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AULA 4 
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE 
Profª Tania Maria Santos Pires 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
Construção legal do SUS 
A criação do SUS aconteceu depois de uma grande articulação que 
envolveu diversos setores da sociedade, tais como professores universitários, 
sindicatos, grupos políticos, religiosos e líderes sociais. Essa articulação ficou 
conhecida com o nome de Movimento Pela Reforma Sanitária. O resultado dessa 
articulação foi a bem-sucedida Conferência Nacional de Saúde, cuja carta final foi 
praticamente transcrita na letra da constituição que criou o SUS, em 1988. 
No entanto, para se criar uma estrutura de saúde para um país gigante e 
heterogêneo como o Brasil, havia a necessidade da construção de um arcabouço 
legal consistente que conseguisse sustentar o conjunto de ações proposto pelo 
novo sistema de saúde. 
Nesta etapa, vamos estudar as principais leis que criaram o SUS, as 
portarias que as complementaram e outras leis que foram necessárias 
posteriormente para o ajuste das novas necessidades que se demonstraram no 
decorrer do desenvolvimento das ações. 
TEMA 1 – A LINHA MESTRA DO SUS: LEI N. 8.080 
A Lei n. 8.080/1990 ficou conhecida como a lei orgânica da saúde, isto 
porque ela traça o perfil do novo sistema de saúde que estava sendo implantado. 
Seus principais temas correspondem a alguns conhecidos problemas e que foram 
alvos das demandas reformistas, como a inclusão das vigilâncias sanitárias e 
epidemiológicas no SUS e, sobretudo, o reconhecimento da saúde como um 
direito do cidadão e dever do estado. 
Podemos condensar os temas abordados na Lei n. 8.080 em dois grandes 
grupos que são os temas ligados à responsabilidade social do SUS, e os temas 
ligados à operacionalidade técnica do SUS. Ressalta-se que essa lei é a 
representação da Constituição dentro do arcabouço legal do SUS, a espinha 
dorsal deste, sustentando-o ideologicamente e direcionando a organização do 
sistema. 
Vamos analisar, a seguir, os destaques da Lei n. 8.080 dentro dos dois 
principais grupos, relacionando-os com as ações e repercussões oriundas de sua 
aplicação na sociedade. 
 
 
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1.1 A responsabilidade social do SUS expressa na Lei n. 8.080 
Durante os anos 1980, o contexto de saúde da população brasileira poderia 
ser facilmente traduzido por um indicador: a mortalidade infantil. Aliás, este é um 
importante indicador não apenas de saúde, mas de desenvolvimento humano de 
uma população. No Brasil dos anos 1980, esse indicador era estimado em 80 
mortes para cada 1000 nascidos vivos. Fala-se de estimativa pelo fato de os 
dados serem imprecisos e, sem dúvida, subestimados. 
Ao ler um artigo em busca de dados dos anos 1980, eu me lembrei de 
que nesse período, em 1980, eu estava no segundo ano do curso de 
medicina, em Belém do Pará, aos 18 anos de idade. Eu me deparei com 
o choque de iniciar o atendimento de populações muito pobres, 
chamadas de indigentes, ao iniciar o acompanhamento de professores 
que faziam voluntariado em bairros e regiões sem assistência médica. 
Eles diziam para os alunos angustiados como eu que a única saída para 
essa situação seria uma reforma no sistema de saúde e que nós 
deveríamos ser médicos generalistas, porque a medicina das 
especialidades não daria conta das necessidades da população. 
Em 1985, recém-formada, eu me mudei para São Paulo e fui trabalhar 
em hospital conveniado ao Inamps, na área metropolitana de São Paulo. 
Morando na maior cidade do país, eu me deparei com a cruel realidade 
de ver crianças morrerem na minha frente, chegando ao atendimento de 
emergência nos seus instantes finais, por causas tão simples de tratar 
hoje em dia, tais como diarreias ou broncopneumonias. (Pires, 2022) 
Grande parte dessas famílias eram de trabalhadores imigrantes do 
Nordeste, ou outras famílias pobres provenientes do interior de São Paulo, com 
trabalhos informais, portanto, sem direito ao sistema de saúde vigente. 
Algumas dessas crianças tinham seu registro de nascimento feito no 
momento de sua morte, em condição de emergência social, porque não poderiam 
ser sepultadas sem ter esse documento para, só depois, gerar o registro do óbito. 
Imagine então nos grandes sertões brasileiros, fora das áreas urbanas 
condensadas, como acontecia a vida e morte desses pequeninos que duravam 
tão pouco? Até parece que a sua missão nesse mundo seria nos apontar a 
situação de injustiça vivida pela população sofrida a ponto de inspirar o adjetivo 
criado na mais famosa obra de João Cabral de Melo Neto, uma morte e uma vida 
“severina”. 
Por todos esses fatores, a morte era subestimada, sobretudo, quando se 
tratava de crianças. Éramos um país de gente jovem, porque nasciam muitas 
crianças, morriam muitas também e os adultos, na sua maioria, não chegavam a 
envelhecer, morrendo em torno de 50 anos. 
 
