doutrina italiana) e, portanto, 
como tais, não seriam títulos de crédito, mas apenas documentos de legitima-
ção ou títulos de legitimação. 
9 . 2 Títulos de crédito quanto ao modo de circulação 
Desta classificação destaca Vivante, como a mais importante, a que se re-
fere à circulação, ou seja: 
• nominativos 
• à ordem e 
• ao portador 
observando que cada título nasce com a sua lei de circulação, dependente da 
vontade da lei ou de seu emitente. 
Titulas de crédito 51 
9.2.1 Títulos ao portador 
São emitidos sem nome do beneficiário, transferindo-se pela simples tradição. 
Em contraposição aos títulos nominativos, sua circulação, conquanto seja fácil e 
ágil, é, por outro lado, perigosa, como ao caso de furto ou perda. Transferindo-
se pela simples entrega, presume-se proprietário quem estiver na sua posse. 
Emitidos com a cláusula ao portador ou simplesmente com o preenchimento do 
nome do beneficiário, não encontraram muita guarida em nosso meio, salvo 
aqueles emitidos em massa. 
9.2.2 Títulos nominativos 
São títulos em que a transferência se opera cabalmente com o registro no livro 
próprio. São emitidos em nome de pessoa determinada e sua transferência, con-
forme acentua Vivante, só é perfeita quando se registra nos livros do devedor. 
Um exemplo são as ações nominativas, que se transferem por termo de transfe-
rência no livro da sociedade assinado pelo cedente e pelo cessionário. Pressu-
põe, portanto, a entrega do título e a inscrição no livro próprio. Tais títulos são 
de circulação segura, porém difícil, pela formalidade a que está obrigado para 
tomar perfeita sua transferência. 
9.2.3 Títulos à ordem 
São emitidos em favor de pessoa determinada e transferíveis por endosso. 
Constituem, assim, meio-termo entre os nominativos e os ao portador, sendo 
sua circulação mais fácil do que a dos nominativos, pois independe de qualquer 
termo, e mais difícil do que a dos ao portador, pois exige o endosso (simples 
assinatura lançada no próprio documento). 
10. Conversibilidade dos títulos de crédito 
Os títulos podem, em princípio, ser convertidos de uma forma em outra se, 
é claro, a sua lei de circulação depende apenas dá vontade do emitente; se, 
ao contrário, for determinada pela lei, então não será possível sua conversão. 
Exemplo: a letra de câmbio, sendo título tipicamente à ordem, pode ser trans-
ferida por endosso, pois a lei previu essa hipótese no art. 11 da Lei Uniforme 
de Genebra; porém o sacador ou o endossante pode impedir a circulação pelo 
endosso, mediante a inserção da cláusua não à ordem (arts. 11 e 15 da Lei 
Uniforme de Genebra). 
11. Relação dos títulos de crédito existentes no Brasil 
Bulgarelli elaborou uma relação dos títulos de crédito existentes no Brasil, 
com a indicação das -leis que os· regem, destacando algumas características nota-
damente em relação à sua função econômica ou do seu emitente. 
