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Hoje em dia, cada vez mais, os exames atuam em conjunto para fechar o diagnóstico do paciente. O problema acontece quando começamos a utilizá-los como essenciais ao invés de complementares, reduzindo o nosso poder de raciocínio clínico e submetendo aquele indivíduo a exposições muitas vezes desnecessárias. Ao pensar no cenário de emergências cardiovasculares, sabemos que o tempo está estritamente relacionado à vida, uma vez que quanto mais rápido e efetivo for o atendimento, maior a chance de reverter a lesão e, consequentemente, aumenta a sobrevida do paciente. Assim, o raciocínio clínico, bem como a prática recorrente, são ferramentas essenciais ao rápido e preciso diagnóstico, contribuindo para a intervenção precoce e, por conseguinte, às melhores repercussões ao paciente. Tendo em vista esse cenário, portanto, temos como objetivo neste curso o refinamento do raciocínio clínico de cada médico, através de aulas voltadas ao aperfeiçoamento de definições muitas vezes perdidas ao longo do dia a dia e à discussão de casos clínicos, te tornando, assim, um profissional muito mais capacitado em emergências cardiovasculares. Parada cardiorrespiratória Uma das emergências mais comuns é a parada cardiorrespiratória, representada pela ausência de pulso e de ventilação, portanto, a primeira coisa a ser feito com a vítima é checar a sua responsividade, de modo verbal e motora, para minimizar as chances do paciente não responder simplesmente por ter uma hipoacusia. Após perceber de fato que se trata de uma PCR, inicia-se a sequência C-A-B (compressão, via aérea e boa ventilação) no adulto e A-B-C em crianças, visto que, na maioria dos casos de PCR em adultos a causa é mecânica, normalmente por arritmia, enquanto que as crianças costumam parar por hipóxia, sendo a ventilação mais importante do que a compressão. O protocolo para adultos preconiza o início das compressões, realizadas em uma frequência de 100 a 120 compressões por minuto, a uma profundidade de 5 a 6 cm, garantindo o retorno total do tórax a cada movimento. Além disso, afirma-se que as interrupções necessárias, para checar pulso ou realizar a desfibrilação, devem durar menos do que 10 segundos, e, assim, evitando a parada prolongada da perfusão coronariana, sempre tendo em mente a importância de alternar o compressor a cada 2 minutos, ou quando aquele que está atuando cansar. A posição de quem comprime é estar em cima do paciente, com os braços formando o ângulo de 90° com o esterno da vítima, sendo a força exercida pelo tronco e não pelos braços do socorrista, para, então, fazer menos força, ou seja, se cansar menos e, também, assim a compressão fica mais efetiva. Para a efetividade das compressões, no entanto, não é necessário apenas o correto posicionamento, como, também, a quantidade de compressões e ventilações realizadas. Por definição tem-se 30 compressões a cada 2 ventilações, caso a vítima esteja sem via aérea avançada, mas, com a indisponibilidade do ambu, as ventilações devem ser negligenciadas com o intuito de evitar contaminação, principalmente agora em cenário de pandemia do Covid-19. O desfibrilador externo automático (DEA) é um aparelho muito utilizado em casos de parada cardiorrespiratória extra-hospitalar, uma vez que ele indica as instruções a serem tomadas, inclusive onde as pás devem ser colocadas, se oo ritmo é ou não chocável e, também, faz a recomendação de quando deve-se desfibrilar, podendo ser utilizado, até mesmo, por leigos. Imagem 01: posição correta para as compressões cardíacas. O DEA, todavia, tem as suas peculiaridades. Quando o tórax do paciente é coberto por pelos, a tricotomia deve ser realizada, para garantir a aderência das pás adesivas com o corpo da vítima. Em tórax molhado, este deve ser enxugado, a fim de assegurar a boa condução do estímulo elétrico e, por último, se o paciente tiver um