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Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. 
 Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 
 
 
 
 
 
ANÁLISE DO HINO SOL LUA ESTRELA, DE RAIMUNDO IRINEU SERRA, 
DA DOUTRINA SANTO DAIME COM CONCEITOS DE LUIZ TATIT 
Guilherme Leonardo Araujo1 
guilhermeleonardoaraujo@gmail.com 
Álvaro Carlini2 
alvarocarliniufpr@gmail.com 
 
 
 
Resumo: O culto Santo Daime surgiu no interior do Estado do Acre, Brasil, no início do século 
XX. Nesse culto a transmissão do conhecimento ocorre mediante o recebimento de canções 
(estrutura poética + estrutura musical rítmico-melódica), denominadas hinos. Para os adeptos 
desse ritual, esses hinos contêm ensinamentos que são transmitidos por seres espirituais. O 
processo e concepção dessas canções do Santo Daime são considerados diferentes de um 
processo usual de composição, em que estariam presentes o raciocínio e o intelecto. O hino 
Sol, Lua e Estrela, do Hinário do Cruzeiro de Raimundo Irineu Serra, fundador do Santo Daime, 
foi analisado utilizando-se os conceitos de semiótica para análise de canção, desenvolvidos por 
Luiz Tatit, visando encontrar os elementos que constroem o significado do hino. Foram 
encontrados padrões que explicam o que Luiz Tatit denomina por eficácia da canção. 
 
Palavras-chave: Santo Daime; Hino; Análise; Semiótica 
 
 
Abstract: The Santo Daime cult emerged within the State of Acre, Brazil, in the early twentieth 
century. In this cult the knowledge transmission occurs through the reception of songs (poetic 
structure + rhythmic-melodic musical structure), known by adepts as hymns. To the adepts of 
this ritual, these hymns contain teachings that are transmitted by spiritual beings. The process 
and the conception of the Santo Daime hymns, is considered different from the usual songs 
method of composition, which would present reasoning and intellect. The hymn Sol, Lua e 
Estrela, from the Hymnal Cruzeiro by Raimundo Irineu Serra, founder of Santo Daime, was 
analyzed using the semiotics concepts, developed by Luiz Tatit in order to find the elements 
that construct the meaning of the hymn. Patterns were found that explain what Luiz Tatit calls 
songs effectiveness. 
 
Keywords: Santo Daime; Hymn; Analysis; Semiotics 
 
 
 
 
 
 
1
 Aluno do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Paraná – Mestrado. 
2 
Professor adjunto do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná (DeArtes UFPR). Coordenador do 
Grupo de Pesquisa CNPq denominado Música Brasileira: estrutura e estilo, cultura e sociedade, na linha de pesquisa 
intitulada Musicologia Histórica: entidades civis vinculadas à Música no Estado do Paraná no século XX. 
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. 
 Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 
 
INTRODUÇÃO 
 
 A ayahuasca é uma bebida psicoativa consumida principalmente na América Latina. No 
Brasil existem diferentes cultos que a utilizam em seus rituais como o Santo Daime, a 
Barquinha, a União do Vegetal. Há ainda outros centros independentes que aliam o uso dessa 
bebida a práticas meditativas orientais, os quais a pesquisadora Beatriz Labate (2000, p. 47) 
denomina neo ayahuasqueiros. Além do consumo da bebida ayahuasca, outra característica 
comum desses rituais é a utilização de música. No presente artigo, foi analisado um hino do 
fundador do culto Santo Daime. Atualmente, além do Brasil, o culto Santo Daime possui 
centros em outras partes do mundo, como no Japão, na Holanda e nos Estados Unidos. 
Os primeiros rituais do Santo Daime surgiram no interior do Estado do Acre no início 
do século XX. Foram organizados pelo maranhense Raimundo Irineu Serra (1892-1971), que 
posteriormente ficou conhecido como mestre Irineu (LABATE, 2000). Raimundo Irineu Serra é 
considerado figura central e líder espiritual do Santo Daime. Nos salões em que são realizados 
os rituais, existem fotografias suas em locais de destaque, geralmente no centro do salão. 
Antes de iniciar o desenvolvimento das diretrizes da doutrina do Santo Daime, Raimundo 
Irineu Serra passou por um período de iniciação na floresta. Durante esse período deveria ficar 
さoito dias Ioマeミdo sル マaIaxeiヴa iミsossa, Ioマ água e mais nada, também não poderia ver 
マulheヴ, ミeマ uマa saia de マulheヴ a マil マetヴos de dist>ミIiaざ (FRÓES, 1989, p. 33). 
O desenvolvimento do ritual ocorreu pelo recebimento de canções denominadas 
hinos, cujas letras são consideradas mensagens vindas de mundo espiritual ou mundo astral. A 
bebida ayahuasca causa alterações na percepção temporal e espacial, incluindo sensações no 
corpo, na visão e na audição das pessoas que a ingeriram. 
Os hinos são entoados nos rituais do Santo Daime e suas letras contêm os 
ensinamentos do culto, denominado também pelos adeptos como doutrina. Segundo Labate, o 
Santo Daime pode ser considerado como religião musical, teミdo Ioマeミtado ケue さo Ioミjuミto 
dos principais hinários já foi chamado por seus discípulos de o terceiro mandamento3ざ 
(LABATE, 2000, p. 97). 
 A concepção de um hino é considerada diferente da maneira como uma canção 
geralmente é concebida. Usualmente, para referir-se ao ato de conceber uma canção utiliza-se 
o termo composição. Nesse processo, o autor da canção utiliza intuição, imaginação e 
 
