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e-Tec Brasil43 Aula 8 - Pressupostos da responsabilidade civil IV Ilicitude Qualidade de ilícito (proibido pela lei). Você sabia que existem algumas situações em que, aparentemente, a atitude é ilícita, mas o Direito entende como um ato justificável? Nessas hipóteses não será necessário reparado o dano causado. Essas são as situações que veremos nesta aula. 8.1 Caso fortuito e força maior Figura 8.1: Força maior Fonte: www.shutterstock.com Os teóricos ainda não entraram em um consenso a respeito da diferença entre “caso fortuito” e “força maior”, mas podemos desde já afirmar que ambos têm como consequência a exclusão da ilicitude. Para esclarecer essa questão, Venosa (2009, p.50) nos explica que “o caso fortuito (Act of God, Ato de Deus no direito anglo-saxão) decorreria de for- ças da natureza, tais como terremoto, a inundação, o incêndio não provo- cado, enquanto a força maior decorreria de atos humanos inelutáveis, tais como guerras, revoluções, greves e determinação de autoridades”. Em resumo, podemos afirmar que caso fortuito e força maior são situações alheias à vontade do agente. 8.2 Culpa exclusiva da vítima É a situação em que o evento danoso ocorre por culpa exclusiva da vítima. Um exemplo clássico dessa situação é a seguinte: um veículo para em uma rodovia em uma noite muito chuvosa por falta de combustível; além disso, Responsabilidade Civil e Criminale-Tec Brasil 44 está com as luzes do veículo completamente apagadas e não utiliza qualquer sinalização; o condutor de outro veículo, dirigindo dentro do limite de ve- locidade, ao se deparar com a situação, não consegue frear seu automóvel e colide com o veículo parado; em regra a culpa é de quem causa a batida, mas no caso será do motorista do veículo sem combustível, que não cumpriu as normas de trânsito que determinam a sinalização do local. Outro exemplo é um viajante de trem que resolve se pendurar no teto da locomotiva e, em uma curva, acaba caindo da composição. 8.3 Fato de terceiro O terceiro é logicamente alguém que não é a vítima e que não é o causador do dano (na responsabilidade civil contratual, é aquele que não participou do negócio jurídico). Em muitos casos é até mesmo de difícil identificação da vítima. É quem, de fato, provocou a situação. Geralmente é matéria de defesa de quem a vítima acusa de ser causador do dano. Exemplo: em um acidente de trânsito, o causador do acidente só o fez em virtude de uma manobra imprevista e perigosa de um terceiro. 8.4 Legítima defesa Sua estrutura nos remete ao art. 25 do Código Penal: “entende-se por le- gítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Por essa razão, para o Direito Penal, a legítima defesa é causa que afasta a ocorrência do crime (Código Penal, art. 19). Não é diferente a sua interpretação na legislação civil. Prevista no art. 188 do Código Civil Brasileiro, é a hipótese em que o agente causa um dano para se defender de uma injusta violência (atual ou iminente), sendo que essa repulsa deve ser praticada de maneira moderada, de forma a cessar imedia- tamente a agressão. e-Tec Brasil45Aula 8 - Pressupostos da responsabilidade civil IV Você sabia? Figura 8.2: Legítima defesa Fonte: www.shutterstock.com 8.5 Exercício regular de um direito (estrito cumprimento de dever legal) É um excludente porque o art. 187 do Código Civil Brasileiro define como ato ilícito, pelo raciocínio inverso, quem “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons cos- tumes”, ou seja, no exercício irregular, ou podemos chamar de abuso de direito, haverá, sim, ato ilícito. A esse respeito, Lopes (2000, p.525) esclarece que “o direito deve ser exer- cido em conformidade com o seu destino social e na proporção do interesse de seu titular [...] no abuso de direito trata-se de uma conduta consistente no exercício de um determinado direito, porém ultrapassando os seus limites”. Aponta, ainda, o mesmo autor que “por duas maneiras o abuso do direito é sancionado pela ordem jurídica: de um modo geral, o ressarcimento por per- das e danos; de um modo especial e quando possível e adequado, mediante a supressão ou anulação do fato ou ato abusivo, restabelecendo-se o statu quo ante” (situação anterior). Amaral (2008, p.245) cita alguns exemplos de situações de abuso de direito muito ligadas ao nosso dia a dia, como: a suspensão do fornecimento de energia elétrica pela concessionária em razão de um pequeno débito; no exercício do poder familiar, a proibição de visita aos avós; abuso no direito Vamos imaginar um exemplo prático de legítima defesa? Você está indo para seu trabalho quando encontra um antigo inimigo que havia lhe pro- metido de morte. Ao vê-lo, seu inimi- go saca uma arma, aponta para você e, antes mesmo de disparar os tiros (injusta agressão), você consegue do- miná-lo. Porém, com esse ato, você acabou causando-lhe lesões no rosto. A interpretação jurídica que se deve dar