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D an ie lle Q ui n od oz Danielle Quinodoz Às vezes, ouvimos dizer: “Há pouquíssima demanda de análise, como os candidatos podem encon- trar casos?” Então eu me coloquei a questão: “Como ajudar os candida- tos a encontrar seus pacientes? Como fazer, de sorte que eles des- cubram e desenvolvam seus própri- os talentos como analistas? Como transmitir a psicanálise?” Penso que não se trata de ensinar a psicanálise, mas, sim, de permitir uma aprendi- zagem. Enquanto analista mais ex- periente, posso dizer: “Olhem como eu faço, como eu pratico, tateio, aceito a incerteza, tento escutar transferência e contratransferência, e como utilizo meus erros; tentem vocês mesmos e descubram sua própria maneira de fazer sob a influência da minha. E vocês verão: haverá tantas maneiras diferentes de fazer quantos forem os analistas formadores, respeitando os mesmos princípios básicos! Então, sintam-se livres!” (Quinodoz, 2002, p. 186). O analista didata explicita ao analista em formação qual caminho ele achou melhor para fazer tal interpretação. De fato, às vezes, um supervisi- onando imagina que o analista tira, magicamente, a interpretação de sua cartola, enquanto que ele, o candidato, sabe bem que não recebeu poder mágico; então, o supervisor, se ele é um bom mágico, não acredita na ma- gia, sabe que só tirará da cartola aquilo que ele e o paciente terão colocado nela. É por isso que coordenei, durante vários anos, um seminário clínico sobre o tema: “Como permitir a um paciente tomar consciência de seu eventual desejo de fazer uma psicanálise?”, tentando, assim, fazer com que os candidatos ficassem atentos à escuta analítica dos pacientes desde as entrevistas preliminares. De fato, se esperamos que os colegas nos envi- em “boas indicações” de análise, corremos o risco de, realmente, nos tor- narmos analistas sem pacientes. Trata-se muito mais de saber ser, desde o início, analistas com os pacientes que nos procuram. Nesse sentido, vou tentar, hoje, expressar o que se passa quando um paciente, que ignora tudo sobre a análise, vem me pedir ajuda. Como des- pertar nesse paciente o desejo de realizar o que ele não conhece? É raro que um paciente nos peça, de início e explicitamente, uma aná- lise. Os pacientes solicitam ver-nos porque se encontram em uma situação dolorosa para a qual não vêem saída. Eles pedem ajuda, mas não sabem qual. Às vezes, ouviram falar em psicoterapia; então buscam ajuda, mas sem realmente saber do que se trata ou, ainda, conhecem a palavra “psica- nálise”, mas esperam fazê-la uma vez por mês em face a face. De fato, mais Gabriela D an ie lle Q ui n od oz freqüentemente, os pacientes confundem os tratamentos que podem ser rea- lizados com um “psi”. É preciso darmo-nos conta de que, se alguém não compreendeu em que consiste o processo analítico, o enquadre da análise lhe parecerá estra- nho, e se o analista tenta, apesar de tudo, falar do enquadre, pode se instalar uma relação persecutória. Aliás, mesmo que os pacientes sejam do meio “psi”, com freqüência, têm apenas um conhecimento racional da análise, e me parece essencial que o analista tenha com eles a mesma atitude que com pacientes não psicólogos ou não psiquiatras. Acontece também de o analista se encontrar parasitado por seus pró- prios problemas. Penso em alguns candidatos que têm um tal desejo de encontrar pacientes, que isso os inibe de propor uma análise. Fantasiam que é por seu interesse egoísta que propõem uma análise, como se fossem aproveitar-se do paciente. Sentem-se culpados e procedem mal. Os candi- datos e analistas mais à vontade para propor uma análise são aqueles que, realmente, tiveram necessidade de fazer uma análise pessoal e que se bene- ficiaram muito com ela. Sofriam, experimentaram que a análise mudou a qualidade de suas vidas e desejam fazer com que outros também se benefi- ciem dela. Estão convencidos de que, como foi o caso para eles, a análise é uma grande oportunidade oferecida aos pacientes. Trata-se, com freqüên- cia, de candidatos que fizeram uma análise bastante longa e tiveram tempo de elaborar a ambivalência em relação à análise e de compreender seu sig- nificado transferencial. Conforme minha experiência, mais pacientes do que se acredita po- dem se beneficiar de uma psicanálise. Quando os pacientes tomam a atitu- de de nos pedir ajuda sem saber qual, sua decisão de fazer ou não uma psicanálise vai depender muito da atitude do psicanalista que os recebe. Cabe a nós, que tivemos a experiência de uma análise pessoal e a conhece- mos internamente, identificar sua demanda inconsciente ou pré-conscien- te, saber acolher esses pacientes e propor-lhes essa aventura. Seria pena responder à demanda manifesta de psicoterapia do paciente, sem perceber Gabriela Gabriela que pode haver aí uma demanda latente para um trabalho que só poderia ser feito em análise. Como saber a quais pacientes propor uma análise? Nem todo mundo pode se beneficiar de uma análise. Alguns “antigos”, por vezes, assustaram os jovens analistas dando a entender que a análise só convém para analisandos neuróticos, evoluídos e capazes de simbolização. Para mim, a questão da indicação de análise não se coloca assim. Penso, particularmen- te, que podemos propor uma psicanálise aos pacientes que, sem serem psicóticos, utilizam, às vezes, defesas que, por falta de melhores, qualifico de arcaicas. Não se trata de aceitar esses pacientes por não ter melhores e de adaptar a técnica para eles, edulcorando-a; trata-se, antes, de ousar ser criativo dentro do próprio enquadre analítico (respeitando-o) para melhor escutar nossos pacientes e melhor nos fazermos