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AulA 3 – MeMóriA, AprendizAgeM MultiMídiA e o seu sexto sentido BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. 43 Aula 3 Memória, aprendizagem multimídia e o seu sexto sentido Metas • Apresentar aspectos da arquitetura cognitiva humana relevantes para a aprendizagem. • Relacionar essa estrutura com os benefícios associados a aprendizagem multimídia. Objetivos Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 1. diferenciar mídia instrucional de capacidade multimídia; 2. conceituar memória de longo prazo e memória operacional; 3. relacionar os tipos de memória aos processos de aprendizagem; 4. identificar maneiras pelas quais a multimídia pode favorecer a aprendizagem. 44 BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. AulA 3 – MeMóriA, AprendizAgeM MultiMídiA e o seu sexto sentido BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. 45 O sexto sentido Em fevereiro de 2009, a pesquisadora Pattie Maes, do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), um dos centros de pesquisa mais famosos do mundo, apresentou, como parte de um ciclo de palestras do TED, a última criação de seu grupo de trabalho: o Sexto Sentido. A invenção, que maravilhou uma das plateias mais seletas do universo criativo, foi idealizada por um de seus estudantes, na Mistry, considerado o gênio por trás da ideia. O protótipo é composto de um pequeno projetor, um espelho e uma câmera, acoplados entre si de forma a se poder carregá-los ao redor do pescoço. O projetor e a câmera estão conectados a um pequeno computador móvel – basicamente um telefone celular – que fica no bolso do usuário. O projetor transpõe a informação visual em absolutamente qualquer superfície de que se disponha. A câmera reconhece e rastreia gestos realizados pela mão do usuário, além de identificar outros objetos físicos. O software no computador processa os dados capturados pela câmera e um tipo de interação de tirar o fôlego nos faz crer que realmente rompemos uma barreira tecnológica e estamos vivendo aqui, agora, uma realidade de ficção científica. O Instituto de Tecnologia de Massachussets (em inglês, Massachusetts Institute of Technology, MIT) é um dos centros de ciência e tecnologia mais importantes do mundo. Localizado em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos, o centro universitário possui vários departamentos e escolas, nos quais já se formaram diversos cientistas, escritores, governantes, alguns dos quais integram a lista dos 70 Prêmios Nobel produzidos pelo Instituto. TED É uma organização sem fins lucrativos dedicada a compartilhar ideias que “valham a pena ser espalhadas”. A organização teve início (em 1984) como uma conferência que reuniu pessoas de três mundos: Tecnologia, Entretenimento e Design. Desde então, seu alcance se tornou cada vez mais amplo, incluindo duas conferências anuais e o premiado site de vídeos TEDTalks em que os mais fascinantes pensadores do mundo são desafiados a dar o que falar, em 18 minutos ou menos. Figura 3.1: O Sexto Sentido é um dispositivo composto de uma câmera, um projetor e um espelho, que o usuário carrega ao redor do pescoço. O conjunto é conectado ao um computador móvel, compatível com as potencialidades de celulares modernos. A câmera, dentre outras coisas, reconhece gestos realizados com as mãos do usuário pelo rastreamento do movimento de marcadores coloridos usados ao redor da ponta dos dedos. O usuário passa a estar equipado não apenas com uma tecnologia de última geração, mas com informação relevante para ele, disponível de forma imediata, a qualquer momento que precise, não importa onde esteja. É como se passássemos a ser capazes de vivenciar fenômenos metapsíquicos. Como se passássemos a dispor de um sexto sentido. O resultado? Milhões de anos de evolução da espécie humana que se relaciona com o mundo por meio de seus cinco sentidos traduzidos em uma tecnologia que rompe barreiras e liberta a informação de seu confinamento ao papel ou à tela digital. Um simples gesto com as mãos é reconhecido como a intenção do usuário em fotografar. A imagem enquadrada entre seus dedos é registrada e posteriormente tratada, como qualquer outra, sobre qualquer superfície que queiramos usar como tela de projeção. Um fenômeno metapsíquico é fruto da ciência homônima que se dedica à criação de produtos que parecem inteligentes ou originados de poderes desconhecidos. 