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[excerto] Do universal - Guilherme de Ockham (1974)

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OCKHAM, Guilherme de. Seleção de textos de Guilherme de Ockham. São Paulo: Abril Cultural, 
1974. 
 
Do universal 
Não bastando para o lógico um conhecimento tão geral dos termos, precisamos conhecê-los mais em 
particular. Portanto, após ter tratado das divisões gerais dos termos, devemos continuar percorrendo 
algumas coisas contidas nessas divisões. 
Cumpre-nos primeiramente versar sobre os termos da segunda intenção, e em seguida sobre os termos 
da primeira intenção1. Ficou estabelecido que os termos de segunda intenção são, p. ex., o “universal”, 
o “gênero”, a “espécie”, etc.; logo, falaremos daquilo que se põe como os cinco universais. 
Primeiramente, contudo, convém discorrer acerca do termo comum “universal”, que se predica de 
todo universal, e acerca do termo “singular”, que se lhe opõe. 
Saiba-se, pois, primeiramente que se toma “singular” em dois sentidos. Na primeira acepção, o 
vocábulo “singular” significa tudo quanto é uma coisa e não várias. Compreendido “singular” desta 
maneira, aqueles que julgam ser o universal uma qualidade da mente, predicável de muitas coisas 
(representando-as e não a si mesma), precisam dizer que todo universal é verdadeira e realmente 
singular. Com efeito, assim como toda palavra, por mais comum que seja por convenção, é verdadeira 
e realmente singular e numericamente una, visto ser uma só e não várias, também a intenção mental 
que significa muitas coisas é verdadeira e realmente singular e numericamente una, visto ser uma só 
coisa e não várias, ainda que signifique muitas coisas. Na segunda acepção, toma-se “singular” como 
aquilo que é uma só coisa e não várias, sem ser, por natureza, sinal de muitas coisas. Neste sentido, 
nenhum universal é singular, porque todo universal destina-se a ser sinal de muitas coisas e predica-
se, por natureza, de muitas coisas. Logo, chamando-se universal aquilo que não é numericamente uno 
(acepção que muitos dão a universal), digo que nenhuma coisa é universal, a não ser empregando-se 
abusivamente o vocábulo e dizendo-se que um povo é um universal, porque não é um, mas muitos. 
Isso seria, contudo, pueril. 
Diga-se, portanto, que todo universal é uma coisa singular, e por isso não há universal senão pela 
significação, enquanto é sinal de muitas coisas. É isso o que diz Avicena no livro V da Metafísica: 
“Uma só forma no intelecto refere-se à multidão, e sob esse aspecto é universal, porque esse mesmo 
é uma intenção mental relativa igualmente a qualquer coisa que se tome”. E a seguir: “Esta forma, 
ainda que seja universal em 
 
comparação com os indivíduos, é individual relativamente à alma singular, na qual se imprime, visto 
ser uma das formas que há no intelecto”. Com isso quer dizer que o universal é uma intenção singular 
da própria alma, capaz de ser predicada de muitas coisas, de modo que pelo fato de se destinar a ser 
predicada de muitas coisas, não representando a si mesma e sim essas muitas coisas, se chama 
universal; contudo, pelo fato de ser uma forma realmente existente no intelecto, denomina-se singular. 
Portanto, o singular no primeiro sentido predica-se do universal, mas não no segundo significado, da 
mesma maneira como dizemos que o sol é uma causa universal, sendo, porém, verdadeiramente uma 
coisa particular e singular; logo, é uma causa verdadeiramente singular e particular. Chama-se, 
entretanto, o sol causa universal por ser causa de muitas coisas, ou seja, de todas as coisas sujeitas 
 