 
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Com esse contexto iníquo, a reforma do sistema de saúde teria que 
expressar um grande compromisso social. Teria que deixar claro na letra da lei 
que ter acesso à saúde era um direito do cidadão e dever do estado. Isto é o que 
acontece no artigo 2, parágrafos 1 e 2 do Título 1 – Disposições gerais. Nesse 
setor, considerado a abertura da Lei n. 8.080, há a descrição dos fatores 
determinantes sociais de saúde. 
O reconhecimento dos fatores sociais como diretamente responsáveis pela 
produção de saúde e doença de uma população e, sendo assim, expressos em 
lei, marcam uma nova maneira de se trabalhar em saúde. Dessa forma, não se 
poderia mais disfarçar os problemas de saúde com a simples construção ou 
contratação de hospitais, mas se trabalhando de forma intersetorial, interligando 
políticas públicas de diversos setores, como educação, emprego e renda, 
proteção social, abastecimento, habitação, infraestrutura. Não se pode ter saúde 
no meio do desamparo social e todas essas ações são dever do estado. 
Dentro desse mesmo sentido, estão os princípios doutrinários do SUS, os 
quais discutimos anteriormente. O direito ao acesso universal à saúde, à 
integralidade do sistema e à equidade das ações são os pilares da organização 
legal do sistema de saúde brasileiro. 
1.2 A operacionalidade técnica do SUS 
A Lei n. 8.080 fornece a linha diretiva inicial para o desenvolvimento da 
organização operacional do SUS, descritos nos capítulos II e III que tratam dos 
princípios e diretrizes e da Organização, Direção e Gestão. Todos esses temas 
seriam posteriormente detalhados por meio de portarias complementares, como 
veremos mais adiante, porém, o princípio encontra-se estabelecido na lei 
orgânica. 
Os princípios operacionais visam mudar um dos maiores problemas da 
gestão do antigo sistema, que era a centralização no governo federal, deixando 
de fora das decisões os estados e municípios, portanto, a situação agora se 
inverte quando se determina que o primeiro princípio operacional do SUS é a 
descentralização da gestão, aplicando um modelo de gestão compartilhada entre 
os três entes federativos, cada um atuando com sua especificidade, sendo que o 
município avançaria cada vez mais como o principal gestor do SUS. 
A hierarquização e regionalização das ações de saúde são dois princípios 
operacionais que evoluíram bastante dentro do contexto do SUS. A 
 
