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Anarquismo_Taoista

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Anarquismo taoísta
Hakim Bey, cujo manifesto TAZ: Zona Autônoma Temporária se transformou em um 
dos textos fundamentais do anarquismo contracultural dos anos 1990, afirmou que “As 
mais antigas definições de anarquia são encontradas no Chuang-tzu e em outros textos 
taoístas”. Schipper observa que a “Administração da propriedade comum – prédios, 
terra, móveis e renda – era estritamente igualitária. (...) A sociedade era formada por 
incontáveis comunidades, todas interligadas por uma rede de alianças bastante densa. 
Essa rede de organizações religiosas e litúrgicas, cuja importância econômica e cultural 
era suprema, mantinha-se quase que inteiramente fora do controle do Estado.” De fato , 
as formas de organização de muitos enclaves taoístas soam como a sociedade 
descentralizada e ligada em rede dos sonhos de um anarquista contemporâneo (e eles o 
fizeram sem a internet). A identidade do templo era construída em festivais de 
celebração envolvendo “leitura, xadrez, caridade, peregrinações, escrita, pesquisa 
médica, pipas de papel”. De modo semelhante , muitos indivíduos e grupos anarquistas 
do século XX, de George Bataille aos yippies, propuseram utopias anarquistas 
organizadas em torno de festividades comunitárias.
A política libertária taoísta foi institucionalizada pela primeira vez pelo imperador Han 
Kao-tzu, fundador da dinastia Han em 206 a.C. Ele proclamou que “daqui por diante 
haverá apenas três leis simples: o assassinato deverá ser punido com a morte e ataque e 
roubo deverão ser punidos de acordo com os fatos de cada caso”. Como alguns leitores 
devem ter conhecimento , hoje uma forma pura de libertarismo defende exatamente essa 
idéia – embora seus adeptos expressem isso em termos de haver apenas duas leis: uma 
contra a violência , outra contra o roubo e fraude. ( Acreditem ou não, eu li está idéia 
pela primeira vez defendida por Andy Warhol e Truman Capote em um editorial escrito 
a quatro mãos e convite da revista High Times no final dos anos 1970.)
Segundo o historiador chinês Lin Yu-lan, em 201 a..C., “um General Ts’ao (...) foi feito 
governador do populoso e economicamente avançado estado de Ch’i, na costa oriental. 
Ele escolheu um velho filósofo (...) seguidor de Lao-Tsé (...) como seu principal 
conselheiro (...) [O conselheiro] disse ao governador que a melhor forma de governar 
seu grande estado, que incluía setenta cidades, era não fazer nada e dar um descanso ao 
povo. O governador seguiu religiosamente este conselho durante os nove anos de seu 
governo. O povo se tornou próspero , e sua administração foi considerada a melhor do 
império.”
Em 179 a.C., o imperador Wen Ti e sua imperatriz taoísta Tou subiram ao trono. Seu 
regime liberal aboliu a responsabilidade coletiva da família por crime, e tortura como 
forma de punição e os impostos sobre o comércio entre os estados. Eles reduziram 
drasticamente os impostos sobre a terra e tentaram ao máximo evitar guerras as 
fronteiras do império. A imperatriz Tou convenceu toda a sua corte a ler Lao-tsé.
A primeira insurreição liderada por taoístas a ser registrada foi a rebelião dos Turbantes 
Amarelos, que começou em 182 d.C. A revolta teve um grande apelo em todas as 
classes e só foi sufocada após se espalhar pela maioria das províncias da China. Ela não 
apenas enfraqueceu a dinastia Han, como foi bem-sucedida em estabelecer um bom 
número de comunidades autônomas , de autogovernos e quase anarquistas. Um Estado 
baseado explicitamente nos ideais taoístas foi estabelecido por um breve tempo na 
China pelo movimento dos Mestres Celestiais taoístas durante esse período. De acordo 
com Isabel Robinet, “Ele se mostrou insustentável no amplo contexto político da China, 
mas mereceu o interesse e o patrocínio imperial”.
Durante o século V, uma escola utópica de taoísmo inspirou rebeliões que pretendiam 
implantar o reino do “Caminho da Grande Paz”, o sonho de retorno a uma sociedade 
livre da opressiva interferência do Estado e da exploração econômica. Uma série de 
revoltas camponesas no século XIV foi relacionada à seita budista do Lótus Branco, de 
inspiração taoísta.
Essas revoltas taoístas foram uma exceção, mais que uma regra. Como já afirmamos , 
os taoístas normalmente defendiam a acomodação. E quando eles realmente lideraram 
uma insurreição, normalmente o objetivo era apenas mudar o comportamento de um 
império opressor, não derrubar o regime e substituí-lo por um “sistema taoísta”. Clarke 
sugere que os taoístas na verdade não eram anarquistas políticos, no sentido ocidental 
do termo. “ A sociedade ideal para os anarquistas ocidentais é aquela em que o papel do 
governo é reduzido ao mínimo ou inteiramente abolido, ao passo em que um taoísta 
está mais preocupado em remover supostos empecilhos artificiais ao funcionamento 
espontâneo e natural do estado do que em aboli-lo completamente”. De fato , minha 
leitura de Lao-tsé sugere que o taoísmo deve preferir uma matriarca extremamente 
benevolente e não-autoritária – embora todo-poderosa – do que um processo tedioso e 
irritante de tomada de decisões participativa, igualitária e democrática. Mas idéias e 
impulsos anarquistas e libertários obviamente fazem parte da filosofia taoísta, e 
anarquistas de hoje e do futuro certamente farão uso dessas idéias.
Contracultura Através dos Tempos – Ken Goffman e Dan Joy
Cap. 4 pg. 101

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