3 
Em referência aos mandamentos da Bíblia judaico-cristã, que possui duas divisões denominadas testamentos. O 
velho testamento – antes de Jesus Cristo, formado pelos livros que vão do Genesis ao Malaquias; o novo testamento 
– a partir de Jesus Cristo, vai do livro de Mateus ao livro do Apocalipse; o terceiro mandamento ao qual se referem 
alguns adeptos do Santo Daime seria formado pelo conjunto de hinos recebidos. 
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. 
 Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 
 
raciocínio baseado, em sua experiência prévia. Para os adeptos da doutrina do Santo Daime, a 
concepção de um hino não obedece a um processo racional, mas sim, a um processo 
espiritual, como mensagem que chega pronta de seres espirituais, do mundo astral. De acordo 
com Kastrup (2007, p. 187): 
 
receber um hino é absolutamente diferente de compor uma música, [...] para os 
seguidores do Santo Daime, os hinos seriam dádivas de seres sobrenaturais que as 
oferecem para os adeptos – ミeste Iaso Ihaマados de さapaヴelhosざ – que apenas 
さrecebemざ paヴa eミt?o Iaミtaヴ eマ Ioミjuミto Ioマ outヴos マeマHヴos do gヴupo. 
 
 Assim, um hino do Santo Daime é considerado como entregue pronto, recebido do 
mundo espiritual. Para os adeptos da doutrina, a pessoa que recebeu um hino atuou apenas 
como aparelho receptor para que os espíritos transmitissem conhecimento, conforme afirma 
Labate (2009, p. 37): 
 
O recebimento de hinos é encarado como um fenômeno estritamente mediúnico 
(embora, vale destacar, essa palavra não seja necessariamente empregada para 
descrever o fenômeno). Trata-se, em essência, da habilidade de canalizar a energia 
espiritual sob forma de música. 
 
“eguミdo a autoヴa, さo ヴitual Ioミsiste ミo eミtoaヴ Ioletivo destes hiミosざ (LABATE, 2000, p. 
34). Os participantes ficam em pé, realizando dança coletiva, denominada bailado, que 
acompanha a música, e também entoam coletivamente as canções, que são iniciadas pelas 
puxadoras4. Alguns hinos são cantados a cappella5; outros, no entanto, são cantados com 
acompanhamento de instrumentos musicais, geralmente o violão e os maracás, podendo 
também ser utilizados acordeom e flautas, entre outros. Em algumas igrejas do Santo Daime 
há cadernos contendo as letras dos hinos, que são distribuídos para os participantes iniciantes 
do ritual. A parte musical dos hinos não está escrita, os músicos instrumentistas, as puxadoras 
e os demais participantes buscam memorizar tanto a parte musical quanto a letra dos hinos. 
 Dentro dessa lógica, parte-se do pressuposto de que os hinos são os principais 
responsáveis pela comunicaçãodoutrinária no Santo Daime. Frequentemente, nos cultos 
evangélicos e católicos, o líder religioso posiciona-se frente ao público atuando como um 
mediador entre Deus e os fiéis, falando, em geral, sobre interpretações da Bíblia. No Santo 
Daime o conhecimento é transmitido através dos hinos e deve ser sentido e interpretado 
individualmente pelos participantes da doutrina. 
 
