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bibliologia e teontologia

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Teologia sistemática: 
Bibliologia e Teontologia
Aula 1: Prôlegomenos
Curso ministrado no seminário Betel Brasileiro
Professor: Jefferson Araujo
“19. Aquele que observa as coisas invisíveis de Deus, compreendidas 
por intermédio das coisas criadas, não merece ser chamado de 
teólogo.
20. Mas aquele compreende as posteriores visíveis de Deus, 
observadas no sofrimento e na cruz, merece ser chamado de 
teólogo.” — Martinho Lutero
O problema do método
 Qualquer campo genuíno do conhecimento (o antigo significado de scientia ou “ciência”) 
deve ter um objeto - em outras palavras, um tema. Além do mais, esse objeto deve ser conhecível. A 
astronomia é uma ciência legítima porque planetas, estrelas e outros corpos no espaço existem de 
fato e podem ser estudados. A teologia é “o estudo de Deus”. Por razões exploradas posteriormente 
neste capítulo, o objeto mudou na era moderna (com exceções notáveis) de Deus e suas obras para a 
humanidade e sua moralidade, espiritualidade e experiência. A ciência passou a se referir 
estritamente às ciências empíricas e a religião apenas poderia ser uma ciência na medida em que 
fosse estudada como um fenômeno natural da cultura. Como uma consequência, a teologia tornou- 
-se principalmente uma subdisciplina da psicologia, da sociologia, da antropologia cultural ou da 
história das religiões, até mesmo nas universidades com um passado cristão. Como veremos, os 
próprios teólogos foram os pioneiros nessa mudança para o ego na esperança de tornar o 
cristianismo mais relevante e aceitável no nosso mundo.
A natureza da realidade
 O horizonte mais amplo para a teologia - de fato, para todo o nosso conhecimento 
- é a questão da ontologia: o que é realidade? Nada é mais central para as nossas 
narrativas governantes do que a relação Deus-mundo. Num artigo importante, o filósofo 
existencialista e teólogo Paul Tillich (1886-1965) sugeriu que todas as variadas escolas e 
teorias de filosofia da religião poderíam ser agrupadas sob dois paradigmas 
contrastantes: superação da separação e conhecer um estranho.' Adicionando um terceiro, 
que eu chamo de o estranho que nunca conhecemos, vou definir esses paradigmas e então 
defender uma versão de conhecendo um estranho que se encaixe no drama bíblico.
Panteísmo e panenteísmo
 A primeira grande narrativa apaga (ou tende a apagar) a distinção qualitativa-infinita 
que existe entre Deus e as criaturas. Narrada em miríades de mitos existentes em muitas 
culturas, essa é a história da ascensão da alma - aquela nossa parte divina, que de alguma 
maneira foi aprisionada na matéria e na História. Embora ela se origine no dualismo - uma 
forte (até mesmo violenta) oposição entre finito e infinito, matéria e espírito, tempo e 
eternidade, humanidade e Deus - o objetivo é restabelecer a unidade de toda a realidade. Em 
algumas versões, apenas o que é infinito, espiritual, eterno e divino é real, de modo que tudo 
o mais perece ou é de alguma maneira elevado ao mundo superior. No entanto, o objetivo é 
perder toda a particularidade e diversidade no Um, que é o próprio Ser. 
 Se alguém começa com uma história do cosmos na qual o divino está de algum modo 
sepultado dentro de nós, uma centelha sagrada ou alma presa no corpo, espaço e tempo, então, 
a fonte última da realidade não está fora, mas dentro de nós. Deus não entra no tempo e 
espaço que ele criou; em vez disso, toda a realidade emana desse princípio divino de unidade 
como os raios emanam do sol.
Mesmo no seu dualismo (por exemplo, entre espírito e matéria), a cosmo- visão panteísta é, 
em última análise, monista. Em outras palavras, o todo da realidade é, em última análise, 
um. Não há distinção, ao final, entre Deus e o mundo. Conquanto os corpos possam estar 
mais abaixo do que as almas na escala do ser, o todo da realidade emana de uma única 
fonte para a qual tudo retorna. A despeito da hierarquia do ser, todas as distinções - até 
mesmo entre Deus e a criação - são gradualmente perdidas. 