 
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hierarquização das ações foi uma estratégia importante para a organização da 
oferta dos serviços de saúde sobretudo no início da implantação do SUS. 
Significava organizar as ações segundo o nível crescente de complexidade para 
estruturar a oferta desses serviços, de modo que se criasse um fluxo para as 
demandas de saúde. Para dar conta da hierarquização, os serviços deveriam ser 
também regionalizados. 
A regionalização relaciona-se à gestão das Secretarias Estaduais de 
Saúde, que seria mais bem delineada com a implementação da Norma 
Operacional Básica de 1996 (NOB 96) e da Norma Operacional de Assistência à 
Saúde de 2001 (NOAS 01). 
A seguir, há o detalhamento da forma de direção do SUS,com divisão da 
gestão entre as três esferas de governo e seus órgãos representativos. No âmbito 
da União, a gestão cabe ao Ministério da Saúde, no âmbito estadual a Secretaria 
Estadual da Saúde e no âmbito municipal a Secretaria Municipal de Saúde. 
Naquele primeiro momento, em 1990, a Lei n. 8.080 era uma resposta 
àqueles que, de certo modo, apostavam na falência do SUS, principalmente pelas 
dificuldades que se apresentariam na gestão. Claro que somente essa lei não 
seria suficiente para detalhar todos os procedimentos necessários ao complexo 
processo administrativo do SUS, entretanto, o amadurecimento dos processos no 
decorrer dos anos mostrou que a Lei n. 8.080 apontava um caminho correto, 
sendo necessário apenas que fosse sendo ajustados de acordo com as 
necessidades que se apresentariam. 
TEMA 2 – A LEI DO CONTROLE SOCIAL: LEI N. 8.142 
A Lei n. 8.142 expressa o processo de redemocratização do país. A 
ditadura militar com processos centralizadores, sem voz para a representação 
social, é substituída por um processo de gestão compartilhada, ou seja, o SUS 
teria que ter a participação da sociedade. 
Para garantir essa ação, foi editada e Lei n. 8.142, chamada de lei do 
controle social. No seu caput, ela dispõe sobre a participação da comunidade na 
gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências 
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. São dois grandes 
temas relacionados à redemocratização: a participação social e a gestão de 
recursos para a saúde. 
 
 
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Outros temas fundamentais abordados na Lei n. 8.142 refere-se à 
transferência de recursos para a saúde. Para que essa transferência acontecesse, 
a lei determinava o atendimento de condicionantes, cuja implantação foi 
fundamental para a posterior habilitação dos municípios e o desenvolvimento do 
SUS na esfera municipal. 
São eles: 
a) Ter Conselho de Saúde atuante para estabelecer o controle social. 
b) Ter Fundo Municipal de Saúde que significa uma entidade jurídica para 
gestão específica dos recursos para saúde. 
c) Ter Plano Municipal de Saúde, o que significa ter atuação planejada para 
atuação no município com metas a serem alcançadas, embasada em 
dados epidemiológicos locais. 
d) Relatório de Gestão para implementar um sistema de controle e avaliação. 
e) Comissão para elaboração de política de recursos humanos para 
desenvolvimento de carreiras dos profissionais de saúde no caso de 
municípios que não tinham ainda carreiras estabelecidas para seus 
funcionários. 
2.1 A atuação dos Conselhos de Saúde 
A participação da sociedade foi garantida por meio da criação das 
instâncias colegiadas dos Conselhos de Saúde. Cada instância seria 
representativa dos diversos segmentos da sociedade em graus crescentes que se 
iniciam nos conselhos locais de saúde, com representações dos bairros, distritos, 
municípios, estados e nacional. Em qualquer instância de atuação, a composição 
dos Conselhos obedece à seguinte designação: representantes de usuários, dos 
trabalhadores da saúde, do Governo e dos Prestadores de Serviços de saúde, 
sendo o seu Presidente eleito entre os membros do Conselho em reunião plenária. 
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) já era atuante no Brasil desde 1937. 
Era formado por técnicos e especialistas em saúde e tinha caráter consultivo, com 
objetivo de assessorar o Ministério de Educação e Saúde em conjunto com o 
Conselho Nacional de Educação. Seu papel era limitado à consultoria técnica. 
Os Conselhos de Saúde assumiram um importante papel dentro das 
políticas públicas de saúde. Sua ação não é mais apenas consultiva, mas, acima 
de tudo, é deliberativa e deve caminhar próximo à gestão da saúde em cada 
 