4
 Puxadoras são mulheres que possuem a função de memorizar os hinos e iniciá-los nos rituais do Santo Daime 
5
 Canto sem acompanhamento de instrumentos musicais. 
http://pt.wiktionary.org/wiki/canto
http://pt.wiktionary.org/wiki/sem
http://pt.wiktionary.org/wiki/acompanhamento
http://pt.wiktionary.org/wiki/instrumento_musical
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. 
 Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 
 
 Um hinário é um conjunto de hinos recebidos por determinada pessoa. O termo 
também é utilizado para se referir ao ritual, em que será entoado um determinado conjunto 
de hinos. Os principais eventos da doutrina do Santo Daime são conhecidos como Hinários 
Oficiais. Segundo Gregorin (1991, p. 77) nesses eventos o primeiro hino entoado é o Sol, Lua, 
Estrela, do hinário de Raimundo Irineu Serra. 
 
 
METODOLOGIA 
 
 A metodologia escolhida para análise dos hinos do Santo Daime foi desenvolvida pelo 
professor Luiz Tatit, da Universidade de São Paulo – USP. O método, voltado para análise de 
canções populares, mostrou-se válido para análise do hino Sol, Lua, Estrela, uma canção, 
constituída por letra e melodia. Os conceitos desenvolvidos por Tatit fazem uso da semiótica 
para compreender partes específicas da canção em relação ao seu conteúdo. Em outros 
termos, busca-se descobrir o que é e como se diz o conteúdo da canção. Foram elencados 
alguns dos principais tópicos utilizados na análise. 
 Os tonemas referem-se às entonações de como se fala, não importando com quais 
palavras especificamente. Tatit (2002) considera três possibilidades sonoras de finalização de 
frase: ascendência, descendência e suspensão. Cada uma dessas terminações gera um tipo de 
significação: descendência propõe o repouso, uma terminação asseverativa; suspensão e 
ascendência geram a sensação de continuidade, de que ainda há algo a ser dito. 
 A tematização refere-se a canções caracterizadas pelo uso frequente de consoantes. 
Essa presença de consoantes causa uma segmentação. Canções que possuem esta 
característica tendem a ser mais ágeis, havendo mais probabilidade de envolvimento físico 
(dança). 
 Já a passionalização é caracterizada pelo uso entoativo de vogais prolongadas, gerando 
melodias mais lentas e contínuas. São característicos longos saltos intervalares, que por 
exigirem esforço físico, demonstram o despontar da paixão, como se o sofrimento de emitir a 
ミota se ヴefletisse ミo seミtiマeミto vivido. さá teミs?o de eマiss?o マais aguda e pヴolongada das 
ミotas Ioミvida o ouviミte paヴa uマa iミaç?oざ ふTáTIT, 2002, p. 23). O uso dessas características é 
recorrente em canções com temáticas introspectivas de paixão e reduto amoroso. 
 
 
 
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. 
 Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 
 
ANÁLISE DA CANÇÃO SOL, LUA, ESTRELA 
 
 Foram percebidas características que formam os significados implícitos da canção no 
hino Sol, Lua, Estrela, de Raimundo Irineu Serra. A letra da canção aborda elementos da 
natureza, equiparando-os a seres divinos. Conforme afirmou Fróes (1986, 101-102), este hino 
さexalta os elementos da natureza como seres divinos. É uma característica também presente 
nos rituais indígenas, onde os astros são entidades que governam os destinos dos homensざ. 
 A letra da canção Sol, Lua, Estrela, extraída do Hinário do Cruzeiro de Raimundo Irineu 
Serra6: 
 
Sol, Lua, Estrela – Hino nº 29 
 
Sol, Lua, Estrela 
A terra, o Vento e o Mar 
É a luz do firmamento 
É só quem eu devo amar 
 
É só quem eu devo amar 
Trago sempre na lembrança 
É Deus que está no céu 
Aonde está minha esperança 
 
A Virgem Mãe mandou 
Para mim esta lição 
Me lembrar de Jesus Cristo 
E esquecer a ilusão 
 
