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Crises migratórias

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Introdução
Quando discorremos sobre confrontos militares, há certa tendência à abstração. Focamos em causas gerais do conflito, negociações entre as instituições envolvidas e números de mortos e feridos; é fácil esquecer os rostos por trás dos números e as vidas perdidas ou alteradas para sempre fora do campo de batalha.
Na maioria esmagadora das guerras, apenas uma parte pequena da população de dado país é mobilizada em forças militares ou paramilitares, e a população civil local se vê entre tiroteios e bombardeios. Grande parte não vê escolha senão fugir para preservar suas vidas e famílias.
Sírio em meio aos escombros resultante de um ataque aéreo, em 2020.
É evidente que os seres humanos, ao longo da história, circularam de forma mais ou menos livre, apesar de obstáculos naturais e tentativas humanas de controlar o movimento de pessoas com fronteiras e alfândegas. Durante períodos de conflito, o desespero e a vontade de viver buscam vencer qualquer obstáculo, e as iniciativas para impedir esse movimento parecem cada vez mais fúteis e desumanas.
Observemos o caso de Alan Shenu, mais conhecido na mídia internacional como Alan Kurdi.
O menino curdo, nascido em Kobani, na Síria, em 2012, estava com seu pai Abdullah, sua mãe Rehana e seu irmão Ghalib na cidade turca de Bodrum, em setembro de 2015. A família fugiu para a Turquia em junho do mesmo ano, escapando do avanço das tropas do grupo fundamentalista Daesh, conhecido também pelos massacres e estupros da população curda no Iraque e na Síria.
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Comentário
Seguindo os passos de uma das tias de Alan, a família tentava chegar ao Canadá, mas as autoridades canadenses rejeitaram o pedido de asilo dos Shenu, e o governo turco também negou seus vistos de saída. Em desespero, Abdullah usou a maior parte de seu dinheiro (quase 6 mil dólares) para comprar quatro passagens ilegais para a ilha grega de Cós, a quatro quilômetros da costa.
Na madrugada do dia 2 de setembro, a família embarcou com mais doze pessoas em um bote inflável que virou no mar em poucos minutos. Os coletes salva-vidas distribuídos pelos atravessadores eram falsos e não funcionaram. Rehana, Ghalib e Alan morreram afogados, e seus corpos, junto aos de outras vítimas, apareceram nas praias de Bodrum na manhã seguinte.
A imagem do corpo do pequeno Alan, na beira do mar e com o rosto voltado para a areia, chocou o mundo.
Essa era a consequência final do sectarismo, da guerra e, principalmente, da rejeição.
Abdullah Ghaleb Kurdi com o livro "O menino na praia" sobre seu filho, Alan Kurdi, cujo cadáver foi encontrado nas ondas de uma praia turca.
No Natal daquele ano, Abdullah leu uma mensagem no Canal 4 britânico:
É muito difícil quando uma pessoa fecha uma porta no rosto de outra. (...) Neste momento do ano, peço a todos que pensem na dor dos pais, mães e crianças que buscam paz e segurança. Pedimos apenas um pouco da simpatia de vocês.
Casos como o da família Shenu ilustram a incapacidade das burocracias estatais de países europeus e norte-americanos em lidar com o fluxo intensificado de imigrantes e refugiados para essas regiões a partir de 2014, como resultado de guerras civis e crescimento generalizado do crime no Oriente Médio, na África Subsaariana e na América Central.
Esse caso é emblemático também para indicar o crescimento de forte oposição à imigração de africanos, asiáticos e latino-americanos por parte de movimentos conservadores na Europa e nos Estados Unidos, associados ao ressurgimento de movimentos de extrema direita, como o grupo Pegida (Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente) na Alemanha e o partido Britain First (“Bretanha Primeiro”), no Reino Unido.
O caso europeu
Desde seu início, a guerra civil na Síria provocou o desalojamento de mais da metade da sua população pré-guerra, quase 22 milhões de habitantes.
Povo sírio em campo de refugiados em Mafraq, na Jordânia.
A maioria – cerca de 6 milhões – é de refugiados internos, que fugiram das regiões norte e leste do país para a costa mediterrânea, região menos afetada pelo conflito. Cerca de 5,5 milhões, em 2016, haviam cruzado as fronteiras do país, a maioria para países do próprio Oriente Médio como Turquia, Líbano, Jordânia e Egito.