Alguns tentaram misturar o panteísmo (“tudo é divino”) com a crença num Deus pessoal 
(teísmo).8 Frequentemente identificada como panenteísmo (“tudo- -dentro-de-Deus”), essa 
visão afirma que “Deus” ou o princípio divino transcende o mundo, embora Deus e o 
mundo existam em dependência mútua. Com diferentes graus de dependência explícita, o 
panenteísmo é a ontologia operacional por trás da teologia do processo e das teologias de 
Teilhard de Chardin, Wolfhart Pannenberg e Jürgen Moltmann entre muitos outros, 
especialmente aqueles que trabalham na intersecção da teologia e a filosofia da ciência. 
Alguns panenteístas veem o mundo como o corpo de Deus.
Ateísmo e deísmo
 Na outra ponta do espectro do panteísmo e do panenteísmo estão o ateísmo e o 
deísmo. Embora o budismo negue a existência de um Deus pessoal, o ateísmo ocidental 
rejeita qualquer realidade transcendente além do mundo da experiência sensorial. O 
deísmo afirma a existência de um Deus Criador, mas geralmente nega que esse Arquiteto 
do Universo intervenha miraculosamente na natureza ou na História.12 Especialmente 
como foi formulada nos séculos 19 e 20 por Ludwig Feuerbach, Karl Marx, Friedrich 
Nietzsche e Sigmund Freud, os ateístas modernos veem a religião como tendo surgido de 
uma necessidade psicológica de projetar alguma coisa ou alguém a quem se possa orar 
em face de ameaças e tragédias de um universo randômico e caótico. Nietzsche defendia 
um “platonismo invertido”, em que o mundo superior é uma ilusão e o mundo inferior é 
real. De fato, o dualismo dos dois mundos é rejeitado como uma ilusão perpetuada pelo 
cristianismo. 
Entre as diferenças importantes, há algumas semelhanças surpreendentes entre o panteísmo e o 
ateísmo. Na verdade, eles são os dois lados da mesma moeda. Ambos aceitam a visão de que o ser é 
unívoco: em outras palavras, a de que há apenas um tipo de realidade ou existência. Nessa perspectiva, 
há a realidade (o que existe) e então há seres particulares que existem, tais quais entidades divinas e 
não divinas. No paradigma “superação da separação” do panteísmo, o mundo físico é uma projeção 
fraca de um mundo eterno (real). No paradigma ateísta (“o estranho que nunca conhecemos”) a 
projeção é invertida; de fato, o desejo pelo significado e pela verdade transcendentes reflete um tipo de 
neurose psicológica, nostalgia pelo “além” que não existe e que paralisa a nossa responsabilidade no 
presente. Em outras palavras, o panteísmo assume que o mundo superior é real e que este mundo é 
mera aparência, enquanto o ateísmo assume que este mundo é real e que o mundo superior não existe. 
No seu impulso para a imanência, ambos os paradigmas colocam o divino dentro do ser (reduzindo a 
teologia à antropologia ou psicologia). Quando, sob a influência do esquema panteísta, os teólogos 
modernos enfatizaram a religião como uma questão puramente interior de experiência mística ou de 
piedade pessoal, o ateísta é então totalmente justificado ao considerar a existência de Deus como uma 
afirmação totalmente subjetiva, sem relação com a verdadeira realidade.
Nem no paradigma panteísta nem no ateísta Deus é um ser pessoal que transcende a realidade criada e 
ainda assim se relaciona livremente com ela. Nenhum dos dois esquemas admite a intervenção pessoal 
de Deus na natureza e na História. No panteísmo, tudo é “milagroso”; o divino é indistinguível da 
natureza ou do progresso histórico ou, no mínimo, da alma humana. No entanto, “milagres” sempre 
acontecem dentro do ser; eles nunca acontecem no mundo externo, como rupturas do processo comum da 
natureza. A religião ou espiritualidade pertencem exclusivamente à realidade interior ou transcendente, 
além da História e vida neste mundo. É evidente que o ateísmo naturalista não deixa lugar para o 
sobrenatural e o deísmo exclui a possibilidade da intervenção divina miraculosa - seja em julgamento, 
seja em graça. Em ambos os paradigmas, nada estranho ou desconhecido tem permissão para interferir 
na soberania do ego, o que é frequentementeidentificado como autonomia. Por mais diferentes que 
esses paradigmas possam ser em muitos sentidos, eles são conspiradores na supressão do conhecimento 
de Deus e seu relacionamento com as criaturas.
Ontologia bíblica
(conhecendo um estranho)
A ontologia bíblica não é uma espécie de gênero maior. Em outras palavras, ela não se 
encaixa num paradigma genérico, mas gera a sua própria antologia. 
