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AULA 1 TERAPIA COGNITIVO - COMPORTAMENTAL PARA CASAIS Profª Carolina Miranda do Amaral e Silva 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, faremos contextualização histórica e estudaremos as pesquisas sobre terapia cognitivo-comportamental para casais. Veremos quando é necessária a busca pela terapia de casal e sua eficácia, assim como o olhar integrativo da TCC para casais, trazendo as influências da terceira onda de terapias cognitivo-comportamentais. No trabalho com casais, seja na prática ou em pesquisa, é fundamental a compreensão do conceito de casal e de conjugalidade, o ciclo vital do casal, os modelos de conjugalidade e as fases de transição na vida de um casal, que configuram, dessa forma, os demais tópicos desta aula. TEMA 1 – HISTÓRICO, PRINCÍPIOS E PESQUISAS EM TERAPIA COGNITIVO- COMPORTAMENTAL Foi a partir dos anos de 1950 e 1960, especialmente na Inglaterra e Estados Unidos, que surgiu a terapia comportamental para casais, junto ao movimento político de emancipação das mulheres. A maior liberdade feminina, somada às novas relações de trabalho, trouxeram mudanças profundas nas relações conjugais, que atualmente, ainda se refletem no cotidiano dos casais. Àquele momento, como uma forma de manter a convivência, os casais passaram a buscar ajuda para melhorar habilidades de comunicação e resolução de problemas. No final da década de 1970, as cognições foram introduzidas para fazer parte do tratamento de casais em conflito, contudo dentro de um paradigma comportamental (Margolin; Weiss, 1978 citado por Dattílio, 2011). Inicialmente, as técnicas cognitivas eram malvistas por terapeutas comportamentais, pois as percebiam como dificuldade de mensuração para medir-se a confiabilidade. Isso mudou com a publicação de resultados de pesquisas. Dessa forma, a abordagem cognitiva no tratamento conjugal teve início com base em intervenções comportamentalistas, que focavam o contrato marital e o intercâmbio social simples (Dattilio e Padesky, 1995 citado por Peçanha, 2005). Bandura (1977), com a Teoria da aprendizagem social, enfatizou os processos cognitivos-perceptivos, por meio das atribuições dos cônjuges ao comportamento do companheiro e de si mesmo. Assim, a utilização de intervenções técnicas cognitivas e comportamentais poderia melhorar o nível de satisfação na interação conjugal (Peçanha, 2005). 3 Exemplos do uso sistemático de estratégias cognitivas em terapia de casal foram apresentados por pesquisadores comportamentais Jacobson (1992) e Hahlweg, Baucom e Markman (1988), para que os cônjuges pudessem fazer o reconhecimento dos precipitantes de discórdias, e assim reestruturar seus comportamentos (Dattilio, 2011). Como na psicoterapia individual, a avaliação cognitiva e os métodos de intervenção foram adaptados para casais, com a finalidade de melhorar habilidades dos parceiros para avaliação e modificação das próprias cognições problemáticas, e das habilidades em comunicação e resolução de problemas, de modo construtivo (Baucom e Epstein, 1990; Dattilio; Padesky, 1990; Epstein; Baucom, 2002, citados por Dattilio, 2011). A Terapia racional-emotiva-comportamental (Ellis, 2003), trouxe o enfoque predominantemente cognitivista a terapia conjugal, destacando a relevância das crenças irracionais no relacionamento conjugal (Peçanha, 2005; Peçanha e Rangé, 2008). Segundo a TREC, as fontes geradoras de conflitos e desentendimentos na relação seriam resultado de crenças irracionais dos parceiros sobre a relação (Peçanha, 2005; Peçanha; Rangé, 2008), e pelo fato de as insatisfações estarem relacionadas às avaliações negativas extremadas (Peçanha, 2005). Com base nisso, o processo terapêutico consistiria na identificação e alteração de crenças e pensamentos inadequados, que resultariam em mudanças emocionais e comportamentais nos parceiros (Peçanha; Ragé, 2008). Na década de 1980, a terapia cognitivo-comportamental para casais, baseada nos conceitos de Aaron Beck, passou a ser mais pesquisada e utilizada na América do Norte. Houve uma adaptação de procedimentos e técnicas aplicados no tratamento de transtornos mentais para a intervenção com casais em conflito (Beck, 1995). No Brasil, somente a partir da década de 1990 é que começaram a ser publicados os primeiros livros e capítulos de livros sobre o assunto (Peçanha; Rangé, 2008). Peçanha e Rangé (2008) publicaram um estudo na Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, em que um dos objetivos