52 R.C.P. 3/86 
Cambiais 
Bancários 
Instituições 
Financeiras 
Imobiliários 
Rurais 
Cooperativo$ 
Exportação 
Representativos 
de mercadorias 
Penhor 
{ • 'Letra de câmbio 
• Nota promissória 
{ 
• Decreto nQ 2.044, de '31 de dezem-
bro de 1908, alterado pelo Decreto nQ 
57.603, de 24 de janeiro de 1966 -.Lei 
Uniforme de Genebra 
{ 
• Certificado de 
depósito bancário 
• Cheque 
{ • simples (art. 30) • em garantia (art. 31) 
Lei nQ 4.728, de 14 
de julho de 1965 
{ 
• Decreto nQ 2,591', de 7 de agosto de 
1912, alterado pelo Decreto nQ 57.595, 
de 7 de janeiro de 1966 - Lei Unifor-
me de Genebra 
• Certificado de investimento - Resolução nQ 145, de 14 de abril 
de 1970, do Banco Central do Brasil 
• Letras de câmbio de aceite de financeiras - art, 27 da Lei nQ 
4,728, de 14 de julho de 1965 
• Letra hipotecária - Decreto nQ 169-A, de 19 de janeiro de 1890 
• Letra imobiliária - Lei nQ 4.380, de 21 de agosto de 1964 
• Cédula hipotecária - Decreto-Iei nQ 70, de ·21 de novembro de 
1966 e Resolução n9 228, de 4 de julho de 1972, do Banco Central 
do Brasil 
• Cédula rural pignoratícia { 
• Cédula rural hipotecária' • Decreto·lei n9 167, de 14 de 
fevereiro de 1967 
• Cédula rural pignoratícia e hi-
potecária • Lei nQ 6,754, de 17 de dezem-
bro de 1979 
• Nota de crédito rural 
• Duplicata rural 
• Bilhete de mercadoria 
( 
• Lei n9 165-A, de 1890, art. 25 
da Lei nQ 4.829, de 5 de no-
vembro de 1965 
{ 
• :Warrants cooperativos 
• Conhecimento de depósito 
cooperativo. { 
• Lei n9 5,764, de 16 de dezem-
bro de 1971 
Ar!. 82 
{ • Cédula de crédito à exportação ( • Nota de crédito à exportação • Lei nQ 6.31l, de 16 de de-zembro de 1975 • Decreto·lei n9 413, de 9 de 
janeiro de 1969 
{ 
• Conhecimento de transporte 
• Conhecimento de depósito ( 
• Decreto n9 19.473, de 10 de 
dezembro de 1930 
• Decreto n9 1,102, de 21 de 
novembro de 1903 
{ • Warrants - Decreto nQ 1.102, de 21 de. novembro de 1903 
(Continua) 
(Conclusão) 
Industriais 
Comerciaís 
Contrato de 
compra e venda 
e serviços 
Sociedade por 
ações 
Públicos 
I · Cédula de crédito industrial - Decreto-Iei nQ 413, de 9 de janeiro de 1969 • Nota de crédito industrial 
! • Cédula de crédito comercial - Lei nQ 6.840, de 4 de novembro de 1969 • Nota de crédito comercial 
( • Duplio," ! 
. Mercadorias 
• Serviços {
• Lei nQ 5.474, de 18 de ju-
lho de 1968, alterada pelo 
Decreto-lei nQ 436, de 27 
de janeiro de 1969, Lei nQ 
6.458, de 1 de novembro 
de 1977 
• Ações 
• Certificado de depósito de ações 
• Partes beneficiárias 
• Certificado de depósito de 
partes beneficiárias 
• Debêntures 
• Certificado de dep6sito de 
debêntures 
\
• Lei nQ 6.104, de 15 de de-
zembro de 1976 
• Cédula pignoratícia de debênture 
• Bônus de subscrição de ações 
,( • Federais 
• Estaduais 
( 
• Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional 
- Lei nQ 4.357, de 16 de julho de 1964 
• Letras do Tesouro Nacional - Lei nQ 1.079, 
de 29 de janeiro de 1970 
IH. LETRA DE CÂMBIO 
1. Origem hist6rica 
A origem da letra de câmbio, segundo vários autores, é incerta, mas sem 
dúvida que a difusão da letra de câmbio se verificou na Idade Média, sendo nas 
comunas italianas onde encontramos, historicamente documentados, os primeiros 
casos práticos, as primeiras disposições legislativas e os primeiros rudimentos 
doutrinais sobre a letra de câmbio. 
Hoje, quase à unanimidade, é que se comentaa procedência da letra de câm-
bio como realmente desenvolvida e consolidada na Idade Média, intensificando 
o seu uso, principalmente nas feiras e mercados. 
Salienta Valery que não há uma s6 das instituições mercantis modernas cuja 
fonte não se encontre no jus mercatorum firmado nas corporações medievais 
italianas. 
Dois fatores básicos contribuíram para a disseminação intensa das letras de 
câmbio, nessa época: 
54 R.C.P. 3/86 
1. A diversidade de moedas existentes, tanto nas repúblicas italianas como 
nas várias regiões da Europa; 
2. As dificuldades e os perigos para o transporte de moedas de uma região 
para outra. 
Neste caso a Igreja não pôde opor-se à letra de câmbio, embora proibisse 
com penas severas a usura (juros exorbitantes vedados pela lei ou pela moral), 
inclusive o ganho decorrente da troca de moedas na mesma praça. 