Esse modelo assume que Deus e o mundo são distintos - Criador e criação. O mundo é 
dependente de Deus, mas Deus é independente do mundo. Precisamente porque o 
mundo é dependente a todo o instante da Palavra do Deus trino, nada na História ou na 
natureza é, em última análise, autocausado. Deus é soberano sobre e em qualquer tempo 
e lugar. Deus nunca “invade” sua própria propriedade e nunca “transgride” as leis 
naturais, como se essas estivessem acima dele. Deus é, de fato, um estrangeiro, mas um 
que condescendeu em encontrar-se conosco em nosso próprio espaço criado, que nós 
temos, primariamente, por ser uma dádiva do próprio Deus.
Da perspectiva bíblica, Deus é um estranho em dois sentidos. Primeiro, Deus é um estranho num sentido 
positivo. Intrinsecamente santo, Deus é qualitativamente distinto da criação - não apenas mais do que suas 
criaturas, mas diferente delas. Não existe algo como uma alma divina, pré-existindo por toda a 
eternidade e que foi jogada impiedosamente para a esfera do tempo e da matéria. Deus soprou vida em 
Adão na criação, e ele “passou a ser alma vivente” (Gn 2.7) - uma alma incorporada e um corpo animado. 
No entanto, Deus pronunciou que sua criação era boa (Gn LIO,12,18,21,25,31). Não é um crime ser 
diferente de Deus. Finitude não é uma “apostasia” de uma infinitude primordial. Não há uma parte da 
natureza humana que seja maior, mais brilhante, mais infinita ou mais real do que a outra. Isso significa 
que a única distinção ontológica legítima é entre o Deus não criado e o mundo criado, não entre as 
realidades espiritual e material. A diferença ontológica - a estranheza que nos faz ficar boquiabertos 
diante da majestade de Deus - é boa.
Em segundo lugar, Deus é um estranho num sentido negativo. Conquanto a diferença ontológica seja uma boa 
dádiva da nossa criação, a diferença ética veio como resultado da queda, quando Adão transgrediu a 
aliança original. Nesse sentido, Deus não é apenas qualitativamente diferente de nós, mas moralmente 
oposto a nós. Estamos afastados de Deus por causa do pecado. Em sua justiça, bondade, retidão, 
santidade e amor, Deus é insultado pela nossa rebelião pessoal e coletiva. Como criaturas humanas, nós 
somos feitos à imagem de Deus; como pecadores, nós somos “por natureza, filhos da ira” (Ef 2.3). A 
salvação é obtida não pela ascensão humana da esfera das sombras para a unidade do ser divino, mas 
pela descida de Deus em nossa carne. Somos salvos não da natureza e História, mas da escravidão ao 
pecado e à morte. O dilema que essa redenção resolve é a reconciliação dos pecadores com Deus em 
Cristo, não a reconciliação da infinitude com a finitude, espírito e matéria, universais e particulares. 
A defesa do modelo cristão
• Primeiro, o Deus bíblico é pessoal e não um princípio abstrato. Não há algo como “o divino”, 
“divindade” ou uma “esfera divina”. Há apenas o Deus que fala e age.
• Segundo, esse Deus pessoal é a Trindade em vez de “o Um”. Especialmente na filosofia grega 
dominante, a realidade mais elevada (i.e., aquela que possui o ser supremo) é inerentemente 
uma. Portanto, a pluralidade deve representar um afastamento daquela unidade primordial, para 
longe da completude do ser. Em nítido contraste, o Deus da Bíblia não é apenas um em essência, 
mas é também três pessoas. Entre outras implicações, isso desafia radicalmente a busca da 
filosofia - pelo menos desde os pré-socráticos - pelo princípio unificador único (logos) da 
realidade, seja ele a água (Tales), o ar (Anaxímenes), um caos primordial e eterno (Anaximandro), 
o número (Pitágoras) ou a mente (Parmênides). Para os grandes filósofos gregos, o mundo veio a 
ser a partir da ministração de entidades semidivinas (demiurgos), por meio de um logos 
unificador (princípio racional). No entanto, na cosmovisão bíblica, o Logos é uma pessoa em vez 
de um princípio, e não é semidivino, mas é o eternamente gerado Filho do Pai, por meio de quem 
todas as coisas foram feitas (Jo 1.1-5; Cl 1.15-17). O Pai criou o mundo com suas “duas mãos”: o 
Filho e o Espírito.