era traçar o perfil das pesquisas sobre TCC com casais no Brasil, focalizando artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais. Os autores utilizaram sete importantes bases de dados bibliográficas e encontraram apenas dois artigos que se enquadravam em seu objetivo, em periódicos nacionais. A produção científica sobre a abordagem cognitivo-comportamental com casais, no Brasil, ainda é bastante reduzida e 4 restringe-se, basicamente, a livros e capítulos de livros de autores brasileiros e estrangeiros (traduzidos) para nortear a prática clínica. TEMA 2 – A TERAPIA PARA CASAIS E SUA EFICÁCIA A terapia conjugal é mais eficaz do que a ausência de intervenção (Baucom et al., 1998). As terapias na conjugalidade cuja eficácia está mais testada são as seguintes: comportamental; cognitivo-comportamental e integrativo- comportamental (Christensen; Jacobson, 2000). A Associação Americana de Terapia de Casal e Família (Association for Marriage and Family Therapy – AAMFT) conduziu um levantamento (Northey Jr., 2009), em que os terapeutas relataram a principal modalidade de tratamento entre 27 diferentes modalidades mencionadas. A terapia cognitivo-comportamental foi a que contou com mais incidências. Recentemente, junto a uma parceria da Universidade de Columbia, de 2.281 respondentes, 68,7% declararam o uso frequente da TCC em combinação com outros métodos (Psychotherapy Networker, 2007 citado por Dattilio, 2011). Esses dados refletem na utilidade e na eficácia da TCC para casais e famílias. A disseminação da abordagem cognitiva-comportamental pode ser atribuída a inúmeros fatores, contudo o principal é o fato da submissão a um número cada vez mais expressivo de estudos controlados, o que a diferencia de outras modalidades terapêuticas. Além do mais, as evidências científicas corroboram sua eficácia, suprindo a crescente demanda por tratamentos baseados em evidências. A terapia cognitiva atrai pacientes que valorizam uma abordagem pragmática e um papel mais proativo para si na resolução de problemas e desenvolvimento de habilidades para um relacionamento mais funcional. Em consequência do papel mais proativo do paciente, a abordagem foca em um relacionamento colaborativo entre terapeuta e paciente(s). 2.1 Terapia comportamental A terapia comportamental para casais deriva de modelos de aprendizagem social, como já descrito anteriormente (Bandura, 1977), e postula que a satisfação do casal advém da qualidade negativa ou positiva das interações conjugais, sendo as interações negativas a punição ou a ausência de recompensas. Isso irá 5 promover interações positivas e estratégias de resolução de problemas, além do desenvolvimento de aptidões de comunicação. 2.2 Terapia cognitivo-comportamental A terapia cognitivo-comportamental integra os princípios da abordagem comportamental. Além disso, irá enfatizar as cognições, tais como, as atribuições, padrões e expectativas sobre o relacionamento e o comportamento, atenção seletiva de comportamentos. Com isso, a intervenção ocorrerá através da reestruturação cognitiva, avaliação cognitiva sistêmica, reelaboração de interpretações e de outras técnicas, que também incluem as comportamentais. 2.3 Terapia integrativo-comportamental A terapia integrativo-comportamental não irá focar apenas na mudança comportamental, pois aceita áreas consideradas difíceis de mudança, ativandoproblemas ‘tabu’. Acontece um ‘jogo dialético’ de aceitação e mudança, com a busca por aceitação dos aspectos que são negativos em si e no outro. O relacionamento saudável não é compreendido como a relação ausente de conflito, mas aquela em que os conflitos se tornam construtivos e capazes de aumentar a intimidade e proximidade do casal (Cordova; Jacobson, 1999) e aborda a expressão de fragilidades dos pares. A intervenção acontece no momento presente (mindfulness), e o integrativo refere-se ao foco tradicional (promover mudança), somado ao foco recente – promover a aceitação (Cordova e Jacobson, 1999). A terapia comportamental baseada em mindfulness e aceitação integra a terceira onda das terapias cognitivo-comportamentais. Saiba mais Mindfulness “é o termo usado para descrever esse ato de aceitar plenamente de forma consciente e intencional eventos, sentimentos ou pensamentos, com o mínimo de elaboração intelectual ou julgamento.” (Vandenberghe, 2006, p. 155.) TEMA 3 – O CONCEITO DE CASAL O casal surge quando dois indivíduos se comprometem numa relação que pretendem se prolongue no tempo [...] O que está em