1 Chamam-se termos da primeira intenção os que representam as coisas; os da segunda intenção são os derivados, os que se referem ao conhecimento 
das coisas ou lógicos. Nos Problemas lógicos vai subdividir os termos de segunda intenção: em sentido lato e em sentido estrito. 
nesta terra à geração e à corrupção2, mas denomina-se causa particular enquanto é uma só causa e 
não muitas. É assim que a intenção da mente se chama universal, por ser um sinal predicável de 
muitas coisas, mas é denominada singular enquanto é uma só coisa e não muitas. 
Saiba-se, contudo, que há duas espécies de universal. Um é universal naturalmente, ou seja, é 
naturalmente sinal predicável de muitas coisas, em grande parte como a fumaça significa 
naturalmente o fogo, o gemido do enfermo indica a dor e o riso demonstra a alegria interna; e 
universal assim não é senão a intenção mental, de modo que nenhuma substância fora da alma e 
nenhum acidente extramental é universal nesse sentido. É desse universal que falaremos nos capítulos 
seguintes. Outra espécie de universal é instituído voluntariamente. Nesse sentido, a palavra proferida, 
que é verdadeiramente uma só qualidade, é universal, visto que é um sinal instituído voluntariamente 
para significar muitas coisas. Portanto, assim como se chama comum a palavra, também pode ser 
denominada universal; isso, porém, não decorre da natureza da coisa, mas só da convenção 
estabelecida. 
(Summa Totius Logicae, I, cap. 14) 
Que o universal não é uma coisa exterior 
Como não basta afirmar simplesmente essas coisas, sem prová-las por um raciocínio manifesto, 
aduzirei agora algumas razões, confirmando-as com argumentos de autoridade. 
Em primeiro lugar, assim: nenhum universal é uma substância numericamente singular e una. Com 
efeito, se se afirmasse isso, seguir-se-ia que Sócrates é um universal, porque não há razão para que 
uma substância singular seja universal e outra não; logo, nenhuma substância singular é universal, 
mas toda substância é numericamente una e singular. De fato, toda coisa ou é numericamente una e 
não mais, ou é uma pluralidade. Se é una e não muitas, é numericamente una e todos a chamam assim. 
Se, porém, uma substância é muitas coisas, ou são muitas coisas singulares, ou muitas coisas 
universais. Na primeira hipótese, segue-se que uma substância seria muitas substâncias particulares, 
e conseguintemente, pela mesma razão, muitos homens seriam a mesma substância; e então, ainda 
que o universal se distinguisse de determinada coisa particular, não se distinguiria das coisas 
particulares. Se, porém, uma substância fosse muitas coisas universais, tomemos uma dessas coisas 
universais e perguntemos: é uma coisa e não muitas ou são muitas coisas? No primeiro caso, segue-
se que é singular: no segundo, pergunto: ou são muitas coisas singulares, ou muitas coisas universais, 
e, assim, ou haverá um processo infinito, ou convir-se-á em que nenhuma substância é universal de 
modo a não ser singular. Daí se conclui que nenhuma substância é universal. 
Igualmente, se um universal fosse uma substância existente nas substâncias singulares e distinta delas, 
seguir-se-ia que poderia existir sem elas, porque toda coisa naturalmente anterior à outra pode existir 
sem ela, pelo poder divino. Mas essa consequência é absurda. 
Além disso, se essa opinião fosse verdadeira, nenhum indivíduo poderia ser criado, mas alguma coisa 
do indivíduo preexistiria, porque ele não tiraria todo o seu ser do nada, se o universal que há nele 
existisse antes do outro. Pelo mesmo motivo se segue que Deus não poderia aniquilar um indivíduo 
de uma substância sem destruir os outros indivíduos: porque, se aniquilasse algum indivíduo, 
destruiria tudo quanto é da essência do indivíduo, e por conseguinte destruiria aquele universal que 
existe nele e nos outros, não ficando portanto os outros, pois não poderiam permanecer sem sua parte, 
que é no caso aquele universal. 
Ademais, aquele universal não poderia ser constituído por alguma coisa totalmente exterior à essência 
do indivíduo; logo, seria da essência do indivíduo, e por consequência o indivíduo se comporia de 
universais, e assim o indivíduo não seria mais singular que universal. 
 