 
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esfera da administração, para deliberar em conjunto e monitorar as ações da 
gestão. 
Os representantes dos usuários devem ser pessoas da comunidade. 
Embora todos demonstrem boa vontade nas suas ações, na maioria das vezes, 
não estão adequadamente instrumentalizados para as análises técnicas 
necessárias. Para isso, houve necessidade de inserir-se nas legislações dos 
conselhos as capacitações para os conselheiros, inclusive as capacitações em 
informática, a legislação básica da saúde, indicadores de saúde, seus índices e 
relações, para que os conselheiros possam analisar os relatórios com melhor 
clareza. 
2.2 Papel do Ministério Público no controle social 
Um importante ator no controle social é o Ministério Público. Por meio das 
promotorias da saúde, o sistema de justiça está diretamente incluído no controle 
social. 
O direito sanitário passou a integrar as ações do Ministério Público 
formalmente a partir de 1998, quando, em reunião plenária em congresso na 
cidade de Palmas (TO), ficou decidido pelos procuradores de justiça que deveriam 
ser implantadas ações especificas para a área da saúde em cada Estado da 
União, criando promotorias específicas para lidar com as questões da saúde com 
intuito não apenas de demandas judiciais, mas para promover o acompanhamento 
de ações relevantes para a sociedade, sobretudo nas áreas de maior fragilidade 
social. Até então, as questões relacionadas à saúde ficavam dentro do conjunto 
de ações de direitos de cidadania, diluídas entre as demais demandas. 
Dentro dessa meta, a maioria das promotorias de saúde atua com objetivo 
de qualificar o controle social, como foco nas ações de atenção primária e na 
saúde mental. As ações da promotoria da saúde estão embasadas nas devidas 
cobranças aos gestores de saúde, monitoramento dos relatórios de gestão e apoio 
aos Conselhos de Saúde. 
Na prática, representantes da promotoria costumam participar das reuniões 
dos Conselhos, contribuindo com as discussões dentro da visão legal de modo a 
qualificar a atuação dos conselhos. Considerando o triste e vergonhoso histórico 
do nosso país de desvios de verbas da saúde, ao mesmo tempo que o cidadão 
comum fica sem assistência ou sem um insumo para o seu tratamento, por muito 
tempo, foi algo considerado normal, como se fizesse parte dos processos 
 
 
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públicos. Essa é uma realidade que mudou com a atuação qualificada do controle 
social. 
O Ministério Público, representando o sistema de justiça, atua integrado ao 
setor saúde e não poderia ser diferente desde que se reconhece que a saúde é 
formada por um conjunto de determinantes sociais. Sendo assim, questões 
específicas como a condição do idoso, da criança e do adolescente, da pessoa 
com doença mental, entre outras, são áreas sensíveis à proteção social, 
requerendo ações conjuntas de diversos setores, entre eles a saúde e a justiça. 
TEMA 3 – A NORMA OPERACIONAL BÁSICA DE 1996 (NOB-SUS 96) 
A etapa de transição do sistema de saúde do Inamps ao SUS levou pelo 
menos seis anos para se efetivar e, de fato, somente aconteceu quando foi editada 
a NOB-SUS 96. Romper com a lógica do pagamento por produção não era uma 
tarefa fácil porque esbarrava em diversos interesses. 
Por outro lado, enquanto essa situação permanecesse, também 
permaneceria a inequidade no repasse de recursos, agravando as diferenças 
entre as regiões do Brasil. As regiões Sul e Sudeste recebiam a maior parte dos 
recursos porque tinham maior número de prestadores de serviço e, portanto, 
maior quantitativo de produção, em detrimento das demais regiões. 
Outro fator importante era a falsa produtividade. Ainda com poucas 
estratégias para efetivo monitoramento naquele momento, era ainda bastante fácil 
a produção falseada no intuito de aumentar a captação de recursos. Além de tudo, 
o pagamento por doença, valorizava cada vez mais a doença, em vez da saúde. 
A transição caminhou lentamente pelos primeiros anos, para finalmente 
achar seu caminho seus anos após a Lei n. 8.080, como veremos a seguir. 
3.1 O caminho a partir das Normas Operacionais de 1991 a 1993 
A primeira edição da Norma Operacional Básica foi em 1991, durando sete 
meses. Nesse momento, o Inamps aindaera vigente e os recursos da saúde ainda 
continuaram sendo repassados, de acordo com a produção de serviços, com 
poucas mudanças do antigo sistema. Uma mudança a se destacar é o 
estabelecimento de igualdade de pagamento dos prestadores, sejam públicos ou 
privados. A duração da vigência da NOB 1991 foi relativamente curta, apenas sete 
meses, até que foi substituída pela NOB 92. 
 