compreender por eles. Freud já sabia-o bem quando, em 1938, descrevia a clivagem do ego no Esboço de Psicanálise, tomando em análise pacientes que não me parecem ter sido neuróticos puros. Para propor uma psicanálise a um paciente, pouco me importa saber se se trata de neurose, psicose ou de patologia limítrofe, nem mesmo me basear em uma avaliação, com freqüência, enganadora, da capacidade ou incapacidade de simbolizar do paciente. Procuro, antes de mais nada, de- tectar: – se esse paciente tem um desejo, inconsciente ou pré-consciente, de integração; – se ele apresenta, ao menos, um esboço de aptidão para utilizar, de maneira construtiva, um objeto transferencial; – se ele deixa aparecer um desejo de reparação a despeito de um qua- dro, às vezes, muito destrutivo; – e se eu me sinto capaz de funcionar bem enquanto analista com esse paciente, o que implica em que sua história interna faça sentido para mim e que eu possa ter uma representação viva de seu mundo interno. Gabriela Gabriela Gabriela Gabriela D an ie lle Q ui n od oz Se essas condições forem preenchidas, penso poder propor uma análi- se. Mas como fazê-lo quando os pacientes não sabem o que é uma análise? De fato, Alguns pensam que, nesse caso, devemos explicar ao paciente o que é o inconsciente ou, ainda, apresentar-lhe uma bela descrição comparativa dos enquadres da psicoterapia e da psicanálise. Todas as explicações racio- nais poderão interessar ao paciente; ele as escutará como uma bonita histó- ria, mas não o levarão a embarcar na viagem que nós lhe propomos. Não se trata de explicar racionalmente, nem de despertar um interesse intelectual, mas de conduzir à convicção. Para descobrir o que é uma análise, o próprio paciente deve sentir internamente, desde as entrevistas preli- minares, o que pode acontecer em uma análise, entre um analista e seu analisando. O insight pode então conduzir à adesão de toda a pessoa e permitir tomar uma decisão vital. Isso é válido também para os pacientes que, devido à sua profissão, têm um conhecimento intelectual e racional da psicanálise. Com freqüência, os pacientes vivem sem levar em conta seu mundo interno e o papel que o inconsciente desempenha. Para descobrirem em si mesmos a presença de seu mundo interno, necessitam que o analista entre-abra uma porta para esse mundo cuja presença não suspeitam. É durante as entrevistas preliminares que o analista pode mostrar essa porta, fazendo com que o paciente sinta o que se passa entre eles dois, no âmbito da relação transferencial incipiente, de maneira suficientemente sugesti- va e numa linguagem que o toque. É somente então que o paciente ficará livre para fazer uma escolha. Atribuo, portanto, uma grande importância às entrevistas prelimina- res. Penso que devemos, desde o início, ter uma atitude de analista, desde Gabriela as entrevistas preliminares, se queremos ter pacientes em análise. O que acontece numa entrevista que permite ao paciente ter uma tal tomada de consciência? Os pacientes atuais são, na maioria das vezes, pa- cientes que denomino de “heterogêneos”, quer dizer, pacientes que têm, ao mesmo tempo, defesas neuróticas e psicóticas (Quinodoz, 2001, 2002); en- tão, se um psicanalista mantém com esses pacientes a mesma reserva que adota com pacientes neuróticos que vieram pedir-lhe uma análise com co- nhecimento de causa, há muito pouca chance de que “a corrente” passe entre ele e o paciente. O paciente descobre logo que o analista não é um psiquiatra, nem um psicólogo, nem um pedagogo, e que ele lhe propõe um encontro que não é nem pedagógico, nem psicológico, nem psiquiátrico. O paciente necessita sentir que uma análise acontece diferentemente. Não se trata, portanto, do meu ponto de vista, de o analista fazer uma anamnese. De fato, não é útil obter a maior quantidade possível de infor- mações. O que me parece importante é a maneira pela qual essas informa- ções vêm à consciência do paciente e das quais nos fala para que tomem forma e significado para ele. Trata-se de ficar atento ao processo para que o paciente perceba como a relação se estabelece entre o analista e ele. Estimo importante permitir que o próprio paciente tome consciência de seu mundo interno. Isso não quer dizer que eu fique silenciosa e não coloque nenhuma questão. O paciente sente que escuto com atenção extrema e as questões que coloco têm por objetivo fazer surgir vínculos, colocar em evidência uma relação escondida entre dois elementos, tornar visíveis eventuais elos associativos. Se coloco questões, é sempre com o intuito de fazer surgir um sentido. Com muita freqüência, nas entrevistas preliminares, os pacientes se apresentam como que bloqueados em dificuldades concretas, reais, que pa- recem insolúveis e pode-se hesitar em iniciar uma análise pensando que a situação está irremediavelmente perdida. Isso me faz pensar em uma pa- ciente transexual que veio me pedir ajuda. Tratava-se de um homem que Gabriela Gabriela D an ie lle Q ui n od oz tinha se submetido a uma operação de mudança de sexo com o objetivo de viver como uma mulher. Eu tinha hesitado em tomá-la em análise, pois temia que se, com a análise, a paciente melhorasse, ela recuperaria seu interesse por seu sexo masculino e então poderia se arrepender de ter se feito castrar e soçobrar no desespero. Não seria perigoso, nesse caso, ini- ciar uma análise? Pude tomar em análise essa paciente porque eu estava convencida de que no dia em que essa paciente se sentisse melhor, seria capaz de inventar uma solução para resolver esse problema aparentemente insolúvel. E isso, mesmo que, no início, eu própria fosse incapaz de imagi- nar uma solução. Um outro exemplo