Trilhar este caminho 
Toda hora e todo dia 
O Divino está no céu 
Jesus Filho de Maria 
 
A natureza está representada no primeiro verso da primeira estrofe como a 
manifestação さDivina, a Luz do Firmamentoざ, e também aquela que se deve amar. Essa 
louvação aos seres divinos é característica também encontrada na música indígena. Os povos 
indígenas são politeístas e seus deuses encontram-se preferencialmente relacionados à 
natureza (GUERRA, 2010). Também é comum os indígenas acreditarem que os seres humanos 
convivem com dois mundos simultâneos, um visível e o outro invisível (GUERRA, 2010). 
 
6
 Extraído do hinário de Raimundo Irineu Serra, gravado em 14 de dezembro de 1999, na igreja Céu do Mapiá. 
Disponível no site: <daime.org>. 
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. 
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Os elementos da natuヴeza さ“ol, Lua, Estヴela, a Teヴヴa o Veミto e o Maヴざ da pヴiマeiヴa 
estヴofe s?o os sujeitos aos ケuais se atヴiHueマ as fヴases さY a luz do fiヴマaマeミtoざ e さY sル ケueマ 
eu devo aマaヴざ. Os elementos da natureza citados nos dois primeiros versos da canção são ao 
マesマo teマpo a さluz do fiヴマaマeミto” e さケueマ se deve aマaヴざ. á paヴtiヴ da ヴelaç?o sagヴada ケue 
os fiéis têm com os hinos recebidos, o que se espera do fiel a partir desse hino é que ele passe 
a amar e cultuar os seres da natureza. 
A segunda estrofe, que começa com a repetição do último verso da primeira estrofe, 
ミovaマeミte ケueマ est= IoマuミiIaミdo Y o さeuざ, ou seja, a pヴiマeiヴa pessoa, ケueマ est= Iaミtaミdo. 
O eu-lírico7 da canção faz as afirmações para si mesmo e para os demais membros 
paヴtiIipaミtes do ヴitual, deIlaヴaミdo ケue est= seマpヴe さse leマHヴaミdo de Deusざ ミo veヴso さtヴago 
seマpヴe ミa leマHヴaミçaざ. áfiヴマa ケue さY Deus ケue est= ミo IYuざ ミo teヴIeiヴo veヴso, se ヴefeヴiミdo 
ainda ao que disse sobre o caráter divino dos seres da natureza na primeira estrofe. No quarto 
verso da segunda estrofe, afirma que é nesse algo superior que se manifesta na natureza, é 
さaoミde est= a マiミha espeヴaミçaざ, マaミifestaミdo assiマ uマa Ioミfiaミça ミa Diviミdade eマ 
questão. 
Na terceira estrofe aparece a figura da Virgem Mãe ケue さeミviou uマa liç?oざ paヴa o eu-
lírico, pedindo que esse se lembre de Jesus, que representa no caso o que é sagrado, e 
esqueça a ilusão. Também é recorrente nos hinos do Santo Daime a palavra ilusão, que se 
refere a uma crença do ritual de que a vida material do plano físico deve ser deixada de lado 
em detrimento de さuマa foヴマa de existZミIia マais elevadaざ, o plano espiritual. O último verso 
da terceira estrofe também pode remeter ao mito fundador da doutrina do Santo Daime. 
Mestre Irineu teria tido uma miração, ocorrida sob efeito da bebida ayahuasca, em que 
recebeu da Virgem da Conceição, não apenas sua missão de iniciar e organizar os trabalhos do 
Santo Daime, como também o primeiro hino, Lua Branca. O último verso da terceira estrofe 
também pode estar fazendo essa referência, já que os hinos são complementares uns aos 
outros e que as lições, recebidas por mestre Irineu, foram recebidas inicialmente pela Virgem 
da Conceição (FRÓES, 1986, p. 35). 
A quarta e última estrofe reafirma a lição recebida pelo eu-lírico: a de さtヴilhaヴ esse 
Iaマiミhoざ, ou seja, aミdaヴ seマpヴe ミo Iaマiミho do Santo Daim, saHeミdo ケue さo Diviミo est= ミo 
IYuざ, e esse Y ヴepヴeseミtado poヴ Jesus ケue Y filho de Maヴia. O teマa dessa últiマa estヴofe é a 
lição que o ouvinte da canção deve levar daquele hino, o que deve ser lembrado não apenas 
 