2 Conforme a teoria escolástica, de origem aristotélica, o sol contribuía como causa em todos os fenômenos terrestres. 
Igualmente, segue-se que alguma coisa da essência de Cristo seria miserável e condenada, pois que 
aquela natureza comum que existisse realmente emCristo existiria também realmente em Judas e 
seria condenada; logo, existiria no Cristo e no condenado, isto é, em Judas. Isto, porém, é absurdo. 
Poder-se-iam alegar muitas outras razões, que omito por amor à brevidade. 
Confirmo a mesma conclusão por argumentos de autoridade... 
Disso tudo e de muitos outros textos vê-se que o universal é uma intenção mental, capaz de ser 
predicada de muitas coisas. Isso também pode ser confirmado pela razão. Com efeito, toda gente 
reconhece que todo universal é predicável de muitas coisas; ora, só uma intenção mental ou um sinal 
voluntariamente instituído pode predicar-se, e não uma substância; logo, somente uma intenção 
mental ou um sinal voluntariamente instituído é um universal. Aqui, porém, não emprego “universal” 
como sinal voluntariamente instituído, mas como aquilo que naturalmente é universal. Que a 
substância não possa predicar-se, vê-se pelo fato de que, na hipótese afirmativa, a proposição se 
comporia de substâncias particulares, e consequentemente, o sujeito estaria em Roma e o predicado 
na Inglaterra, o que é absurdo. 
Do mesmo modo, uma proposição só pode estar na mente ou na palavra falada ou escrita; logo, suas 
partes só podem estar na mente ou na palavra falada ou escrita; ora, essas coisas não são substâncias 
particulares. Está certo, portanto, que nenhuma proposição pode ser composta de substâncias, pois é 
feita de universais, e estes não são de maneira alguma substâncias. 
(Summa Totius Logicae, I, cap. 15) 
Opinião de Scot acerca do universal e sua refutação 
Conquanto muitos vejam que o universal não é uma substância existente fora da alma nos indivíduos 
e distinta realmente deles, pensam alguns que o universal está de algum modo fora da alma nos 
indivíduos, ainda que não distinto realmente deles, mas apenas formalmente. Dizem então que em 
Sócrates há uma natureza humana contraída a Sócrates por uma diferença individual, não distinta 
realmente dessa natureza, mas formalmente. Logo, a natureza e a diferença individual não são duas 
coisas, mas uma não é formalmente a outra. 
Essa opinião, entretanto, me parece de todo improvável. Prova: nas criaturas nunca pode haver 
alguma distinção qualquer fora da alma, se as coisas não são distintas. Portanto, se entre esta natureza 
e esta diferença há uma distinção qualquer, precisa haver coisas realmente distintas. Provo a menor 
em forma silogística: esta natureza não se distingue formalmente desta natureza; ora, esta diferença 
individual distingue-se formalmente desta natureza; logo, esta diferença individual não é essa 
natureza. 
Igualmente, a mesma coisa não é comum e própria; ora, conforme eles, a diferença individual é 
própria, mas o universal é comum, não sendo portanto a diferença individual comum; logo, nenhum 
universal é a mesma coisa que a diferença individual. 
Ademais, à mesma coisa criada não podem ser atribuídas3 coisas opostas; ora, comum e próprio são 
opostos; logo, a mesma coisa não é comum e própria, o que, contudo, aconteceria se a natureza 
individual e a natureza comum fossem a mesma coisa. 
Além disso, se a natureza comum fosse realmente idêntica com a diferença individual, tantas seriam 
realmente as naturezas comuns quantas são as diferenças individuais, e por conseguinte nenhum 
indivíduo seria comum, mas cada um seria próprio, graças à diferença com a qual se identifica 
 