• Em terceiro lugar, o mundo nunca foi divino, nem mesmo nos seus aspectos não materiais, e portanto a 
finitude não é um afastamento do ser infinito, mas pertence à natureza que Deus pronunciou boa. Visto 
que “ser” não é unívoco, não há lugar para uma escala de ser, com Deus no topo e as pedras na parte 
mais baixa, e as almas humanas no meio. A realidade não é como a luz controlada por um interruptor, 
com mais ou menos radiância. Há Deus e há a realidade criada. A última é completamente distinta de 
Deus, ainda que criada por ele, refletindo o seu caráter e - no caso dos seres humanos - até mesmo 
portando a sua semelhança.Apenas Deus é vida: existência infinita, imortal, necessária e soberana; 
nós recebemos um tipo bastante diferente de vida criada, como portadores da imagem finitos, morais, 
contingentes e dependentes. Assim, mesmo naqueles atributos que nós compartilhamos com Deus 
por analogia, Deus permanece qualitativamente, não meramente, quantitativamente, diferente das 
criaturas. Não é simplesmente que Deus possua mais ser, conhecimento, poder, amor e justiça, mas 
que Deus transcende toda a comparação conosco - até mesmo aquelas que ele revela nas Escrituras.
• Quarto, a fé bíblica não começa com especulação sobre verdades ostensivamente universais, mas com o 
contexto concreto de um relacionamento baseado numa aliança. Na fé bíblica, o relacionamento da 
criatura com seu Criador é contingente e baseado numa aliança em vez de natural, necessário e 
essencial - um relacionamento de dar e receber, ordenar e obedecer. Em outras palavras, é um 
relacionamento comunicativo. Essa ontologia pactuai (ou baseada numa aliança) pode ser descrita 
como litúrgica: Deus fala, e a criação responde, à medida que cada parte da criação oferece sua própria 
voz distinta num coro antífono de louvor e gratidão. Somos colocados na esfera ética da atividade 
histórica, incorporada, relacionai e cheia de significado em vez de uma esfera de emanação de luz 
descendo silenciosamente a escada de progressão do ser. A esfera da História e da matéria não é uma 
prisão da qual devemos fugir pela contemplação da realidade imutável, mas o teatro da glória de 
Deus.
Epistemologia mediada
 Podemos reconhecer que não há algo que possa ser chamado de método epistemológico neutro. 
Sempre pressupomos certa visão de realidade antes de perguntar como investigá-la. Por que estamos 
aqui? Existe um Deus e, em caso afirmativo, qual é o relacionamento dele com o mundo? Para onde está 
indo a História? A narrativa que aceitamos (ou pelo menos assumimos), juntamente com suas doutrinas e 
práticas concomitantes, determina como podemos conhecê-la. Estejamos explicitamente conscientes 
disso ou não, todos nós pensamos, experimentamos e vivemos dentro do âmbito de uma história 
particular e seus dogmas que respondem a essas grandes perguntas. De acordo com o evangelho, o 
divino Estranho veio nos encontrar ao longo da nossa História e no nosso próprio mundo e até mesmo 
desceu a nós como nosso irmão mais velho, reconciliando-nos com seu Pai. Numa perspectiva pactuai, 
não somos menos dependentes de Deus para o nosso conhecimento do que o somos para a nossa 
existência. Em razão tanto da diferença ontológica positiva quanto da oposição ética negativa entre Deus 
e a humanidade caída, não ousamos tentar subir ao céu pela nossa própria razão, vontade ou obras, mas 
devemos encontrar Deus onde ele prometeu descer até nós, encontrando-nos em graça. Essa é a aliança 
da graça, com a mediação de Cristo como a única base para uma conduçãosegura à presença de Deus. Em 
contraste com as analogias visuais que dominam nossa herança intelectual ocidental, suas metáforas 
principais para conhecer a Deus são oral/aural - Deus falando e nós ouvindo em vez de vermos e 
dominarmos a realidade. Os ouvintes nunca são autônomos, mas recebem tanto sua existência quanto o 
seu conhecimento do Deus que fala.
 François Turretini observou que tratar “Deus” como um objeto da teologia é muito diferente do 
modo como a metafísica aproxima-se de Deus como um objeto - e diferente do modo que os “objetos” são 
tratados em outras disciplinas.34 Isso acontece porque Deus é diferente dos demais objetos de estudo. 