freqüente é o de uma paciente em quem o analista percebe uma repressão do desejo de ter filhos e que se encontra na idade limite, a partir da qual ela não poderá mais tê-los. Se sua feminilidade desa- brochar durante uma análise, não se desesperaria ao constatar ser tarde de- mais para uma realização concreta de maternidade? Não se encontraria numa situação ainda mais dolorosa que sem análise? Para propor uma psi- canálise para esses pacientes, o analista precisa estar convencido de que, se o processo analítico acontece, o paciente será capaz de inventar uma solu- ção para seus problemas. Nesse sentido, penso que há situações tão loucas, que os pacientes que temem descobrir neles o que sentem como louco ne- cessitam se identificar com um psicanalista que ousa olhar sua própria lou- cura (Quinodoz, 2001). Freqüentemente, fico surpresa ao constatar que assim que um paciente tem uma idéia desse mundo fantasmático, antes invisível para ele, pode se mostrar muito interessado. De fato, o paciente que não vê nenhuma saída para sua situação dá-se conta de que não via solução, talvez, por estar fe- chado em seu mundo de realidade concreta. Nesse mundo de realidade con- creta, ele tinha explorado tudo, nada encontrado e se sentia desesperado. Mas, a partir do momento em que, durante uma entrevista preliminar, o paciente tem a revelação, mesmo fugidia, da realidade desse mundo psí- quico que ignorava, ele pode começar a esperar que sua situação possa ficar mais clara, fazer sentido e que uma solução inesperada, antes invisí- Gabriela Gabriela vel para ele, possa se desenhar. Com esse novo espaço, talvez ainda haja uma esperança como veremos, mais adiante, com o exemplo do Alberto. O paciente, talvez, terá o desejo de explorar esse espaço novo para ele e acei- tará, quem sabe, uma análise com a esperança de encontrar ali uma oportu- nidade de sair da situação. Por vezes, ele terá também medo de fazê-lo. Mas, mesmo nesse último caso, o paciente terá, de agora em diante, uma idéia da existência de um espaço antes desconhecido para ele. Penso que é preferível que o enquadre da análise não seja explicitado antes que o paciente tenha percebido o que pode acontecer de original em uma análise. Quando sentir o que acontece na transferência, o enquadre não lhe parecerá mais arbitrário, mas sim a melhor condição para permitir que o processo se desenvolva. O analista pode procurar imagens que per- mitam que o paciente se dê conta da necessidade do enquadre. Por exem- plo, uma imagem utilizada por J. Laplanche: se queremos controlar uma reação nuclear em cadeia, é indispensável fazê-lo em um ciclotron; de igual maneira, se quisermos conter as reações em cadeia induzidas por uma aná- lise, é indispensável instalar um continente potente. No que tange à utilida- de das sessões freqüentes, por vezes, recorro à seguinte comparação: se projetamos imagens em uma freqüência lenta, o espectador vê imagens separadas, mas, a partir de 18 imagens por segundo, o espectador vê apare- cer uma continuidade no movimento, vê um filme de cinema. Da mesma maneira, com freqüência elevada de sessões há como um limiar que permi- te que o processo de análise se desenvolva. Evidentemente, para que um paciente tenha uma idéia de seu próprio mundo fantamático, é preciso que o próprio psicanalista o tenha percebido antes. Para que o analista perceba esse mundo interno do paciente, necessi- ta confiar na atenção flutuante. Se adota uma outra atitude, por exemplo, a utilizada em entrevista psiquiátrica, poderá perceber coisas interessantes, Gabriela Gabriela D an ie lle Q ui n od oz estabelecer uma excelente anamnese, mas não estará em condições de aju- dar seu paciente a perceber a existência de seu mundo fantasmático incons- ciente. Isso implica em que, particularmente, o analista se sinta disposto a, eventualmente, utilizar sua contra-identificação projetiva para interpretar a identificação projetiva maciça, e se expresse com uma linguagem que to- que o paciente e que poderá despertar sua capacidade de simbolizar. Quer dizer que o analista esteja atento não somente aos afetos que sente, mas também às sensações corporais que acompanham esses afetos. Trata-se de um tempo de incerteza para o analista, pois a representa- ção do mundo fantasmático do paciente não emerge rapidamente. Por ve- zes, os jovens analistas têm medo. Escutam o paciente e nada vêm emergir. O mundo interno do paciente demora a tomar forma. Não encontram o fio da meada. Paciência, a bruma se dissipará lentamente. Se nos inquietamos demais,imobilizamos as associações, o que vai contra a corrente. O caos inicialmente não tem sentido, mas, pouco a pouco, vai se tornando um caos organizador, e uma forma vai emergir. E o analista verá, talvez, o mundo de seu paciente tomar forma. Nesse caso, é primordial para o analista a escuta de sua contratransferência para saber como transmitir ao paciente aquilo que ele próprio sentiu. Há um fenômeno precioso que acho importante conhecer, mesmo que não saibamos explicá-lo: a primeira entrevista com um paciente con- tém, em germe, tudo o que será a problemática central do tratamento. É muito importante, imediatamente após a primeira entrevista, prever um momento livre para anotar tudo o que acaba de acontecer, tudo que o pa- ciente disse ou fez, tudo o que o analista sentiu, pois temos aqui um condensado da eventual análise futura. Não se trata de interpretar imediata- mente, vão ser precisos anos de análise para explicitar o que foi condensado nessa primeira entrevista (veremos um exemplo disso com Luiz). Penso, também, que a primeira frase de uma sessão preenche igualmente essa mesma função. Presto