é que você fez isso para salvar sua própria vida, e não simplesmente por- que desejava machucar seu desafeto. Responsabilidade Civil e Criminale-Tec Brasil 46 de greve; utilização da proteção jurídica que as empresas possuem para lesar consumidores; etc. Destacamos que o nosso Direito não protege quem praticar um ato que seja manifestamente ilegal, mesmo que haja uma determinação de seu superior hierárquico (ex: chefe que determina ao empregado para agredir um tercei- ro que é seu desafeto). Afinal, não é porque você é empregado que deve cometer um ato ilegal somente porque seu chefe pediu. Ainda mais porque tal solicitação poderá ser enquadrada como um crime pela legislação penal. A esse respeito o art. 22 Código Penal entende que: “se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifesta- mente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. Nesse sentido, é importante destacar que, para ser negado, o ato não deve ser apenas ilegal, mas sim manifestamente ilegal, ou seja, que sua ilegalidade fosse fácil de perceber, ou “impossível de ser oculto ou dissimu- lado, que não pode ser contestado em sua natureza, existência; flagrante, indiscutível, inegável; declarado, notório; claro, patente, evidente” (Dicioná- rio Eletrônico Hauaiss da Língua Portuguesa). 8.6 Deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de re- mover perigo iminente É a situação conhecida como “estado de necessidade”, ou seja, para prote- ção de um bem jurídico que está na iminência de ser violado, o agente acaba violando um bem ou direito de terceiro. Está prevista no art. 188, inciso II, do Código Civil Brasileiro, e também é uma causa de exclusão da ilicitude. Para melhor entendimento citamos dois exemplos automobilísticos trazidos por Venosa (2009, p.56): imagine um motorista que, para desviar de árvore que está caindo à sua frente, lança o veículo contra a propriedade alheia, invadindo-a e causando danos (ex: derruba o muro); já a segunda situação envolve outro motorista que, tendo percebido um defeito mecânico em seu veículo, e estando o mesmo em direção a um precipício, lança-o sobre uma pessoa que estava transitando no acostamento da rodovia. e-Tec Brasil47 Você sabia? O Código Civil Brasileiro explica ainda que “se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem cul- pados pelo perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram”. Porém, terá o agente que causou o dano direito de regresso contra o terceiro, caso este seja o culpado pela ocorrência do perigo, para ver ressarcido do que pagou à vítima ou ao dono da coisa deteriorada (arts. 929 e 930). Resumo Aprendemos nesta aula que nem todas as ações humanas ilícitas podem acarretar o dever de deparar o dano. São situaçõesque excluem a ilicitude do ato, e elas foram analisadas em nossa aula de hoje (caso fortuito e força maior; culpa exclusiva da vítima; fato de terceiro; legítima defesa; exercício regular de um direito e estado de necessidade). Atividades de aprendizagem Analise as duas decisões abaixo, aponte quais são as hipóteses de exclusão da ilicitude que os respectivos julgadores utilizaram: MANDADO DE SEGURANÇA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL. RE- CUSA NO CUMPRIMENTO PELA AUTORIDADE PÚBLICA AD- MINISTRATIVA. INCABIMENTO. Não cabe à autoridade pública administrativa recusar ou questionar o cumprimento de determi- nação judicial, salvo nas hipóteses em que a ordem é manifesta- mente ilegal. Ao revés, tem ela o dever de colaborar com a Justiça, não colocando dificuldades ao bom andamento do processo, es- pecialmente quando não demonstra possuir, na espécie, qualquer interesse processual. In casu, observa-se a ocorrência de uma ir- regularidade meramente formal (determinação judicial desprovida de carta precatória), que somente as partes e o executado teriam legitimidade para apontá-la. Sentença denegada (TRT 19º Região. Tribunal Pleno. Numeração Única: 00213-2003-000-19-00-9. Jul- gado em 08/06/2004). Eca. Apelação. Tentativa de homicídio. Medida de internação apli- cada pelo juízo singular. Recurso visando absolvição pela legítima defesa ou substituição da medida. Internação não justificada sufi- cientemente. Instrução precária. Legítima defesa não configurada Aula 8 - Pressupostos da responsabilidade civil IV Responsabilidade Civil e Criminale-Tec Brasil 48 pelo excesso na reação. Uso de arma de fogo para se defender de desafio para briga “no braço”. Adolescente sem antecedentes graves. Residência com a família e ocupação em atividade lícita (emprego em fábrica de jeans). Reforma parcial da sentença para substituir a medida de internação por liberdade assistida. . RE- CURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 2ª C. Criminal - RAECA 765882-4 - Francisco Beltrão - Rel.: Des. Valter Ressel - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Des. Valter Ressel - Unânime - J. 28.07.2011)
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