3 Em latim, convenire, convir, pertencer. 
realmente. 
Da mesma maneira, toda coisa se distingue de qualquer outra por si mesma ou por algo que lhe é 
intrínseco; ora, a humanidade de Sócrates difere da de Platão; logo, distinguem-se por si mesmas e 
não por diferenças adicionadas. 
Igualmente, conforme Aristóteles, o que difere na espécie, difere em número; ora, a natureza do 
homem e a do burro são por si mesmas distintas especificamente; logo, por si mesmas se distinguem 
numericamente; por consequência, cada uma dessas naturezas é por si numericamente una. 
Além disso, o que por nenhum poder pode competir a muitos, por nenhum poder é predicável de 
muitos; ora, essa natureza, se for realmente a mesma que a diferença individual, não pode por nenhum 
poder ser atribuída a muitos; logo, por nenhum poder é predicável de muitos, e por conseguinte por 
nenhum poder será universal. 
Ademais, tomo aquela diferença individual, com a natureza que ela contrai, e pergunto: a distinção 
entre elas é maior ou menor do que entre dois indivíduos? Não é maior, porque não diferem realmente, 
ao passo que tal é a distinção entre os indivíduos. Nem é menor, porque, então, seriam da mesma 
espécie, como dois indivíduos são da mesma espécie, e, por conseguinte, se um é por si 
numericamente uno, o outro também será por si numericamente uno. 
Em seguida pergunto: a natureza é a diferença individual ou não? Caso assim seja, argumento de 
forma silogística: esta diferença individual é própria e não comum; ora, esta diferença individual é a 
natureza; logo, a natureza é própria e não comum, o que se pretendia mostrar. Da mesma maneira, 
argumento silogisticamente: uma diferença individual não se distingue formalmente de outra 
diferença individual: ora, esta diferença individual é a natureza; logo, a natureza não se distingue 
formalmente da diferença individual. Se, porém, se admitir que a diferença individual não é a natureza, 
prova-se o desejado, pois eis o que se segue: a diferença individual não é a natureza: logo, a diferença 
individual não é realmente a natureza, porque do oposto do consequente se segue o oposto do 
antecedente, conforme a seguinte argumentação: a diferença individual é realmente a natureza; logo, 
a diferença individual é a natureza. A consequência é clara, porque de um determinável tomado com 
uma determinação que não afasta nem diminui, passando-se para um determinável tomado por si, a 
consequência é legítima4. Ora, “realmente” não é uma determinação que afasta ou diminui. Logo, 
conclui-se: a diferença individual é realmente a natureza: portanto, a diferença individual é a natureza. 
Diga-se, pois, que nas criaturas não existe essa distinção formal, visto que tudo quanto é distinto nas 
criaturas é realmente distinto, constituindo coisas distintas, desde que se trate de duas coisas 
verdadeiras. Dessa forma, como nas criaturas, nunca se podem negar argumentos desta espécie: isto 
é A, isto é B; logo, um B é A; ou o seguinte: isto não é A; ora, isto é B; logo, um B não é A; também 
nunca se deve negar as criaturas que, toda vez que predicados contraditórios se verificam em certas 
coisas, essas coisas são distintas, a não ser que alguma determinação ou algum termo 
sincategoremático seja causa de tal verificação, o que não deve ser suposto na proposição acima. 
Por isso devemos dizer com o Filósofo que na substância particular nada é absolutamente substancial 
a não ser a forma particular e a matéria particular ou alguma coisa composta dessas duas. Eis porque 
não se deve imaginar que em Sócrates haja a humanidade ou natureza humana distinta de qualquer 
modo de Sócrates, ao qual se adicionaria uma diferença individual que contraísse aquela natureza. Na 
verdade, tudo quanto se pode pensar de substancial existente em Sócrates será a matéria particular, 
ou a forma particular, ou alguma coisa composta das duas. Por conseguinte, toda essência e quididade 
e qualquer coisa substancial, desde que se trate de uma realidade extramental, é simples e 
absolutamente a matéria ou a forma ou o composto das duas, ou uma substância imaterial separada, 
conforme a doutrina dos peripatéticos. 
 
4 Isto é, podemos dizer, por ex., que “um homem é um animal”, mas não que “um homem retratado é um animal”. 
(Summa Totius Logicae, I, cap. 16) 
 