No entanto, muitos continuaram suas jornadas rumo a países europeus por razões diversas. A ascensão de Recep Erdogan aos cargos de primeiro-ministro e, posteriormente, presidente da Turquia provocou tensões no país, com a adoção de uma agenda política religiosa e conservadora, a escalada no conflito armado no sudeste do país com organizações curdas e a decisão do governo de intervir na própria guerra civil.
Grupo de refugiados na fronteira entre a Croácia e a Sérvia a caminho da União Europeia.
Uma tentativa frustrada de golpe militar na Síria contra Erdogan (foto) em 2016 também provocou pânico na população asilada, que passou a dirigir-se para a Europa (principalmente para a Grécia) temendo uma guerra civil no país.
No ano seguinte, Erdogan construiu uma aliança com o Partido do Movimento Nacionalista, de extrema direita, e realizou uma reforma constitucional que aumentou os poderes da presidência, enfraquecendo ainda mais a democracia e o Estado laico na Turquia.
No módulo anterior, observamos a situação instável do Egito durante e após a Primavera Árabe. O governo autoritário de Abdel Fattah el-Sisi inaugurou uma nova era de supressão da liberdade de imprensa no Egito e estreitou as relações do país com o governo al-Assad na Síria, o que levantou boatos de deportações. Uma insurgência islamista de ex-apoiadores do presidente deposto Mohamed Morsi na península do Sinai também ameaçava se espalhar pelo norte do país, o que levou muitos refugiados a buscar a Europa.
Os países da União Europeia, recuperando-se da grande recessão, atraíram os refugiados sírios (assim como os iraquianos e afegãos, também escapando de guerras civis) pela retomada econômica, possibilidades de emprego, relativa estabilidade institucional e ausência de conflitos armados. A degradação ambiental e os conflitos armados na África Subsaariana, especialmente na África Ocidental, também levou muitos africanos (nigerianos, gambianos, senegaleses, malianos etc.) a buscar oportunidades em uma Europa economicamente reconstruída.
Duas rotas são muito utilizadas pelos imigrantes:
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Rota do Mediterrâneo Oriental
A rota mais utilizada pelos imigrantes médio-orientais foi a do Mediterrâneo Oriental: passando pela Turquia, os viajantes cruzam as fronteiras terrestres daquele país com a Grécia e Bulgária, ou atravessam o mar Egeu em botes e barcos rumo às ilhas gregas (como a família Shenu).
Rota do Mediterrâneo Central
A segunda rota migratória mais popular foi a do Mediterrâneo Central, em que contrabandistas lotam de imigrantes barcos e botes na Líbia para atravessar o mar Mediterrâneo rumo à Itália ou à pequena Malta. Os imigrantes sírios, afegãos e iraquianos atravessavam o Egito para chegar à Líbia, e os nigerianos, gambianos e senegaleses cruzavam o Saara.
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Reflexão
Na União Europeia, alguns permanecem nesses países ou buscam ser realocados via programas de redistribuição migratória para países considerados mais receptivos ou com melhores oportunidades econômicas, como Alemanha, Itália, França, Reino Unido e Suécia. A maioria, no entanto, continua a jornada pela rota dos Bálcãs Ocidentais, atravessando a Macedônia e a Sérvia, rumo à Hungria, Alemanha e outros países já citados.
Muito perigosa, essa rota resultou em tantos naufrágios e afogamentos que organizações não governamentais (ONGs) como a Save the Children Fund e a Médicos Sem Fronteiras passaram a operar navios de resgate com regularidade na região. A abertura dessa rota foi possibilitada pela guerra civil na Líbia, com o colapso das estruturas governamentais no país norte-africano e, consequentemente, do controle sobre as fronteiras terrestres e marítimas.
Em outubro de 2013, o governo italiano iniciou a primeira resposta governamental de amplo alcance ao fluxo migratóriono Mediterrâneo Central, a Operação Mare Nostrum. Navios, helicópteros e aviões de reconhecimento passaram a patrulhar as águas da região buscando barcos com imigrantes, resgatando os embarcados para iniciar seu processo de solicitação de asilo.
À medida que o número de imigrantes crescia, o governo italiano requisitou ajuda financeira aos países-membros da União Europeia para manter a operação. Com seus pedidos de ajuda ignorados e sofrendo pressão crescente da direita conservadora anti-imigração, o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi suspendeu a operação em outubro de 2014, um ano após seu início.