Diferente dos planetas, ele não está simplesmente “lá” para a nossa inspeção. Nem pode Deus ser 
manipulado ou dissecado ou submetido a experiências repetidas. Se nós queremos conhecer Deus - pelo 
menos de uma maneira salvífica - ele deve condescender em se revelar em termos que possamos entender 
e aceitar pela sua graça. Portanto, essa abordagem é oposta ao racionalismo por um lado, e ao moralismo 
pós-kantiano e ao misticismo, por outro.35
 Ninguém encontra Deus, mas é Deus quem nos encontra. Embora tenham andado ao lado de 
Jesus por três anos, os discípulos não compreenderam sua pessoa ou obra até que ele abriu os olhos deles, 
revelando-se a partir de todas as Escrituras e celebrando a Ceia depois da ressurreição (Lc 24). Tanto por 
causa da nossa finitude quanto da nossa pecaminosidade, nossa reconciliação com Deus requer revelação 
na forma de iniciativa e condescendência divinas. A maior sabedoria e conhecimento são encontrados não 
em agarrar, prender, ascender ou dominar a visão das idéias puras, mas em receber, acolher, assentar e 
abaixar-se diante do recital das obras de Deus na História. Não apenas no conteúdo do evangelho, mas em 
sua própria forma, então, ele é “loucura para os gentios” (ICo 1.23).
Por meio dessa Palavra de reconciliação - o evangelho - Deus toma-se um estranho num terceiro sentido: 
não apenas porque ele é o nosso criador (diferença ontológica) e juiz (diferença ética)> mas porque ele é 
o nosso redentor. Essa é uma Palavra estranha de um Deus estranho, pois ela contradiz nosso raciocínio 
moral, que é cativo de uma teologia da glória. Limitado à “lei moral interior” (a verdade universal mais 
certa, Kant observou), o evangelho apenas pode ser descartado como tola superstição. Contrário às nossas 
intuições distorcidas, o evangelho não incentiva a nossa conquista do céu por meio de luta intelectual, 
mística e moral. Ele anuncia que mesmo quando éramos inimigos, Deus nos reconciliou (Rm 5.10). 
Enquanto estávamos mortos em pecado, ele nos tornou vivos em Cristo (Ef 2.5). Somos salvos pelas boas 
obras de Deus, não pelas nossas (Ef 2.8-9). Visto que somos pecadores, o discurso de Deus é inquietante 
e deso- rientador. Não somos nós que superamos o estranhamento, mas Deus é quem cura a ruptura ao 
comunicar-nos o evangelho do seu Filho.
 Um Deus que foge à nossa compreensão - que dirige, mas nunca é dirigido - é uma perspectiva 
aterrorizante para o coração caído até que Cristo coloque-se diante de nós como nosso mediador. Isso não 
acontece porque permanecemos como criaturas corpóreas que procuram superar o estranhamento, mas porque 
nós somos caídos da nossa dignidade original, sob a ira de Deus. Calvino nos lembra:
Nesta ruína da humanidade ninguém vivência Deus, seja como Pai ou como autor da salvação, ou como propício 
de qualquer modo, até que Cristo, o Mediador, apresente-se para reconciliá-lo conosco. [...] Uma coisa é sentir que 
Deus como nosso Criador nos apoia pelo seu poder, nos governa pela sua providência, nos alimenta pela sua 
bondade, e nos cumula de todos os tipos de bênção - e outra coisa é aceitar a graça da reconciliação oferecida a nós 
em Cristo.43
 À parte do evangelho, fugimos da autorrevelação de Deus, vestindo a loucura com o manto da 
sabedoria e a injustiça com a roupa da virtude. Trata-se, em última análise, de uma revolta ética contra o Deus 
que nos criou. É essa estranheza maravilhosa, tanto da majestade ontológica de Deus quanto da graça 
maravilhosa de Deus a pecadores desconhecidos, que nos leva à doxologia:
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus 
juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu 
conselheiro? [Is 40.13]
Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? [Jó 35.7; 41.11]
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Rm 11.33-36)
O debate entre teoria e prática na teologia
No sexto livro da Ética a Nicômaco, Aristóteles identificou cinco hábitos intelectuais. Como o termo é 
empregado na filosofia e na teologia, um hábito é uma disposição ou aptidão por uma atividade particular, 
mesmo se a pessoa nunca tenha de fato feito nada com ela. Por exemplo, uma pessoa pode ter um hábito 
para a música, conquanto nunca tenha aprendido de fato a cantar ou tocar um instrumento. Cada hábito é 
adequado para a sua própria ciência particular, dependendo do objeto que um campo específico 
investiga.
