Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Brexit: uma história de amor e ódio entre o Reino Unido e a União Europeia Alessandra de Fatima Alves 5 2 3 BREXIT: UMA HISTÓRIA DE AMOR E ÓDIO ENTRE O REINO UNIDO E A UNIÃO EUROPEIA Introdução Em 23 de junho de 2016, foi realizado no Reino Unido um plebiscito sobre a permanência do país na União Europeia, processo conhecido por Brexit – abreviação para “British exit“ (“saída britânica“, numa tradução literal para a língua portuguesa). A maioria do eleitorado britânico (52%) votou a favor da saída do país do bloco. A permanência britânica na União Europeia é constantemente motivo de debates, desde sua junção à Co- munidade Econômica Europeia, em 1973. Em 29 de março de 2017, o Reino Unido notificou o Conselho Europeu da sua intenção de sair da UE, acionando o artigo 50 do Tratado de Lisboa. Elaborado pelo Partido Conservador, o manifesto que pedia um referendo foi apresentado e aprovado no Parlamento do Reino Unido, em 2015. Os defensores da saída do Reino Unido da união política e econômica dizem que a União Europeia traz um deficit democrático e abala a soberania nacional de seus membros. Para eles, a saída permitiria que a nação tivesse maior controle da imigração, diminuindo a busca por serviços públicos, habitação e emprego, o que geraria uma economia de bilhões, devido às taxas pagas pelo país ao bloco e daria autonomia para o Reino Unido firmar seus próprios acordos comerciais, classificadas por eles como desnecessárias e caras. Já os que são favoráveis pela permanência dizem que qualquer perda de soberania é compensada por be- nefícios da adesão ao bloco. Eles dizem que a saída do país pode gerar um risco à propriedade nos países-membros do Reino Unido, diminuir a influência sobre assuntos internacionais, o que colocaria em risco a segurança nacional, além de acabar esbarrando em barreiras comerciais entre o Reino Unido e a União Europeia. Argumenta também que a decisão de saída geraria a perda de empregos, atrasos nos investimentos e riscos paras empresas britânicas. Antecedentes A União Europeia se originou da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca) e da Comunidade Econômica Europeia (CEE), formadas por seis países, em 1957. Nos anos seguintes, o território foi aumentando de dimensão, por causa da adesão de novos Estados-membros, além da influência por meio da inclusão de novas competências políticas. O Tratado de Maastricht definiu, em 1993, a União Europeia com o nome atual. 4 Ela atua por meio de instituições supranacionais independentes e de decisões intergovernamentais negocia- das entre os Estados-membros. A UE instituiu um mercado comum através de um sistema de leis aplicáveis a todos os Estados-membros. No Espaço Schengen (que inclui 22 Estados-membros e 4 Estados-não membros da UE), foram abolidos os controles de passaportes – as políticas têm por objetivo assegurar a livre circulação de pessoas, bens, servi- ços e capitais, legislar assuntos comuns na justiça e manter políticas comuns de comércio, agricultura, pesca e desen- volvimento regional. A zona do euro é composta por 18 Estados-membros. Por meio da Política Externa e de Segu- rança Comum, a UE exerce um papel nas relações externas e de defesa. Com a crise econômica mundial em 2007, verificou-se que a soberania nacional dos Estados- -membros da UE, em termos de políticas financeiras e monetárias, não acompanhou a globalização finan- ceira. Assim, a ausência de harmonização e uniformi- zação das políticas financeiras, com as consequentes falhas do mercado de capitais europeus, resultou da falta de supervisão, dada a ausência de um instrumen- to comunitário que funcionasse como um contrapeso diante da instabilidade do sistema. Os bancos foram os mais afetados, com o deficit de liquidez e redução na concessão de crédito, promovendo a crise no mercado de capitais europeus. Em 2010, o primeiro-ministro britânico David Ca- meron assumiu o cargo em meio a críticas sobre a perma- nência britânica no bloco, após a crise da dívida europeia. Em janeiro de 2013, Cameron prometeu que, se o seu Partido Conservador fosse reeleito com maioria, ele rene- gociaria os termos da associação do Reino Unido com a União Europeia, comprometendo-se a agendar um refe- rendo sobre a saída da UE até 2017. O referendo Em 23 de junho de 2016, foi realizada a vo- tação para decidir se o Reino Unido deveria ou não permanecer na União Europeia. Os resultados mos- traram uma clara divisão entre regiões britânicas: na Escócia, Irlanda do Norte e na capital Londres, a per- manência foi ganhou, enquanto que, nas regiões ru- rais e grandes cidades da Inglaterra e País de Gales (à exceção de Londres), o resultado foi favorável à saída do bloco. Podemos verificar na tabela abaixo os dados da votação: Referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia (2016) Escolha Votos % Saída 17.410.742 51,89% Permanência 16.141.241 48,11% Votos válidos 33.551.983 99,92% Nulos ou brancos 26.033 0,08% Total de votos 33.578.016 100% Eleitores registrados e comparecimento (%) 46.499.537 72,21% Em tese, o primeiro-ministro e os parlamentares poderiam impedir a saída do bloco, mas analistas con- sideram que contrariar os eleitores seria um suicídio político. No Parlamento Após uma votação em 4 de dezembro de 2018, os parlamentares anunciaram que o governo do Rei- no Unido deixava o parlamento em segundo plano em não incluí-los nas discussões. O ponto-chave do pare- cer abrangeu o efeito jurídico do acordo de apoio que rege a Irlanda do Norte, a Irlanda e o resto do Reino Unido, referente à fronteira aduaneira entre a União Europeia e o Reino Unido e às suas implicações no Acordo de Belfast, que levou ao fim dos movimentos de união da ilha da Irlanda. Em 10 de dezembro de 2018, Theresa May op- tou por adiar a votação de seu acordo no Parlamento. O anúncio veio minutos depois que o Governo do Rei- no Unido confirmou que a votação seria encaminha- da. Diante da perspectiva de uma derrota na Câmara dos Comuns, essa opção deu à primeira-ministra mais tempo para negociar com os conservadores e a União Europeia. A decisão foi recebida com protestos de di- versos parlamentares galeses para o encaminhamento de uma moção de “Não Confiança no Governo“. O líder da oposição Jeremy Corbyn descreveu o governo como estando em “desordem“. Na visão do Grupo de Pesquisa Europeu do Par- tido Conservador (que se opõe ao Brexit), o tratado proposto por May é uma forma de pagar 39 bilhões de 5 libras e aceitar o apoio da Irlanda; em troca, o Reino Unido asseguraria um período de transição sem direito a veto, estaria obrigado a aceitar toda a nova legisla- ção da União Europeia, mesmo quando ameaçasse o interesse nacional, e, mediante o pagamento da taxa de saída, teria a oportunidade de iniciar conversas so- bre um novo acordo, cujos termos deveriam ser acor- dados por todos os 27 Estados da União Europeia (ao contrário do Acordo de Retirada). Em 15 de janeiro de 2019, o Parlamento do Reino Unido rejeitou o acordo, com 432 votos contra e 202 a favor – a maior derrota de um governo do Reino Unido na história. Logo depois, uma moção so- licitando a saída de Theresa May do cargo de primei- ra-ministra foi apresentada pela oposição e derrotada pelo Partido Conservador. O processo do Brexit atingiu seu auge em 15 de março de 2019, com a votação no Parlamento Bri- tânico sobre o acordo de saída da União Europeia, negociado pela primeira-ministra Theresa May. Além do futuro sobre a saída do Reino Unido do bloco eu- ropeu, está em jogo a continuação da premiê à frente do governo. Manifestantes seguram cartazes e bandeiras da União Europeia enquan- to participam de uma passeata contra o Brexit, em Londres. O debate e a votação tratam da aprovação de uma moção de apoio ao acordo para saída da União Europeia, um texto juridicamente vinculativo que esta- belece as condiçõespara tal. Além disso, os parlamen- tares votarão ainda sobre uma declaração que especi- fica como seriam as relações do Reino Unido com a UE após o Brexit. Para aprovar o acordo, May precisa de 320 votos, porém, ela não tem a maioria absoluta dos 650 deputados. Além disso, Tereza May não contará com o apoio de alguns conservadores linha-dura que já anunciaram que votarão contra o pacto. Também o norte-irlandês Partido Democrático Unionista, que faz parte do governo, se opõe ao atual acordo por causa da inclusão do chamado backstop, que garante que a fronteira entre a Irlanda do Norte, um território britâni- co, e a Irlanda, membro da UE, permaneça aberta, caso um novo acordo bilateral de comércio não seja firmado entre o Reino Unido e o bloco europeu até dezembro de 2020. Tanto os conservadores linha-dura como os parlamentares do DUP temem que a regra mantenha a União Europeia e o Reino Unido unidos por tempo indeterminado. O governo já sofreu duas derrotas. Os parla- mentares aprovaram uma emenda que proíbe o go- verno de gerar gastos para compensar um possível impacto de um Brexit sem acordo. Assim, para a libe- ração de verbas, o governo precisará do aval do Par- lamento. No segundo revés do governo, os deputados conseguiram reduzir de 21 dias para três o prazo que May terá para apresentar um plano B, caso ela perca a votação. May já disse que se a moção for rejeitada, o Reino Unido deixará a União Europeia sem acordo em 29 de março. Para a primeira-ministra, isso pode- ria significar o fim de seu governo. O líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, afirmou que seu partido votará contra o acordo e con- vocará um voto de desconfiança em caso de derrota do pacto. Se May tiver de renunciar, os trabalhistas pe- dirão novas eleições. Caso sejam vitoriosos no novo pleito, Corbyn prometeu renegociar os termos do Brexit com a União