Imigrantes resgatados no Mar Mediterrâneo pela operação Mare Nostrum.
Após quase um mês de inatividade, a União Europeia, por meio de sua agência de fronteiras e guarda costeira, a Frontex, iniciou a Operação Triton, com financiamento da União e participação de dezesseis países-membros.
A Operação Triton, no entanto, foi um fracasso em seu início. Com pouca verba – 2,9 milhões de euros por mês, ou seja, bem menos do que os 9 milhões de euros mensais destinados à Operação Mare Nostrum –, e poucos navios, aviões e funcionários disponíveis, a operação falhou em lidar com a intensificação do fluxo migratório proveniente da Líbia em 2015, com pelo menos quatro naufrágios e mais de mil mortos e desaparecidos apenas no mês de abril.
Após fortes críticas, membros da Comissão Europeia sugeriram dobrar o financiamento da operação, mas isso ainda seria insuficiente. Apenas ao fim do mês foi aprovado um financiamento similar à operação italiana anterior. Após anos de funcionamento e uma redução nas chegadas de imigrantes, a Operação Triton foi substituída em 2018 pela Operação Themis, de menor porte.
Os governos da Europa Ocidental, após a Operação Mare Nostrum, tentaram mobilizar os demais membros da União Europeia para a construção de políticas conjuntas para a crise migratória. O governo alemão, liderado pela chanceler Angela Merkel (foto), foi particularmente vocal.
O fechamento das fronteiras europeias não impediria o movimento de migrantes, apenas exacerbaria uma crise humanitária; para não sobrecarregar os países fronteiriços que recebiam maiores números de imigrantes (Itália, Grécia e Hungria), foi proposta a distribuição desses imigrantes entre os membros da União Europeia, com financiamento da União e da própria Alemanha.
Contudo, enquanto países como Alemanha, França, Espanha e Suíça se dispuseram a receber dezenas de milhares de imigrantes redistribuídos, governos da Europa Central como República Tcheca, Hungria e Eslováquia posicionaram-se contrários ao que viam como uma ingerência da União em políticas nacionais, prevenindo a formação de um consenso e provocando um voto majoritário no Conselho Europeu.
Derrotados, os países contrários não foram forçados a receber cotas de imigrantes, mas sofreram sanções econômicas.
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Exemplo
Por seu voto contrário, o governo húngaro não seria contemplado com o sistema de redistribuição e permaneceria com os imigrantes em seu território.
O governo conservador e xenófobo do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán passou então a restringir a entrada e o registro de imigrantes provenientes da Sérvia e da Croácia, construindo cercas e grades ao longo das fronteiras húngaras com esses países, e chegou ao ponto de transportar imigrantes por ônibus para a fronteira com a Áustria, onde eram instruídos a atravessar a pé.
O caso húngaro não foi um incidente isolado. Casos de violência e criminalidade envolvendo imigrantes muçulmanos e o fantasma da recém-superada grande recessão foram amplificados e utilizados por políticos e organizações xenófobas da direita e extrema direita para avivar as chamas do preconceito racial e da intolerância religiosa na população europeia, provocando o surgimento e crescimento (inclusive eleitoral) de partidos e grupos ultraconservadores anti-imigração.
Tudo muda quando saímos da teoria e conhecemos as histórias. Agora, vamos conhecer alguns desses partidos e grupos ultraconservadores anti-imigração que surgiram ou cresceram:
Na Hungria
Na França
Na Itália
Na Alemanha
Em nível continental
Orbán levou seu partido, o Fidesz (Aliança Cívica Húngara), a alcançar dois terços das cadeiras do Parlamento húngaro nas eleições de 2014 e 2018. O país também viu também o crescimento da extrema direita com o partido Jobbik, que havia liderado protestos antissemitas contra a realização do Congresso Nacional Judaico em Budapeste no passado, além de diversas ações homofóbicas e islamofóbicas.
Primeiro-ministro, Viktor Orbán
Apesar de não ser associado única e exclusivamente ao crescimento da extrema direita britânica, o processo político da retirada do Reino Unido da União Europeia – o Brexit – esteve intrinsecamente ligado à crise migratória.
Um dos partidos mais ativos na campanha pelo Brexit (e na campanha pela organização do referendo que aprovou o Brexit), o Partido da Independência do Reino Unido tomou a oposição à imigração – especialmente ao sistema de redistribuição de cotas de imigrantes entre membros da União Europeia – como um dos argumentos centrais para a saída do bloco.