46 BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. Figura 3.2: O Sexto Sentido reconhece gestos pré-identificados e os associa, por exemplo, à intenção de fotografar. A palma de nossas mãos pode, facilmente, se transformar no teclado de um telefone celular projetado pela pequena câmera. Basta teclar o número desejado e a conexão está feita. Em um supermercado, a partir do reconhecimento do código de barras ou da própria imagem de um produto, o usuário passa a ter acesso a informações consideradas relevantes de acordo com critérios que ele próprio estabeleceu: preço, qualidade, sustentabilidade etc. O papel higiênico da fotografia, por exemplo, teve “sinal verde” para com em função de atender melhor aos critérios ecológicos predefinidos. Em uma livraria, diante de um livro que queremos comr, podemos dispor de informações sobre a publicação, tais como cotações feitas pela loja virtual “Amazon”. Informações adicionais sobre o tema, autor e quaisquer outras também podem ser acessadas facilmente. Como sempre ocorre quando criações humanas rompem barreiras tecnológicas, questões sociais, éticas e culturais vêm à reboque. Uma potencialidade colocada como controvertida é a capacidade do dispositivo reconhecer rostos e associar informações, imediatamente, acerca da pessoa em questão. Certamente trata-se de algo sobre o que pensar. Figura 3.4: A loja virtual “Amazon” atribuiu 5 estrelas à publicação que o usuário tem nas mãos. Na outra foto, a pessoa de camiseta branca é um estudante. Uma nuvem de imagens é projetada sobre seu corpo e outras informações, tais como a que grupo de trabalho pertence ou que blogs costuma ler, podem ser visualizadas. Informações naturalmente não perceptíveis por nossos cinco sentidos passam a ser inteligíveis de forma natural e intuitiva, e a tomada de decisões passa a dispor de todo o conhecimento acumulado pela humanidade, cada vez mais acessível online. O Sexto Sentido traz a informação intangível ao mundo tangível, permitindo ao usuário interagir com ela por meio de gestos naturais. A informação é integrada à realidade de forma nunca vista antes, fazendo do mundo inteiro o seu computador. Figura 3.3: A câmera do dispositivo tanto projeta imagens que são, em si, outras tecnologias (tais como um telefone celular), quanto imagens informativas que nos auxiliam diante de um processo decisório. AulA 3 – MeMóriA, AprendizAgeM MultiMídiA e o seu sexto sentido BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. 47 saiba mais TED TAlKs O texto sobre o Sexto Sentido foi adaptado da palestra proferida pela pesquisadora Pattie Maes como parte de uma das apresentações do TED. Mais de 900 vídeos TEDTalks encontram-se, nesse momento, disponíveis, no site, muitos legendados em vários idiomas e todos liberados sob uma licença do tipo Creative Commons, para que possam ser livremente compartilhados. Eventos organizados independentemente, em diversos países do mundo, são conhecidos como TEDx, e São Paulo já organizou dois desses encontros. Ficou curioso? Então anote o endereço e não deixe de conferir: os links abaixo conectam você direto com o Sexto Sentido! Fonte: http://www.ted.com e http://www.ted.com/talks/ pattie_maes_demos_the_sixth_sense.html Você teve a curiosidade de ler o boxe “TedTalks”? Por mais jovem que seja, se você foi conferir o link para o vídeo do Sexto Sentido, provavelmente se surpreendeu com a apresentaçãoe, em alguns momentos, pode ter chegado a fi car de queixo caído. Eu fi quei! De fato, a tecnologia por trás da invenção assina embaixo da supremacia intelectual humana, em plena Era da Informação. Uma dos aspectos mais provocantes e perturbadores de todos é o fato de o mundo se tornar nosso computador. Na verdade, a informação correta é o fato de que nós fazemos parte do mundo que se tornou nosso computador! Todos os nossos sentidos podem ser incorporados na busca de informações e na tomada de decisões. Além de informações visuais, nada impede de querermos saber mais acerca de um aroma que acabamos de sentir, um sabor que nos deram para experimentar, uma música que escutamos em uma loja de CDs. E o que isso tem a ver conosco, agora? Simples. O Sexto Sentido representa a excelência do que chamamos capacidade multimídia de um veículo. Tem a ver com o fato de nós, seres humanos, sermos dotados de cinco sentidos e de a aprendizagem multimídia