• technè (latim: ars/português: arte): usada para manufaturar coisas 
• phronêsis (prudentialprudência): usada para fazer coisas (phronêsis é mais ou menos equivalente à ética)
• epistêmê (scientialciência): mais característica do conhecimento racional (adquirido)
• nous (intellectus/intelecto): mais característica do conhecimento intuitivo (inato)
• sophia (sapientialsabedoria): conhecimento dos objetos mais elevados (por meio da contemplação)
 Quanto à questão sobre se a teologia é uma disciplina teórica ou prática, os teólogos 
medievais estavam divididos, respectivamente, entre dominicanos (seguindo Tomás de Aquino) e 
franciscanos (seguindo Escoto). Nesse ponto, o consenso geral dos escolásticos protestantes 
favorecia algum tipo de combinação, conquanto privilegiando a visão franciscana de que o 
objetivo último da teologia é prático - ou seja, a reconciliação de pecadores com Deus em Cristo e 
a restauração deles à comunhão com Deus e um com o outro em verdadeira adoração.
 Primeiro, os teólogos luteranos pós-Reforma e os reformados afirmaram a importância da 
teoria, mas contrastaram de modo nítido a doutrina revelada (os dogmas eclesiásticos 
interpretando-a) da especulação. Embora eles tenham criticado a tentativa de subir escadas do 
mérito, do misticismo e da especulação teórica para contemplar “o Deus nu” como uma teologia 
da glória, eles ensinaram que Deus fez de si mesmo um objeto do nosso conhecimento análogo, e 
nós seríamos ingratos - perdidos, na verdade - se ignorássemos essa graça condescendente. De 
fato, a teologia é a ciência mais elevada porque Deus é a fonte de toda a realidade e redenção. 
Teoria, para esses escritores, simplesmente significava doutrina - revelada pela graça, e não obtida 
pela ascensão humana - a qual é inseparável de doxologia e discipulado.
 
O objeto da teologia não é o ego, a religião, a moral ou a cultura, mas Deus. 
Portanto, mesmo quando estavam pensando na teologia como prática, esses 
escritores não perdiam de vista a Deus, como o objeto: “O fim principal do 
homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (Breve Catecismo de 
Westminster, Resposta 1). “Assim, embora a teologia trate das mesmas coisas 
que a metafísica, a física e a ética, o modo de considerá-las é completamente 
diferente”, de acordo com Francisco Turretini (1623-1687).
Ela lida com Deus não como na metafísica, como um ser ou como ele pode ser 
conhecido à da luz da natureza, mas como o Criador e Redentor tornado conhecido 
pela revelação. Ela trata das criaturas, não como coisas da natureza, mas de 
Deus (i.e., como estando em relação e submissão a Deus como seu Criador, 
preservador e Redentor) e isso também de acordo com a revelação feita por 
ele. Esse modo de considerar, as demais ciências não conhecem ou não 
assumem.
Essas outrasciências podem ser úteis como servas, mas não têm autoridade 
sobre a teologia e sua tarefa.
Segundo, nesse contexto, prático não quer dizer aquilo que normalmente significa para nós hoje. 
Em primeiro lugar, era a prática de Deus que esses teólogos tinham em mente - ou seja, a sua criação 
do mundo e a redenção dos pecadores. Por isso, eles não começavam com sua razão ou experiência 
autônomas e então determinavam qual parte da Palavra de Deus achavam mais útil para a práxis 
humana (moral). Em vez disso, eles estavam convencidos com Paulo de que tudo o que Deus tinha 
revelado era útil e suficiente para a fé e a prática precisamente por ser “inspirada por Deus” (2Tm 
3.16). Ao mesmo tempo, o conhecimento de Deus não é um fim em si mesmo; é o conhecimento da 
vontade moral de Deus para a nossa vida (lei) e seu favor para nós em Cristo (evangelho).