Nos seus inícios, portanto, a cambial está estreitamente ligada ao contrato de 
câmbio, servindo como seu instrumento. 
Genericamente, câmbio significa troca, e mais especificamente, troca de di-
nheiro realizada pelos banqueiros (cambiadores, campsores). 
Dois tipos de câmbio eram utilizados: 
a) o manual (ou real), consistente na troca de moedas diferentes, imediata-
mente; 
b) trajecticium, que implica a distância loci, pois o banqueiro obrigava-se a res-
tituir o dinheiro recebido, em lugar diverso e na moeda desse lugar. Trocava-se, 
assim, moeda presente (pecunia praesentl) por moeda ausente (pecunia absenti), 
realizada essa operação através do contrato de câmbio, que, quando por escrito, 
chamava-se cambium per Iitteras, cujo instrumento era a cautio, formalizado 
por notário, e cujo conteúdo era composto de: 
• reconhecimento da dívida proveniente da moeda recebida (valuta): 
• e a obrigação de pagá-la em moeda e local diferentes. 
Eunápio Borges (1983) bem explica o surgimento da letra de câmbio com 
base no contrato de câmbio, afirmando: 
"Ao instrumento do contrato de câmbio - a cautio - que continha, em 
substância, a promessa do banqueiro de efetuar o pagamento da soma recebida, 
veio juntar-se, provavelmente no séc. XIII, uma carta particular do banqueiro 
a seu correspondente, no lugar do pagamento, encarregando-o de pagar a res-
pectiva soma ao apresentante da carta, da lettera di pagamento. 
A cautio teria sido a origem da nota promissória (a cambiale própria do di-
reito italiano) e a lettera di pagamento di cambio (também denominada de trac-
ta) constitui a primitiva letra de câmbio (a cambiale tratta) , cuja denominação 
littera cambii foi expressamente consagrada em 1368 nos Estatutos dos Comer-
ciantes de Pavia. 
Ao contrário da letra de câmbio, a nota promissória (cambiale propria, eige-
ner Wechsel) - derivada da cautio - teve sua evolução paralisada durante 
muito tempo e só modemamente adquiriu importância, precisamente por ser 
o instrumento do condenado câmbio seco. 
Se o sacado (o correspondente do banqueiro) deixasse de atender à solici-
tação contida na tracta, a ação do portador contra o banqueiro não se baseava, 
a princípio, na Iittera cambii, mas na cautio, no instrumento público do contrato 
de câmbio. 
Títulos de crédito 55 
Aos poucos, porém, à medida que as operações de câmbio se tomaram mais 
freqüentes, sentiram os interessados que o instrumento público, dispendioso e 
demorado, era todo supérfluo. E a cautio suplantada pela littera cambii, caiu 
em inteiro desuso, passando a littera, a tracta entregue pelo banqueiro ao toma-
dor a ser considerada prova suficiente do contrato de câmbio; a promessa de 
pagamento em determinado lugar, contra a entrega ao banqueiro pelo tomador 
da letra, da importância (valuta) nela mencionada. 
Daí o nome - letra de câmbio - que se conservou o mesmo através dos 
tempos e em todos os lugares. Porque letra de câmbio era primitivamente uma 
carta (littera) dirigida por um banqueiro a outro, contendo a ordem de pagar 
determinada quantia que o primeiro havia recebido do tomador da letra, em 
virtude do contrato de câmbio. 
2. Os períodos históricos: italiano, francês, alemão 
Costuma-se dividir o estudo histórico da letra de câmbio, em três períodos 
distintos (italiano, francês e alemão), o que não é de ser criticado, pois foram 
sendo fixadas, nesse período, as características da letra de câmbio, permitindo, 
assim, uma visão em conjunto da sua evolução. 