7
 eu-lírico: Termo utilizado na área de literatura para indicar o pensamento e sentimentos daquele que fala na 
poesia. É o さeuざ deミtヴo do texto. 
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duヴaミte o ヴitual, マas さtoda hoヴa e todo diaざ ミo seu Iotidiaミo apルs teヴ Hailado e esIutado a 
canção. 
Também é possível observar no texto desse hino uma característica que é recorrente 
em diversos hinos do Santo Daime e também na poesia popular brasileira: o substantivo final 
dos segundos e dos quartos versos de cada estrofe é rimado. (1ª estrofe: Mar – amar / 2ª 
estrofe: lembrança - esperança / 3ª estrofe: lição – ilusão / 4ª estrofe: dia – Maria). Fróes 
(1986, p. 97ぶ afiヴマa ケue さIada fヴase マelルdiIa Ioヴヴespoミde a uマ veヴso da estヴofe”, sendo que 
cada verso é cantado duas vezes com o intuito de facilitar o aprendizado e a memorização do 
hino. 
Esse fato pode estar relacionado com a origem indígena do ritual, uma vez que as 
さIaミtigas da ayahuascaざ dos íミdios possueマ essa IaヴaIteヴístiIa ヴepetitiva ふマaミtヴasぶ, Iヴiaミdo o 
clima psicológico favorável para a comunicação com o astral (FRÓES, 1986, p. 99). 
 Fróes (1986, p. 102) apresenta a seguinte partitura com a melodia do hino Sol, Lua, 
Estrela: 
 
Sol, Lua, Estrela - Raimundo Irineu Serra 
 
 So-ol, lu-u a es tre - e la a ter ra, o ven to-e- 
 
 o ma-ar é a luz do fir ma - men to é só 
 
 quem eu de voa mar 
 
Os maracás tocados pelos participantes do ritual marcam o tempo musical. Além das 
vozes e dos maracás, é comum a presença de um ou dois violões, um que em geral dobra a 
melodia das vozes, e o outro podendo fazer variações. 
Os conceitos desenvolvidos pelo professor Luiz Tatit (2002) colocam a canção em uma 
grade analítica para possibilitar a observação de detalhes da letra e de sua junção com a 
melodia, buscando compreender como é construído o significado da canção. Cada linha 
representa um semitom e busca-se descrever a letra da maneira como ela é falada. 
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Com exceção do primeiro verso da primeira estrofe, que funciona como uma espécie 
de introdução, antecipando que o hino irá tratar dos elementos da natureza (Sol, Lua, Estrela), 
os primeiros versos das estrofes seguintes contêm frases com características imperativas, 
como se fossem ordens que o adepto da doutrina deve seguir (2ª estrofe: é só quem eu devo 
amar / 3ª estrofe: A Virgem mãe mandou / 4ª estrofe: Trilhar este caminho). A linha melódica 
que acompanha esse verso termina no terceiro grau da escala de dó maior. A entonação da 
frase termina de forma descendente, o que revela uma frase assertiva, uma afirmação feita 
pela pessoa que entoa a canção. Pode-se notar o prolongamento de vogais de diversas 
palavras (Ex: So-ol / Estre-ela / ama-ar / mando-ou / cami-inho) o que é característico de uma 
canção passional. 
 
1º verso 1ª estrofe: 1º verso 2ª estrofe: 
 