 
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A NOB-SUS 1992 trouxe a parametrização para que os Estados e 
Municípios pudessem atender aos requisitos determinados na Lei n. 8.142 e 
algumas mudanças no modelo de distribuição de autorizações para internação. 
Um ponto importante dessa etapa foi a implementação do Sistema de Informação 
do SUS (SIA-SUS), que permitiu melhor controle de pagamentos do atendimento 
ambulatorial. 
A NOB-SUS 93 menciona o repasse de recursos, mas, segundo os 
analistas, não define os mecanismos pelos quais acontecerão. Regulamenta as 
esferas de gestão com as comissões intergestores tripartite e bipartite, porém, 
ainda mantém o sistema de pagamento por produção. Um destaque significativo 
é que essa NOB é assinada pelo Ministério da Saúde e não mais pelo Inamps, 
sinalizando que a transição do sistema, finalmente, chegava ao fim. 
O SUS precisava avançar definitivamente na descentralização. Até o ano 
de 1993, os avanços ainda seriam tímidos, considerando a necessidade do 
desenvolvimento da autonomia dos municípios. Em 1996, as mudanças na 
estrutura legal se expressam de forma mais clara na NOB-SUS 1996. 
3.2 Rompendo com a antiga lógica: NOB-SUS 1996 
Entre a NOB 93 a NOB 96, três anos se passaram. Nesse período, uma 
etapa estrutural avançou no campo da assistência, que foi a implantação do 
Programa Saúde da Família (PSF). O PSF significava a ampliação da assistência 
na atenção básica ou, como era conhecida internacionalmente, atenção primária 
à saúde. Para desenvolverem a atenção básica, os municípios precisariam de 
habilitação e recursos. As NOB anteriores conseguiram avançar nos cadastros 
dos municípios, porém, sem mudanças importantes na liberação de recursos. 
A NOB-SUS 1996 abre as portas para a mudança. Segundo as conclusões 
de estudiosos do tema, seus principais destaques são na área de repasse de 
recursos e financiamento das ações que incentivam a ampliação da oferta de 
serviços pelos estados e municípios descritos a seguir (Souza, 2002): 
a) Rompe com a lógica do repasse por produção, implantando o repasse per 
capita na atenção básica com a criação do Piso de Atenção Básica. 
b) Cria incentivos específicos para áreas estratégicas e aumenta a 
transferência de recursos fundo a fundo. 
c) Investimentos na rede de serviços com financiamento do Banco Mundial e 
do Banco Interamericano de Desenvolvimento, para as regiões Norte, 
 
