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293 de uma pessoa deverá preponderar sobre o outro bem em jogo. Admite-se que, nessas circunstâncias, esteja o profissional da saúde agindo, em tese, em legítima defesa de terceiro, hipó- tese que, do mesmo modo que o estri- to cumprimento do dever legal, exclui a configuração do crime de violação do segredo profissional, já que presen- te a justa causa. Assinale-se que idênticas soluções são preconizadas pela Ética Clínica quando se está diante de pacientes infectados pelo HIV que se recusam a informar sua condição às pessoas que com eles, eventualmente, compartilhem seringas e agulhas no uso de drogas injetáveis. Evidentemente, não se des- conhece a enorme dificuldade para que o contato do profissional da saúde com esses co-usuários possa ser estabe- lecido; tampouco se ignora que há fa- tores culturais próprios do meio de usu- ários de drogas injetáveis que dificul- tam bastante a aceitação de quaisquer informações relativas à infecção; en- tretanto, o profissional da saúde deve orientar-se pela permanente expecta- tiva de que a informação, nesses ca- sos, possa salvar a vida e a saúde de pessoas até então desavisadas. Muitas vezes, parentes e amigos dos pacientes, freqüentemente movidos por natural aflição diante do estado clínico destes, procuram o profissional da saúde em busca de informações relativas ao diagnóstico; ainda que a proximidade familiar e afetiva dessas pessoas possa justificar tal iniciativa, há que se ter em mente que a proteção da intimidade se estende, também, às relações de parentesco e de estreita amizade; não se admite, nessas cir- cunstâncias, que o segredo seja rom- pido e o diagnóstico venha a ser reve- lado pelo profissional da saúde, a não ser que o paciente consinta no forne- cimento da informação pedida (afinal, é ele o verdadeiro titular dessa in- formação e o único que pode dela dispor). Cabe consignar que a morte do paciente não autoriza a divulgação, pelo profissional da saúde, do diagnós- tico de seu paciente, já que a proteção da imagem, da honra e da intimidade do paciente subsiste mesmo depois do seu desaparecimento. Essa dificuldade de proteção da intimidade da pessoa se torna sensi- velmente aumentada quando o paci- ente é figura de grande notoriedade, ocasião em que ocorre forte pressão de jornalistas em busca de informações sobre o seu estado de saúde, visando, freqüentemente, à obtenção da notícia de grande impacto sobre o público; muitas vezes, a luta pela informação é feroz e nem sempre respeita os limites éticos e legais que devem ser observa- dos; cabe ao profissional da saúde, nesses casos, zelar para que a privaci- dade do paciente seja mantida intacta, levando à opinião pública apenas os esclarecimentos que esteja autorizado a prestar. Encerrando esta breve ordem de considerações, registre-se a necessida- de de se preservar, no âmbito das em- presas, as informações obtidas dos fun- cionários pelos profissionais dos depar- tamentos de saúde. Não há justificati- va para a realização indiscriminada de testes para a detecção de portadores do HIV nas empresas; tampouco se admite que informações que violem a intimidade dos empregados sejam fornecidas por profissionais da saúde 294 a seus patrões — a estes é devida, ape- nas, a informação acerca da aptidão, ou não, temporária ou permanente, para o desempenho de determinada atividade, de funcionário submetido a exame pelo departamento de saúde. Também na empresa, a relação entre o profissional da saúde e o paciente está revestida pelo manto do segredo que tutela a intimidade da pessoa. Referências 1. Aristóteles. A Ética. Tradução de Cássio M. Fonseca. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s.d.: 62. 2. Kant E. Fundamentos da metafísica dos costumes. Tradução de Lourival de Queiroz Henkel. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s.d.: 25. 3. Kant E. Op.cit. s.d.: 78-91. 4. Conselho Regional de Medicina do Es- tado de São Paulo (Brasil). Parecer aprovado na 1.295ª Reunião Plenária, no dia 3 de maio de 1988. AIDS e ética médica. Relatores: Antonio Ozório Leme de Barros, Guido Carlos Levi. Adotado, posteriormente, pelo Conselho Federal de Medicina (Brasil) como Parecer CFM nº 14/88, em 20 de maio de 1988. 5. Conselho Federal de Medicina (Brasil). Parecer CFM nº 11/92. AIDS e ética mé- dica. Relatores: Guido Carlos Levi, Gabriel Wolf Oselka. 6. Vide, nesse sentido, Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resolução CFM nº 1.359, de 11 de novembro de 1992. Normativa o atendimento profissional a pacientes portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV). In: Conselho Federal de Medicina (Brasil). Resoluções normativas, separatas. Brasília: CFM, 1994. Proíbe a partici- pação de médicos, sob quaisquer pre- textos, em procedimentos de triagem sorológica nos exames admissionais de empregados. 7. Cupis A. Os direitos da personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa: Morais, 1961: 129. 8. Cupis A. Op.cit. 1961: 147-64. 9. Costa PJ Jr. Comentários ao Código Penal: parte especial. 2ªed.atual.ampl.. São Paulo: Saraiva, 1989. v.2: 122.
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