ser construída ao redor deles. Embora não haja qualquer relação cognitiva implicada, instruções multimídia são mais frequentemente oferecidas na Educação a Distância, em função do tipo de tecnologia necessária a essa modalidade de ensino e aprendizagem. Em nosso MBA em Gestão Empreendedora não é diferente. Você já está estudando em um ambiente virtual de aprendizagem, acessando a internet, fazendo uso diário de uma série de recursos e informações apresentados a você em diferentes formatos. Por que é tão importante explorar a aprendizagem multimídia? O que acontece com você quando estuda fazendo uso de um computador? Aprendizagem multimídia é algo que só ocorre com auxílio de equipamentos tecnológicos? A conversa é importante e você, gestor, não pode fi car fora dela. 48 BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. Atividade 1 AgOrA TuDO FAz sEnTIDO Observe atentamente os boxes a seguir. Neles você encontra exemplos de diferentes modos de se obterem informações disponíveis no mundo. Agora reflita e responda: Pergunta 1: As informações disponíveis nos quatro boxes têm um tema em comum. Você saberia identificar qual é esse tema? ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ A rosa é uma das flores mais sedutoras que existem. As inúmeras cores em que ocorre na natureza, historicamente inspiram os mais variados sentimentos e significados, a maioria deles relacionados ao amor. Quem já não recebeu ou enviou rosas vermelhas, em sinal de paixão, ou brancas em busca de reconciliação? Menos comuns, mas igualmente intensas, rosas amarelas significam a existência de um amor platônico. Como diriam João Bosco e Vinicius de Moraes, o amor mais bonito de todo universo certamente é feito com rosas e versos. 1 Delícia turca é um doce feito de maisena, açúcar e água de rosas, um produto secular, de origem árabe, obtido a partir da destilação das pétalas da flor. Tem consistência de gelatina e é coberto com açúcar de confeiteiro para não endurecer rápido. Visite esse endereço para aprender como extrair a essência de pétalas de rosas e de outras plantas http://www. youtube.com/watch?v=yGpmL75dwYA 4 2 3 O que é multimídia, afinal? O termo “multimídia” é, atualmente, utilizado de maneira corriqueira e cotidiana em conversas profissionais e sociais, entre pessoas das mais diferentes formações e idades. Mas será que todas essas pessoas conhecem o significado dessa palavra? Antes de continuarmos a discutir sobre o tema, gostaria que você parasse um minutinho a leitura para realizar a atividade proposta a seguir. Ba rt H ic km an Li ce nç a tip o Pu bl ic D om ai n / C hr is B ut tig ie g AulA 3 – MeMóriA, AprendizAgeM MultiMídiA e o seu sexto sentido BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. 49 Pergunta 2: Apesar do tema em comum, as informações são obtidas de maneira distinta, em cada uma das situações exemplifi cadas. Você saberia dizer de que modo elas se diferenciam? ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ rEspOsTA COMEnTADA Provavelmente você identifi cou que as quatro situações trazem informações acerca de um tipo de fl or, uma rosa. No entanto, cada uma delas traz uma informação perceptível por um de nossos sentidos. O sentido ao qual você associou cada informação depende da maneira como analisou a informação. No primeiro caso, a informação é escrita, concebida para ser apreendida a partir da visão (e processamento) do texto. No segundo caso, se você analisou do ponto de vista da criança na fotografi a, a informação é um aroma, compatível com a percepção por meio de nosso olfato. Ou novamente visual, se o observador for você. No terceiro caso, outra vez, do ponto de vista de quem prova o doce árabe, o gosto da essência da rosa é perceptível por meio de nosso paladar. Do seu ponto de vista, a informação é visual. Finalmente, se você se colocou no lugar da repórter entrevistando a especialista em extração de óleos de plantas, o vídeo acerca da obtenção da essência de pétalas de rosas se parece muito com a situação de uma aula prática, em que um “professor” lança mão de recursos e informações depreendidas pela combinação de nossa visão e audição, além do olfato. Do seu ponto de vista, a informação é audiovisual. A ati vidade que você acabou de realizar tem um objeti vo simples, porém fundamental para entender o conceito de multi mídia. É comum que haja uma confusão entre os conceitos