muitíssima atenção, não para interpretar imediata- mente, mas porque escuto o resto da sessão à luz dessa primeira frase, mesmo que ela seja, aparentemente, tão banal quanto: “está frio, hoje!” Gabriela Gabriela Gabriela Gabriela Gabriela Gabriela Gabriela Mas, às vezes, o insight do analista mostra-lhe que não lhe é possível analisar esse paciente: o mundo fantasmático deste não fez sentido para o analista, que, por isso, não pode propor uma análise. De toda maneira, a entrevista não terá sido inútil, pois, para o paciente, ser escutado ativamen- te, além do discurso manifesto, com uma atenção extrema, constitui, com freqüência, uma experiência preciosa uma vez que lhe permite sentir que existe para o analista enquanto pessoa total. Talvez, a análise não convenha para esse paciente? Mas, talvez, em alguns casos, o significado emergirá com um outro analista? Darei exemplos do que pode acontecer em entrevistas preliminares. Não sou um modelo a ser imitado, quero simplesmente dizer aos psicana- listas candidatos que lêem o que escrevo: olhem como faço, não para fazer como eu, mas para que, me observando, vocês descubram sua própria ma- neira de fazer. Olhemos mais de perto como a convicção de iniciar uma análise sur- giu em Alberto. Ele não pede uma análise, nem mesmo sabe o que é isso; vem de um meio cultural distante de tudo o que é “psi”. Vem simplesmente me ver porque se sente mal há anos, cada vez pior: quer pedir demissão de um posto importante de tanto que está angustiado. Em especial, quando sua esposa se ausenta alguns dias, a angústia se torna dramática. Seu psi- quiatra esgotou os recursos: os medicamentos não fizeram efeito. Tentou acrescentar entrevistas em face a face, mas Alberto não pôde falar de si; ele então tentou entrevistas no divã, mas Alberto ficou completamente bloque- ado. O psiquiatra propôs que viesse me ver: ele obedeceu, muito céptico, porque não via outra saída a não ser uma internação em clínica psiquiátrica. Na primeira entrevista, Alberto fala pouco e somente através de outras pessoas, como se ele só existisse por procuração. Em lugar de falar dele, Gabriela Gabriela D an ie lle Q ui n od oz Alberto diz algumas palavras sobre seus filhos, seus animais domésticos, e ao perceber que me interesso profundamente pelo que diz, ele se anima, fala-me mais, depois, bruscamente, se interrompe: “a senhora vê, eu blo- queio, não falo de mim...”. No entanto, para mim, analista, o mundo psíqui- co de Alberto começava a tomar forma: não se sente existir onde está, mas em outro lugar, através dos outros, mesmo através dos animais. Posso ima- ginar que se sinta vazio quando um parceiro se ausenta, uma vez que seu ego está tão projetado no outro. Faço, então, com convicção, uma interven- ção bem simples, mas que toma para Alberto um sentido muito forte: “Quando você me falava que seu filho era um homme des bois1, não estaria falando também de você?” Sinto que para Alberto uma porta se entreabriu: ele se encontrou projetado em seu filho. Essa intervenção que tocou sua projeção e sua identificação fez com que percebesse um mundo que deseja- va conhecer melhor; Alberto ainda está longe de estar pronto para a idéia de se analisar, mas começa a se mostrar interessado. Na segunda entrevista, Alberto me diz, num tom indiferente, que teve uma infância feliz. Explica, sem emoção, que, desde a idade de 18 meses, morou na casa de um casal que o amava muito, sua tia e seu tio. De fato, seus pais eram divorciados e sua mãe dizia que teria gostado muito de cuidar de seu filho, mas que estava ocupada demais com sua profissão e que seus horários estavam sobrecarregados para ter tempo de se ocupar dele. Alberto continua dissertando, num tom muito profissional, sobre o fato de que muitos delinqüentes adultos tiveram uma infância infeliz. De- pois de uma pausa, acrescenta: “gostaria muito de fazer um trabalho com a senhora, mas sou tão ocupado com minha profissão, tenho horários tão sobrecarregados que jamais encontraria o tempo de vir aqui várias vezes 1. Personagem mítico que encontra inúmeras representações como, por exemplo, a do Abominá- vel Homem das Neves que viveria nas regiões desertas e cobertas de neve, onde ninguém vai. Aquele que vive na Natureza, ainda não civilizado, em estado bruto, o druida, meio homem meio animal, possuidor de muitos poderes, assusta por seu aspecto, atrai por sua virilidade, protege, é o elo entre os espíritos da floresta e entre os deuses e os homens. É representado por uma pilosidade extremamente importante. Sua força é simbolizada por um bordão cheio de nós e por uma árvore desenraizada. (N. do T.) Gabriela Gabriela Gabriela por semana. É impossível”. Nesse momento, senti uma grande tristeza e uma grande decepção me invadir. Coloquei-me então a questão: essa tristeza que eu experimentava, de onde vinha? Talvez de mim? Mas não seria ela devida a uma contra- identificação projetiva? Não seria a tristeza que Alberto criança tinha ne- gado e clivado e da qual, conseqüentemente, não podia me falar? Comuni- ca-a, inconscientemente, projetando-a em mim? Após um silêncio, me dirigi a Alberto, pesando cada palavra, em um tom que, certamente, revelava a tristeza e a decepção que eu sentia: “Sua mãe teria gostado tanto de cuidar de você quando criança... mas ela estava tão ocupada com sua profissão, tinha horários tão sobrecarregados que lhe foi impossível encontrar tempo para cuidar de você...” Um profun- do silêncio carregado de emoção se instalou. Alberto acabara não somente de reconhecer o discurso de sua mãe nas palavras que ele havia pronuncia- do, mas também acabara de descobrir, através do tom da minha resposta, os sentimentos