causa é assumir o desejo de viverem juntos, a criação de um lar e de um modelo relacional próprio; 6 referimo-nos a um processo, mais do que a momento. (Relvas, 1996) O que é um casal? Como na definição apresentada por Relvas (1996), no casal existe o comprometimento com a relação a dois, que se complementam e se adaptam, reciprocamente, para constituir um modelo de funcionamento conjugal que vai muito além de um momento, pois refere-se a um processo. E esse modelo inicia muito antes de o relacionamento efetivamente acontecer, pois resulta inicialmente do modelo de conjugalidade construído em suas famílias de origem. Cada parceiro traz esquemas, crenças, padrões, expectativas, atribuições sobre relacionamentos advindos de sua história de vida e de suas vivências relacionais anteriores. Mais do que a soma de dois (díade), no casal há uma triangulação, com inclusão e exclusão, constantemente, de um terceiro (famílias de origem, parentalidade, influências sociais, terapeuta). Relvas (2000) enfatiza existir sempre a relação com um modelo simbólico de conjugalidade. Para Sampaio e Gameiro (1985), é nesse ponto que acontece a tarefa primordial de articulação entre individualidade e conjugalidade, relativas às heranças das famílias de origem. É essencial que os membros que compõem o casal façam uma verdadeira entrega ao relacionamento sem que tenham a sensação de renúncia de sua própria individualidade ou questões familiares, assim como não deve renunciar às influências trazidas pelo cônjuge a relação. Dessa forma, com esses jogos de equilíbrio e complementaridade é que a conjugalidade se torna, idealmente, funcional. Para Otero e Ingberman (2009), até pouco tempo atrás, os casais que buscavam por terapia, no Brasil, eram predominantemente, legalmente casados e de, no máximo, meia idade. Atualmente, a busca por terapia de casal apresenta uma crescente variedade de parceiros, como namorados, casais jovens ou idosos, heterossexuais, homossexuais. E isso nos faz repensar sobre os significados diferentes do que é um casal, em diferentes contextos. Exemplificando, pode haver o significado legal, assim como o social, em que duas pessoas estão envolvidas em uma relação amorosa ou sexual. A investigação com casais geralmente é feita sobre casais coabitantes, pois a conjugalidade está associada à coabitação, contudo a conjugalidade difere de relação matrimonial, que implica o casamento civil. A conjugalidade não se define por registro legal, heterossexualidade e/ou durabilidade. Para quem está de fora, é, por vezes, difícil compreender a relação, pois os membros do casal acabam por criar suas próprias regras para o relacionamento. O subsistema conjugal tem 7 como uma de suas funções desenvolver limites e fronteiras que possam proteger o casal da intrusão de outros elementos (família de origem e filhos) de modo a proporcionar a satisfação das necessidades psicológicas de seus membros. Para Vedes, Lindes e Lourenço (2011), a complexidade e a riqueza da conjugalidade refletem a multidimensionalidade apresentada entre a série de paradoxos que os pares precisam gerir, tais como autonomia versus dependência (Narciso e Ribeiro, 2009 citado por Vedes et al., 2011); estabilidade versus mudança (Alarcão, 2006 citado por Vedes; Lindes; Lourenço, 2011); segurança versus novidade (Perel, 2007 citado por Vedes; Lindes; Lourenço, 2011). A maneira de gerir e equilibrar esses paradoxos conforme as necessidades é que fazem com que os casais desenvolvam mais suas forças ou suas fragilidades (Alarcão, 2006; Narciso; Ribeiro, 2009 citados por Vedes; Lindes; Lourenço, 2011). E toda essa complexidade e essa diversidade no funcionamento conjugal fazem com que os problemas relacionais estejam associados a negativas consequências psicológicas e físicas para os cônjuges, como irá se refletir nos outros sistemas em que esses estão envolvidos. TEMA 4 – CICLO VITAL DO CASAL E MODELO DE CONJUGALIDADE 4.1 Ciclo vital do casal A atenção do terapeuta deve se voltar aos padrões de relacionamento, pois ao longo do tempo estes é que irão manter a relação, permitindo que ela tenha resistência às circunstâncias e mudanças, previsíveis e imprevisíveis, no ciclo de vida do casal. Isso porque o período inicial de uma relação é o momento de grande envolvimento amoroso. Um período de construção, com planos e sonhos, e de projeção, do futuro ideal, tem por base a fusão e a ilusão do presente. Por conseguinte, a conjugalidade deve ser vista como algo contínuo, e não ter como