de mídia instrucional e multi mídia. Mídia instrucional geralmente se refere a qualquer veículo uti lizado para apresentar ou entregar instruções acerca de algum assunto. Computadores, livros, televisões, rádios e jornais são exemplos do que chamamos de mídia instrucional. Repare que algumas dessas mídias veiculam informações compatí veis apenas com um de nossos cinco senti dos, como é o caso dos livros, jornais e rádios, enquanto outras veiculam informações compatí veis com dois senti dos ou mais, como a televisão e os computadores. É justamente aí que está a diferença entre os conceitos. Multi mídia se refere à capacidade de alguns destes veículos proverem representações de quase todos os modos sensoriais de instrução. Modos sensoriais são disti nguíveis de mídias porque se relacionam ao formato sensorial da informação, de forma a serem compatí veis com um dos nossos cinco senti dos. Isso fi ca fácil de você perceber na Ati vidade 1. Sem considerar o seu ponto de vista, as situações 1, 2 e 3 representam exemplos de informações disponíveis para serem percebidas, principalmente, por apenas um de nossos senti dos. Mas a situação 4 é um exemplo em que a apresentadora do vídeo tem a experiência de conhecer na práti ca como se extrai a essência de pétalas de rosas. Vários de seus senti dos estão sendo evocados pela especialista que faz a demonstração. Esse é o momento para notarmos que o conceito de multi mídia não se refere a um equipamento, mas a uma capacidade. Assim, um professor pode ter maior capacidade multi mídia que um computador e, dependendo de como esti ver explorando sua aula, pode proporcionar aos seus alunos a experiência de fazerem do mundo seucomputador e de se incluírem como parte dele. É isso, pessoas têm capacidade multi mídia! Quem precisa do O nt an u M ih ai 50 BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. Sexto Sentido para ensinar, afinal? Isso não é uma ideia libertadora? Se pensarmos bem, modos sensoriais visuais e auditivos podem ser providos por uma variedade de mídias, mas representações de tato, cheiro e textura são muito limitadas em termos dos veículos capazes de provê-las. Uma aula bem pensada, rica em recursos, que provoque todos os nossos sentidos pode surtir muito mais efeito em termos de aprendizagem do que o mais moderno dos computadores. Quer saber por quê? Então vamos passar para a próxima seção. Multimídia CInEMA 4D E TECnOlOgIA ArOMAsCOpE Apesar do apelo multimídia ao sentido do paladar ser ticamente inexistente, alguns filmes incluem a liberação de vapor d’água com o sabor da cena que está cena exibida. Em tais produções, que se autointitulam filmes 4D, um sopro de “ar salgado”, por exemplo, pode ser utilizado em uma cena de ia, para trazer maior apelo aos sentidos dos expectadores. Um filme 4D é simples: trata-se de um filme 3D com efeitos físicos no cinema, relacionados àquela quarta dimensão. A companhia coreana CJ 4D Plex é especialista em converter cinemas convencionais em cinemas 4D, já com resultados percentuais bastante promissores em termos do público adicional atraído. Recentemente foi anunciado que o filme “Pequenos Espiões” (em inglês “Spy Kids”) não será lançado em 2D ou 3D, mas em 4D, com a tecnologia denominada Aromascope. Com o ingresso, o expectador recebe um cartão com uma sequência de 8 aromas facilmente liberados quando raspamos uma parte específica do cartão com o dedo, a partir de uma sinalização na tela. Uma sinfonia de aromas é adicionada aos efeitos sonoros e visuais da produção. Em que toda essa tecnologia servirá para a Educação, ainda não sabemos. Por enquanto, podemos mesmo é nos divertir. nossas memórias Se cada vez mais a oferta de instruções privilegia a capacidade multimídia dos veículos, devemos supor que existam benefícios associados à aprendizagem multimídia e que sejam maiores que aqueles obtidos a partir de outros modos de instrução. Se essa é uma expectativa válida, por que isso acontece? Como é que aprendemos? Como é que nosso cérebro processa novas informações? Essa é uma discussão importante para você como aprendiz. Afinal, como chamei a atenção, qualquer programa de formação, atualmente - inclusive este em que você está inscrito - lança mão de uma série de objetos de aprendizagem amplamente baseados em suas capacidades multimídia. Mas ainda mais importante que uma discussão para qualquer aprendiz, esse conhecimento é