No período italiano (que se convencionou terminar em 1650), a letra de 
câmbio é considerada como mero instrumento do contrato de câmbio, meio de 
troca de moeda; no período francês (de 1650 até 1848) passa a ser meio de 
pagamento (inclusive de mercadorias a crédito), tanto que a Ordenação de 
Comércio Terrestre Francesa, de 1673, consagrou as principais características 
da cambial, nessa época, a saber: o endosso sem restrições; a letra de câmbio 
representando valor fornecido em mercadoria; a letra ao portador; a inoponi-
bilidade de exceções ao terceiro possuidor de boa fé; a exigência da provisão 
e a distantia loei. Finalmente, o período alemão (cujo início, data de 1848, 
que é a data da Ordenação de 26.11.1848, Algemeine Deutsche Wechsel Ord-
nung), em que a cambial passa a ser um título abstrato, portanto um valor por 
si mesmo, tomando as características como a encontramos em nossa legislação 
hoje. 
3. Noções e características gerais 
A letra de câmbio (lettre de change, bill 01 exchange, wechselordnung, ge-
zogener ou trassierter Wechsel, cambiale tratta) é uma coisa - objeto jurídico 
que contém uma obrigação; daí decorrem os princípios e normas que confor-
mam o direito cambial. 
É a letra de câmbio um titulo eminentemente à ordem, onde o sacador pro-
mete fazer pagar por terceiro, pelo sacado, a soma cambial, obrigando-se a pa-
gar pessoalmente, se não for cumprida a ordem de pagamento dada ao sacado. 
Assim, inicialmente, e enquanto s6 contiver a assinatura do sacador, todo o 
valor da letra, toda a garantia de seu pagamento, estará contido não propria-
mente na ordem dada pelo sacador, mas na promessa indireta de pagamento 
de que se reveste aquela ordem. Acolhendo a ordem do sacador, lançando na 
letra o seu aceite, o sacado passará a ser o aceitante e a se responsabilizar cam-
bialmente pela letra de câmbio, fazendo ele ao portador, a promessa direta de 
pagar a soma cambial. 
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o direito da letra de câmbio derivado tem caráter: 
a) real - só quem tenha a posse legítima do título: 
b) formal - sua validade depende rigorosamente de uma forma determinada; 
c) autônomo - porque subsiste por si, sem ligação necessária com qualquer 
outro contrato. 
o ato cambiário principal, em relação à letra de câmbio, é o saque, que con-
siste em uma ordem de pagamento; os atos seguintes, como o endosso, o aceite 
e o aval, são acessórios. Vale apenas destacar que a letra de câmbio se cria 
pelo sa.que, transfere-se pelo endosso, completa-se pelo aceite e garante-se pelo 
aval. 
4. Conceito 
A letra de câmbio é uma ordem de pagamento à vista ou a prazo. Sendo uma 
ordem de pagamento que alguém dirige a outrem para pagar a terceiro, importa 
numa relação entre pessoas que ocupam três posições no título: a de sacador, 
a de sacado e a de tomador ou beneficiário da ordem. 
A (sacador) .......... B (sacado) 
C (tomador) 
A trilogia de sacador, sacado e tomador é uma triologia formal. 
Sacador: é conhecido como subscritor ou emitente da letra; ele é quem emite 
ou saca a ordem de pagamento; o ato de criar a letra, quando o sacador a as-
sina para ser submetida ao sacado, se chama emissão ou f'aque; 
Sacado: é a pessoa a quem a ordem de pagamento é dirigida, recebendo em 
suas mãos a letra e se dispondo a cumprir a ordem nela contida; 
Tomador: é o credor originário do título. 
A letra de câmbio é um título de crédito que envolve os princípios jurídicos. 
Vale o que nela está escrito, e isto é chamado literalidade. Assim os signatá-
rios se obrigam por aquilo que nela está escrito. 
A letra de câmbio é um título abstrato por excelência, pois pode ser emiti-
da independente de qualquercausa. 
A letra de câmbio é autônoma - princípio da autonomia, arts. 7.° e 17 da 
Lei n.O 2.044 de 1908. 
5. Requisitos comerciais 
A Lei n.O 2.044, de 1908, em seu art. 1.0, diz o que a letra deve conter como 
requisitos, mas o art. 2.° permite que algumas menções sejam suprimidas. Assim, 
Títulos de crédito 57 
os requisitos básicos, combinando as normas do Decreto n.O 2.044 com os da 
Lei Uniforme de Genebra, que as letras de câmbio deve conter são seis: 
1. a palavra letra inserida no próprio texto; 
2. o mandato puro e simples de pagar a quantia determinada; 
3. o nome daquele que deve pagar (sacado); 
4. o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga; 
5. a data e o lugar onde a letra é sacada; 
6. a assinatura de quem emite a letra (sacador). 