marca-passo cardíaco, devemos mudar as pás de local, evitando danificar esse sistema. Para facilitar, trouxemos o algoritmo da parada cardiorrespiratória a nível de suporte básico de vida. Imagem 02: Desfibrilador externo automático Checar segurança do local Checar responsividade Paciente consciente Paciente inconsciente Chamar ajuda com DEA Checar pulso (5 a 10s) e respiração Pulso e respiração normais Pulso presente Sem respiração Monitorizar até chegada do time de emergência Ventilar a cada 6 s Reavaliar pulso a cada 2 minutos Se ausência de pulso Pulso ausente / sem respiração (PCR) Reanimação cardiopulmonar: 30x2 DEA disponível Checar ritmo chocável? CHOQUE e reiniciar RCP imediatamente Reiniciar RCP imediatamente Sim Não 2 min 2 min Ritmos cardíacos de PCR Agora que já entendemos o protocolo de atendimento, precisamos saber identificar os ritmos de parada cardiorrespiratória, dentre eles a fibrilação ventricular (FV), taquicardia ventricular (TV), atividade elétrica sem pulso (AESP) e assistolia, sendo os dois primeiros ritmos chocáveis e os dois últimos, não chocáveis. A fibrilação ventricular é caracterizada por ser um ritmo caótico, no qual não conseguimos identificar com precisão o complexo QRS. O outro ritmo chocável, taquicardia ventricular, por sua vez, tem o QRS alargado, de fácil identificação, podendo ser monomórfica (ondas com mesma morfologia) ou polimórfica (ondas com morfologias diferentes). Quando o paciente sofre PCR em ritmo chocável, a conduta é aplicar o choque com carga de 200J, se for bifásico, ou 360J, se for monofásico, e iniciar a RCP imediatamente após a desfibrilação. As drogas a serem utilizadas deverão sempre serem aplicadas com Flush e elevação do membro, normalmente aplicando 1 mg intravenoso de adrenalina (vasopressor) após o segundo choque, por ser um ritmo refratário ao choque, podendo repetir a cada 3 a 5 minutos. Outras drogas bastante utilizadas são os antiarrítmicos, sendo eles a amiodarona - aplicada após o terceiro choque, com primeira dose de 300 mg e segunda de 150 mg intravenoso - e a lidocaína (aplicada após o terceiro choque, com Imagem 03: Fibrilação ventricular Imagem 04: Taquicardia ventricular primeira dose de 1 a 1,5 mg/kg e segunda, 0,5 a 0,75 mg/kg, sendo a dose máxima de 3 mg/kg. Existe ainda, o ritmo especial chamado de Torsades de pointes, no qual devemos estar sempre atentos. Ele é caracterizado por ter uma taquicardia ventricular polimórfica (QRS largo e várias morfologias), mas, se traçarmos um eixo no centro do traçado, perceberemos que a ponta do complexo QRS ora está para cima e ora para baixo, como se ele sofresse uma torção. Nesse caso, a amiodarona não é recomendada por aumentar o QT que, nesse ritmo, já está longo, mas é válido utilizar o sulfato de magnésio 1 a 2 g endovenoso. Os ritmos não chocáveis, por sua vez, são o AESP e a assistolia. No primeiro, o ritmo é organizado - independente de estar em bradiarritmia ou taquiarritmia, ou com QRS largo ou curto -, mas o paciente está com pulso ausente. No segundo, diferentemente, não há nenhum tipo de atividade elétrica. Observação importante nesse ponto é sempre aplicar o protocolo CA-GA-DA ao ver uma linha reta, devendo checar os cabos, o ganho e as derivações, pois a linha antes reta pode ser, na verdade, FV fina. Nos ritmos não chocáveis, as drogas também devem ser aplicadas com flush e elevação do membro, para garantir a chegada na circulação central. Diferentemente dos ritmos chocáveis, aqui deve ser aplicada 1 mg de adrenalina intravenoso assim que possível, podendo ser repetido a cada 3 a 5 minutos. Na assistolia, principalmente, devemos estar sempre atentos ao motivo da parada cardiorrespiratória e, para isso, existe o mnemônico 5Hs (hipovolemia, hipóxia, h+ - acidose -, hipo/hipercalemia e hipotermia)e 5Ts (tensão no tórax, tamponamento cardíaco, trombose pulmonar, trombose coronariana e tóxicos). Abaixo, segue uma tabela com as causas de assistência e seus tratamentos. 