estratégico para você, professor ou gestor, diante de processos decisórios e organizacionais que podem ter implicações críticas para a qualidade educacional que você busca. Conhecer a maneira como nosso cérebro processa informações é uma competência decisiva para a gestão de quase todas as ações envolvidas em uma organização que, ao cabo, lida com a aquisição de conhecimento. Por que você é um bom gestor? Por que você resolve rapidamente problemas que muitas vezes têm natureza complexa? Por que você sabe exatamente o que fazer diante das situações com as quais se depara em sua escola? Porque você é um especialista. Porque você aprendeu a ser assim. Porque você alterou, ao longo do tempo, sua memória de longo prazo. Cinema 4D: visite o link e conheça o conceito. http://www.youtube.com/watch? v=L7MeRt985-c AulA 3 – MeMóriA, AprendizAgeM MultiMídiA e o seu sexto sentido BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. 51 Memória de longo prazo Uma pesquisa feita em 1965 revelou uma informação importante que diferenciava grandes mestres enxadristas de jogadores iniciantes: sua capacidade de memorizar configurações de tabuleiros de jogos. Se uma configuração de um tabuleiro retirada de um jogo real lhes fosse mostrada e, depois de alguns segundos, fossem solicitados a reproduzi-la, grandes mestres eram capazes de recolocar a maior parte das peças corretamente. Jogadores menos capazes conseguiam recolocar apenas algumas delas. O mesmo não acontecia, no entanto, se as configurações dos tabuleiros fossem geradas aleatoriamente, sem guardar qualquer relação com um jogo real ou com as estratégias representadas por trás de cada combinação de peças. Todos nós temos dois tipos de memória fundamentais para podermos aprender coisas novas, conforme crescemos, conforme temos contato com novas informações e experiências: a memória de longo prazo e a memória de trabalho. Tudo em nossa memória de longo prazo foi aprendido para se adaptar, cognitivamente, a um ambiente. A aprendizagem é, em si, uma alteração na memória de longo prazo. Se nada tiver sido alterado na memória de longo prazo, nada foi aprendido. E o que isso tem a ver com mestres enxadristas? Especialistas, em qualquer área, têm uma memória vastamente superior à de novatos para problemas propostos em seus campos de especialidade. Grandes mestres enxadristas podem memorizar até 100 mil configurações de tabuleiros. É justamente esse armazenamento de informações na memória de longo prazo que constitui a expertise. Habilidades de resolução de problemas (como os problemas complexos com os quais um enxadrista se depara) são criticamente determinadas por informações armazenadas na memória de longo prazo. Esse conhecimento permite a um especialista reconhecer imediatamente a maioria das situações encontradas e ações necessárias a cada situação. Alterações apropriadas à memória de longo prazo deveriam ser o objetivo primário da instrução e, por conseqüência, preocupação nuclear de quem lida com Educação. Mas alterações na memória de longo prazo dependem de um outro tipo de memória: a memória de trabalho. E a memória de trabalho tem características cruciais para quem concebe e decide acerca da oferta de aprendizagem multimídia. Be th an y Ca rl so n Cl au di o Ju le N or a La m be rt jo hn k ov ac ic h Va ng el is T ho m ai di s D av e Ed m on ds 52 BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. Memória de trabalho Você se lembra de um jogo muito popular na década de 1980, chamado Genius, que possuía quatro grandes botões coloridos que emitiam sons e se iluminavam em uma sequência, cada vez mais longa, que cabia a você repetir? Pois esse brinquedo eletrônico, que mais parecia um OVNI tentando fazer contatos imediatos de terceiro grau, lidava diretamente com sua memória de trabalho. Quando lidamos com informações novas, a memória de trabalho tem papel fundamental. Não apenas informações novas do ponto de vista da aprendizagem escolar, mas situações que nos são apresentadas diariamente, das mais simples e cotidianas, como guardar um número de telefone ou comparar preços no supermercado, a tomadas de decisão associadas a problemas mais complexos que surgem e precisamos resolver. É a memória de trabalho que armazena temporariamente e gerencia informações que estão sendo processadas por um curto período de tempo. Mas sabe por que era tão difícil repetir uma sequência