Um universal é um objeto pensado?5 
Poder-se-ia dizer de outro modo. Digo que o universal não é alguma coisa real, dotada de ser subjetivo, 
quer na alma, quer fora dela, mas tem apenas ser objetivo na alma6, e é certa coisa fictícia, dotada de 
tal modo deser objetivo na alma como a coisa exterior tem ser subjetivo. Digo, portanto: vendo 
alguma coisa fora da alma, o intelecto fabrica mentalmente uma coisa semelhante, de modo que, se 
tivesse o poder produtivo como tem a força imaginativa, faria essa coisa exteriormente, no ser 
subjetivo, distinta numericamente da anterior. Seria proporcionalmente semelhante ao caso do artífice. 
Com efeito, assim como um arquiteto, vendo exteriormente uma casa ou edifício, cria em sua mente 
uma casa semelhante e depois a produz fora, igualzinha, só numericamente distinta da primeira, assim 
também no nosso caso aquilo que se imagina na mente pela visão de alguma coisa exterior agiria 
como um modelo. Repete-se aí a hipótese da casa imaginada, se a pessoa que imagina tivesse o poder 
produtivo real, como se dá com o arquiteto, pois então a coisa imaginada seria um modelo para quem 
imagina. É isso que se pode denominar universal, porque é um modelo e se refere indiferentemente a 
todas as coisas singulares que existem fora; e por causa dessa semelhança no ser objetivo pode 
representar coisas que têm um ser parecido fora do intelecto. E, assim, o que é universal não é por 
geração, mas por abstração, a qual é somente certa criação mental. 
Mostrarei primeiramente que é alguma coisa na alma, tendo apenas um ser objetivo, sem o ser 
subjetivo. 
Isso se vê em primeiro lugar porque, conforme os filósofos, o ser se divide primeiramente em ser na 
alma e ser fora da alma, e este se subdivide em dez predicamentos. Então pergunto: como se toma 
aqui “ser na alma”? Essa expressão significa somente o ser objetivo, e é o que se pretendia dizer, ou 
aquilo que tem também um ser subjetivo, o que não pode ser, porque o que tem um verdadeiro ser 
subjetivo na alma é contido no ser que se divide precisamente em dez predicamentos, pois entra na 
categoria da qualidade: de fato, a intelecção e universalmente todo acidente que informa a alma 
constitui uma verdadeira qualidade como o calor e a brancura, e assim não fica contido naquele 
membro subdividido contra o ser que se divide em dez predicamentos. 
Além disso, as ficções existem na alma e não têm um ser subjetivo, porque então seriam verdadeiras 
coisas, e nesse caso a quimera, o hircocervo, etc., seriam coisas reais; logo, há coisas que só possuem 
ser objetivo. 
Ademais: as proposições, os silogismos e coisas semelhantes, de que trata a Lógica, não têm ser 
subjetivo; logo, possuem unicamente o ser objetivo, de modo que seu ser consiste em ser conhecido; 
portanto, há seres que só têm ser objetivo. 
Igualmente: as coisas artificiais não parecem possuir na mente do artífice o ser subjetivo, tal como 
também não o tinham as criaturas na mente divina antes da criação. 
De modo semelhante: relações conceptuais são admitidas comumente pelos mestres. Pergunto então: 
ou só tem um ser subjetivo, e aí são coisas verdadeiras e reais, ou só ser objetivo, que é o que se 
pretendia provar. 
Igualmente: de acordo com os que opinam diferentemente, o “ser” correspondente a um conceito 
 
5 O tradutor inglês Ph. Boehner anota que esta foi a primeira opinião de Ockham, depois abandonada. 
6 O ser objetivo é o ser como objeto do conhecimento (que modernamente se poderia chamar subjetivo); o subjetivo refere-se a existência real, ao sujeito 
da inesão. Assim, uma qualidade possui um ser subjetivo na substância e que inere, mas tem um ser objetivo enquanto é conhecida por nossa mente. 
unívoco7 e, contudo, a nenhuma outra coisa. 
Da mesma forma: quase todos fazem distinção entre as intenções segundas e primeiras, não chamando 
intenções segundas algumas qualidades reais na alma; logo, como não existem realmente fora, não 
podem existir senão objetivamente na alma. 
Digo em segundo lugar que aquilo que se imagina é o que primária e imediatamente a intenção da 
universalidade denomina e tem a natureza de um objeto, sendo o que imediatamente termina o ato da 
intelecção quando não se intelige nenhum singular. Isso, pois, por ser tal no ser objetivo como o 
singular é no ser subjetivo, pode por sua natureza representar os próprios singulares, dos quais 
constitui de certo modo uma semelhança... 
Digo, pois, que, assim como a palavra é universal, e é gênero e espécie, mas apenas por convenção, 
também o conceito assim fabricado mentalmente e abstraído das coisas singulares, conhecidas de 
antemão, é universal por sua natureza... 
(Ordinatio, d. 2, q. 8., primeira redação) 
Um universal é um ato do intelecto8 
Poderia haver outra opinião, segundo a qual a paixão da alma9 é o próprio ato do intelecto. E porque 
esse opinião me parece ser a mais provável de todas as que estabelecem estarem subjetiva e realmente 
na alma estas paixões da alma, como verdadeiras qualidades dela, exporei primeiro o modo que me 
parece mais provável acerca dessa opinião... 
Digo, pois, que quem quer manter essa opinião pode supor que o intelecto, apreendendo uma coisa 
singular, produz em si mesmo um conhecimento dessa coisa singular, apenas, conhecimento que se 
chama paixão da alma, capaz por sua natureza de representar a coisa singular. Portanto, assim como, 
por convenção, a palavra “Sócrates” representa a coisa que significa (de modo que, ao se ouvir a frase 
“Sócrates corre”, não se concebe que a palavra “Sócrates”, que se ouviu, corre, mas sim a corrida da 
própria coisa significada por ela), também quem visse ou inteligisse ser afirmada alguma coisa dessa 
intelecção de alguma coisa singular não conceberia que a própria intelecção é deste ou daquele modo, 
mas pensaria que a própria coisa a que o conhecimento se refere é assim. Logo, como a palavra 
convencional representa a própria coisa, também a intelecção, por sua natureza, sem convenção 
alguma, significa a coisa a que se refere. 
Mas, além dessa intelecção da coisa singular, o intelecto forma em si outras intelecções, que não 
pertencem mais a esta coisa que àquela. Assim, por ex., como a palavra “homem” não significa mais 
Sócrates que Platão e, portanto, sua suposição não é mais de um deles do que do outro, o mesmo se 
diria de tal intelecção que por ela não se inteligiria mais Sócrates do que Platão ou qualquer outro 
homem. Coisa igual se deveria dizer de qualquer outra intelecção, pela qual não se inteligisse mais 
este animal que outros, e assim por diante. 
Em suma, pois, as próprias intelecções da alma são chamadas paixões da alma e representam por sua 
natureza as próprias coisas exteriores ou outras coisas na alma, como as palavras representam as 
coisas por convenção... 
 
