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QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL AULA 6 Profa. Valdirene da Rocha Pires 2 CONVERSA INICIAL Olá! Seja bem-vindo à sexta e última aula da disciplina Questão Social e Serviço Social! O objetivo desta aula é trabalhar as diferentes concepções e formas de enfrentamento da questão social no contexto dos vários estágios do capitalismo: na tradição liberal clássica, no capitalismo monopolista, no neoliberalismo e na atualidade. CONTEXTUALIZANDO Durante seu processo de implementação e consolidação enquanto modo de produção e “modelo” econômico, o capitalismo passa por diversos estágios. As visões sobre a pobreza, e os problemas daí decorrentes, apresentam-se de formas diferentes em cada um desses estágios. Compreender como se dá as diferentes concepções sobre a questão social em cada um desses estágios do capitalismo é fundamental para compreender, também, as formas de enfrentamento da questão social em cada período. Neste sentido, iniciaremos nossa aula apresentando a concepção de questão no liberalismo clássico, onde a principal causa da pobreza e da miséria é vista como um problema de caráter dos sujeitos e não como consequência do desenvolvimento do sistema capitalista. Na sequência, trataremos da concepção de questão social no contexto do capitalismo monopolista e no neoliberalismo, apresentando as diferentes formas de enfrentamento da questão social nestes estágios do capitalismo. TEMA 1 - POBREZA E QUESTÃO SOCIAL NA CONCEPÇÃO LIBERAL CLÁSSICA Segundo o Professor Carlos Montaño (2012) o termo “questão social” foi incorporado no pensamento conservador positivista para tratar da separação entre o econômico e o social, dissociando as questões tipicamente econômicas das “questões sociais”. (MONTAÑO, 2012, p.271) Deste modo, o debate sobre as raízes da questão social era desvinculado dos assuntos econômicos e políticos, pois os problemas sociais, associados à pobreza, à miséria, eram tratados como um fenômeno natural e não como decorrente da estrutura do sistema social. “Assim, se o problema social (a 3 ‘questão social’) não tem fundamento estrutural, sua solução também não passaria pela transformação do sistema” (MONTAÑO, 2012, p.271). Neste contexto, as expressões da questão social, como a miséria e a pobreza, e as manifestações daí decorrentes, são vistas como responsabilidade dos indivíduos (por exemplo, de caráter e de ”vagabundagem”), e não como produto ou consequência da estrutura econômica e social. A partir deste olhar sobre a questão social, manifesta-se a culpabilização dos indivíduos e grupos que se encontravam em situação de pobreza e\ou miséria. De acordo com, Montaño (2012), tal visão baseava-se em pelo menos três fatores: Primeiramente a pobreza no pensamento burguês estaria vinculada a um déficit educativo (falta de conhecimento das leis “naturais” do mercado e de como agir dentro dele). Em segundo lugar, a pobreza é vista como um problema de planejamento (incapacidade de planejamento orçamentário familiar). Por fim, esse flagelo é visto como problemas de ordem moral‑comportamental (malgasto de recursos, tendência ao ócio, alcoolismo, vadiagem etc.). (MONTAÑO, 2012, p.271) Conforme podemos perceber, na citação acima, a concepção de questão social na perspectiva liberal perpassa pela responsabilização dos indivíduos por sua condição de pobreza, desvinculando-a dos fundamentos estruturais econômicos, ou seja: desvinculando suas raízes do processo de desenvolvimento do capitalismo, da exploração do trabalho. Neste sentido, diante do olhar conservador sobre a questão social, o tratamento para com a mesma também perpassa por medidas conservadoras, desenvolvidos a partir de ações filantrópicas e, orientadas segundo seus valores: Moralizador (procurando alterar os aspectos morais do indivíduo) e comportamental (considerando a pobreza e as manifestações da “questão social” como um problema que se expressa em comportamentos, a solução passa por alterar tais comportamentos) [...] A ação é então a educação e a filantropia. Surgem assim os abrigos para “pobres” e as organizações de caridade e filantropia. (MONTAÑO, 2012, p.272) Diante do exposto, cabe ressaltar que, se o olhar sobre a questão social, do ponto de vista do pensamento liberal, perpassa pela naturalização da miséria e responsabilização dos indivíduos, fragmentando os pressupostos econômicos, sociais e políticos, suas formas de enfrentamento também irão ocorrer de forma fragmentada, isto é: por meio de ações pontuais e curativas, as quais não 4 