O então líder do partido, Nigel Farage, afirmou em 2015 para o Canal 4 britânico que havia uma “quinta-coluna” de muçulmanos fundamentalistas no Reino Unido.
Em contradição com o discurso eurocético, o Reino Unido teve um dos menores gastos relativos com a recepção de refugiados da Europa, chegando a um máximo de 0,04% do produto interno bruto (PIB) britânico no ano fiscal de 2015-2016, o auge da crise migratória.
Conflitos na América Central e o caso dos EUA
Outra grande crise migratória do século XXI ocorreu no outro lado do oceano Atlântico, na América do Norte, quase simultaneamente à crise migratória na Europa, mas por razões diferentes e com consequências outras.
Em 2014, apesar da tendência geral de queda no número de imigrantes apreendidos por patrulhas estadunidenses na fronteira entre os EUA e o México, o número de imigrantes não mexicanos quase dobrou em relação ao ano anterior. A maioria desses imigrantes eram crianças e jovens com menos de 18 anos oriundos do “Triângulo Norte” da América Central: Guatemala, Honduras e El Salvador.
Imigrantes da Guatemala se entregam a um agente da Patrulha de Fronteira após cruzar o muro da fronteira entre os Estados Unidos e o México.
Devido à H.R. 7311 – uma lei de 2008 que buscava combater o tráfico de crianças –, a deportação de menores desacompanhados oriundos de países não fronteiriços com os Estados Unidos era muito restrita.
Rumores disseminados por atravessadores de que essa lei garantiria vistos permanentes no futuro para os jovens (e posteriormente para os pais) levou muitas famílias, temendo pela vida de seus filhos em meio a um crescimento da violência criminal nesses países, a enviar seus filhos separadamente para a fronteira durante o processo migratório.
Outros rumores espalhados pelos contrabandistas incluíam a emissão de vistos automáticos para menores com parentes já residentes nos EUA e para mulheres com crianças. A quantidade enorme de crianças e jovens centro-americanos que chegaram à fronteira em 2014 sobrecarregou centros de recepção, registro e hospedagem, além dos tribunais próprios de casos de imigração.
É evidente que ninguém em sã consciência submeteria a si próprio e sua família a perigos tão grandes nessas jornadas sem a percepção de que havia perigos maiores em seus países de origem.
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Saiba mais
Apesar de uma leve tendência de queda, as taxas anuais de homicídios nos países do Triângulo Norte permaneceram entre as maiores do mundo. Em 2014, a atividade de gangues e organizações narcotraficantes na Guatemala, em Honduras e em El Salvador aumentou consideravelmente, levando a um aumento no número de extorsões, sequestros, estupros, roubos e ameaças.
O aumento da violência em El Salvador durante 2014 está associado diretamente ao fim de uma trégua entre os grupos Mara Salvatrucha e La Dieciocho (La 18).
Assim como no caso europeu, a recuperação econômica dos Estados Unidos apósa grande recessão também reforçou entre eventuais imigrantes o mito do Sonho Americano, uma visão idealizada daquele país como uma terra de abundância, liberdade e oportunidade, com garantia de emprego, prosperidade e estabilidade sociopolítica.
A resposta imediata do governo Barack Obama (foto) foi requisitar uma alteração do orçamento em execução para possibilitar a abertura de novos centros de recepção e processamento ao longo da fronteira do Texas, aluguel de instalações para hospedagem, realocação de imigrantes para centros em outros estados fronteiriços (como a Califórnia e o Arizona) e contratação de mais profissionais para o atendimento aos imigrantes, incluindo advogados para representá-los perante os tribunais.
O anúncio do Programa de Menores da América Central em novembro de 2014 foi recebido com entusiasmo por apoiadores do governo e com forte resistência dos Republicanos conservadores, que radicalizaram a oposição ao governo Obama por meio da instrumentalização do discurso anti-imigração.
Debates públicos foram instaurados para determinar se esses jovens eram mesmo refugiados, escapando da violência em seus países, ou imigrantes econômicos oportunistas, que tomariam vagas de empregos de estadunidenses quando alcançassem a idade suficiente e que utilizariam seu status de menores protegidos para facilitar a entrada de seus familiares adultos no país.