Item 1. A lei enfatiza que figure a expressão letra de câmbio; assim, qualquer 
pessoa, por mais despercebida que seja, verifica que se trata de um título de 
crédito com rigor cambiário. 
Item 2. Na letra de câmbio deve constar ou vir expresso o que e quanto deve 
ser pago. O objeto da ordem é o pagamento em dinheiro, não podendo ser em 
outra espécie de riqueza. Portanto, deve designar a moeda e sua quantidade 
em forma clara e precisa. No caso de existir alguma divergência entre a indi-
cação numérica e a alfabética do valor a pagar, prevalece a alfabética, que é 
feita por extenso. Porém se a indicação alfabética e numérica divergem, pre-
valecer a que se achar com menor quantia (art. 6.° da Lei Uniforme). A letra de 
câmbio que foi sacada por devedor ou credor que resida fora do Brasil pode 
determinar o pagamento em moeda nacional ou estrangeira. O art. 5.° da lei ad-
mite a cláusula de juros, porém só se limita às letras de câmbio pagáveis à vis-
ta ou a um certo tempo de vista. 
Item 3. Sendo a letra de câmbio uma ordem de pagamento, é lógico que o 
nome daquele a quem é endereçada a ordem deve constar completo e por ex-
tenso, apto a identificá-lo. E ao sacado que se endereça a ordem, sendo ele a 
assinar o seu aceite, ou não, na letra. Caso o sacado aceite, passará a ser acei-
tante, obrigado principal da letra, e que deverá pagá-la em seu vencimento. 
Item 4. Neste caso, trata-se de indicar o nome do beneficiário. Pode ser emi-
tida à ordem do próprio sacador e, antes do reconhecimento da vigência entre 
nós da Lei Uniforme de Genebra, permitia a Lei Saraiva a emissão ao portador. 
Pode ser também emitida em favor de dois ou mais tomadores, caso em que 
terão de agir conjuntamente. Sendo a letra de câmbio um título eminentemente 
à ordem, dispensa-se, por inútil, a inserção de tal cláusula. 
Item 5. O art. 4.° do Decreto n.O 2.044 estatui mandato ao portador para inse-
rir a data e o lugar do saque, na letra que não os contiver; o art. 20, § 1.° dis-
põe que será pagável à vista a letra que não indicar a época do vencimento, e 
que será no lugar mencionado ao pé do nome do sacado a letra que não indicar 
o lugar do pagamento. Esclarece ainda o citado § 1.° do art. 20, na sua segunda 
alínea, que "é facultada a indicação alternativa de lugares de pagamento, tendo 
o portador o direito de opção. A letra pode ser sacada sobre uma pessoa, para 
ser paga no domicílio de outra, indicada pelo sacador ou pelo aceitante". 
58 R.C.P. 3/86 
Item 6. Para que se verifique efetivamente o saque, é indispensável a assi-
natura do sacador; esta deverá ser lançada abaixo do contexto, pois se enten-
de que os requisitos lançados o foram no momento da emissão, e que, portanto, 
o sacador os subscreveu ou ratificou. Por ela, garante o sacador tanto o aceite 
como o pagamento. 
6. Falta de requisitos 
A falta de um dos requisitos essenciais à letra de câmbio, constitui defesa 
oponível ao portador (art. 51 da Lei n.O 2.044). Assim, o título não seria letra 
de câmbio e não daria direito ao uso da ação cambial. 
Se o título perde seu caráter cambiário, não é juridicamente ineficaz. O tí-
tulo continua valendo como quir6grafo, como prova de uma obrigação escrita, 
destituída do rigor cambiário. Está fora do direito cambiário, porém tutelada 
pelo direito comum. Logicamente, não serviria como fundamento de uma ação 
cambiária, nem poderia ser transmissível por endosso ou garantido por aval. Em 
conseqüência, poderia o devedor usar de exceções de defesa contra o credor, 
com quem não esteve em relação direta. 