So-ol,Lu a, tre ______ É só quem de-voa 
 
 Es -e eu ma 
 la -ar 
 
 
1º Verso 3ª estrofe 1º verso 4ª estrofe 
 
A Virgem man Trilhar es ca 
 
 mãe do ____ se mi-i 
 -ou nho 
 
 
Novamente, com exceção da primeira estrofe, o segundo verso de cada estrofe 
complementa a informação do primeiro, dizendo que o participante deve lembrar-se do que 
está sendo ensinado na segunda e na terceira estrofe, caracterizado pelo aparecimento do 
sujeito さeuざ ふ2ª estヴofe: (eu) Trago sempre na lembrança e 3ª estrofe: Para mim esta lição), 
traz um ensinamento para quem está cantando o hino, o que dá a naturalidade para aquele 
que está cantando a canção, que é a figurativização que fala Tatit. No caso da quarta estrofe, a 
complementação do primeiro verso vem na explicação de quando se deve lembrar da doutrina 
(4ª estrofe: toda hora e todo dia). A linha melódica dos segundos versos de cada estrofe 
termina no quinto grau e revela serem tonemas descendentes que dão a sensação de 
afirmação contundente ou asseverativa. Nos segundos versos encontram-se características de 
segmentação. A letra encontra-se segmentada e há saltos de dois e três semitons dentro de 
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uma mesma palavra, como é o caso da palavra lição que apesar de ter uma vogal alongada (ã-
ão) é segmentada em duas notas diferentes, o que caracteriza uma tematização. 
 
2º Verso 1ª Estrofe 2º Verso 2ª estrofe 
 
 a to-e-o _______ sem na lem 
 
 terr o ven ma ____ go pre bran 
 
 ar ça 
 a _______ tra 
 
 
 
3º Verso 2ª Estrofe 4º Verso 2ª Estrofe 
 
 mim li ho todo 
 
 ra essa çã _______ da ra-e di . 
 
 ão _______ a 
 pa _______ to 
 
No terceiro verso de cada estrofe, é possível notar que sempre se trata de algo 
distante e não por acaso se revela o maior salto na linha melódica da canção até então, o salto 
ascendente de cinco semitons (de sol para dó) vai para a nota mais aguda (marcada com *) 
utilizada na canção relacionando algo que está distante e que na letra está relacionado com 
uma figura divina. Nessa nota dó, a mais aguda da canção, as palavras cantadas correspondem 
a uma palavra que significa algo superior, uma divindade (1º estrofe: a luz / 2ª estrofe: é Deus 
/ 3ª estrofe: lembrar [de Jesus Cristo] / 4ª estrofe: o Divino). A presença dessa nota mais aguda 
nessa penúltima frase melódica caracteriza o que pode ser chamado de tensão de emissão que 
demanda um esforço maior do cantor, já que é necessário um esforço maior do cantor para 
eマitiヴ uマa ミota マais aguda. Essa teミs?o geヴa uマa さaマHiZミIiaざ de doマiミaミte, ou seja, uマa 
sensação de querer voltar para a tônica, para o repouso, o que acontecerá na frase melódica 
seguinte. Ainda na terceira frase, após esse salto ascendente que vai para a nota mais aguda, 
há uma sequência descendente de notas sendo que o último salto dessa frase melódica ainda 
é ascendente o que revela novamente que ainda há algo a ser dito. Nos terceiros versos, ao 
mesmo tempo em que há o prolongamento de vogais das ultimas palavras (firmamento-o / cé-
éu / Cristo-o), há uma segmentação das palavras (fir-ma-men-too / es-tá / lem-brar / Je-sus / 
Cris-to / Di-vi-no / es-ta) com saltos de até 5 semitons. 
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3º Verso 1ª Estrofe 3º Verso 4ª Estrofe 
 Luz* Deus* 
 do que 
 
 fir es 
 
 a ma too -é tá 
 cééu 
 
É men É no 
 
 
 
3º Verso 3ª Estrofe: 3º Verso 4ª Estrofe 
 
 brar* vi* 
 de no 
 
 Je es 
 
 lem sus too Di ta cé-éu 
 
 
Me CrisO no 
 
 
Os terceiros versos contrastam com a quarta nota que é a resolução na tônica, que por 
sua vez é onde aparece outro salto longo de cinco semitons (novamente, de sol para dó). A 
letra desse verso complementa o que foi dito no terceiro, no qual foi gerada uma forte tensão 
pela nota mais aguda, e completa o ensinamento que o participante do ritual deve guardar (1ª 
estrofe: é só quem eu devo amar, 2ª estrofe: Aonde está minha esperança, 3ª estrofe E 
esquecer a ilusão e 4ª estrofe: Jesus filho de Maria). A asseveração dessa frase é engrandecida 
pela tensão gerada no terceiro verso. Assim, a conclusão do ciclo da canção encerra-se com a 
ヴesoluç?o ミa tレミiIa ふヴepヴeseミtado poヴ **ぶ, ou Ioマo pode seヴ Ihaマado, o さlaヴ マusiIalざ da 
melodia, revelando justamente essa sensação ao participante do ritual. Isso, de maneira 
simbólica, pode estar relacionado com um dos ensinamentos propostos pela doutrina do 
Santo Daime que é o retorno a si mesmo, que pode ser a sensação que tem o participante ao 
cantar esse hino em um ritual. 
 
