Buscar

Reconhecer terrorismo e suas diversas manifestações

Prévia do material em texto

O tema terrorismo pode parecer distante para quem vive no Brasil e relacionado a vivências de outros povos. A realidade, no entanto, é que esse assunto faz parte do nosso dia a dia mais do que consideramos.
1
Quem não se recorda dos grandes eventos internacionais que o Brasil sediou recentemente?
2
Quem não parou para assistir o lamentável 7 a 1 da Copa do mundo de 2014?
3
Quem não comemorou as medalhas de ouro conseguidas nas Olimpíadas de 2016?
Consegue perceber a conexão? A partir do momento em que o país reuniu pessoas do mundo inteiro em eventos que celebram a união dos povos, entramos no “radar” de potenciais terroristas.
REFLITA SOBRE A PALAVRA TERRORISMO: VOCÊ SABE A ORIGEM?
Ela é derivada de um verbo em latim (terrere) – assim como várias palavras da língua portuguesa – e significa assustar, causar medo. Esse é o grande objetivo do terrorismo: apavorar, desestabilizar e, acredite, mais do que causar um enorme número de vítimas, é provocar o medo e apreensão de que isso ocorra.
Imagine viver assustado, na expectativa de que algo ruim possa acontecer no caminho de casa, na ida ao trabalho ou ainda, assistindo a uma partida de futebol? Milhares de pessoas ao redor do mundo vivem sob essa expectativa; as autoridades brasileiras nos anos de 2014 e 2016 viveram essa pressão.
Naquela época, para enfrentar esse inimigo ardiloso e surpreendente, foi modificada a norma sobre o assunto, no Brasil. Segundo a Lei n 13.260/2016, o terrorismo foi definido como:
Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
(LEI Nº 13.260/2016)
Com base nesse artigo, a Polícia Federal iniciou a operação #hashtag que levou à prisão oito jovens envolvidos em troca de mensagens de incitação ao ódio e de ameaças ao evento de 2016. Recentemente, outro caso chamou a atenção da mídia – o atentado à sede do canal humorístico “Porta dos fundos” por causa de um especial natalino, considerado por muitos como desrespeitoso.
Uma bomba foi arremessada, provocando danos materiais e lesão ao vigilante que se encontrava de serviço. O acusado desse ato esteve foragido no exterior e, ao ser extraditado, responde pelo crime de terrorismo. Como se pode perceber, o terrorismo não está tão longe de casa.
PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO
A boa comunicação é o veículo primordial para conhecimento, compreensão e resolução de conflitos. Todos já observamos, no âmbito privado ou coletivo, o quanto palavras mal-empregadas podem transformar uma conversa casual em uma ofensa grave.
O ATO DE COMUNICAR POSSIBILITOU UM GRANDE AVANÇO PARA HUMANIDADE, MAS TAMBÉM INVIABILIZOU A MANUTENÇÃO DA HARMONIA.
Você deve estar se questionando por que refletir sobre esse tópico é tão necessário para a compreensão do nosso tema de estudo. A resposta é bem simples: como entender e, por conseguinte, confrontar um fenômeno se não existe consenso sobre ele, se a comunicação sobre o fato gera mal-entendido? Organismos internacionais, agências de investigação e países ainda não chegaram a uma definição sobre o que é ou não terrorismo. O que pode ser tipificado assim no Reino Unido, não necessariamente é considerado uma violação no Quênia, no Sri Lanka, ou no Brasil.
A falta de comunicação impede que ações conjuntas sejam elaboradas e haja uma união sobre esse evento que atinge em maior ou menor proporção o mundo todo. Como destaca Bruce (2013, p. 26), a ausência de um consenso sobre o conceito de terrorismo faz com que pesquisas aleatórias realizadas em sites conhecidos possam nos levar à desinformação e ao estabelecimento de estereótipos apropriados e deturpados por facções de distintas matizes políticas e ideológicas.
Um grupo, por exemplo, que reivindique a soberania em determinado território pode ser rotulado como legítimo ou terrorista por governos de esquerda ou direita, dependendo dos interesses envolvidos na questão.