No direito brasileiro não se exige que a letra surja completa das mãos do 
sacador, no ato da emissão, porém tem que estar integrada de todos os seus 
componentes legais, quando é apresentada para pagamento. Assim, o portador 
tem a faculdade de preenchê-la, desde que atue de boa fé. 
Quando a letra de câmbio é emitida e há uma assinatura de um incapaz, ou 
um vício de consentimento, como no caso da adulteração ou falsificação de uma 
assinatura, seja a do sacador ou a do aceitante, isto não toma nula a letra de 
câmbio. Tal caso está regulado no art. 7.° da Lei Uniforme, que dispõe: "Se a le-
tra contém assinaturas de pessoas incapazes de se obrigarem por letras, assina-
turas falsas, assinaturas de pessoas fictícias, ou assinaturas que por qualquer 
(outra razão não poderiam obrigar as pessoas que assinaram a letra, ou em nome 
das quais ela foi assinada, as obrigações dos outros signatários, nem por isso 
deixam de ser válidas." 
O art. 8.° da Lei Uniforme é bem claro para quem assina uma letra de câm-
bio sem poderes suficientes, pois todo aquele que apuser a sua assinatura 
numa letra, representando uma pessoa, e que não tenha de fato poderes, fica 
obrigado em virtude da letra. 
Na cambial não existem assinaturas inúteis, pois se alguém, arrogando-se pro-
curador, assinar uma letra sem que para tanto tenha mandato expresso, este 
fica vinculado pessoalmente. No caso do analfabeto, este não se pode obrigar na 
letra, a não ser por um procurador especial, em mandato lavrado em notas 
públicas, para maior segurança do título. Não é válida a aposição a suas im-
pressões digitais ou assinaturas em rogo. A convenção de Genebra permite que 
a lei nacional determine a maneira de suprir a falta de assinatura do próprio 
obrigado no título (ver Anexo 2, art. 2.° da Convenção). 
7. Letra a favor e sobre o pr6prio sacador 
Permite o art.3.0 da Lei Uniforme (2.a alínea) que a letra possa ser sacada 
contra o próprio sacador. Como alude Rubens Requião (1977), "o sacador pode, 
Títulos de crédito S9 
vale repisar, indicar-se como sacado ou como beneficiário. No primeiro caso, 
a letra de câmbio assume o efeito de nota promissória, pois o aceite por parte 
do sacador o toma devedor direto do beneficiário, como ocorreria se se tivesse 
obrigado por nota promissória, prometendo ao beneficiário efetuar o pagamento 
em determinada época. Pode ocorrer, por outro lado, que o sacador deseja 
desde logo assegurar-se de que o sacado aceitará a ordem, sem que ele, sacador, 
tenha decidido a favor de quem irá expedi-la. Por isso, admite-se ao sacador 
indicar-se, a ele próprio, como beneficiário, e obtendo o aceite, transmitir pos-
teoriormente a letra a favor de terceiro, por meio de endosso". 
8. Letra incompleta ou em branco 
Permite o art. 10 da Lei Uniforme, a letra incompleta ou em branco. Nossa 
Lei n.O 2.044 já considerava, no art. 3.°, que os requisitos por ela exigidos para 
a cambial tivessem sido lançados ao tempo da emissão da letra. Evidentemente 
que, afora os requisitos da data e do lugar do saque - que a mesma Lei Sa-
raiva presume, no art. 5.°, mandato ao portador para inscrevê-los - os demais 
requisitos faltantes devem ser preenchidos no momento da exigência da obriga-
ção. Pode assim circular, validamente, a letra incompleta ou em branco; con-
tudo, o portador, ao preenchê-la ou completá-la, deverá levar em conta o chama-
do contrato de preenchimento (muitas vezes, como cláusula do contrato de que 
se originou a cambial), sob pena de responder por perdas e danos, pelo excesso 
de preenchimento. 