Não mais do que um paciente estaria satisfeito com um cardiologista que dissesse palavras de 
consolo, mas fosse ignorante do sistema circulatório, assim também os cristãos não devem se 
contentar com zelo sem conhecimento. No entanto, o objetivo da teologia não é responder todas as 
nossas perguntas e dar-nos domínio intelectual de nosso objeto; em vez disso, ela é a reconciliação 
prática de pecadores com Deus. Como a medicina, Turretini argumentou, a teologia lança mão de 
diversos procedimentos intelectuais, mas com um objetivo último prático de curar. Não são os 
metafísicos e os cientistas teóricos que esperamos ao nosso lado no leito de enfermidade, mas os 
médicos e os pastores. Todavia, esperamos que ambos conheçam bem a sua disciplina. No final do 
Evangelho de João, lemos que Jesus fez e ensinou muitas coisas e sinais “que não estão escritos 
neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e 
para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (Jo 20.30-31).
Com o advento do Iluminismo, a definição de teologia como uma disciplina prática tornou-se 
reduzida à moralidade e experiência interiores. Já no final do século 16, o racionalismo moderno 
apareceu, especialmente com a heresia protestante radical conhecida como socianismo. Negando a 
Trindade, o pecado original, a deidade de Cristo e sua expiação substitutiva, bem como 
justificação pela fé apenas, o socianismo antecipou o Iluminismo. O arminianismo, conquanto 
afirmasse de modo geral os credos ecumênicos, rebaixou a importância das doutrinas 
consideradas não essenciais para a prática da moralidade e da experiência cristãs. O próprio 
Armínio afirmou: “O objeto próximo e imediato dessa doutrina ou ciência não é o próprio Deus, 
mas o dever e a ação do homem que é obrigado a executar para Deus”. Os seguidores de Armínio 
entendiam prática como basicamente sinônimo de ética. “O que faria Jesus?”, em vez de “O que 
Jesus fez?” tornou-se o foco.
Talvez, em nossa cultura pragmática, calculista e científica, seja a práxis em vez da teoria que 
domina, e, entre as virtudes intelectuais, a technê (habilidade para fazer) é quem reina sobre a 
sabedoria, o conhecimento discursivo e intuitivo e a prudência. Uma tarefa crucial diante de nós 
hoje é redescobrir o poder da Palavra criadora e recriadora de Deus para restaurar a unidade de 
pensamento, sentimento e ação na interação entre drama, doutrina, doxologia e discipulado.
Fé x razão na teologia
Especialmente na era moderna houve dois extremos no tratamento da relação entre a fé e a razão: (1) 
racionalismo, que tenta embasar crenças teológicas em princípios universais da razão inata, [que 
absolutiza a certeza como a única forma legítima de conhecimento;] (2) fideísmo (lit. “fé-ísmo”), que se 
recusa a fornecer quaisquer argumentos ou evidências para as afirmações do cristianismo, normalmente 
sob a suspeita que a fé é intrinsecamente oposta ou não relacionada à razão. A primeira trajetória pode 
ser discernida especialmente na herança do platonismo cristão: de Clemente de Alexandria a Pseudo-
Dionísio e deste a João Escoto Erígena. O racionalismo moderno recebe um novo impulso a partir de 
Descartes, Leibniz e Christian Wolff. O fideísmo pode ser discernido pelo menos como uma tendência 
no pensamento de Tertuliano, Pascal, Hamann e Kierkgaard.
Um mistério é algo inexaurível, mas uma contradição é absurda. Por exemplo, afirmar que Deus é um em 
essência e três em pessoas é de fato um mistério, mas não é uma contradição. Os cristãos se deleitam no 
paradoxo do Deus que se tornou carne, mas as naturezas divina e humana unidas numa só pessoa não é 
uma contradição. Não é a razão que recua diante de milagres como a criação ex nihilo, o êxodo, a 
concepção virginal, a morte expiatória e a ressurreição corporal de Jesus Cristo. Em vez disso, é o 
coração caído daqueles que arrazoam que se recusa até mesmo a contemplar a possibilidade de um mundo 
no qual tais atos divinos possam ocorrer.
	Slide 1: Teologia sistemática: Bibliologia e Teontologia
	Slide 2
	Slide 3: O problema do método
	Slide 4: A natureza da realidade
	Slide 5: Panteísmo e panenteísmo
	Slide 6
	Slide 7: Ateísmo e deísmo
	Slide 8
	Slide 9
	Slide 10: Ontologia bíblica (conhecendo um estranho)
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	Slide 13: A defesa do modelo cristão
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	Slide 15
	Slide 16: Epistemologia mediada
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	Slide 20: O debate entre teoria e prática na teologia
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	Slide 26: Fé x razão na teologia

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