dos quais jamais tivera consciência. Encontrou os afetos que acompanham a representação do que tinha vivido quando criança. Acabara, portanto, de experimentar o que poderia acontecer ao longo de uma análise, na relação transferencial entre nós. Eu não preci- sava explicar-lhe o que é uma análise e o que acontece nela: ele acabara de viver o essencial dela através da utilização que fiz da contra-identificação projetiva. Nós acabáramos de viver, ele e eu, uma troca que lhe lembrou a que tinha acontecido, no passado, entre sua mãe e ele, e que tomava um novo sentido, um significado emocional novo, graças à transferência. Para Alberto, uma porta tinha se entreaberto para o mundo do inconsciente: es- tava agora convencido de que, com essa nova dimensão, havia, talvez, ain- da uma saída para seu problema. Ter percebido o que era a transferência iluminava com uma nova luz sua maneira de encarar seus problemas, e isso mudava toda a perspectiva para abordá-los. Era a porta de entrada para uma nova abordagem. Alberto então aceitou o trabalho que eu me sentia em condições de começar com ele: uma análise. Gabriela D an ie lleQ ui n od oz Luiz é um belo homem de, aproximadamente, 45 anos. Procura-me porque está deprimido. Está angustiado, não dorme mais e quase não con- segue mais trabalhar (tem um emprego no comércio). Há meses, toma me- dicamentos antidepressivos e soníferos, mas, como não observa melhora, seu psiquiatra aconselhou-o a considerar, conjuntamente, uma psicoterapia. Eis o essencial das duas entrevistas preliminares: Luiz diz que a depressão não lhe parece ser seu problema principal. Sua verdadeira dificuldade, segundo ele, consiste no fato de que não expe- rimenta sentimentos, não sente nada. E isso iniciou bem antes de sua de- pressão. Descreve, longamente, sua ausência de lembrança da infância e o fato de que não tem interesse pelas pessoas. Diz: “minha mulher faz parte do mobiliário, formamos uma associação de gestão familiar, é tudo. Faz muito tempo que não temos mais relações sexuais. Todo mundo dirá que sou um excelente pai para meus dois filhos, cuido muito para não dar motivos de ser criticado, cumpro perfeitamente minhas obrigações, mas sem prazer, não sinto nada. Aliás, estou no meu terceiro casamento. No início, acredito sentir alguma coisa, mas, a cada vez, seis meses de paixão e craque! Mais nada”. Intrigada com esse intervalo repetitivo de seis me- ses, pergunto-me se teria acontecido também alguma coisa já entre sua mãe e ele quando tinha seis meses e quero perguntar-lhe: “Teria acontecido al- guma coisa importante quando você tinha seis meses?” Mas, para minha grande surpresa, cometi um lapso, e me ouvi dizer: “Teria acontecido algu- ma coisa importante quando você tinha seis anos?” Minha primeira reação foi ficar muito chateada: Luiz vai pensar que não o escuto. Ter dito seis anos em lugar de seis meses. Mas minha surpresa é ainda maior quando Luiz, longe de ter ficado chocado com meu lapso, se anima: “Quando fiz seis anos, minha mãe chegou, uma noite, e anunciou-me que meu pai tinha ido para o céu. Lembro-me de ter, então, saltitado de alegria, todo excita- do pelo feito de meu pai tão poderoso. Eu não compreendera o que queria dizer ‘ir para o céu’; eu, aliás, não tinha notado que, há algum tempo, meu pai estava hospitalizado”. Gabriela Para mim, esse episódio era muito importante, não somente devido ao conteúdo da resposta de Luiz (eu poderia fantasiar sobre o luto não elabo- rado, a defesa maníaca, a negação dos sentimentos para não sofrer, etc), mas esse episódio era importante por evidenciar uma maneira de me comu- nicar com Luiz. Eu o tinha perfeitamente escutado. Meu lapso mostrava- me do que Luiz necessitava. Em minha atenção flutuante, eu tinha deixado fluir minha capacidade de rêverie. E Luiz não se surpreendeu por eu ter perguntado sobre seus seis anos, embora eu tivesse ouvido seis meses. Eu poderia, então, fantasiar que ele necessitava que eu ouvisse o sentido es- condido atrás de seu discurso manifesto. Eu tinha experienciado que ele tinha necessidade de minha capacidade de rêverie para encontrar um senti- do para o que ele descrevia e vivia. Vejam como a atenção flutuante é pre- ciosa; mesmo as fragilidades do analista podem tomar sentido, ser utiliza- das. O importante não é fazer certo ou errado, mas procurar sentir o signi- ficado do que acontece entre o paciente e o analista. Se houver um erro, como nesse caso, o essencial é se perguntar por que e utilizá-lo. No entan- to, o ensinamento desse episódio não foi só esse. Vários meses depois, eu descobriria um sentido novo, muito importante. Voltarei ao assunto mais tarde. Mas já o assinalo aqui para mostrar a importância que pode ter ano- tar, em detalhe, as entrevistas preliminares; de fato, é possível não vermos algum aspecto, no entanto, importante durante esses primeiros encontros. Luiz, então, me fala um pouco sobre sua infância; tem lembranças fragmentadas de abandonos, de rupturas; e, agora, em sua vida quotidiana, repete as rupturas. Conclui: “O único sentimento que eu conheço é a an- gústia da depressão”. Ao escutá-lo, eu pensava na política da terra arrasada: Luiz rompia os vínculos com o passado, talvez para sofrer menos. Reproduzia rupturas sem cessar; seu mundo interno era constituído de elementos esparsos...Uma análise permitiria, talvez, que ele formasse novamente uma rede de vínculos que permitisse dar uma coerência para sua história interna e para todo seu ser. Isso me parecia ser a condição para que os sentimentos, afora a angústia, começassem novamente a circular livremente nele. Seu Gabriela D an ie lle Q ui n od oz mundo interno tinha