A propósito, muito bem ensina Eunápio Borges (1983) que, "quem adquire 
um título em branco, adquire naturalmente odireito de preenchê-lo. Mas ad-
quire um direito limitado e um direito derivado, não autônomo. Limitado 110 
sentido de que o preenchimento do título há de fazer-se rigorosa e estrita-
mente nos termos do acordo (contrato de preenchimento) havido entre o subs-
critor do título em branco e seu tomador. Derivado, no sentido de que o adqui-
rente não é amparado pela autonomia dos direitos cambiais. Assim, o título em 
branco é arma de dois gumes e de manejo perigosíssimo para todos, uma vez 
que a subscrição e a circulação dos títulos em branco, atuando em terreno que 
Giorgio Oppo denomina de 'pré-cambiário' expõe subscritores e portadores a 
graves riscos, deixando-os ao desamparo das normas rigorosas do direito cam-
bial. Daí a presunção da lei de que os requisitos - sem os quais o título não 
é letra de câmbio - foram lançados à data da emissão. Em face de um título 
completo, formalmente válido, é, pois, indiferente - quanto aos direitos do 
portador de boa fé e quanto à defesa oponível pelos devedores - o fato origi-
nário da subscrição em branco". 
"Mas, acautelem-se todos, subscritores e tomadores, contra os graves riscos 
que podem advir dos títulos incompletos, ou em branco; nunca assiná-los, nem 
recebê-los sem a plena e documentada certeza de que o seu preenchimento é fei-
to rigorosamente de acordo com o pactuado entre o criador do título (sacador ou 
emitente) e o tomador." 
Não tenha receio, assim, de preencher o título, se não cometem abusos den-
tro dos limites convencionados, pois, sem estar devidamente preenchido, o tí-
tulo não será legível. 
Não tem em si, pois, maior importância, preencher ou completar o título com 
tipo de máquina diferente, ou parte à tinta e parte à máquina; a lei presume 
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todos os requisitos lançados ao tempo da sua etnlssao, e só eventualmente, se 
houver fraude ou abuso, é que essa circunstância poderá ser relevante. 
9. Capacidade cambial 
Sendo as declarações cambiais vinculatórias, obviamente só poderá obrigar-
~e quem tenha capacidade jurídica para tanto; é o que dispõe o art. 42 da Lei 
n.O 2.044, de 1908. 
Um dos problemas que vêm agitando nossa prática comercial é o referente 
à mulher casada, notadamente após o advento do chamado estatuto da mulher 
casada, a Lei n.O 4.121, de 1962. Vem bem a propósito, pois, a lição de Rubens 
Requião (1917): "A mulher é plenamente capaz de se obrigar pela meação de 
seu patrimônio, ocorrendo o mesmo com o marido. A regra vigente, expressa 
pelo art. 3.° da Lei n.O 4.121, de 27 de agosto de 1962, é de que pelos títulos de 
dívida de qualquer natureza firmados por um só dos cônjuges, ainda que casa-
dos pelo regime de comunhão universal, somente responderão os bens particu-
lares do signatário e os comuns até o limite de sua meação. A mulher casada, 
todavia, como já tivemos oportunidade de sustentar em outra ocasião, pode obri-
gar o patrimônio do casal, pois se presume autorizada pelo marido para a com-
pra, o crédito das coisas necessárias à economia doméstica, e para obter, por 
empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir (Código Ci-
vil, art. 247)." 
IV. INSTITUTOS CAMBIAIS 
1. O aceite 
1.1 Noção 
O aceite é a declaração cambial, unilateral, facultatIva, pela qual o sacado 
assume a obrigação de realizar o pagamento da soma indicada no título, dentro 
do prazo ali especificado, tornando-se assim responsável direto pela execução 
de obrigação incondicional. Aceitar um título de crédito é, portanto, assiná-lo, 
representando essa assinatura a responsabilidade pelo pagamento do valor nele 
consignado. Não existe aceite compulsório: ele é, por natureza, facultativo. O 
sacado não pode ser compelido, contra sua vontade, a aceitar o título, mesmo 
na hipótese líquida e certa de encontrar-se na posição de devedor. Recusando 
o aceite, não assumirá a obrigação cambial. 
A lei exige, como requisito fundamental para a validade de um título, que 
seja mencionado o nome do sacado; mas este não assumirá nenhuma obrigação 
em relação ao título caso se negue a aceitar, e, por esta negativa, ele torna-se 
estranho à obrigação cambial, mas nunca à própria letra. 