com mais de uns dez botões, quando jogávamos o Genius? Porque a memória de trabalho apresenta severas limitações, tanto no que se refere à quantidade de informações processadas quanto no tempo de duração desse processamento. Nossa memória de trabalho é capaz de reter, aproximadamente, 7 elementos de informação, sendo que pode processar - seja combinar, contrastar ou manipular, por exemplo - não mais que 2 a 4 elementos simultaneamente. Surpreendente? Pois a próxima informação é de causar ainda mais espanto. Sem o exercício da repetição quase todo o conteúdo da memória de trabalho é perdido em aproximadamente 20 segundos! As limitações da memória de trabalho, quando lidando com informaçõesnovas, não se dão por acaso. Na verdade, são um aspecto essencial da arquitetura cognitiva humana. Sem essas limitações, nossos mecanismos cognitivos não poderiam funcionar. Há uma razão para elas existirem, e essa razão tem impacto direto nas considerações acerca dos diversos tipos de instrução existentes. Professores ou gestores que ignoram essa informação quase inevitavelmente impõem uma carga cognitiva excessiva à memória de trabalho e apostam no fracasso da aprendizagem de seus estudantes. Figura 3.5: O Genius, lançado em 1980, foi o primeiro jogo eletrônico vendido no Brasil. A versão original possuía três jogos diferentes e quatro níveis de dificuldade. La rr y D . M oo re AulA 3 – MeMóriA, AprendizAgeM MultiMídiA e o seu sexto sentido BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. 53 saiba mais pOr QuE A MEMÓrIA OpErACIOnAl é lIMITADA? Desde o tempo das cavernas, a capacidade do Homem de tomar decisões rápidas é crucial para sua sobrevivência. Nos períodos em que a espécie humana evoluiu diante das maiores hostilidades impostas pela natureza, reações imediatas diante de predadores ou perigos naturais vêm acompanhadas de diversas emoções, provocando uma tormenta bioquímica em nosso corpo, cujo principal objetivo é preparar-nos para lutar ou fugir. Com o processamento máximo pela memória de trabalho de 4 elementos simultaneamente, uma matemática simples possibilita um total máximo de 24 situações possíveis de serem analisadas por nosso cérebro (4! = 24 permutações). São muitas situações para analisar, mas, dentre os cenários e as decisões possíveis, digamos que nosso herói do paleolítico tinha boas chances de escapar do tigre dente-de- sabre ou de levar casa um mamute para o jantar. Se aumentássemos um pouquinho o número de elementos que nossa memória de trabalho fosse capaz de processar simultaneamente e considerássemos um máximo de 10, haveria um total de 3.628.800 situações possíveis de serem analisadas por nosso cérebro. O que aconteceria? Antes de decidir o que fazer diante de tantas possibilidades, nosso herói seria, ele próprio, o jantar. Uma arquitetura cognitiva feita para testar a efi cácia relativa de milhões de possibilidades é, provavelmente, inoperante. Como consequência, e paradoxalmente, uma memória de trabalho menor tem mais probabilidade de ser mais efi caz que uma maior. Talvez tenhamos evoluído com uma memória de trabalho limitada porque uma memória um pouquinho maior ou pior, uma memória de trabalho ilimitada, pode ser contraprodutiva, tanto para nossos antepassados guerreiros tribais quanto para nós, que vivemos na selva das cidades. Hábito caçador do homem retratado em uma cena de caça a búfalos, em uma caverna da Argélia, na África. A pintura rupestre tem aproximadamente 25 mil anos. Caçador ou guerreiro retratado em uma caverna do Parque Nacional de Kakadu, na Austrália. Atividade 2 O “gEnIus” EM vOCÊ O jogo Genius saiu de linha e frustou muitas crianças que acabaram sem poder adquirir o seu. Você era uma delas? Não se preocupe! Não precisa sequer comprar a versão atual do brinquedo. Acesse o site: http://www.cerebronosso.bio.br/genius-memria-de-trabalho/ Em média, qual o tamanho da sequência que você é capaz de repetir? Anote seus resultados na tabela a seguir. Se quiser, convide um ou mais colegas ou familiares para jogar também. Repita as tentativas, exercite sua memória de trabalho! Divirta-se e experimente, você mesmo, um pouco do que conversamos nas seções anteriores. G ru ba n Ro be rt Pr ok sa 54 BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. MEus rEsulTADOs JOgADOr 2 JOgADOr 3 Tentativa 1 Tentativa 2 Tentativa 3 Tentativa 4 Tentativa 5 Tentativa 6 Tentativa 7 Uma vez