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265 e da biologia (ofertando subsídios) com relação à valoração bioética (que é também do médico e do biólogo, no sentido de se utilizar o seu conhecimen- to das “ciências da vida”, mas tam- bém o seu pensamento de homens do- tados de sentimentos e de razão), e o papel do legislador, assessorado pelo que os nossos mestres denominavam simplesmente “Medicina Legal”, crian- do as leis e determinando as sanções para os que as descumprirem. Use-se agora um outro exemplo, que é o da discussão da ideologia que norteou a lei antitóxicos. No momento em que se estabelece punição para o usuário de drogas (ou mesmo para quem as transporte, em doses mínimas, para uso pessoal) assume-se, implici- tamente, uma postura paternalista da sociedade, não permitindo que uma pessoa se valha de suas percepções (ainda que com risco de dependência) na busca do “seu” prazer. Mesmo transcendendo ao enfoque penal, a sim- ples conotação de “doente”, aplicada ao fármaco-dependente, que portanto “precisa ser tratado”, pressupõe que as pessoas não são livres para procura- rem sua satisfação da maneira que preferirem, ainda que não prejudiquem de qualquer forma a dinâmica social. Não sendo este o momento para que nos posicionemos sobre o assunto, fica claro que nossa legislação é heteronômica (paternalista) e, conse- qüentemente, não-autônomica, impon- do punição (ou tratamento compulsó- rio) a quem realize escolhas que fogem ao consenso social. Observamos, uma vez mais, que a reflexão bioética lastreada no conhe- cimento científico dos efeitos da dro- ga sobre a personalidade – reflexão essa onde se visa à definição do que é mais importante, a autonomia da pes- soa ou o suposto bem-estar social – é ao mesmo tempo criminológica e, na acepção mais abrangente do termo, também médico-legal. Muitos outros exemplos poderão ser aqui trazidos. A legislação sobre transplantes de órgãos fundamenta-se num “pensar bioético” e, a partir do momento que se visou uma normatização jurídica, num “pen- sar médico-legal”. São um rim, um segmento de fígado, a medula óssea, o próprio sangue, bens disponíveis? Uma pessoa pode doá-los, estando em vida, ou até vendê-los? É a própria vida um bem disponível (ou não), a ponto de aceitarmos (ou não) a eutanásia (em termos de o médico ser parceiro do seu paciente num processo de abre- viação da vida), ou ela pertence ao médico, à família, ao Estado ou a Deus (só eles poderiam retirá-la)? Essa re- flexão é tipicamente bioética, posicionando-se as pessoas num ou noutro sentido segundo suas crenças e razões. Ponderações semelhantes ocor- rem com relação ao cadáver, tendo sido questionada a legislação que tor- nou a retirada de órgãos de cadáveres para transplantes obrigatória, a menos que exista objeção expressa em vida por parte da própria pessoa ou de sua família. E os juristas necessitam deste “pensar médico-legal”, que se complementa com o “bioético”, ao re- digirem as leis. E o que se dizer da discussão éti- co-jurídica quanto à descriminação das cirurgias de “mudança de sexo” de transexuais, a seu pedido, ou, mesmo, das laqueaduras de trompa e das vasectomias por solicitação dos 266 pacientes, para controle da natalida- de? Andaram bem, o Conselho Fede- ral de Medicina e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CFM e CREMESP) – embora, a nos- so ver, de forma tímida –, ao emitirem resoluções referentes às cirurgias de “mudança de sexo” em transexuais e de “esterilização (laqueaduras de trom- pas e vasectomias) – Resolução CFM nº 1.482/97 e parecer/consulta CRM nº 20.613/94 –, dando aso a que essas intervenções, tendo a autonomia como norte, possam ser realizadas. Não há mais dúvidas, a esta altu- ra, quanto à convergência, na sua conceituação mais profunda, entre a Bioética e a Medicina Legal. Não se trata mais, apenas, do Direito Médico sendo a contramão da Medicina Le- gal. É a própria ideologia da Bioética que se superpõe à da Medicina Le- gal, considerada no seu sentido mais amplo. Eminentes professores de Medici- na (e também de Medicina Legal) pre- tenderam (e raramente conseguiram) influir nos parâmetros de moral vigen- te. Transcrevem-se, aqui, trechos da tese de doutoramento de José Leopoldo Ferreira Antunes: “Senhores, quando se trata de estudar a civilização, bem como qual- quer outra condição, qualquer outro fenômeno moral complexo ...” A.J. de Souza Lima, 1885. Com estas palavras, o Dr. Agosti- nho José de Souza Lima introduzia uma questão de método relativa à abordagem de algum tema que inte- ressou a classe médica durante sua gestão como presidente da Academia Imperial de Medicina do Rio de Ja- neiro”. O autor da tese, partindo da afir- mação de Souza Lima, observa em seguida, iniciando seu trabalho, a ten- tativa de se dar à Medicina uma conotação positivista, transformando- a em “ciência da moral”. E escreve: “Assim deslocado de seu contexto original, assim recortado e isolado, esse trecho de frase serve bem como epígrafe para a introdução de um trabalho que procurou mostrar o pensamento médico dirigindo-se a objetos da vida social, mais especifi- camente aos fatos morais relacionados ao crime, ao sexo e à morte. Um traba- lho que se debruçou sobre um período da história da medicina no Brasil, no qual se produziu uma ampla e criteriosa reflexão sobre esses temas. Uma reflexão que se pretendeu “cien- tífica”, isto é, submetida às confronta- ções teóricas e verificações empíricas. De algum modo, a citação refere esse esforço dos médicos que fizeram da medicina uma verdadeira ciência do social. Mais que isso, fizeram da me- dicina algo bem próximo daquilo que Augusto Comte queria fazer da socio- logia: uma ciência da moral. Com esses predicados, o trabalho que ora se introduz deveria interessar especialmente aos médicos e aos so- ciólogos; mas corre o risco de desa- gradar tanto uns como outros. Aos pri- meiros, porque possivelmente não re- conhecerão a medicina legal na proje- ção histórica delineada para a especia- lidade. Talvez rejeitem, como excessi- va, a amplitude dos temas e aborda- gens; talvez reivindiquem um perfil téc- nico mais restrito para sua atividade profissional. Aos segundos, porque muitos deles dificilmente aceitarão a leitura do pensamento médico como
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