mexem, menos ainda questionam os fundamentos da questão social, que é o próprio modelo de organização social cuja base é o sistema capitalista. TEMA 2 - POBREZA E QUESTÃO SOCIAL NO CAPITALISMO MONOPOLISTA No contexto do capitalismo monopolista, isto é, de expansão capitalista com base no modelo fordista de produção, o Estado passa a interferir nas áreas econômicas e sociais com vistas a dar suporte à “nova fase de acumulação capitalista e inibição‑institucionalização dos conflitos sociais da classe trabalhadora (represando os anseios de superação da ordem e transformando em pontuais demandas dentro da mesma)” (MONTAÑO, 2012, p.274). Nesta conjuntura, a questão social, bem como suas expressões, é vista como parte do processo de desenvolvimento desse estágio do capitalismo, e não mais como um problema de caráter dos indivíduos, isto significa que, Assim, a “questão social” passa de ser um “caso de polícia” para a esfera da política (de uma “política” reduzida à gestão administrativa dos “problemas sociais” e seu enfrentamento institucional), passa a ser tratada de forma segmentada, mas sistemática, mediante as políticas sociais estatais. (MONTAÑO, 2012, p.274) Segundo os apontamentos de Montaño (2012. p. 275), aqui as expressões da questão social são vistas como um “problema de distribuição do mercado, como um descompasso na relação oferta/demanda de bens e serviços”. É como se houvesse um desajuste na forma de distribuição dos bens e serviços produzidos socialmente, e é como se o problema de destruição fosse a falta de “demanda”, falta de consumidores para estes bens e serviço. Esta falta de demanda, por sua vez, seria causada pela “sobreoferta de força de trabalho não absorvida pela esfera produtiva”, isto é: pessoas desempregadas e, portanto, sem condições de consumir. Para enfrentar a falta de demanda por bens e serviços, o Estado deveria intervir na questão social de forma a atender tais carências e, ao mesmo tempo, criar condições para a produção e consumo de modo que movimentasse o mercado, “incentivando a uma contenção do desemprego ou uma transferência de renda” (seguridade social e políticas sociais)” (MONTAÑO, 2012, p. 275). Esta forma de enfrentamento da questão social é considerada como os primeiros moldes de políticas sociais, com base na teoria Keynesiana, de seguridade social (pleno emprego e distribuição de renda). 5 A partir desses apontamentos é possível perceber que a abordagem sobre a questão social avança no sentido de sua inserção como parte integrante do desenvolvimento capitalista, e não mais como um problema de caráter e de comportamento dos indivíduos que enfrentam a pobreza e suas carências. Por fim, ao considerar a pobreza como um problema de distribuição, de falta de demanda no mercado, há um entendimento de que a raiz da questão social estaria na má destruição, ou na falta de consumidores dos bens e serviços.“Com isso, desloca‑se a gênese da “questão social” da esfera econômica, do espaço da produção, da contradição entre capital e trabalho para a esfera política, no âmbito da distribuição, como uma questão entre cidadãos carentes e o Estado”. (MONTAÑO, 2012, p. 276) TEMA 3 - A QUESTÃO SOCIAL NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO Uma das características centrais do pensamento neoliberal é a defesa de uma intervenção mínima do Estado na área social, “com programas de combate à fome e à miséria, financiados em parte por doações da ‘sociedade civil’ e com retiros das classes trabalhadoras (rendas obtidas a partir do arrocho salarial, das reformas previdenciárias da “flexibilização” das leis trabalhistas etc.)” (MONTAÑO, 2012, p. 276). A partir desta concepção, a questão social volta a ser concebida como um problema dos indivíduos que padecem de assistência e, portanto, a responsabilidade com o atendimento das demandas sociais retorna às instituições filantrópicas. Isto significa que no neoliberalismo a “autoajuda, a solidariedade local, o benefício e a filantropia substituem o direito constitucional do cidadão de resposta estatal” à questão social (MONTAÑO, 2012, p. 276). Ao contrário da perspectiva Keynesiana (que entende a pobreza como um problema de demanda de consumidores), no pensamento neoliberal vincula-se a pobreza e os problemas dela decorrentes à uma questão de escassez na oferta de bens e serviços. Para “solucionar tal problema”, o Estado deve estimular o capital a investir, garantindo e preservando o lucro frente às flutuações do mercado, particularmente em contexto de crise”. Enquanto isso, a ação social ficará focalizada e precária