Observe, por exemplo, o caso do Estado Islâmico – aprofundaremos esse tópico adiante. A principal base do grupo era na Síria e sua ameaça uniu Estados Unidos e Rússia, embora os primeiros fossem contrários ao ditador Bashar al-Assad (representado na imagem anterior), governante do território ameaçado, e a Rússia, defensora do regime.
Esse é outro aspecto curioso sobre os estudos do terrorismo:
DE VEZ EM QUANDO, FORMAM-SE ALIANÇAS IMPROVÁVEIS DE PAÍSES COM VIESES POLÍTICOS E IDEOLÓGICOS MUITO DISTINTOS NO COMBATE A CERTOS GRUPOS AMEAÇADORES.
Outra importante questão que devemos considerar refere-se à natureza do evento terrorismo. Quem se ocupa de estudar esse tema? Que ciência possui o cabedal adequado para analisar os fatos relacionados ao terror? Ao contrário da primeira resposta, essa é bem complexa. Não existe uma área de estudo que consiga, individualmente, compreender todas as dimensões das ocorrências de terror.
Por essa razão, podemos citar História, Sociologia, Psicologia, Psiquiatria, Comunicação Social, Ciências Políticas e Relações Internacionais como alguns dos saberes que contribuem enormemente para esse estudo. Até a Arte, aparentemente tão distante porque nos remete à ideia do belo, da contemplação, pode se dedicar à estética da morte, da morte como espetáculo.
Chegamos, então, a algumas perguntas:
1
Por que essa indefinição persiste, por que é tão difícil para os diversos atores se comunicar e chegar a um consenso sobre o que é terrorismo?
2
A quem interessa?
3
A que não interessa de forma alguma essa imprecisão?
A indefinição está diretamente ligada a quem analisa a questão, ou seja, agências coibidoras, países, organizações de defesa. Deixar vago o que é terrorismo ou quem é terrorista permite que entidades utilizem esse espaço para perseguir e estigmatizar possíveis adversários. Nesse sentido, alguns governos ficam bem felizes em rotular seus inimigos como terroristas, visto que não existem parâmetros mundiais a seguir.
Em contrapartida, se não há uma definição segura do que é terrorismo, muitos indivíduos envolvidos em atividades possivelmente relacionadas ao ato podem ser mais facilmente defendidos diante das lacunas nas leis. Essa é mais uma peculiaridade do fenômeno: tanto governos quanto os próprios terroristas podem se beneficiar da mesma imprecisão. Nessa confusão, um ponto é pacífico, quem não tem qualquer interesse nesse imbróglio são as vítimas, os civis que podem ser diretamente impactados por ações extremistas.
O QUE É O TERRORISMO?
Já sabemos que não existe uma definição padrão sobre o que é o terrorismo; por isso, muitas descrições podem ser encontradas (alguns pontos se aproximam e outros divergem totalmente).
Conhecemos, entretanto, o contexto em que o termo terrorismo foi usado pela primeira vez de forma mais ampla – na Revolução Francesa, quando aqueles que utilizavam a violência em nome do Estado eram classificados como terroristas. O momento entre 1792 e 1795 foi denominado como Período do Terror, com centenas de opositores e, por vezes, aliados críticos ao governo conduzidos à guilhotina.
Comentário
Não confunda a origem da palavra “terrorismo”, do latim como estudamos, com a origem do conceito. A origem etimológica refere-se a como, ao longo do tempo, a palavra se transformou, de que idioma ela foi gerada; a origem do conceito tem relação com seu significado, a maneira como a palavra foi empregada em determinado período:
Origem da palavra
=
De onde vem
Origem do conceito
=
Significado, como foi utilizada
Diante da diversidade de possibilidade, vamos destacar alguns conceitos de fontes relevantes:
Walter Laqueur
Walter usa uma definição simples e ampla: "o terrorismo é o uso ilegítimo da força para alcançar um objetivo político visando pessoas inocentes" (LAQUEUR apud BRUCE, 2006, p. 26).
Tore Bjorgo
Bjorgo afirma que "o terrorismo é um conjunto de métodos de combate, em vez de uma ideologia ou movimento identificável, e envolveo uso premeditado da violência contra (principalmente) não combatentes, a fim de alcançar um efeito psicológico do medo em outros que o alvos imediatos" (BJORGO apud BRUCE, 2006, p. 26).
