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3 A escrita do Dr. Antônio Justa: memórias de si e da lepra em Fortaleza (1922-1934) Francisca Gabriela Bandeira Pinheiro Zilda Maria Menezes Lima Considerações iniciais A área de pesquisa que denominamos História da Saúde e da Doenças tem apresentado nos últimos anos, expressiva expansão. Se há duas décadas atrás, seus estudos expressavam muito mais temáticas que tomavam as doenças e as práticas de cura como objeto, hoje suas fronteiras alargaram-se e a entendemos como um conjunto de abordagens e procedimentos que vão além de tais possibilidades. Na medida em que florescem os diálogos com os mais variados campos do conhecimento, surgem inúmeras possibilidades de discutir com fontes variadas como a literatura, o cinema, o teatro e as correspondências íntimas como cartas e diários. Nos últimos anos, a emergência de fontes como os Diários – de modo geral na clave da História Cultural – passaram a ser vistos como documentos valiosos para a compreensão de vidas cotidianas, repletas de gestos de amor, de amizade, ressentimentos (CUNHA, 2009, p. 253), e se tornaram territórios de pesquisa abertos para um diálogo entre o público e o privado. Este ensaio propõe um olhar sobre um Diário de um médico que nas primeiras décadas do século XX, no estado do Ceará, 64 | Saúde e Doenças no Brasil: Perspectivas entre a História e a Literatura dedicou boa parte das suas atividades profissionais ao trato com a endemia leprótica e seus acometidos. Seu Diário é dedicado a poucos anos da sua vida e parece uma peça que foi iniciada sem muita convicção e por alguma razão que desconhecemos abandonada sem lamento pelo seu autor. São escritos lacunares e tímidos de alguém que muito se mostrou publicamente. E, neste caso, apesar de apresentarmos sua escrita no citado Diário, são as imagens públicas que preenchem o que a escrita privada não possibilitou. Antônio Justa: andanças e escrituras Em 23 de outubro de 1881, em Fortaleza, nascia Antônio Alfredo da Justa, filho de Alfredo Henrique da Justa e de Laura Teófilo da Justa. Sobrinho e afilhado do famoso farmacêutico Rodolfo Teófilo, o jovem cresceu em meio às influências do tio e acabou desenvolvendo interesse pela área da Medicina, tornando-se médico em 1906, no Rio de Janeiro (CEARÁ MÉDICO, JAN- MAR/1952). Formado, Antônio Justa passou um período no Rio de Janeiro e retornando ao Ceará, fixou residência em Quixadá, ali iniciando sua prática médica. Porém, em 1909, o médico mudou-se para Santarém, no Pará (CEARÁ MÉDICO, JAN-MAR/1952). O retorno de Justa ao Ceará só ocorreu no início da década de 1920 e, nesse período, as notícias sobre a presença da lepra em Fortaleza já eram recorrentes. Importante frisar que os aparatos em saúde pública no Ceará, nesse momento, começam a ser efetivados, em consórcio com o governo federal, posto que anteriormente, a saúde da população de baixo poder aquisitivo ficou a cargo de ações de grupos envolvidos com a caridade/filantropia. Desse modo, foi nesse período que o surgimento e expansão da lepra passou a ter mais visibilidade no Ceará, já que os jornais locais passaram a divulgar de forma ampla, a incidência da enfermidade no estado, além de cobrar ações mais efetivas das
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