 
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Nordeste e Centro Oeste como objetivo de reduzir as desigualdades 
regionais. 
A concretização da descentralização da gestão e dos recursos em saúde 
trouxe como resultados a melhoria da assistência, isso se mostrou pelo estímulo 
para a implantação e expansão do Programa Saúde da Família e do Programa de 
Agentes Comunitários de Saúde. O novo modelo de distribuição de recursos 
aumentou consideravelmente o número de municípios que se qualificaram em 
algum dos modelos de gestão proposto pela NOB-SUS 96, chegando a 99% dos 
municípios. Finalmente, o SUS havia começado de verdade a acontecer. 
TEMA 4 – A NORMA OPERACIONAL DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DE 2001 
A NOAS 01 marca a entrada do século XXI com avanços importantes para 
o SUS. Nesse momento, encontramos os gestores mais amadurecidos e a 
assistência em ampliação na maioria dos municípios, contudo, apesar das 
mudanças na transferência de recursos, isso não garantiria o atendimento integral 
das populações. 
Uma contextualização sobre os municípios brasileiros se faz necessária 
nesse momento. A Constituição Federal de 1988 permitiu a criação de novos 
municípios com populações muito pequenas e poucas possiblidades de recursos. 
Dados do IBGE informam que a maioria dos municípios brasileiros tem menos do 
que 20.000 habitantes. Como prover assistência à saúde de forma integral, nos 
níveis de média e alta complexidade com recursos exclusivamente municipais? A 
NOAS 01 vem em resposta a esse problema. 
A Norma Operacional de Assistência à Saúde de 2001 (NOAS 01/2001) 
amplia as responsabilidades dos municípios na Atenção Básica; define 
o processo de regionalização da assistência; cria mecanismos para o 
fortalecimento da capacidade de gestão do Sistema Único de Saúde e 
procede à atualização dos critérios de habilitação de estados e 
municípios. (Brasil, 2001) 
4.1 O processo de regionalização da saúde 
A implantação do modelo de regionalização estrutura o papel das 
Secretarias Estaduais de Saúde no apoio aos seus municípios. Consiste na 
divisão dos municípios em macrorregiões, que devem funcionar como referências 
para os serviços de média e alta complexidade. Para qualificar melhor os 
encaminhamentos e destravar o fluxo, cabe às regionais implantar serviços de 
 
 
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regulação com possibilidade de priorização, desta forma, o paciente com maior 
necessidade de atenção não ficará esperando numa fila única, atrás de outros 
demandas eletivas. 
A regulação deve colocar o paciente certo no lugar certo, ou seja, com 
acesso à tecnologia necessária para o bom andamento do seu caso. Citando a 
prática como exemplo, um médico de atenção primária entende que o paciente 
precisa ser avaliado pelo cardiologista devido a uma hipertensão de difícil 
controle, mas sem sintomas de insuficiência cardíaca ou de isquemia. Pode-se 
pedir a avaliação do cardiologista para um paciente que vai fazer cirurgia de 
catarata, mas sem alto risco, como também pode-se pedir a avaliação para um 
paciente com sintomas de isquemia cardíaca. 
Quando há um sistema de regulação funcionante, o regulador vai destinar 
vaga para o paciente de mais alto risco num lugar onde este possa ter acesso aos 
exames de alta complexidade, como ecocardiograma, ecodoppler, cateterismo e 
não apenas na consulta ambulatorial com o cardiologista. Isto significa ganho de 
qualidade na atenção, evitando desperdício de tempo, o trânsito desnecessário 
do paciente com pouca resolubilidade, permitindo um fluxo com equidade. 
As regionais de saúde organizam os serviços de média e alta complexidade 
pelos agendamentos de consultas, vagas de internamentos, tratamentos 
complexos, como os serviços de cancerologia, além da estrutura de urgência e 
emergência com o SAMU e UPAS. 
Essa estrutura precisa se organizar com os municípios de referência 
chamados de municípios sede, que possam ofertar a totalidade dos serviços 
pactuados. O estado também fica responsável por intermediar os consórcios 
municipais de serviços e garantir os repasses de recursos de acordo com as 
pactuações do plano de gestão. 
4.2 Coordenação e ampliação da atenção básica nos pequenos municípios 
Os municípios são responsáveis por implantar e ampliar sua atenção 
básica, porém as Secretarias Estaduais da Saúde têm um relevante papel na 
expansão e qualificação da atenção básica em seu território, que se iniciam no 
plano regional de saúde, com estabelecimento de metas de atenção, provimento 
de dados epidemiológicos que embasam o planejamento, criação de protocolos 
de atenção, suporte e coordenação dos fluxos de média e alta complexidade 
mediante a regionalização. 
 