1.2 A disciplina legal brasileira 
No Brasil regulam o aceite tanto o Decreto n.O 2.044, de 31 de dezembro de 
1908 (arts. 9.° a 13), como a Lei Uniforme de Genebra, cuja vigência entre n6s, 
Títulos de crédito 61 
como se sabe, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (Proc. n.O 71.154/ 
77) e se contém no bojo do Decreto n.O 57.633, sobre letras de câmbio e notas 
promissórias. Com respeito ao aceite da duplicata (de mercadorias ou de ser-
viços), rege a Lei n.O 5.474, de 18 de julho de 1968 (com as modificações do 
Decreto-lei n.O 436, de 27 de janeiro de 1969). Menção também deve ser feita 
ao aceite das chamadas letras de câmbio das financeiras, previstas na Lei n.O 
4.727, de 1965. 
1.3 A noção do aceite na Lei Uniforme 
A noção da Lei Uniforme de Genebra sobre o aceite é bem mais incisiva do 
que o Decreto n.O 2.044, de 1908, ao dispor no art. 28 que: "O sacado obriga-se 
pelo aceite a pagar a letra à data do vencimento. Na falta de pagamento, o por-
tador, mesmo no caso de ser ele o sacador, tem contra o aceitante um direito 
de ação resultante da letra, em relação a tudo que pode ser exigido, nos termos 
dos arts. 48 e 49." 
1.4 O aceite na letra 
O aceite deve ser dado na própria letra. E o que dispõe o art. 25 da Lei Uni-
forme de Genebra, aliás, disposição encontrada também no Decreto n.O 2.044, 
de 1908. (Art. 11: "Para a validade do aceite é suficiente a simples assinatura do 
próprio punho do sacado ou do mandatário especial no anverso da letra.") 
Não há, em nosso direito, aceite em ato ou papel separado que, lançado, 
terá os efeitos de obrigação ordinária. 
1.5 Quem pode aceitar 
Somente o sacado pode aceitar por si ou através de mandatário especial 
(art. 11, Decreto n.O 2.044, de 1908), o que implica que no mandato se con-
tenham poderes expressos para isso, pois de acordo ainda com a nossa lei 
cambiária (art. 46 do Decreto n.O 2.044, de 1908), "aquele que assina com a 
declaração cambial, como mandatário, ou representante legal de outrem sem es-
tar devidamente autorizado, fica por ela pessoalmente obrigado". 
As regras sobre a capacidade em relação à pessoa do sacado são dadas -
como, aliás, para todos que se obrigam nas cambiais - pela lei civil e co-
mercial. 
A doutrina admite, em caso de falecimento do sacado, que o inventariante 
possa aceitar em nome dos sucessores. Também tendo falido o sacado, poderá 
o síndico, se assim o quiser, no interesse da massa, dar o aceite. 
Em caso de dois ou mais sacadores, a letra deve ser apresentada ao primeiro 
nomeado (art. 10 do Decreto n.O 2.044, de 1908); na falta ou recusa do aceite, 
ao segundo, se estiver domiciliado na mesma praça; e assim sucessivamente, 
sem embargo da forma da indicação na letra dos nomes dos sacados. 
62 R.C.P. 3/86 
1 . 6 Aceite por intervenção 
A falta de recusa ou de aceite pode ensejar o aceite por parte de um ter-
ceiro. ~ o aceite por intervenção. Implica, obviamente, tal aceite, a aquies-
cência do portador, dado que a falta ou recusa do aceite pelo sacado acarreta 
o vencimento extraordinário da letra, permitindo ao portador, desde que pro-
teste o título em tempo útil, ação contra os coobrigados. 
Parte da doutrina brasileira entende que perante nossa lei não há dúvida 
de que a letra pode ser aceita por qualquer dos coobrigados da letra, ou por 
estranho, aliás, de acordo com o art. 55, 111 da Lei Uniforme de Genebra. 
O nosso Decreto n.O 2.044, de 1908, dispunha no seu art. 34 que o aceite 
por intervenção deveria dar-se no ato do protesto, mas entende-se que com 
a Lei Uniforme de Genebra, consoante o disposto no art. 56, o aceite por 
intervenção só pode ocorrer depois do protesto, pois o referido dispositivo dis-
põe que "o aceite por intervenção pode realizar-se em todos os casos em que o 
portador de uma letra aceitável tem direito de ação antes do vencimento". 
1 . 7 Direitos

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