no âmbito estatal, e de fundamental responsabilidade da ação voluntária e solidária de indivíduos e organizações da sociedade civil. (MONTAÑO, 2012, p. 276) 6 Com base nos apontamentos do Professor Montaño, podemos perceber que a estratégia de enfrentamento da questão social na concepção neoliberal é muito próxima da concepção liberal clássica (que atribui aos indivíduos a culpa pela sua condição de pobreza), por conceder às instituições filantrópicas a responsabilidade de atendimento às demandas. TEMA 4 - QUESTÃO SOCIAL NA CONTEMPORANEIDADE Como já abordamos, a questão social representa a base de fundação da especialização do trabalho do Assistente Social. Já apontamos também que a questão social representa o conjunto de expressões da desigualdade social produzida pelo sistema capitalista maduro (Iamamoto, 2010). Sobre a raiz da questão social, Iamamoto, (2010) aponta os seguintes elementos: Produção social é coletiva O trabalho é amplamente social A apropriação dos frutos é privada Desfruta apenas uma parte da sociedade Neste sentido, podemos afirmar que a contradição entre a produção social coletiva e a apropriação privada dos bens está no fato de este sistema garantir grandes possibilidades de acesso aos bens e serviços socialmente produzidos (por exemplo: a cultura, à educação, ao lazer, aos alimentos, à ciência e tecnologia) a apenas uma pequena parcela população, enquanto que, por outro lado, esse mesmo sistema proporciona grandes dificuldades a outro grupo, os menos favorecidos economicamente, sendo que a pobreza, a desigualdade e falta de condições de desenvolvimento se fazem presente no cotidiano desses grupos. É em meio a essas diversas formas de expressão da questão social que trabalha o Assistente Social, vivenciando a questão social tanto em forma de desigualdade quanto de rebeldia e resistência a ela. (Iamamoto, 2010) Vamos ver o que a Prof.ª. Iamamoto diz a respeito desta temática: É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais distintos aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. (IAMAMOTO, 2010, p. 28) 7 De acordo com a autora, é exatamente em função dessas contradições que compreender as mediações nas quais se expressa a questão social é fundamental para o serviço social, para que possamos criar meios de resistência às injustiças sociais e, ao mesmo tempo, de defesa da vida e dos direitos. Assim a apreensão da questão social nos tempos atuais significa também a apreensão “das múltiplas formas de pressão social, de invenção e de reinvenção da vida construídas no cotidiano, pois é no presente que que estão sendo criadas formas novas de viver”[...]. (IAMAMOTO, 2010, p. 28) Se as expressões da questão social são objeto de trabalho do assistente, o grande desafio que se coloca aos assistentes sociais é o que Iamamoto (2010, p. 28) chama de “decifrar as múltiplas expressões da questão social, sua gênese e as novas características que assume na contemporaneidade”, para, com isso, criar iniciativas para seu enfrentamento. TEMA 5 - QUESTÃO SOCIAL: OBJETO DE INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL? Temos tratado no decorrer dessa disciplina que a questão social constitui objeto de pesquisa e intervenção do Serviço Social. Como já apontamos anteriormente, de acordo com Iamamoto (2010), os assistentes sociais atuam na questão social em suas mais diversas expressões. Quanto a essas afirmações, é correto dizer que há um consenso no interior da litura da profissão de que a questão social constitui de fato a base de fundação da profissão. No entanto, para problematizar um pouco mais essa temática, neste item, vamos colocar alguns questionamentos sobre o papel do Serviço Social frente à questão social. Vamos indagar algumas contradições existentes na incorporação da questão social como objeto de uma única profissão, o serviço social. Vejamos então, algumas formas de pensar a questão social para além do objeto específico de uma única profissão. Se pensarmos da dimensão que o termo questão social representa, poderemos perceber que as mais diversas profissões têm suas atuações determinadas por ela: o médico que atende problemas de saúde causados por fome, insegurança, acidentes de trabalho, etc.; o engenheiro que projeta habitações a baixo custo; o advogado que atende pessoas sem recursos para defender seus direitos; enfim. Os mais diversos profissionais que, também, atuam nas expressões da questão social. (MACHADO, 2016, p.03) 8 Diante da constatação da autora, podemos verificar que além dos profissionais do Serviço Social, há outras categorias