7 Conforme Santo Tomás e outros escolásticos do período áureo, o “ser” era objeto de um conceito análogo; para Duns Scot e outros, passa a ser unívoco; 
para Ockham, se “ser” fosse um conceito, seria um objeto de pensamento apenas e não uma coisa real. 
8 Segundo a opinião definitiva de Ockham, como observa o tradutor inglês, o conceito universal não é somente um objeto pensado (conforme a opinião 
anterior), mas uma qualidade da própria alma, como um ato do intelecto. 
9 É interessante salientar como o conceito, segundo Ockham, é uma paixão da alma, esquecendo-se o aspecto ativo que compete à inteligência conforme 
a escolástica clássica e sobretudo a filosofia moderna. 
... Por essa intelecção confusa10 é que se inteligem as coisas particulares exteriores. Assim, ter uma 
intelecção confusa do homem não é senão possuir um conhecimento pelo qual não se intelige um 
homem mais que outro, e contudo, por esse conhecimento mais se conhece ou intelige o homem que 
o burro. Isso não quer dizer senão que esse conhecimento, por algum modo de assimilação, mais se 
assemelha ao homem que ao burro, se bem que não mais a este homem que àquele. E, segundo o que 
deixamos dito, parece lógico dizer-se que por esse conhecimento confuso podem conhecer-se coisas 
infinitas. Nem tal coisa parece ser mais insustentável que poder abranger-se com o mesmo amor ou 
desejo coisas infinitas. Ora, esta hipótese não pareceinadmissível, pois pode alguém amar todas as 
partes de um contínuo, que são infinitas, ou desejar que todas essas partes perdurem no ser, e como 
com semelhante desejo não se apetece senão uma parte do contínuo, mas não uma preferentemente à 
outra, cumpre que se desejem todas, as quais porém são infinitas. Igualmente, pode alguém desejar o 
ser para todos os homens possíveis, os quais porém são infinitos, pois que podem ser gerados em 
número infinito. Assim, pois, se pode dizer que o mesmo conhecimento pode referir-se a coisas 
infinitas, mas não será um conhecimento próprio de nenhuma delas, nem por semelhante 
conhecimento se pode distinguir um de outro, e isso por causa de certa semelhança especial deste 
conhecimento em relação a estes indivíduos e não àqueles. 
(Expositio Super Librum Perihermeneias — Exposição sobre o livro Da Interpretação [(de 
Aristóteles)]) 
 
 
10 Somente o conhecimento do singular é claro; o do universal é confuso, sendo um conhecimento indiscriminado dos seres individuais, mas 
semelhantes, o que é característico do chamado “nominalismo” ockhamista. Entretanto, como se diz logo depois, temos aí um conhecimento pelo qual 
se conhece melhor uma classe de indivíduos.

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