Buscar

Paradigma das Ciências Econômicas

Prévia do material em texto

1 
 
O ANTICIENTÍFICO PARADÍGMA DAS CIÊNCIAS ECONÔMICAS 
 
Fernando Alcoforado* 
Nenhuma escola de pensamento econômico considerou a economia como um sistema 
aberto. Todas as escolas de pensamento econômico — da marxista aos neoclássicos, da 
keynesiana à schumpeteriana, etc. — compartilham uma visão de sistema econômico 
isolado do ambiente natural. Assim, a visão do sistema econômico como sendo circular 
e fechado tem orientado as mais diversas escolas e teorias. O pensamento de Georgescu-
Roegen (1906-1994), economista romeno, representa o rompimento com o paradigma 
que considerava o sistema econômico como um sistema fechado. 
Georgescu-Roegen afirma que o sistema econômico é apenas um subsistema de um 
sistema maior chamado meio ambiente. O sistema econômico (enquanto atividade 
produtiva) deveria estar submetida a um sistema maior chamado ambiente, e não o 
contrário. É questionável, portanto, o fato de ainda prevalecer no ensino das ciências 
econômicas, o paradigma que insiste em orientar tal campo do conhecimento baseando, 
como pressuposto de análise geral, apenas a visão do diagrama de fluxo circular, 
envolvendo empresas e famílias, de um lado, e os mercados de bens e serviços e de 
fatores de produção, de outro. Dessa visão estreita do sistema econômico sobre um 
fluxo circular “fechado” que não permite inputs do ambiente e outputs para o ambiente, 
é importante destacar que o diagrama do fluxo circular apresenta uma visão irreal de 
qualquer economia, por considerá-la como um sistema isolado no qual nada entra do 
meio ambiente natural e nada sai para o meio ambiente natural, uma vez que nessa 
concepção nada existe no exterior dele mesmo. 
 
O diagrama de fluxo circular é estritamente uma representação da circulação do 
dinheiro na economia e dos bens em sentido inverso. Se fosse um sistema aberto 
interagindo com o meio ambiente, o sistema econômico deveria considerar no cálculo 
do PIB, além do consumo das famílias e das empresas, investimento das empresas e do 
governo, consumo do governo, receita com exportação e despesa com importação, o 
custo ambiental resultante do esgotamento dos recursos naturais do planeta e o custo 
ambiental resultante da poluição dos solos, recursos hídricos, oceanos e do ar. No 
sistema econômico fechado, o cálculo do PIB não inclui esses custos ambientais. O 
modelo de sistema econômico hoje adotado não considera na saída a poluição e os 
resíduos para o ambiente e não considera na entrada matéria e energia do ambiente 
como recursos limitados. Além disso, no modelo de sistema econômico hoje adotado 
não é levado em conta, também, o fato de ser ele um sistema dinâmico que nunca 
alcança a situação de equilíbrio que requer, sistematicamente, ajustes constantes em sua 
operação. 
 
O modelo de sistema econômico hoje adotado opera como se fosse uma máquina de 
moto-perpétuo, ou seja, uma máquina capaz de produzir trabalho ininterruptamente 
independentemente do meio ambiente natural. Todavia, isso é irreal porque contradiz 
umas das principais leis da Física: a primeira lei da termodinâmica, da conservação da 
energia. Sobre esta questão, é recomendável recorrer ao físico italiano Enrico Fermi 
(1901-1954) que define a primeira lei da termodinâmica como sendo a afirmação do 
princípio de conservação da energia para sistemas termodinâmicos. Como tal, pode ser 
expressa do seguinte modo: A variação de energia num sistema durante qualquer 
transformação é igual à quantidade de energia que o sistema troca com o ambiente. A 
2 
 
visão estreita da economia não prevê troca com o meio ambiente desobedecendo a lei da 
conservação da energia. 
 