 
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4º Verso 1ª Estrofe: 4º Verso 2ª Estrofe: 
 
 vo a- pe 
 
 
 é de aon es 
 
 
 
 só eu ma-ar**_ des minha rança** 
 
 
 
 
 quem ________ ta 
 
 
 
 
4º Verso 3ª Estrofe: 4º Verso 4ª Estrofe: 
 
 lu Ma . 
 
 ______ 
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 que da são** sus lho ria** 
 
 
 
 
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CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Apesar de se tratarem de características opostas, no decorrer das análises, pode-se 
observar que a canção apresenta características tanto passionais quanto temáticas. Em 
diversos momentos, há um prolongamento de vogais, o que para Tatit (2002) é uma 
característica da passionalização, que nesse caso simboliza um afastamento do participante do 
ritual com relação ao divino, que é superior e está acima de todos. Entretanto, pode-se 
verificar que os versos apresentam traços de segmentação, o que caracteriza uma 
Anais do VIII Fórum de Pesquisa Científica em Arte. 
 Curitiba: ArtEmbap, 2011. ISSN 1809-2616 
 
tematização. Esse fato ocorre, pois o hino existe para ser bailado e conta com a marcação 
rítmica constante dos maracás, e também marca a parte cantada do hino. Essa ocorrência de 
duas características opostas numa mesma canção também foi apontada por Tatit (2002) na 
análise da canção Asa Branca, de Luiz Gonzaga. Apesar de essa canção demonstrar 
características temáticas, reiterando a pulsação que acompanha o percurso do canto, de 
maneira semelhante ao que ocorre na canção do Santo Daime, a canção Asa Branca também 
demonstra um afastamento, que no caso trata de um exílio forçado que se converte em 
tristeza solidão e sentimento de falta (TATIT, 2002, p. 152). 
Utilizando a metodologia de Tatit para análise de canção popular, foi possível 
encontrar diversos elementos que corroboraram para gerar o significado da canção. Para os 
adeptos do Santo Daime, os hinos são recebidos prontos de um mundo espiritual, sem 
possuírem interferência do intelecto. São centenas de hinos recebidos por participantes dos 
rituais do Santo Daime, e essas canções detêm o conhecimento, que é transmitido por meio 
delas. Uma análise mais profunda de um hino de grande relevância dentro do culto revelou 
algumas recorrências emblemáticas na junção poesia e melodia. Uma análise sob a luz da 
semiótica dos principais hinos poderia revelar se é possível encontrar padrões linguísticos 
dentro do universo dos hinos do Santo Daime. Entretanto, para entender completamente os 
hinos do Santo Daime, um método que também levasse em conta o contexto de execução 
desses hinos, o ritual do Santo Daime, seria mais apropriado para uma compreensão mais 
completa. 
 
REFERÊNCIAS 
Daime.org – Hinos da doutrina do Santo Daime. Disponível em: <http://www.daime.org/>. 
Acesso em: mar. 2012. 
FRÓES, Vera. História do Povo Juramidam: introdução à cultura do Santo Daime. Manaus: 
SUFRAMA, 1986. 
GREGORIM, Gilberto. Santo Daime: Doutrina de Juramidam: simbolismo. São Paulo: Ícone, 1991. 
GUERRA, Denise. Os legados ancestrais na cultura afro-indígena brasileira e a implementação 
da lei 11.645/08. Revista: África e Africanidades, ano 3, n. 9, maio 2010. Disponível em: 
<http://www.africaeafricanidades.com.br/>. Acesso em: mar. 2012. 
KASTRUP, Lucas. Receber não é compor: Música e emoção na Religião do Santo Daime. Rio de 
Janeiro: Religião e Sociedade, 2007. 
LABATE; PACHECO. Música Brasileira de Ayahuasca. Campinas: Mercado das Letras, 2009. 
LABATE, Beatriz. A Reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos. Campinas, 2000. 
TATIT, Luiz. O Cancionista: Composição de Canções no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da 
Universidade de São Paulo, 2002. 
http://www.daime.org/
http://www.africaeafricanidades.com.br/

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