Fernando Reinares (REINARES apud BRUCE, 2006, p.27) distingue três traços que definem o terrorismo para fins de estudo acadêmico:
Mas, se pesquisarmos mais, encontraremos centenas de conceitos distintos, e seus traços mais comuns são:
Clique nas setas para ver o conteúdo.
1
Primeiro traço mais comum
O fenômeno do terrorismo tem muitos elementos diferentes, é instrumento ou tática de certos grupos para atingir objetivos predeterminados.
2
Segundo traço mais comum
Demonstrações de violência extrema são parte da técnica para atingir seus objetivos, contudo, não são o objetivo em si. Eles não objetivam matar, mas matar pode ser um meio para obter o que desejam.
3
Terceiro traço mais comum
Causar medo é uma das táticas mais importantes para obtenção de resultado. Atenção: causar medo não é sinônimo de causar mortes.
4
Quarto traço mais comum
Os alvos dos ataques terroristas não são necessariamente aqueles que pretendem atingir. Exemplo: ao promover um ataque a uma casa noturna, os alvos não são os frequentadores, mas as autoridades daquele país que não souberam proteger seus cidadãos.
5
Quinto traço mais comum
Os atos terroristas são muito simbólicos, ou seja, trabalham com a ideia de representação. Ao atacar o jornal Charlie Hebdo, que fez charges contra o Profeta Maomé, estão confrontando o que entendem por heresia, desrespeito, xenofobia, não necessariamente a empresa.
OS TERRORISTAS SE CONSIDERAM TERRORISTAS?
Certamente não. Aqueles que são rotulados pelo senso comum como terroristas se denominam libertadores, guerrilheiros, salvadores da pátria, idealistas, guerreiros de Deus, revolucionários, rebeldes, contestadores, lutadores da liberdade e quantos mais sinônimos você conseguir buscar. É uma questão de perspectiva, afinal, as críticas ao movimento advêm de quem o combate; quem faz parte dele considera (pelo menos por princípio) sua causa justa e correta. Não faria sentido que eles se rotulassem com um termo indefinido.
EXISTE RELAÇÃO ENTRE A POBREZA E A BAIXA ESCOLARIDADE E MAIS OU MENOS ENGAJAMENTO NAS CAUSAS DE NATUREZA TERRORISTA?
O desenvolvimento de um país está intimamente relacionado ao investimento massivo em educação e cultura. Sociedades em que os desníveis sociais são menos acentuados tendem a apresentar índices de violência pouco expressivos em relação àquelas cujo abismo social é mais nítido. São estes os questionamentos que merecem nossa atenção:
1
Essa lógica, no entanto, pode ser aplicada aos estudos sobre terrorismo?
2
Pobreza e baixa escolaridade conduzem os indivíduos ao engajamento nas causas terroristas?
3
O menor acesso à cultura e conhecimento facilitam a cooptação de possíveis agentes do terror?
Segundo Krueger (2002, p.3), “qualquer conexão entre pobreza, educação e terrorismo é indireta, complicada e provavelmente bastante superficial”. Além disso, é frágil é perigosa. É frágil, visto que várias nações conhecidas pela extrema pobreza de sua população não são elencadas entre as maiores vítimas ou “exportadores” de agentes de terrorismo. Perigosa porque estigmatiza a pobreza como se ela fosse a principal responsável por instintos e ações extremas, o que poderia, inclusive, contribuir para o aumento de xenofobia em relação aos cidadãos das nações mais vulneráveis.
Essas ações podem justificar intervenções que interferem na soberania dos países, sob a alegação de que estariam evitando o perigo do terror; podem, também, provocar o desinteresse de organismos internacionais em políticas de desenvolvimento voltadas para esses territórios. A ajuda humanitária perderia o sentido e cumpriria apenas a função de evitar problema. É como se um indivíduo oferecesse dinheiro para não ser assaltado.
Resumo
O terrorismo é um fenômeno internacional; não existe país, religião, filiação política, classe econômica que escape da possibilidade da tessitura de uma célula fundamentalista no seu seio.