base este momento (Dinis, 2016). Franck-Lynch (1986, citado por Relvas, 1996) postulou a existência de três estágios no ciclo vital do casal: estágio de fusão, estágio do realismo e estágio do reequilíbrio. A conceituação desse ciclo permite o entendimento da dinâmica da conjugalidade ao longo dos anos de relação, o que irá contribuir para a compreensão de fenômenos influenciam a relação, como satisfação e ajustamento conjugal. Estágio da fusão: é o primeiro estágio e compreende os primeiros dez anos da relação conjugal. Geralmente, nos três primeiros anos, por conta 8 das adaptações necessárias, ocorrem mais conflitos. O nascimento de filhos ou outros eventos importantes podem servir como fator de distração de conflitos. Aproximadamente, com sete anos de relação, torna-se mais definitiva a fusão, o que leva a um compartilhamento de poder, e a resolução de conflitos se mostra mais estruturada conjugalmente. Nessa etapa, destaca-se o equilíbrio entre as famílias de origem, as redes sociais e outros sistemas de influência para o casal. Estágio do realismo: é o segundo estágio, do retorno ao você e ao eu. Essa etapa, compreendida entre os dez e vinte anos, está marcada pelo crescimento e a independência dos filhos. A fase propõe espaço para que os membros do casal façam uma análise da contribuição individual de cada um na relação e um reinvestimento em autonomia e individualidade, o que pode evidenciar a ideia e/ou receio de dissolução. Estágio do reequilíbrio: o terceiro estágio é a fase de empatia do casal, que configura a saída dos filhos de casa, remetendo à possibilidade da volta da valorização e do investimento na relação. Alguns fatores podem influenciar essa fase e são importantes para sua compreensão: aposentadoria, netos, doenças, morte de amigos e familiares e o receio da própria morte e/ou do cônjuge. 4.2 Modelo de conjugalidade 4.2.1 Modelo de Gottman e Gottman (1999) A pesquisa de Gottman e Gottman (1999) demonstrou que casamentos bem-sucedidos dependem do equilíbrio entre interações positivas e negativas. Dessa forma, o preditor mais consistente de insatisfação conjugal, e consequentemente, de dissolução conjugal,é afetar negativamente a reciprocidade entre o casal. Quando a reciprocidade é afetada negativamente, a resposta do cônjuge à negatividade do parceiro será, provavelmente, afetada negativamente (Gottman; Gottman, 1999). Mas nem toda a negatividade é igual. Inúmeras comunicações carregadas desse afeto é que serão corrosivas para a satisfação e a estabilidade relacional. Esses padrões de comunicação prejudiciais, nomeados como os quatro cavaleiros do Apocalipse (Gottman; Gottman, 1999) são a crítica, o desprezo, a defensividade e a obstrução. A fisiologia é uma variável preditora da 9 estabilidade conjugal (Gottman; Gottman, 1999), pois o corpo responde ao perigo percebido, o que leva a uma capacidade reduzida do processamento de informações e dificulta a escuta do outro. Diante dessa situação, há menos acesso a novas aprendizagens e maior acesso a comportamento e cognições habituais, tornando mais acessíveis respostas de luta e soluções não criativas aos problemas. Conforme Gottman e Gottman (1999), os casais devem desacelerar, restaurar a calma e focar a atenção para melhorar as respostas de “luta de fuga”. Isso facilitará um diálogo mais frutífero, o que contribui para a saúde física e emocional de cada parceiro. Resumidamente, para o autor, a principal tríade de aliança – fluxo de comportamento, percepção e fisiologia – tem um relacionamento bidirecional. E essa tríade determina a inundação que pode levar ao distanciamento, mediada pelos quatro cavaleiros apocalíticos, e que, por sua vez, acarreta aflição e frequentemente a dissolução da relação. Gottman (1993) acredita que existem duas qualidades essenciais no casal: nível geral de afeto positivo e capacidade de reduzir o afeto negativo durante a resolução de conflitos. Inclusive, o autor expandiu essas qualidades em sua Teoria da casa conjugal (Gottman; Gottman, 1999). Equipara-se, assim, a relação a uma casa composta por sete andares, em que os três primeiros andares baseiam-se na fundação de amizade conjugal. O nível seguinte é o sentimento positivo de rejeição, seguido da regulação dos conflitos com a resolução de problemas, e depois apoiando um ao outro em relação aos sonhos de cada um. O nível superior consiste em criar significado compartilhado. Ao utilizar esse modelo, é possível identificar pontos fortes e áreas para melhoria nas relações conjugais. 