tomado forma para mim. Eu podia, portanto, propor- lhe uma análise. Mas como fazer com que sentisse a análise, ele que nada sentia? Ele tinha me fornecido um indício ao dizer-me que o único sentimento que experimentava era a angústia da depressão. Eu não tinha escolha, deveria seguir o único indício oferecido. Para não alarmá-lo, tomei esse indício, mas colocando a pergunta mais vaga possível. O importante para mim era apreender o que o inconsciente expressava através disso. Eu disse: “Como é, para você, uma depressão?” Minha frase não estava nem mesmo correta gramaticalmente, e não tinha um sentido preciso. Eu atribuí muita impor- tância à palavra “como”, termo tão vago que Luiz deveria inventar-lhe um sentido conforme o que seu inconsciente retivera de minha frase; não pode- ria dar uma resposta lógica, pronta. O outro termo importante é “para você”; eu desarticulo, assim, toda referência a uma resposta precisa, corre- ta, a uma norma. Luiz seria obrigado a responder de maneira personaliza- da. Respondeu-me dizendo que tinha feito alguns meses de psicoterapia, uma vez por semana, esperando conseguir experimentar sentimentos, mas, como nada acontecera, interrompeu com a concordância do terapeuta. De- pois disso, Luiz teve excelentes férias e, no retorno, de um só golpe, eu o cito: “Craque! A depressão! Sem motivo algum!” Luiz, inconscientemente, acabara de mostrar-me o âmago de seu problema: necessitava ajuda para ousar ver os elos dolorosos. Eu respondi: A – Não teria, apesar de tudo, um elo entre a interrupção da psicoterapia e a depressão? L – Um elo? Não vejo! Retomo, então, com uma profunda convicção: “Quando não vemos elos, isso quer dizer que eles não existem? Às vezes, precisamos nos unir a alguém para, a dois, ousar vê-los”. Eu tinha colocado nessa frase todos os sentimentos que eu experimentava. Luiz responde com um ar sonhador: “É bem possível...”. Propus-lhe, então, uma análise, na freqüência de quatro sessões por semana. Ele aceita, expressando, no entanto, um temor: “E se eu descobrir que, de fato, sou homossexual?”. Volto, agora, ao significado do lapso que cometi numa entrevista pre- liminar. Vários meses após o início da análise, houve uma sessão durante a qual tomei consciência de que Luiz utilizava, às vezes, sua angústia de castração edípica para mascarar uma outra angústia que se manifestava a nível oral: o seio era para ele um objeto parcial separado da mãe. Esta estava ausente. Luiz desejava, inconscientemente, enfatizar sua angústia dos seis anos, a angústia incestuosa por se encontrar sozinho com sua mãe, tendo eliminado seu pai, e silenciar a dos seis meses, quando tinha sido confrontado a um desmame difícil: uma epidemia grave acometera os be- bês e também tinha tido uma sucessão de babás. Esse fato dava uma di- mensão nova ao meu lapso: eu tinha, inconscientemente, sido cúmplice do mecanismo de defesa de Luiz. Quando disse que eu tinha colocado em minhas interpretações todos meus sentimentos, o fiz para introduzir um outro elemento importante para que o paciente se dê conta do que pode encontrar em uma análise. Trata-se de utilizar uma linguagem que toca o paciente. Para que um paciente hete- rogêneo “embarque” na aventura analítica, não é suficiente propô-la; ele necessita que o analista utilize não somente uma linguagem que fale com ele, mas uma linguagem que toque nele, quer dizer, uma linguagem que estimuleou desperte nele sensações, fantasias corporais e os afetos que as acompanham, de maneira que suas experiências corporais passadas pos- sam encontrar um significado emocional. Em especial, o paciente necessi- ta que o analista fale a mesma linguagem que ele, retome as mesmas ima- gens, para que ele se reconheça, igual, mas um pouco não igual, com uma pequena diferença que permita que o paciente, em lugar de girar sempre no mesmo lugar como um disco arranhado, possa sair do sulco e tomar a tan- gente. Vocês puderam perceber nos exemplos precedentes: parti da frase da mãe de Alberto e do único sentimento expresso por Luiz. Eis algumas características da linguagem que toca: Gabriela Gabriela D an ie lle Q ui n od oz Para interpretar a identificação projetiva maciça, o analista é levado a utilizar a contra-identificação projetiva. Observamos que para tomar consciência dessa última, o analista necessita não somente escutar seus próprios afetos, mas também as manifestações corporais que acompa- nham seus afetos e suas fantasias corporais. O efeito surpresa da interpretação cria um desequilíbrio no sistema psíquico do paciente que faz vibrar toda sua rede de associações e o ajuda a sair do círculo, no qual ele gira sem fim, para se abrir para a simbolização. Isso pode levá-lo a se surpreender diante de suas próprias capacidades de representações, e estimular sua liberdade criativa. No início de sua análise, um paciente heterogêneo necessita, igual- mente, que o analista explicite quais elos o levaram a dar tal interpreta- ção, a partir das palavras do paciente. Caso contrário, o paciente cuja capa- cidade de simbolizar não está ainda suficientemente liberada, tem a im- pressão de que a interpretação é mágica, e corre o risco de esperar tudo passivamente de um analista todo-poderoso. Seu processo de simbolização não se coloca em ação. Uma linguagem com dupla entrada no âmbito das palavras ou do discurso, faz com que esses pacientes sintam que a combinação dos contrá- rios é possível; é uma abertura para a simbolização. Essa paciente, de 70 anos, surpreendeu-me muito nas entrevistas pre- liminares. Pedia-me para tomá-la em psicoterapia e falava comigo, desde o início, como se eu já fosse sua terapeuta. No entanto, ao mesmo