Europeia. Ele também não des- cartou um segundo referendo sobre a saída do bloco europeu. Muitos parlamentares trabalhistas apoiam a ideia de um novo referendo, mas somente se não houver novas eleições. Atualmente, não há maioria para nenhuma das opções possíveis: sem acordo (que significaria barreiras comerciais, bloqueio dos portos e escassez de produ- tos); um Brexit leve, que manteria o Reino Unido próxi- mo à UE; ou um segundo referendo. O fim ou um começo? Oficialmente, o Reino Unido abandonou sua participação na União Europeia, no dia 31 de janei- ro de 2020. O primeiro-ministro Boris Johnson soltou uma declaração e falou de um “começo de uma nova era“ para o país e prometeu uma “verdadeira renova- 6 ção nacional“, depois de 47 anos como membros da União Europeia. Bandeiras do Reino Unido foram colocadas no Parlamento para marcar o dia do Brexit. Foram necessários 1.317 dias de espera, dois adiamentos, três primeiros-ministros e uma série de acordos rejeitados pelo parlamento britânico até que a saída finalmente se concretizasse. No Dia do Brexit, britânicos saíram às ruas para comemorar (ou lamen- tar) a separação e lotaram a Parliament Square, em Londres, onde se concentrou a festa do movimento Leave Means Leave. Um período de transição de onze meses come- çou e o Reino Unido vai, em geral, seguir as regras da União Europeia, ou seja, o Reino Unido continua, por enquanto, sendo um único mercado e mantendo as regras alfandegárias. Isso significa que continuam as regras de comércio e livre circulação de bens e serviços, a liberdade de circulação para pessoas e a Suprema Corte da União Europeia ainda tem jurisdição sobre o país. Mas não mais haverá representantes britânicos no Parlamento Europeu, nem ministros britânicos nas reuniões da UE. A partir de agora, o Reino Unido tentará fechar um novo acordo econômico com a União Europeia e com outros países. O presidente dos EUA, Donald Trump já acenou para a construção de um grande acordo de comércio com o Reino Unido. Cidadãos britânicos não são mais cidadãos europeus, mas ainda podem viajar livremente pelos países do bloco – o mesmo vale para os europeus no Reino Unido –, mas depois do período de 31 de dezembro de 2020, as regras de imigração muda- rão para os cidadãos do Reino Unido e da UE. Os 3,5 milhões de cidadãos da UE no Reino Unido terão até junho de 2021 para fazer um pedi- do de residência, mas, se não houver um acordo sobre isso, o prazo para ficarem no país é o fim de 2020. Os 1,3 milhão de britânicos na UE terão que fazer um pe- dido de residência. Depois da transição, o Reino Unido planeja um sistema de imigração baseado em pontos, que vai afetar todo mundo. Irlanda e Irlanda do Norte Uma das questões mais delicadas do Brexit sempre foi a das Irlandas: enquanto a República da Irlanda – um país independente – permanece na União Europeia, a Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, deixa o bloco. O acordo de paz de 1999, que pôs fim a três décadas de sangrentos conflitos entre os dois países, almeja a ausência de barreiras físicas. Desde então, pode-se cruzar a fronteira sem passar por nenhum controle físico. A venda de bens e serviços ocorre com poucas restrições, já que ambos os lados fazem parte do mercado comum europeu e da união aduaneira. A fronteira entre as duas Irlandas passou a ser, na práti- ca, a fronteira física entre a UE e o Reino Unido. Atualmente, não há uma fronteira rígida, com controle de mercadorias e passaportes, na fronteira entre Irlanda do Norte e República da Irlanda. 7 O plano que Boris Johnson conseguiu acordar com a UE e aprovar no Parlamento prevê que não ha- verá novas checagens ou controles de mercadorias que cruzem a fronteira entre as duas Irlandas. Para isso, a Irlanda do Norte será uma exceção e continuará se- guindo as regras da UE em relação a produtos manu- faturados e agrícolas. Além disso, todo o restante do Reino Unido deixará a união aduaneira da UE, mas a Irlanda do Norte continuará aplicando o código alfan- degário europeu em seus portos. Com isso, produtos e processos terão novas checagens e processos – não ao circular entre Irlanda do Norte e Irlanda, mas sim entre Irlanda do Norte e os outros países do Reino Unido: Inglaterra, País de Gales e Escócia. Durante o período de transição até dezembro de 2020, haverá ainda um comitê exclusivo para discu- tir questões relativas à Irlanda do Norte. Existe também um compromisso de que, caso não se chegue a um acordo ao final da transição, a Irlanda do Norte não será afetada pelas mesmas tarifas e barreiras comer- ciais que poderão ser impostas ao restante do Reino Unido pela União Europeia. Controle de circulação de produtos en- tre Grã-Bretanha e Irlanda do Norte Reino Unido sai da União Europeia, mas Ir- landa do Norte deve manter regime adua- neiro do bloco Fonte: G1. Infográfico atualizado em 29/10/2020.
Compartilhar