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DISCIPLINA: QUESTÃO SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL AULA 02 Prof.ª Valdirene da Rocha Pires 2 CONVERSA INICIAL Seja bem-vindo (a) à segunda aula da disciplina Questão Social e Serviço Social! Nossos objetivos, nesta aula, são: abordar os temas que envolvem a constituição do Serviço Social como Profissão e sua vinculação com a Questão Social; constatar a emergência do Serviço Social no Brasil e o contexto político e social que deram os primeiros formatos da atuação profissional. CONTEXTUALIZANDO A questão social é um tema muito discutido e pesquisado no âmbito do Serviço Social brasileiro. É, também, compreendida como objeto de intervenção profissional, cujas expressões, os assistentes sociais se deparam no dia a dia de suas atividades profissionais. A compreensão da vinculação das primeiras práticas assistenciais com a questão social é fundamental para a formação do profissional de Serviço Social, pois trata dos contextos históricos que deram o formato para o Serviço Social, enquanto profissão. TEMA 01 – QUESTÃO SOCIAL E O SURGIMENTO DOS PRIMEIROS ASSISTENTES SOCIAIS Se de um lado, em meados do Séc. XIX, a mobilização dos trabalhadores e a organização dos sindicatos, que se fortaleciam para lutar contra as precárias condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, preocupava a burguesia, por outro lado, a união entre a burguesia, Estado e Igreja, formou um grande bloco reacionário e coercitivo que objetivava conter as manifestações dos trabalhadores. 3 De acordo com Martinelli (2010, p. 66), “o resultado dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade, em Londres, em (1869)”, em que seus membros passaram a assumir a responsabilidade pela prática da assistência pública. É, portanto, neste contexto que surgem os primeiros Assistentes Sociais, como afirma a autora: Surgiam, assim, no cenário histórico os primeiros Assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação de ‘Serviço Social’ acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços. (MARTINELLI, 2010, p. 63) Desta forma, os estudos, que se dedicam em desvendar o surgimento do Serviço Social, afirmam que a profissão tem suas raízes em contradições e expressões sociais inerentes ao capitalismo. Segundo Martinelli (2010), a profissão nasce da articulação de um projeto burguês gestado pelo capitalismo e para a ele servir, buscando afirmar-se com prática humanista que envolvia a sanção do Estado e a proteção da igreja. Tendo em vista as condições históricas que determinaram o surgimento da profissão do Assistente Social, Martinelli (2010) afirma que o Serviço Social é “uma criação típica do capitalismo, por ele engendrada, desenvolvida e colocada permanentemente a seu serviço” (MARTINELLI, 2010, p.66) É nesse contexto, portanto, que se dá a vinculação do surgimento do serviço social como uma estratégia de controle social, utilizada pela burguesia para conter as manifestações e as lutas dos trabalhadores e, assim, manter determinada ordem social. TEMA 02 – A PROFISSIONALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL A racionalização da assistência se consolida, de fato, no final do século XIX, momento em que os trabalhadores ingleses estavam mais articulados e organizados na defesa da causa operária. Então, com o objetivo de conter o movimento dos trabalhadores, a Sociedade de Organização da Caridade se ocupou em promover a organização das atividades da assistência. Esta prática ocorreu “impedindo as manifestações coletivas e mantendo um controle sobre a ‘questão social’”, para que as 4 manifestações dos trabalhadores não colocassem em risco a ordem social. (MARITNELLI, 2010, p.99) Martinelli (2010) afirma, ainda, que a organização da assistência não aconteceu de forma ingênua por parte da burguesia, do Estado e da Igreja. Os objetivos desta prática eram bem claros, a repressão sob a organização dos trabalhadores tinha um cunho ideológico, era uma estratégia para conter a ameaça que a força política do movimento dos trabalhadores representava. A racionalização da prática da assistência se desenvolve, portanto, com o propósito de controle social sobre os pobres, no sentido de procurar adaptá- los aos padrões burgueses. Da profissionalização da assistência, é imprescindível fazer o resgate das primeiras escolas de serviço social. Neste sentido, a influência da americana Mary Richmond, representante da Sociedade de Organização da Caridade, marcou a história da criação do primeiro curso de serviço social, em 1897. O objetivo da criação do primeiro curso destinado à “aprendizagem da ação científica da filantropia” era a sistematização do ensino em serviço social, sob a responsabilidade da Sociedade de Organização da Caridade. (MARITNELLI, 2010, p.99) Então, quando falamos no contexto da profissionalização da assistência, é substancial a retomada histórica da influência de Mary Richmond como a pioneira em pensar a sistematização da assistência. Mas, apesar de sua ação pioneira, a concepção de Richmond sobre a questão social não divergia da concepção burguesa, de que a pobreza e os problemas a ela associados era uma questão de caráter. Sendo assim, Mary Richmond “concebia a tarefa assistencial como integradora e reformadora do caráter” (MARITNELLI, 2010, p.106). Foi, portanto, desta forma que a ação social filantrópica se institucionaliza como campo de estudo e como profissão. Nos anos seguintes surgiram inúmeros cursos de formação de agentes sociais, assim como, surgiram cursos em vários países da Europa, como em 1899, em Amsterdã, na Holanda e, em 1908, em Berlin, na Alemanha. (MARTINELLI, 2010, p.107). 