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iniciao biotica-146

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de uma pessoa deverá preponderar
sobre o outro bem em jogo. Admite-se
que, nessas circunstâncias, esteja o
profissional da saúde agindo, em tese,
em legítima defesa de terceiro, hipó-
tese que, do mesmo modo que o estri-
to cumprimento do dever legal, exclui
a configuração do crime de violação
do segredo profissional, já que presen-
te a justa causa.
Assinale-se que idênticas soluções
são preconizadas pela Ética Clínica
quando se está diante de pacientes
infectados pelo HIV que se recusam a
informar sua condição às pessoas que
com eles, eventualmente, compartilhem
seringas e agulhas no uso de drogas
injetáveis. Evidentemente, não se des-
conhece a enorme dificuldade para que
o contato do profissional da saúde com
esses co-usuários possa ser estabe-
lecido; tampouco se ignora que há fa-
tores culturais próprios do meio de usu-
ários de drogas injetáveis que dificul-
tam bastante a aceitação de quaisquer
informações relativas à infecção; en-
tretanto, o profissional da saúde deve
orientar-se pela permanente expecta-
tiva de que a informação, nesses ca-
sos, possa salvar a vida e a saúde de
pessoas até então desavisadas.
Muitas vezes, parentes e amigos
dos pacientes, freqüentemente movidos
por natural aflição diante do estado
clínico destes, procuram o profissional
da saúde em busca de informações
relativas ao diagnóstico; ainda que a
proximidade familiar e afetiva dessas
pessoas possa justificar tal iniciativa,
há que se ter em mente que a proteção
da intimidade se estende, também, às
relações de parentesco e de estreita
amizade; não se admite, nessas cir-
cunstâncias, que o segredo seja rom-
pido e o diagnóstico venha a ser reve-
lado pelo profissional da saúde, a não
ser que o paciente consinta no forne-
cimento da informação pedida (afinal,
é ele o verdadeiro titular dessa in-
formação e o único que pode dela
dispor).
Cabe consignar que a morte do
paciente não autoriza a divulgação,
pelo profissional da saúde, do diagnós-
tico de seu paciente, já que a proteção
da imagem, da honra e da intimidade
do paciente subsiste mesmo depois do
seu desaparecimento.
Essa dificuldade de proteção da
intimidade da pessoa se torna sensi-
velmente aumentada quando o paci-
ente é figura de grande notoriedade,
ocasião em que ocorre forte pressão
de jornalistas em busca de informações
sobre o seu estado de saúde, visando,
freqüentemente, à obtenção da notícia
de grande impacto sobre o público;
muitas vezes, a luta pela informação é
feroz e nem sempre respeita os limites
éticos e legais que devem ser observa-
dos; cabe ao profissional da saúde,
nesses casos, zelar para que a privaci-
dade do paciente seja mantida intacta,
levando à opinião pública apenas os
esclarecimentos que esteja autorizado
a prestar.
Encerrando esta breve ordem de
considerações, registre-se a necessida-
de de se preservar, no âmbito das em-
presas, as informações obtidas dos fun-
cionários pelos profissionais dos depar-
tamentos de saúde. Não há justificati-
va para a realização indiscriminada de
testes para a detecção de portadores
do HIV nas empresas; tampouco se
admite que informações que violem a
intimidade dos empregados sejam
fornecidas por profissionais da saúde
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a seus patrões — a estes é devida, ape-
nas, a informação acerca da aptidão,
ou não, temporária ou permanente,
para o desempenho de determinada
atividade, de funcionário submetido a
exame pelo departamento de saúde.
Também na empresa, a relação entre
o profissional da saúde e o paciente
está revestida pelo manto do segredo
que tutela a intimidade da pessoa.
Referências
1. Aristóteles. A Ética. Tradução de Cássio
M. Fonseca. Rio de Janeiro: Tecnoprint,
s.d.: 62.
2. Kant E. Fundamentos da metafísica dos
costumes. Tradução de Lourival de
Queiroz Henkel. Rio de Janeiro:
Tecnoprint, s.d.: 25.
3. Kant E. Op.cit. s.d.: 78-91.
4. Conselho Regional de Medicina do Es-
tado de São Paulo (Brasil). Parecer
aprovado na 1.295ª Reunião Plenária,
no dia 3 de maio de 1988. AIDS e ética
médica. Relatores: Antonio Ozório Leme
de Barros, Guido Carlos Levi. Adotado,
posteriormente, pelo Conselho Federal
de Medicina (Brasil) como Parecer CFM
nº 14/88, em 20 de maio de 1988.
5. Conselho Federal de Medicina (Brasil).
Parecer CFM nº 11/92. AIDS e ética mé-
dica. Relatores: Guido Carlos Levi,
Gabriel Wolf Oselka.
6. Vide, nesse sentido, Conselho Federal
de Medicina (Brasil). Resolução CFM nº
1.359, de 11 de novembro de 1992.
Normativa o atendimento profissional a
pacientes portadores do vírus da
imunodeficiência humana (HIV). In:
Conselho Federal de Medicina (Brasil).
Resoluções normativas, separatas.
Brasília: CFM, 1994. Proíbe a partici-
pação de médicos, sob quaisquer pre-
textos, em procedimentos de triagem
sorológica nos exames admissionais de
empregados.
7. Cupis A. Os direitos da personalidade.
Tradução de Adriano Vera Jardim e
Antonio Miguel Caeiro. Lisboa: Morais,
1961: 129.
8. Cupis A. Op.cit. 1961: 147-64.
9. Costa PJ Jr. Comentários ao Código
Penal: parte especial. 2ªed.atual.ampl..
São Paulo: Saraiva, 1989. v.2: 122.

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