4.2.2 Modelo de Beck (1995) Beck (1995) apresenta uma importante contribuição sobre o papel das cognições inadequadas para o funcionamento do ser humano, e dos relacionamentos amorosos, especificamente. No estudo com casais em conflito, Beck (1995) percebeu que os erros no processo de pensar eram iguais aos que ocorriam com pacientes deprimidos e ansiosos. Como os pensamentos automáticos são ideias ou imagens “pré- conscientes” que passam na mente das pessoas sem serem percebidas, em situações específicas os parceiros não notam, muitas vezes, o fluxo de pensamentos, que está mediando suas emoções e comportamentos. Esse nível 10 de raciocínio acaba não sendo avaliado e é aceito como plausível por um ou ambos os cônjuges. Dessa forma, o pensamento automático do companheiro insatisfeito torna-se disfuncional em algum momento, por influência de seus esquemas individuais (Dattilio et al, 1998, citado por Peçanha, 2005). Exemplificando, ao chegar à sua casa, Maria percebe que seu marido, Pedro, não chegou ainda. Maria pensa: “ele está atrasado, já deveria ter chegado do trabalho”. Mas o pensamento de Maria vai além: ela imagina que Pedro está tendo relações com outra mulher. Maria não leva em consideração outras possibilidades para o ocorrido. O problema está na falta de verificação da validade dessas cognições. O desenvolvimento das crenças intermediárias e centrais de um parceiro sobre a relação vem desde a infância, com influências da cultura, dos pais, dos primeiros encontros, entre outros (Dattilio et al, 1998, citado por Peçanha, 2005). Segundo Beck (1995), os cônjuges podem se comportar na relação diferentemente, rejeitando esses modelos. Contudo, para o autor, as crenças inadequadas sobre a relação não se encontram em um nível de consciência dos cônjuges, pois a forma como os parceiros acreditam que “deveria ser” o relacionamento geralmente é associada a uma crença irracional, que não está bem articulada na mente dos parceiros (Dattilio et al, 1998, citado por Peçanha, 2005). TEMA 5 – AS FASES DE TRANSIÇÃO NA VIDA DO CASAL Existem poucos estudos sobre os processos que acompanham as transições na vida do casal e suas relações com a qualidade conjugal. Contudo, o casal passa por algumas fases características de mudanças, que são importantes para a compreensão da relação conjugal, suas dimensões e de possíveis conflitos. 5.1 Transição para a conjugalidade Compõe a pré-conjugalidade e a conjugalidade recente. A satisfação pré- conjugal é fator preditor da satisfação ao longo da vida dos cônjuges. A existência de comportamentos e padrões negativos na comunicação do casal conduz a um pior prognóstico para a satisfação conjugal. 5.2 Transição para a parentalidade 11 Acontecem mudanças profundas na vida e nas prioridades do casal. Diminuem as atividades em casal, que passam a acontecer em família. Muitos casais tendem a viver basicamente para os filhos. Há um aumento das tarefas familiares. Dessa forma, apresenta-se um declínio da qualidade conjugal após o nascimento do primeiro filho (Belsky, 1990), o que é influenciado pela idade dos pares, pelas expectativas acerca da parentalidade, pelo temperamento da criança e por fatores econômicos. A qualidade conjugal é diretamente proporcional ao desempenho paternal, ou seja, dependendo do desempenho paternal, pode haver melhoria na qualidade conjugal. Todavia, o nascimento é apenas um dos domínios em interação que afetam a qualidade conjugal. Casais com filhos têm menos divórcios, e os conflitos conjugais apresentam consequências negativas para cônjuges e filhos. 5.2.1 Transição para a adolescência Há poucos dados sobre essa fase de transição dos casais para a adolescência dos filhos. Mostra-se uma fase de emergência de questões mal ou não-resolvidas sobre disciplina, níveis de autonomia, comunicação sobre a sexualidade e drogas. 5.2.2 Transição para o ninho vazio Pode-se mostrar um momento de aumento da qualidade conjugal, ou de conflito por conta de o casal ter passado anos tendo os filhos como referenciais de vida e voltam-se à díade. Há poucos dados sobre essa fase. 12 REFERÊNCIAS BAUCOM, D. H.; EPSTEIN, M. Cognitive-behavioral marital therapy. New York: Bruner/Mazel, 1990. BAUCOM, D. H.; GORDON, K. C.; SNYDER, D. K. An integrative intervention for promoting recovery from extramarital affairs. Journal of Marital and Family Therapy, April, 2004, v.30, n. 2, p. 213-231. BANDURA, A. Social learning theory. 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