5H’s TRATAMENTO 5T’s TRATAMENTO Hipovolemia Volume Tensão no tórax Punção de alívio Hipóxia IOT Tamponamento cardíaco Punção de Marfan H+ (acidose) BicNa Trombose pulmonar - Hipo/hipercalemia Repor K+/GluCa²+ Trombose coronariana - Hipotermia Aquecer Tóxicos Antídoto Via aérea na PCR Em cenário de parada cardiorrespiratória, a via aérea avançada preferencial é a intubação orotraqueal, mas, em casos de via aérea difícil ou em ambiente extra- hospitalar (sem médico), podemos utilizar a máscara laríngea como alternativa à intubação. Depois de posicionada a via aérea avançada, deve-se realizar a checagem da mesma através dos 5 pontos de ausculta, além de analisar o gráfico da capnografia. Importante lembrar que as ventilações, igualmente a da parada respiratória, continuam sendo 1 ventilação a cada 6 segundos e que, agora, as compressões não mais precisam ser interrompidas, tornando-se contínuas. Imagem 05: via aérea avançada - máscara laríngea A capnografia, já mencionada anteriormente, é um instrumento bastante utilizado com o intuito de saber se a intubação foi efetiva e se as compressões estão surgindo efeito. Ao analisar seu gráfico, podemos encontrar as quatro repercussões seguintes. Quando a linha do gráfico aparece com curva, significa que o tubo está no local adequado e, caso a PETCO2 esteja acima de 22 mmHg, sabe-se que a compressão está adequada. Entretanto, se a PETCO2 estiver abaixo de 8 mmHg, necessitamos melhorar as compressões. Em caso de PETCO2 baixo, com aumento abrupto, podemos perceber que há um provável retorno da circulação espontânea, mas ainda não devemos parar de comprimir. Por fim, tendo a PETCO2 acima de 35 mmHg temos a certeza de que o paciente já está ventilando sozinho. Outra forma de analisar a efetividade das compressões é através da PA invasiva, mas só olhamos por ela se o paciente já tiver com essa monitorização. Através desse aparelho, observamos a pressão arterial diastólica, sendo que, se abaixo de 20 mmHg, as compressões devem ser melhoradas. Imagem 06: via aérea avançada - intubação orotraqueal Por fim, apesar de não estar tão disponível e nem ser muito utilizado, podemos fazer uso do ultrassom como medida para avaliar as causas da PCR, como o motivo da hipovolemia e do tromboembolismo pulmonar, por exemplo, além de possibilitar a avaliação prognóstica, entretanto, há limitação de janela devido às compressões. Cuidados pós PCR Nos cuidados pós parada cardiorrespiratória, utilizamos o mnemônico ABCDE. No A, vias aéreas, analisamos se o paciente está comatoso ou consciente. Caso esteja comatoso, é necessário a intubação orotraqueal e, quando consciente, precisamos apenas manter a via aérea pérvia. No B, ventilação, utilizamos a ventilação mecânica em pacientes comatosos, sempre mantendo a SpO2 entre 92% a 98%, para evitar a hiperóxia (PaO2 acima de 300 mmHg). No C, circulação, devemos ter cuidado com a hipotensão. Para isso, é importante manter a pressão arterial acima de 90x60 mmHg e sempre avaliar sinais de congestão. Caso tenha, deve-se ministrar vasopressor (noradrenalina) e, caso não, infundir volume (soro fisiológico ou ringer lactato). No D, disfunção neurológico, sabemos que a diminuição da temperatura diminui o metabolismo cerebral. Assim, deve ser feito o controle direcionado da temperatura, entre 32 a 36° por pelo menos 24 horas. No E, exposição, por último, vamos expor o paciente a procura de lesões e pedir os exames, principalmente ECG e troponina. Se o paciente tiver o supra de ST, deve ser solicitado uma coronariografia de emergência, para evitar que o paciente pare novamente e, caso não acha supra de ST, ainda deve-se fazer a angiografia coronariana, mas não precisa ser imediata. Ficou interessado em saber mais sobre parada cardiorrespiratória e como conduzir os demais casos de emergências cardiovasculares? Se inscreva no nosso curso!