que entendemos que a capacidade da memória de trabalho é (e tem de ser) pequena, começamos a entender também que uma das principais funções da instrução é ajudar o aluno a superar essas limitações, que são inevitáveis. Na aula seguinte, vamos ver como você pode usar de métodos e recursos multimídia para fazer isso. Mas como passamos das limitações do Genius à expertise dos mestres enxadristas? A chave do sucesso reside na relação existente entre a memória de trabalho e a memória de longo prazo. A compreensão de algo ocorre quando todos os elementos relevantes de informação podem ser processados simultaneamente na memória de trabalho. Bem, nós já sabemos das limitações da memória de trabalho quando está lidando com novas informações, e fica fácil imaginar que pode haver situações em que haja elementos demais para serem processados ao mesmo tempo. Se os elementos forem essenciais, a compreensão não vai ocorrer. Mas é aí que entra uma informação importantíssima para o caso: as limitações da memória de trabalho se aplicam apenas às informações novas que nosso cérebro recebe. Informações que já foram organizadas na memória de longo prazo podem ser “carregadas” na memória de trabalho. Nem as limitações de duração ou de capacidade da memória de trabalho associadas às informações novas se aplicam às informações recebidas da memória de longo prazo. Essas informações expandem amplamente a memória de trabalho. Continuamos a lidar com limitações para o novo, mas agora se torna viável o processamento necessário à compreensão. Figura 3.6: Todo o universo de informações que você traz organizadas em sua memória de longo prazo pode ser carregado em sua memória de trabalho aumentando sua capacidade e diminuindo suas limitações de processamento de novas informações. La rs S un ds tr om Bi lly A le xa nd er Af on so L im a AulA 3 – MeMóriA, AprendizAgeM MultiMídiA e o seu sexto sentido BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. 55 nossa mente e sua capacidade multiprocessadora Além de ser limitada em termos de processamento de novas informações, a memória de trabalho tem um outro “probleminha”... Para você entender direito do que estou falando, vamos voltar a falar de capacidade multimídia. Só que dessa vez do nosso cérebro. A atividade a seguir é, basicamente, um exercício de “neuroaeróbica”! Um exercício divertido para seu cérebro, que vai ajudá-lo a entender uma última coisa importante nessa aula: como os diferentes tipos de informação são processados em nossas mentes. Tudo a ver com multimídia, tudo a ver com quem aprende, tudo a ver com quem ensina! neuroaeróbica O cérebro é rico em moléculas chamadas neurotrofinas, produzidas pelos neurônios, que agem como uma espécie de nutriente para o órgão. A quantidade de neurotrofina produzida depende da atividade das células cerebrais. Alguns estímulos, especialmente aqueles envolvendo experiências novas e que quebram rotinas, provocam a produção de maiores quantidades dessas moléculas. Exercícios conhecidos como neuroaeróbica tornam nosso cérebro mais ágil e mais flexível de uma forma geral, mais apto a realizar qualquer tarefa mental, não importa se relacionada à memorização, operacionalização ou criação. Atividade 3 MAnTEnhA sEu CérEbrO vIvO! Para fazer essa atividade, você vai precisar de um cronômetro. Pode ser um cronômetro simples, como o ponteiro de segundos de seu relógio. Mas tente marcar o tempo. A atividade é mais significativa (e mais divertida) assim. Parte 1: Marque o tempo que você leva para dizer o nome das cores em que cada uma das palavras foi escrita, no quadro abaixo. Leia em voz alta, fica mais fácil. Só continue o teste depois de terminar a leitura deste quadro. Se quiser, escreva aqui o tempo que você levou: Parte 2: Agora marque o tempo que você leva para dizer o nome das cores em que cada uma das palavras foi escrita, no quadro abaixo. Lembre-se, não é para ler as palavras, só para dizer, em voz alta, suas cores. Se quiser, escreva aqui o tempo que você levou: vErMElhO vErDE Azul AMArElO rOsA lArAnJAAzul vErDE Azul brAnCO vErDE AMArElO lArAnJA Azul brAnCO MArrOM vErMElhO Azul AMArElO vErDE rOsA AMArElO vErDE Azul vErMElhO vErMElhO vErDE Azul AMArElO rOsA lArAnJA Azul vErDE Azul brAnCO vErDE AMArElO lArAnJA Azul brAnCO MArrOM vErMElhO Azul AMArElO vErDE rOsA AMArElO vErDE Azul vErMElhO 56 BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. rEspOsTA