A questão da imigração era novamente colocada no centro do debate político e partidário nos EUA, com eleitores Democratas reafirmando a longa história da imigração nos Estados Unidos enquanto eleitores Republicanos transformavam-na em causa primária do desemprego e da criminalidade no país.
A radicalização do Partido Republicano na década de 2010 é decorrente de vários fatores, entre eles a absorção pelo partido de movimentos e pautas de extrema direita durante o período.
Movimento Tea Party.
Notadamente, o movimento Tea Party, fundado com o objetivo de reduzir impostos e gastos governamentais e transformado em organização anti-imigração, contou com o apoio de políticos republicanos importantes como o senador texano Ted Cruz e o governador de Indiana Mike Pence.
Um ponto de virada foi o anúncio da campanha presidencial do empresário e apresentador de televisão Donald Trump pelo Partido Republicano em junho de 2015. Em meio à crise migratória e discussões acerca da expansão do Programa de Menores da América Central, Trump apresentou o controle da imigração como tema central de sua campanha, prometendo construir um muro na fronteira entre os Estados Unidos e o México, a ser pago pelo próprio país vizinho.
Manchete na primeira página do Barron´’s sobre a candidatura de Donald Trump para as eleições primárias republicanas.
Inicialmente considerada mera ferramenta publicitária, a campanha de Trump pela candidatura Republicana cresceu consideravelmente durante 2015, movida pela apresentação do empresário como um homem simples, de fala brusca e pouco complicada, além de suas fortes convicções nacionalistas, militaristas e religiosas.
O fantasma de grande recessão, a islamofobia presente desde os ataques de 11 de setembro de 2001 (ataque terrorista às torres gêmeas em Nova York e ao Pentágono) e a oposição às medidas de imigração do governo Obama somaram-se ao marketing político promovido pela empresa Cambridge Analytica para catapultá-lo à liderança das pesquisas e garantir sua confirmação como candidato Republicano nas disputadíssimas eleições de 2016.
Conservadores do movimento de extrema direita, Proud Boys.
À medida que seus discursos atraíam fortes críticas de dentro e fora do partido e seus comícios encontravam manifestantes progressistas pelas cidades estadunidenses, novos grupos políticos de extrema direita, como o Patriot Prayer (Oração Patriota) e os Proud Boys (Meninos Orgulhosos) foram fundados, agindo como intimidadores de críticos e radicalizando cada vez mais a base apoiadora de Trump.
Após uma campanha marcada por controvérsias e disseminação de informações falsas, Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos em novembro de 2016 com menos votos do que sua adversária democrata Hillary Clinton, mas com uma maioria no Colégio Eleitoral.
Além de extinguir o Programa de Menores, o governo Trump promulgou diversos decretos que:
· aumentaram os requisitos para a obtenção de vistos temporários e permanentes;
· diminuíram as cotas anuais de aprovações de pedidos de asilo;
· dificultaram a obtenção da cidadania estadunidense;
· facilitaram a deportação de imigrantes.
Trump tentou também banir cidadãos de diversos países de maioria muçulmana de entrar no país, mesmo com vistos turísticos, e cortar verbas federais para “cidades-santuário”, municípios que oferecem proteção a imigrantes indocumentados.
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Saiba mais
O ápice da política migratória do governo Trump foi a política de separação forçada de crianças imigrantes e suas famílias durante a primeira metade do ano de 2018, com adultos sendo aprisionados e jovens sendo mantidos em centros de recepção na fronteira. Milhares de crianças, a maioria centro-americanas, sofreram com a iniciativa; as condições das instalações eram deploráveis e o governo recebeu milhares de denúncias de maus-tratos e assédio sexual por parte de agentes do Serviço de Imigração dos EUA.
Mesmo após o fim oficial da política de separação de famílias imigrantes, em junho de 2018, centenas de crianças não encontrariam seus responsáveis, e denúncias de novas separações continuaram ocorrendo até o ano seguinte. A presença vocal da nova direita trumpista no cenário político dos EUA é prova viva da continuidade de ideais ultraconservadores e xenófobos após 2014.
A eleição do democrata Joe Biden para a presidência do país em 2020 não pôs fim ao debate sobre imigração nos Estados Unidos. A situação dos imigrantes na fronteira com o México e a islamofobia permanecem problemas sérios na política estadunidense, atraindo atenção internacional. Apenas saberemos se essas ideias serão referendadas ou gradualmente rejeitadas pela maioria da população estadunidense no desenrolar do governo Biden durante os próximos anos.
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