tempo, dizia-me que seu maior desejo teria sido fazer uma psicoterapia com a Sra. X, uma outra analista da qual descrevia as qualidades com uma admiração transbordante. Jane conta-me que já tinha consultado a Sra. X e que deve- ria renunciar a tratar-se com ela. Eu pensei que a Sra. X não tinha horário disponível; mas não, para minha grande surpresa, Jane explicitou que a Sra. X estivera de acordo para recebê-la em tratamento. Essa colega tinha, no entanto, dado meu nome para a paciente no caso de ela querer consultar também uma outra pessoa antes de se decidir. Eu estava perplexa: que sen- tido inconsciente tinha essa atitude? Eu tinha a impressão de que essa pa- ciente estava dividida, numa transferência imediata entre duas analistas. Por um lado, uma psicanalista idealizada, desejável, que ela considerava intocável (um genitor sedutor?); por outro lado, eu mesma, uma psicanalis- ta que, para ela, não tinha todas essas qualidades, não era desejável, mas estava acessível, e a quem ela podia solicitar, sem perigo, que cuidasse dela. Contra-transferencialmente, pensava no Édipo, cujos pais eram sexu- almente excitantes, Laio e Jocasta, famosos, e até mesmo Sófocles consa- grou-lhes uma peça de teatro. No entanto, Édipo foi criado por pais adoti- vos apagados, o rei e a rainha de Corinto, e mesmo seus nomes, Pólibo e Mérope, são, com freqüência, desconhecidos; esses pais que não podem ter filhos, parecem ser sentidos por Édipo como assexuados: não é Mérope que seduz Édipo, é Jocasta; não é Pólibo o rival que Édipo irá matar, é Laio. Eu me sentia um pouco como os pais de Corinto, personagens um pouco apagados que podem criar uma criança sem correr o risco do inces- to; enquanto que minha colega parecia para Jane tão excitante, desejável e perigosa quanto os soberanos de Tebas, Laio e Jocasta; como eles, também ela fora sentida como rejeitante ao dar para a paciente o nome de uma outra analista (Quinodoz, 1999). Eu simplesmente disse à paciente: “Talvez, a senhora tenha necessidade de que seu psicanalista seja uma pessoa a quem possa reprovar por não ser outra pessoa, a quem possa reprovar por não ser alguém bem melhor. Como se, de alguma forma, a senhora se sentisse mais segura com alguém que não é demasiado atraente”. Após um silêncio, a paciente então respondeu que, antigamente, quan- do ela era jovem, tinha feito uma primeira análise com um psicanalista maravilhoso que tinha a idade de seu pai e de quem ela se tornou a amante. Eu estava emocionada: Jane tinha podido sentir que o nó de seu drama tinha se expressado na relação transferencial comigo; eu podia, então, pro- por-lhe uma análise. Jane aceitou começar uma análise, quatro vezes por semana, dizendo-me que ela jamais teria ousado pedir-me uma.... “na mi- Gabriela D an ie lle Q ui n od oz nha idade”, acrescentou ela. Mas penso que a idade não era mais que uma desculpa; o temor de solicitar uma análise provinha muito mais da angústia de enfrentar os desejos edípicos. Aos 70 anos, o Complexo de Édipo não tinha sequer uma ruga. Elisa é uma celibatária deprimida de 50 anos. Tem idéias de suicídio. Sente-se vazia. Nada acontece em sua vida. Rompeu todas as relações sen- timentais. Sua atividade profissional é pouco investida. Começara, no pas- sado, uma psicoterapia que interrompera após um ano. Não trabalha no meio psi, mas amigos que fizeram análise aconselharam-na a fazer tam- bém. Porém, Elisa me diz que está fora de questão, é muito demorado, quer uma psicoterapia que dure um ano, no máximo. Eu deduzo, interiormente, que, por uma razão que ignoro, Elisa necessita saber que ela romperá para poder começar alguma coisa. Pessoalmente, me é impossível considerar uma psicoterapia com uma paciente que tem uma tal necessidade de agir as rupturas; outros terapeutas, provavelmente, podem fazê-lo, mas eu não: necessito contar com uma freqüência elevada de sessões para ter a expecta- tiva de elaborar o desejo de ruptura na transferência antes que ele passe à ação e se realize. Mas, por outro lado, eu me interrogo, em silêncio: por que não uma análise? De fato, essa pessoa é complexa, tem lados vivos e mortos, aspectos depressivos e partes clivadas. Acabei dizendo-lhe que, talvez, sobretudo, tenha o desejo de só se engajar se estiver segura de poder romper e que, nessas condições, o que posso propor-lhe é uma psicanálise que nos dará, talvez, o tempo de tentar compreender as razões inconscien- tes desse desejo de romper. Elisa, então, começa a descrever todas suas críticas contra a análise: o silêncio, o risco de intelectualização, a demora, o preço, o tempo que toma, a impossibilidade de encontrar horários ainda mais que seu empregador não deve, de maneira alguma, saber, etc. A psica- nálise está excluída para ela. Respondo que, na medida em que prefere uma psicoterapia, posso dar-lhe nomes de colegas muito competentes que pode- rão, certamente, iniciar uma com ela. Responde que me telefonará, o que Gabriela Gabriela Gabriela fez algum tempo depois, para pedir-me uma segunda entrevista. Supus que ela queria vir buscar a lista de terapeutas. A violência verbal de Elisa e suas objeções implacáveis contra a psi- canálise eram tais que eu não compreendia como pude ter a absurda idéia de propor-lhe uma análise. Devo ter visto, então, apenas uma faceta de Elisa e estava bastante aliviada por ela não ter aceito: do que eu tinha esca- pado! Como eu estava certa que Elisa não queria começar uma análise, comprometi-me com um outro paciente. Elisa começa a segunda entrevista demonstrando-me, novamente, que a análise representa uma impossibilidade, mas, quando quero dar-lhe os nomes dos colegas para a psicoterapia, ficaindignada: “Como! A senhora está me rejeitando! É escandaloso! Convenceu-me de fazer um psicanálise com a senhora! E, agora, que estou decidida, a senhora não me quer mais!” Fico paralisada. Dou-me conta que Elisa só podia se engajar se eu fosse, na transferência, o mau objeto que a abandona. Ela, inconsciente- mente, forçou-me a abandoná-la e, até mesmo, a colocar outra pessoa em seu lugar. Se eu a tomasse em tratamento, agora, ela seria uma analisanda excedente. Eu tinha sido enganada pela identificação projetiva, tinha atua- do minha contra-identificação projetiva em vez de utilizá-la para interpre- tar a identificação projetiva. Eu via, agora, claramente, o que estava em jogo entre nós: na transferência, ela devia ser a filha excedente, aquela que invade os pais, que se tem vontade de mandar embora. Minha paciente apresentava uma clivagem maciça que, provavelmente, tinha uma origem precoce, antes da aquisição da linguagem. Duas partes dela se ignoravam: uma que queria uma análise e uma que não a queria. Ela projetara em mim a parte que não queria análise, e eu, em vez de tomar consciência de sua projeção em mim, agira minha contra-identificação projetiva, agira a ne- cessidade de ruptura de minha paciente. Agira o papel que ela me dera em sua fantasia: a mãe malvada que a abandona. Nesse momento, encontrei todo meu interesse para iniciar a análise dessa paciente, pois seu mundo interno tinha tomado sentido para mim. Encontrei tempo para recebê-la. Abstive-me, cuidadosamente, de dizer-lhe o que eu tinha sentido na Gabriela D an ie lle Q ui n od oz contratransferência, mas isso guiou-me para interpretar suas fantasias quando apareceram, mais tarde, ao longo da análise. Elisa, aos dezoito meses, tinha sido separada de sua mãe, que fora hospitalizada. Não a viu durante dois meses. Quando se reencontraram, ela não a reconheceu. E não somente ela iria viver essa ruptura na transferência, durante a análise, como ela a tinha já reproduzido, de maneira maciça, na relação comigo, desde as entrevistas preliminares. O essencial para iniciar a análise não fora conhe- cer os detalhes da anamnese, mas descobrir o significado da relação que se estabelecia entre nós. Com esses poucos exemplos, tentei fazer com que sentissem qual é minha escuta de analista durante as entrevistas preliminares. Parece-me que essa atitude interior permite que o paciente compreenda um pouco em que consiste a relação entre um analista e seu paciente. Para este último, trata-se, com freqüência, de uma experiência nova muito preciosa. Ele ex- perimenta a escuta analítica. Mesmo que não possa dar seguimento, ime- diatamente, e renuncie a iniciar uma psicanálise, ele guardará em si essa experiência. Não está fora de cogitação que venha a iniciar uma mais tarde. Outros psicanalistas têm pontos de vista diferentes sobre a maneira de con- duzir as entrevistas preliminares. Cada analista deve encontrar sua própria via, confrontando-a com a dos outros! É raro que um paciente solicite diretamente uma análise, o que não significa que ele não desejaria fazê-la se soubesse em que isto consiste. Cabe ao psicanalis- ta perceber o pedido latente do paciente subjacente ao seu “não-pedido”. Através de exemplos, mostro que vários pacientes buscam uma experiência psicanalítica e que cabe ao analista ajudá-los a tomar consciência disso. De fato, como uma pessoa compreenderia de que maneira a psicanálise pode ajudá-la se ela ignora o essencial? Como fazê-la sentir em que consiste uma relação de transferência? Quais são as palavras que a tocam? Gabriela Es raro que un paciente pida directamente por psicoanálisis, lo que no signi- fica que él no desee hacerlo si supiera en qué esto consiste. Cabe al psicoanalista notar el pedido latente del paciente por detrás de su “no pedido”. A través de los ejemplos muestro que numerosos pacientes buscan una experiencia psicoanalítica y que cabe al analista ayudarlos a tomar esa consciencia. De hecho, ¿cómo una persona comprendería de qué manera el psicoanálisis puede ayudarla, si ella ig- nora lo esencial? ¿Cómo hacerla sentir en qué consiste una relación de transferencia? ¿Cuáles son las palabras que le tocan? Very seldom a patient asks directly for psychoanalysis, which does not mean that he would not like to undergo it if he knew what it is. It is the psychoanalyst’s job to recognize the patient’s latent request, which lies behind his/her non-request. I use several examples to demonstrate that many patients look for a psychoanalytic experience, and that it is the analyst’s job to enable them to realize it. In fact, how can an individual realize what the psychoanalysis might do for him/her, if he/she ignores the essential? How to make him/her feel what a transference relationship consists of? What words might reach him/her? Analisabilidade, ensino de psicanálise, insight, linguagem do psicanalista. Analizabilidad, enseñanza del psicoanálisis, insight, lenguaje del psicoanalista. Analysability, teaching of psychoanalysys, insight, psychoanalyst’s language. D an ie lle Q ui n od oz Quinodoz D. Deux grands méconnus: les parents adoptifs d’Oedipe. Du dédoublement des imagos perentales au dédoublement des affects. Revue française de Psychanalyse, Paris, v. 1, p. 103-122.1999a. ______. The Oedipus complex revisited: Oedipus abandoned, Oedipus adopted. Int. Journal of Psycho-Anal., v. 80, p. 15-30.1999b ______. The psychoanalyst of the future: Wise enough to dare to be mad at times. Int. Journal of Psycho-Anal., v. 82, apr., p. 235-248. 2001. ______. Des mots qui touchent, PUF, Paris, collection Le fait psychanalytique, 2002.
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