COMEnTADA E então, como foi? Possivelmente o tempo que você levou para a segunda parte da atividade foi maior que o primeiro, não? E a necessidade de concentração também. Isso acontece pela maneira como o seu cérebro trabalha quando processa as informações que recebe. Nesse caso, o significado das palavras escritas tem maior influência no seu cérebro que sua habilidade de identificar e dizer o nome das cores em que foram escritas. A interferência causada por informações de natureza diferentes (o que dizem as palavras e as cores das palavras) que seu cérebro recebe é o que causa o problema. Uma das maneiras de explicar esse fenômeno é a Teoria da Atenção Seletiva: a interferência ocorre porque dar o nome às cores requer maior atenção que ler as palavras. Segundo os neurocientistas, esse desafio cerebral pode ser mais fácil para crianças novas que para crianças mais velhas ou adultos. Tente fazer esse teste com crianças que sabem o nome das cores mas que não sabem ler ainda! É possível que não fiquem confusas porque as palavras não têm qualquer significado para elas. Se nosso cérebro seleciona as informações que processa, então a ideia de um recurso que potencialize a combinação ideal de informações parece perfeita para processos de ensino e aprendizagem. Mas existe essa combinação ideal? Talvez não exista a combinação ideal, mas isso é o que está por trás da aprendizagem multimídia, cujo conceito principal é: Aprender a partir de palavras e imagens (Mayer 2001). O entusiasmo sobre os efeitos benéficos da aprendizagem multimídia aplicam a ideia de aprender por meio de palavras e imagens a uma característica fundamental da memória de trabalho: A memória de trabalho consiste em um sistema executivo central e dois subsistemas. Um subsistema, chamado visoespacial, se relaciona ao processamento de informações visuais, mantendo representações imagéticas de objetos e suas posições no espaço. O outro, chamado circuito fonológico, lida com material verbal e é responsável por processar informações linguísticas. O sistema executivo central coordena a relação entre os dois subsistemas e entre eles e a memória de longo prazo. Os subsistemas visoespacial e fonológico são canais de processamento de informação separados (o visual e o verbal). Há uma capacidade limitada de processamento de informação de cada um deles. No entanto, a aprendizagem requer que um processamento essencial ocorra em ambos os canais. Se a instrução for desenhada para fazer uso dos dois subsistemas (ou seja, de múltiplos processadores), a aprendizagem pode ser facilitada. E porque o processamento de informações, entre os dois subsistemas, ocorre de maneira independente, a capacidade da memória de trabalho pode ser aumentada. Essas são as principais ideias por trás da Teoria Cognitiva de Aprendizagem Multimídia! Na próxima aula, vamos ver como podemos aplicá-la em nossas atividades educacionais oferecidas a distância e presencialmente. AulA 3 – MeMóriA, AprendizAgeM MultiMídiA e o seu sexto sentido BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012. 57 bibliografia consultada Sweller, J. 2005. Implications of cognitive load theory for multimedia learning. In: The Cambridge handbook of multimedia learning. Richard Mayer Ed. 2005. New York: Cambridge University Press. Mayer, R. 2001. Multimedia learning. New York: Cambride University Press. A aprendizagem multimídia pode oferecer benefícios extraordinários à aprendizagem. Esses benefícios serão tão maiores quanto mais a instrução for concebida fazendo referência à cognição humana. A recente expansão do conhecimento acerca de nossa arquitetura cognitiva nos permitiu compreender as limitações da memória de trabalho quando lidamos com informações novas, a importância das informações da memória de longo prazo para diminuir essas limitações, e as consequências de existirem processadores distintos para informações visuais e fonológicas. Esse último fato tem implicações profundas no que se refere à capacidade multimídia dos diversos veículos instrucionais, inclusive nós, seres humanos. Provocar nossos cinco sentidos é tarefa para poucos e, na Educação, depende, mais do que tudo, de um sexto sentido, que é sua intuição e experiência pedagógicas, como educador. resumindo 58 BArreto, C. AMBientAção eM novAs teCnologiAs. rio de jAneiro: sesi/uff, 2012.
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