5 TEMA 03 – QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL Para interpretar a relação entre questão social e política social, é importante compreender a questão histórica sobre a jornada de trabalho. Esta importante discussão é travada no livro O Capital (Marx, 1988) em que Marx procura mostrar de que forma o tempo excessivo de trabalho traz lucro ao capitalista. É importante lembrar que estes estudos se referem ao período que marca a Revolução Industrial e que “naquele momento – a segunda metade do século XIX –, a força de trabalho reagia à exploração extenuante, fundada na mais-valia absoluta, com extensão da jornada de trabalho e também à exploração do trabalho de crianças, mulheres e idosos. ” (BOSCHETTI; BEHRING, 2009. p. 55) Como já abordamos, anteriormente, a questão social tem sua gênese na constituição das relações capitalistas de produção social e, neste contexto, podemos afirmar que as políticas sociais são formas de enfrentamento às expressões da questão social. Isto significa que, para uma melhor apreensão da questão social como “elemento constitutivo da relação entre o Serviço Social e a realidade” faz-se necessário a compreensão das políticas sociais como estratégia de enfrentamento da questão social adotada pelo Estado e pela burguesia. É importante partir da compreensão de que o Estado detém a força para regulamentar a relação entre capital e trabalho, sendo a questão social um conjunto de expressões desta relação. Mas de que forma o Estado regulamenta essa relação? Principalmente por meio de legislações trabalhistas, permitindo a exploração do trabalho, baixos salários, extensas jornadas de trabalho, entre outras. Se por um lado há o Estado regulamentando a relação capital e trabalho e,assim, favorecendo os interesses capitalistas; por outro há o movimento da classe trabalhadora reivindicando melhores condições de vida e de trabalho, inclusive a redução da jornada de trabalho. Por isso, afirma-se que, “a luta em torno da jornada de trabalho e as respostas das classes e do Estado são, portanto, as primeiras expressões contundentes da questão social, já repleta naquele momento de ricas e múltiplas determinações.” (BOSCHETTI; BEHRING, 2009. p. 55) 6 É, portanto, a partir do debate acerca da jornada de trabalho que podemos identificar o aparecimento da luta de classes e da questão social “bem como suas formas de enfrentamento com o início da regulação relação capital/trabalho. ” (BOSCHETTI; BEHRING, 2009. p. 56) TEMA 04 – E NO BRASIL? COMO SE DÁ A VEICULAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL COM SERVIÇO SOCIAL? No Brasil, o surgimento do Serviço Social tem seu marco no início da década de 1930. Tendo como referência o modelo dos países europeus, o Serviço Social brasileiro nasce a partir de ações filantrópicas da burguesia e da Igreja Católica. É importante lembrar que este é um período em que o Brasil passa por grandes transformações, do ponto de vista econômico, social e político, pois a década de 1930 também é considerada o marco da expansão das indústrias do país. Em 1932, a partir da aliança entre burguesia e a Igreja Católica, foi criado o primeiro Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS). O objetivo deste Centro era “qualificar os agentes para a realização da prática social”, sendo sua principal clientela, as moças vinculadas à igreja Católica e pertencentes à burguesia paulista. (MARTINELLI, 2010, p. 123) Assim como nos países europeus, no Brasil, o movimento operário também vinha se articulando, e “a luta pela sobrevivência, pelo trabalho, pela liberdade levava o proletariado a avançar em seu processo organizativo, o que era visto com muita apreensão pela burguesia”. (MARTINELLI, 2010, p. 122) Foi diante deste complexo cenário que surgem, então, as primeiras ações de profissionalização do Serviço Social brasileiro, fortemente vinculado às ações filantrópicas e com vistas ao “enquadramento dos assistidos” aos valores éticos e morais da Igreja Católica. A partir de inciativas do mesmo grupo que criou o CEAS, em 1936 foi criada a Escola de Serviço Social de São Paulo, a primeira do Brasil. A partir desse momento começam a aparecer demandas por profissionais especializados no âmbito de algumas instituições estatais, como, por exemplo, 7 para atuar no Serviço de Proteção aos imigrantes e para os trabalhos com famílias nos bairros. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011) A vinculação do Serviço Social brasileiro com a questão social, assim como em outros países, também decorre das necessidades sociais originadas pelas contradições entre capital e trabalho. No entanto, é importante lembrar que o Serviço Social é institucionalizado no Brasil num diferente contexto social e histórico, que traçam seu desenvolvimento enquanto profissão. Neste sentido, é importante esclarecer que o período da década de 1930, no Brasil, é marcado pela transição da chamada República Velha para o “Estado Novo”, de Getúlio Vargas, com destaque para as tensões decorrentes da luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e de trabalho. Diante de tal situação, o Estado, “como estratégia para baixar a tensão reinante entre os trabalhadores, trouxe para si próprio a responsabilidade de cuidar da reprodução da força de trabalho. ” (MARTINELLI, 2010, p. 123). Isto ocorre por meio da articulação com a Igreja e com a burguesia. TEMA 05 – A QUESTÃO SOCIAL COMO OBJETIVO DO SERVIÇO SOCIAL Na aula anterior, pontuamos que a questão social é um conjunto de expressões oriundas das desigualdades sociais, provocadas pelo processo de desenvolvimento do sistema capitalista. Isto posto, cabe agora, compreender a relação do serviço social com a questão social, bem como o seu objeto de intervenção. Sendo a questão social determinada pelo desenvolvimento da sociedade capitalista, é no decorrer deste processo que o serviço social se alicerça como especialização do trabalho, tendo-a como base de intervenção profissional. Para compreender este processo, é importe resgatar, como já vimos, que a institucionalização do serviço social, como profissão, decorre da sistematização das práticas filantrópicas. Entretanto, com o decorrer do tempo, o Estado também assume a responsabilidade para com situações vindas da desigualdade social. A assistência passa, então, a ser praticada, também, no âmbito das políticas públicas. Sendo assim, vale lembrar que, no cotidiano do trabalho, os assistentes sociais atuam com as mais diversas expressões da questão social, na área da saúde, na assistência social, na área habitacional, na educação, no sócio jurídico, etc. (IMAMOTO, 2010) 8 A partir desta compreensão, você deve estar se perguntando: mas como é que estas situações, decorrentes da desigualdade social, se manifestam enquanto expressões da questão social? Pois bem, então vamos trabalhar com alguns exemplos: Na área da assistência, trabalhamos com situações decorrentes do desemprego, como: a ausência de renda, dificuldades de acesso à alimentação, situações de violência, idosos e crianças em situação de risco, etc. Na área da saúde, as expressões da questão social se manifestam na falta de leito nos hospitais, na dificuldade de acesso a medicamentos, nas dificuldades de prevenção de diversas doenças, etc. Na educação, também, são inúmeras as manifestações da questão social. Por exemplo, o analfabetismo e suas implicações, a dificuldade de acesso à profissionalização que afeta as oportunidades de trabalho, entre outras consequências sociais. Na área habitacional, nos deparamos com a ausência de condições de acesso à moradia digna, com as diversas formas de ocupações de espaços de risco, sem saneamento ambiental, com moradias precárias, e com todos os males caudados por estas situações. Estes são alguns exemplos de como as expressões da questão social se manifestam no dia a dia do trabalho do assistente social nas mais diversas áreas de atuação. NA PRÁTICA Agora que já trabalhamos alguns temas que nos ajudam a compreender a relação do Serviço Social com a questão social, vamos pensar num exemplo de expressão da questão social com a qual o Assistente Social pode se deparar no cotidiano do seu trabalho: Imagine um assistente social que atua num Centro de Referência da Assistência Social (CRAS). Agora, imagine que este/esta profissional atende, diariamente, diversos usuários e usuárias, que procuram o CRAS para fazer o cadastro para o Programa Bolsa Família (PBF). Imaginou? Pois bem, agora vamos lembrar que o PBF é um programa de transferência de renda, que tem por objetivo garantir 9 renda mínima às famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, bem como que a garantia desta renda mínima tem como pressuposto o direito à alimentação. Assim sendo, se existe um programa estatal de transferência de renda, é porque existem famílias com dificuldades para prover sua alimentação de forma adequada. Neste caso, a falta de condições de acesso à alimentação é uma expressão da questão social. SÍNTESE Nesta aula, vimos algumas situações históricas que marcam a vinculação do surgimento da profissão do Serviço Social com a questão social. Vimos, também, que os primeiros Assistentes Sociais são assim denominados em função de suas práticas filantrópicas e, com isso, surge a institucionalizaçãodas práticas filantrópicas, as quais, com o tempo, se desenvolvem na profissão do Serviço Social. Assim, a compreensão das expressões da questão social, como objeto do serviço social, é incorporada à medida que a profissão vai se desenvolvendo. Tendo como as suas principais ações e intervenções, a busca por “amenizar” situações decorrentes das desigualdades sociais, causadas pelo desenvolvimento do capitalismo. REFERÊNCIAS BEHRING. E. R; BOSCHETTI. I. Política Social: fundamentos e história. 6.ed. São Paulo. Cortez. 2009. GUERRA, Y. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2002. IAMAMOTO. M.; CARVALHO. R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação metodológica. São Paulo. Cortez. 2011. IMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2010. MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo. Cortez, 2010.
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