O modelo de sistema econômico hoje adotado não respeita, também, a segunda lei da 
termodinâmica, a lei da entropia, porque apresenta rendimentos decrescentes em sua 
operação como é o caso da tendência decrescente do crescimento econômico do PIB 
mundial e da taxa de lucro no sistema capitalista mundial. Parece, portanto, evidente 
que a entropia que ocorre no mundo material se reflete, também, na atividade 
econômica. O enunciado Kelvin-Planck fala da impossibilidade do "motor ideal" ou 
moto-perpétuo porque toda máquina sempre produzirá energia a ser utilizada com 
desperdício de parte desta em calor a ser perdido. Analogamente, toda economia ou 
máquina de produção de riqueza consome materiais e energia do ambiente com 
desperdício de parte deles sob a forma de resíduos que retornam para o ambiente. Com 
base nesses argumentos, trata-se de um imperativo a quebra do paradigma vigente na 
análise de sistemas econômicos que desconsidera a existência de uma estreita e 
profunda relação entre a economia e o ambiente. 
 
Georgescu-Roegen discorreu que energia, economia, entropia e ecologia eram termos e 
conceitos que não deviam ser discutidos (e ensinados) em separado, como até então se 
praticava e ainda se pratica hoje (GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas. The Entropy Law 
and the Economic Process. Cambridge: Harvard University Press, 1971). Para 
Georgescu-Roegen, o futuro da economia não deveria estar condicionado a taxas altas 
de crescimento do produto, mas, ao contrário deveria considerar a necessidade do 
“decrescimento econômico”, pois o progresso, nos moldes em que estava se 
consolidando, era potencialmente gerador de caos e desordem. Até a década de 1970, 
pouco ou quase nada se falava de forma enfática nos chamados “limites do crescimento 
econômico”. 
 
O posicionamento de Georgescu-Roegen sobre a necessidade de questionar o 
crescimento econômico foi anterior à primeira conferência em escala internacional em 
Estocolmo para se discutir a atividade econômica e seus impactos sobre o meio 
ambiente. Onze anos depois desse primeiro encontro em Estocolmo, a Organização das 
Nações Unidas (ONU) criou a“Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o 
Desenvolvimento” que produziu, tempos depois, o Relatório Brundtland, “Nosso 
Futuro Comum”, complementando outro importante relatório produzido pelo Clube de 
Roma, em 1972, “The Limits to Growth”, (Os Limites do Crescimento) que descrevia 
as interações catastróficas entre as ações humanas e seus impactos ambientais. 
 
O ponto principal do Relatório Brundtland era o de que a economia global deve atender 
às necessidades e desejos legítimos das pessoas, mas o crescimento teria de se adequar 
aos limites ecológicos do planeta coincidente com o posicionamento de Georgescu-
Roegen. O Relatório Brundtland ainda atestava que a humanidade tem a capacidade de 
tornar o desenvolvimento sustentável – de assegurar que ele atenda às necessidades do 
presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às suas 
próprias necessidades. A partir desses encontros internacionais, a comunidade 
acadêmica começava a ensaiar suas observações consistentes sobre a relação economia 
e meio ambiente. 
Ao afirmar que era fundamental que todos entendessem que o desenvolvimento humano 
dependeria da retração da atividade econômica e não de uma expansão sem freios e a 
qualquer preço que tem sido a prática de todos os países do mundo ao longo da história, 
3 
 
a visão de Georgescu-Roegen constitui realmente um rompimento com o paradigma 
dominante na Economia. A consideração da Lei da Entropia no raciocínio econômico 
proposta por Georgescu-Roegen exigiria revisões profundas no corpo teórico 
convencional, a começar pela representação básica do funcionamento de um sistema 
econômico. 
 
A noção de entropia tem implicações epistemológicas drásticas para todo o edifício 
teórico do paradigma dominante na Economia. Entretanto, a ruptura maior está na 
admissão de que o processo de geração de ordem (estabilidade econômica), que é o 
objetivo da produção econômica vem necessariamente acompanhado da geração de 
desordem. Esta engloba desde impactos ambientais locais até o fenômeno das mudanças 
climáticas antropogênicas catastróficas. O primeiro passo, segundo Georgescu-Roegen, 
consiste no abandono do paradigma que considera o sistema econômico como um 
sistemafechado. 
 
*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em 
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor 
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento 
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São 
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do 
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de 
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento 
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos 
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic 
and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & 
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e 
Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento 
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes 
do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no Brasil- 
Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015). Possui blog na 
Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br.

Continue navegando