profissionais atuando e atendendo demandas decorrentes das expressões da questão social. Ou seja, sendo a questão social um conjunto de expressões das desigualdades sociais produzidas pelo modo de produção capitalista, ela se apresenta também como demandas às mais diversas profissões, as quais atuam muitas de forma interdisciplinar com o serviço social para atenuar as consequências das contradições entre capital e trabalho. No entanto cabe esclarecer que não estamos desconstruindo aqui tudo aquilo que afirmamos e procuramos esclarecer anteriormente, ou seja, que a questão social se constitui objeto de intervenção profissional do serviço social. O que estamos procurando problematizar é um olhar para a questão social que extrapole a visão de que só o serviço social pode interferir e/ou propor meios para seu enfretamento, pois a questão social não se configura objeto privativo do serviço social, na medida que há outros setores que também atuam em suas demandas. Para melhor esclarecer esse debate, vamos ver o que Faleiros (ano, p.) nos traz sobre a questão social e o objeto profissional: A questão do objeto profissional deve ser inserida num quadro teóricoprático-prático, não pode ser entendida de forma isolada. Penso que no contexto do paradigma da correlação de forças o objeto profissional do serviço social se define como empoderamento, fortalecimento, empowerment do sujeito, individual ou coletivo, na sua relação de cidadania [...] (FALEIROS, 1999 apud, MACHADO, 2016 p.04) Nesse caso, a partir da visão de Faleiros, percebemos que a questão social não deixa de ser objeto do serviço social, mas o autor a insere como objeto do quadro teórico-prático do serviço social, ou seja, coloca a questão social como categoria de análise da realidade. Quanto ao objeto profissional do serviço do serviço social, o Faleiros sugere ser o empoderamento dos sujeitos. Empoderar os sujeitos para o exercício da cidadania, para o alcance da autonomia, que os possibilite condições dignas de vida e de trabalho. NA PRÁTICA Um dos temas tratados nesta rota foram as diferentes concepções e formas de enfrentamento da questão social no contexto do desenvolvimento do 9 capitalismo. Neste sentido, como exercício prático da nossa aula, vamos refletir sobre o tema estudado a partir da seguinte questão: O que o professor Montaño quer dizer com a seguinte afirmação? “Assim, a questão social” passa de ser um “caso de polícia” para a esfera da política de uma “política [...]”. É possível dizer que um entendimento de que houve um avanço na forma de enfrentamento da questão social no capitalismo monopolista? Por que antes a questão social era considerada um caso de polícia e depois a passa e ser um caso de política? Essa reflexão deve ajudá-los a compreender o contexto das mudanças pelas quais passou a visão sobre as expressões da questão social no processo de desenvolvimento da nossa sociedade, bem como, as formas de enfrentamento propostas em cada fase do capitalismo. FINALIZANDO Nesta rota, vimos que a questão social é vista por diferentes perspectivas no processo de desenvolvimento do capitalismo. As concepções de questão social e suas formas de enfrentamento vão desde a criminalização da miséria e da pobreza à responsabilização do Estado no que tange ao enfrentamento de suas expressões. É importante lembrar que, mesmo em diferentes concepções sobre a questão social apresentadas, do ponto de vista da literatura do Serviço Social com base na tradição marxista, a questão social tem apenas uma base de fundamentação, ou seja, as contradições presentes nas relações entre capital e trabalho. Isto significa dizer que, como elemento constitutivo destas contradições, está o fato de a produção dos bens e serviço necessários para a manutenção da vida serem produzidos de forma coletiva, mas sua apropriação ser privada. Ou seja, só é possível desfrutar dos bens e serviços socialmente produzidos quando se tem recurso para adquiri-los em forma de mercadoria. REFERÊNCIAS MACHADO. E. Questão Social: objeto do serviço social? Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v2n1_quest.htm> FALEIROS. V. P. O Serviço Social no cotidiano: fios e desafios. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 120, p. 706-722, out./dez. 2014 10 MONTAÑO. C. Pobreza, “questão social” e seu enfrentamento. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 110, p. 270-287, abr./jun. 2012. Disponível em: <ttp://www.cressrn.org.br/files/arquivos/nR33120487j7O65JW81e.pdf>. Acesso em 13 jan 2017.
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