ONDAS DO TERRORISMO
O terrorismo é um fenômeno atemporal e, por conta disso, vive atualizando suas motivações, estratégias e atores. Para tentar explicar essas alterações, o estudioso David Rapoport (2002) identificou as chamadas ondas de terrorismo. Em cada uma – para ele existiriam quatro –, alguns elementos peculiares as caracterizariam. Vamos conhecer um pouco de cada uma dessas fases?
Primeira onda
A chamada primeira onda, ou onda anarquista, ocorreu entre o final do século XIX e início do XX. Alguns nomes conhecidos de teóricos do anarquismo, como os russos Bakunin e Kropotkin, formularam teses sobre a utilização do terror como forma de estabelecer reivindicações políticas.
Para a divulgação de suas ideias, os adeptos da primeira onda utilizavam os meios de comunicação da época, ou seja, o telégrafo, a imprensa e a distribuição de panfletos. Como estratégia de luta, escolhiam alvos proeminentes e promoviam atentados. Algumas vítimas dessas ações foram: Elizabeth, imperatriz da Áustria, e o presidente estadunidense, McKinley.
Segunda onda
O movimento da segunda onda é caracterizado pela luta anticolonial. O início coincidiu com as últimas ações da primeira fase e seus objetivos giravam em torno da ideia de liberdade e independência de territórios ocupados, em especial, pelas nações europeias no período do Imperialismo.
As técnicas de confronto eram perturbadoras para seus “antigos proprietários”, pois a guerrilha contava com forte apoio popular. É importante recordar que esses grupos tinham como bandeira a autonomia de suas terras, ou seja, em sua concepção, eles é que estavam combatendo terroristas, no caso, as metrópoles que os exploravam. Podemos citar dois exemplos de manifestação do terror deste período: o ataque em Israel ao Hotel Rei Davi e o assassinato do arquiduque da Áustria, Federico Ferdinando.
Terceira onda
Essa fase foi denominada como a onda da nova esquerda, ou seja, grupos cuja orientação ideológica eram as ideias socialistas. Após o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo tornou-se bipolarizado:
De um lado as nações capitalistas, aliadas dos Estados Unidos.
close
Do outro, a União Soviética e seus seguidores.
Muitos desses movimentos da terceira onda foram inspirados e patrocinados pelos soviéticos, com a intenção de ampliar o seu rol de aliados em todo o mundo.
Temos ainda, nesse segmento, alguns grupos remanescentes da segunda onda, ou seja, nacionalistas que pretendiam atingir a autonomia dos seus territórios, como, por exemplo, a OLP (Organização dos Estados Palestinos) e que não necessariamente compartilhavam das ideias socialistas, mas aproveitavam do patrocínio em sua luta.
As técnicas de combate, além da já citada guerrilha, incluíam sequestros de pessoas proeminentes da sociedade, ou até mesmo de aviões, ações com reféns e troca de prisioneiros. Essa mudança de estratégia revela uma nova maneira de negociação cujo objetivo não era a morte do alvo do ataque, mas sua utilização como moeda de troca. Fazer uma vítima fatal seria contraproducente. Exemplos: Nelson Mandela (na África do Sul), Hotel Brinks (no Vietnam) e lutas por independência (Congo, Moçambique e Angola).
Quarta onda
A quarta onda também será mais aprofundada a posteriori. Em linhas gerais, identificamos essa fase como uma guinada em relação às ideias que alimentam os movimentos – nesse período, a base eram os fundamentos religiosos, que explicariam e justificariam as ações dos grupos.
O senso comum atribui o terrorismo aos grupos islâmicos e muitas ações usam tais ideias como substrato; contudo, existem diversos grupos filiados a outras religiões e que promovem ações igualmente violentas. Alguns exemplos são os grupos terroristas judeus, sikhs, cristãos e até pequenas seitas como o grupo Aum Shinrikyo, promotor de um atentando no metrô de Tóquio utilizando o gás sarin.
A quarta onda também desenvolveu novas táticas: o atentado suicida – a utilização de lobos solitários ganhou força e, infelizmente, êxito.image7.jpeg
image8.jpeg
image9.jpeg
image10.jpeg
image11.jpeg
image12.jpeg
image13.jpeg
image1.jpeg
image2.jpeg
image3.jpeg
image4.jpeg
image5.jpeg
image6.jpeg

Continue navegando