 
12 
Os grandes municípios são considerados autônomos na gestão do SUS, 
assim reconhecidos com a denominação de “gestão plena” do SUS. Isso significa 
liberdade para gestão financeira, com repasses direto do governo federal e 
planejamento de ações de saúde em todos os níveis de complexidade e pontos 
da rede de atenção. Além de atender sua própria população, são referência para 
os pequenos municípios, de acordo com o fluxo estabelecido nas regionais de 
saúde. 
TEMA 5 – O PACTO PELA SAÚDE (2006) 
O desenvolvimentodas políticas públicas de saúde é um processo que vem 
sendo construído ao longo do tempo e modificando-se de acordo com as 
diferentes necessidades que vão se apresentando. Nesse sentido, a revisão 
proposta pelo pacto pela saúde (2006) torna-se um marco para a organização de 
prioridades e estratégias de ação, de modo a garantir o desenvolvimento das 
políticas públicas de saúde em todo território nacional, sobretudo no que se refere 
à gestão. 
O Ministério da Saúde publicou a portaria 399, de 22 de fevereiro de 2006, 
que manifesta o pacto pela saúde. 
O Pacto pela Saúde é um conjunto de reformas institucionais do SUS 
pactuado entre as três esferas de gestão (União, Estados e Municípios) 
com o objetivo de promover inovações nos processos e instrumentos 
de gestão, visando alcançar maior eficiência e qualidade das respostas 
do Sistema Único de Saúde. Ao mesmo tempo, o Pacto pela Saúde 
redefine as responsabilidades de cada gestor em função das 
necessidades de saúde da população e na busca da equidade social. 
(Brasil, 2006) 
O pacto pela saúde surge da necessidade de os municípios discutirem o 
formato de repasse de recursos da união e definir as responsabilidades 
financeiras de cada nível de gestão, contudo, o seu principal objetivo era a 
consolidação do SUS, estabelecendo as ações prioritárias e as formas de 
financiamento de cada uma delas. Três blocos foram formatados dentro deste 
acordo: O pacto em defesa do SUS, o pacto pela vida e o pacto de gestão. 
5.1 O pacto pela vida 
É constituído por um conjunto de compromissos sanitários, expressos em 
objetivos e metas, derivados da análise da situação de saúde da população e das 
prioridades definidas pelos governos federal, estaduais e municipais. O pacto 
 
 
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pela vida deverá ser permanente e revisado a cada ano devido às mudanças na 
condição sanitária de cada população (Brasil, 2006). 
As principais ações de saúde pactuadas foram: saúde do idoso, saúde do 
trabalhador, saúde mental, fortalecimento da capacidade resposta do sistema de 
saúde às pessoas com deficiência, atenção integral às pessoas em situação ou 
risco de violência, saúde do homem, fortalecer a capacidade de resposta às 
doenças emergentes e as endemias (dengue, hanseníase, tuberculose, malária), 
promoção de saúde e fortalecimento da APS. 
A adesão dos municípios ao pacto aconteceu mediante assinatura de 
contrato, em que os gestores se comprometem com as metas a serem 
alcançadas e alimentar o SISPACTO, com os dados resultantes das ações. 
As ações e programas pactuados traduzem-se em melhoria na qualidade 
de vida das pessoas e foram selecionadas após os levantamentos das principais 
necessidades de saúde dos brasileiros. 
5.2 O pacto em defesa do SUS e o pacto de gestão 
O pacto em defesa do SUS reafirma o compromisso do Estado com o 
provimento das ações de saúde e o direito do cidadão de ter acesso a todos os 
serviços de saúde dos quais necessitar. Como estratégia para alcançar essa 
meta, acentuou-se a pressão para a aprovação da emenda constitucional número 
29, pelo congresso nacional, que mudaria a forma de provimento para o setor 
saúde. 
O pacto pela gestão traz as definições dos investimentos financeiros de 
cada nível de gestão, mediante acordos entre a federação, estados e municípios, 
sobre os percentuais de investimentos e quais seriam suas responsabilidades 
nas diversas ações de saúde. A inclusão dos estados e municípios aconteceria 
por meio de adesão voluntária do município ou do estado, mediante assinatura 
do termo de compromisso de gestão. 
A tão sonhada aprovação pelo congresso nacional da emenda 
constitucional número 29, promulgada em setembro de 2000, somente aconteceu 
em setembro de 2011 e tornou-se um importante instrumento legal de gestão. 
Essa lei determina que os municípios deverão aplicar 15% de suas 
receitas no setor da saúde, os estados 12% e o governo federal deve aplicar o 
valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido do percentual 
relativo à variação do Produto Interno Bruto (PIB). 
 
 
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Apesar de tudo, a aprovação da lei trouxe avanços no aporte de recursos 
para a saúde porque delimitou os gastos da saúde apenas com as despesas 
especificas do setor. Na formatação anterior, os recursos da saúde poderiam ser 
usados em investimentos de outros setores, que, apesar de serem igualmente 
importantes para a sociedade e com interface com a saúde, limitavam os 
investimentos específicos pelo desvio das verbas para outros setores. Exemplo 
desse desvio era o investimento do dinheiro da saúde em esgoto, na merenda 
escolar, na alimentação de presidiários. Apesar de importantes, esses setores 
têm orçamentos próprios e deveriam demandar recursos de suas pastas 
correspondentes. 
Os principais destaques do pacto de gestão são a definição financeira das 
responsabilidades, o monitoramento das ações implementadas e as auditorias. 
Ordenar ações e atividades, monitorar as ações de saúde, estabelecer metas 
que permitam avaliação contínua através dos indicadores de saúde (Brasil 2006). 
NA PRÁTICA 
Marina tem 37 anos, é operadora de telemarketing, casada, tem três filhos, 
é moradora do município de Balsa Nova – PR. Procurou atendimento na US da 
sua residência devido quadro de sangramento uterino anormal há três meses. 
Informa que desde então suas menstruações têm sido longas e de grande volume. 
Após ter feito uma ultrassonografia transvaginal, recebeu a confirmação 
diagnostica de miomas subserosos em útero. Marina precisa de cirurgia, mas está 
preocupada porque sabe que o seu município não tem hospital de grande porte 
em condições de fazer a sua cirurgia. 
Alguns meses depois, Marina recebeu o chamado de consulta para o 
Hospital do Rocio, na cidade de Campo Largo, que fica a poucos quilômetros da 
sua cidade. Trata-se de um hospital de grande porte privado, contratualizado pelo 
SUS e que atende a Segunda Regional de Saúde do Paraná. Ambos os 
municípios de Campo Largo e Balsa Nova pertencem a essa região de saúde e 
Campo Largo é a referência mais próxima de Balsa Nova. Marina ficou contente 
em saber que seria operada nesse hospital porque ele tem os recursos 
necessários para a resolução do seu problema. A essa ação de gestão denomina-
se regionalização. 
 
 
 
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FINALIZANDO 
A estruturação legal do SUS foi fundamental para a construção e 
consolidação do sistema. A clareza da lei traz segurança ao cidadão e permite a 
evolução de cada etapa de acordo com o amadurecimento do processo. 
A lei orgânica da saúde, espinha dorsal do SUS, a Lei n. 8.080, trouxe o 
delineamento do sistema, destacando os princípios e diretrizes do SUS, as 
principais ações, de acordo com o compromisso social do SUS e com a 
operacionalidade técnica do sistema. Quase ao mesmo tempo, a Lei n. 8.142 
formatava a participação da sociedade por meio do controle social, com a atuação 
imprescindível dos Conselhos de Saúde. 
A caminhada do SUS prosseguiu em diversas etapas, passando pela fase 
de transição ainda na década de 1990, com as NOBs 91,92 e 93, até chegar à 
etapa de diferenciação do antigo sistema com a NOB-SUS 96. Essa portaria 
trouxe a nova forma de pagamento no modelo per capita e não mais por produção. 
A NOAS 2001 organizou a assistência e estruturou novos modelos de 
habilitação entre os municípios e estados. Em 2006, o pacto pela saúde traz os 
três grandes eixos de ações permanentes: a defesa do SUS, estruturação da 
gestão e propostas permanentes de cuidado. A cada ano, a análise das condições 
de saúde da população sinaliza quais os temas mais importantes para serem 
destacados naquele ano. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 26 maio 2022. 
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7508.htm>.Acesso em: 26 maio 2022. 
BRASIL. Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, 
DF, 31 dez 1990. 
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2022.

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