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Diarreias

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Diarreias
A diarreia é caracterizada por aumento da frequência evacuatória para quatro ou mais vezes ao dia e/ou diminuição da consistência das fezes. Considerando a Escala de Bristol, utilizam-se os tipos seis e sete como definição de diarreia na Pediatria.
Já em relação à duração de cada um dos tipos de diarreia, classifica-se a diarreia como aguda (até duas semanas de evolução), persistente (até quatro semanas) e crônica (mais que quatro semanas).
Quando a diarreia aguda tem origem infecciosa, eu chamo de gastroenterite aguda.
Diarreia funcional
A diarreia funcional ocorre entre 0,9% e 6,4% de todas as crianças lactentes e pré-escolares. Ela é caracterizada por diarreia crônica em crianças jovens, saudáveis e sem doenças de base que justifiquem o quadro.
Alguns eventos estressores e infecções agudas da infância podem ser gatilhos para o início da diarreia funcional do lactente e períodos de agudização do quadro. Habitualmente, os sintomas da diarreia em criança se resolvem entre quatro e cinco anos de idade.
Critérios de Roma IV
De acordo com os critérios de Roma IV, o diagnóstico de diarreia funcional em lactentes e pré-escolares na Pediatria deve incluir:
· 4 ou mais evacuações diárias, volumosas, não formadas e indolores;
· 4 ou mais semanas de duração;
· início entre 6 e 60 meses de vida; 
· ausência de failure to thrive, desde que ingestão calórica adequada.
Em relação às mudanças dos critérios de Roma III para Roma IV em 2016, é importante destacar que o número de evacuações foi modificado de três para quatro, pois estudos mostraram ser comum crianças pequenas evacuarem três vezes ao dia.
Além disso, os critérios anteriores consideravam a ausência de evacuação noturna. No entanto, isso tem baixa especificidade, visto que pode ocorrer em até 25% dos casos de diarreia funcional.
Em algumas crianças, os sintomas se associam à ingestão excessiva de alimentos e sucos ricos em açúcar ou outros carboidratos (em especial frutose e sorbitol) e à baixa ingestão de gorduras na dieta. Nesse contexto, a gravidade dos sintomas diarreicos pode ser dependente e melhora com a restrição desses itens.
Etiologia
O agente etiológico é de transmissão fecal-oral, o que significa que a pessoa faz a ingestão de água ou alimentos que são contaminados por microrganismos. 
Dentre os microrganismos, os principais são os vírus. Temos o rotavírus, o coronavírus epidêmico, o adenovírus e o norovírus. O rotavírus acomete crianças que foram vacinadas. 
Além disso, podemos ter as diarreias causadas por bactérias. As principais bactérias são a E. Coli, a Salmonella (associada a quadros graves, como sepse, meningite, osteomielite), Shigella, C. Jejuni, v. cholerae e y. enterocolitica. 
Diarreia osmótica
Causada pelo rotavírus, que leva a uma lesão do epitélio intestinal, causando uma redução das enzimas da borda em escova (lactase, maltase, sucrase), gerando uma má absorção de açúcares. Esses açúcares ficam dentro da luz intestinal, aumentando a pressão osmótica interior, e levando a entrada de água e eletrólitos na luz intestinal. 
Essa água e eletrólitos serão perdidos por meio de uma diarreia aquosa. Por conta da presença dos açúcares na luz intestinal (que serão consumidos pelas bactérias da flora), eu tenho aumento da produção de gases, distensão abdominal e flatulência.
Quadro clínico 
Febre e vômitos são os principais sintomas. Pode ter mialgia, cefaleia e anorexia por alguns dias. A diarreia é aquosa e abundante, havendo um aumento do risco da desidratação. 
Disenteria (diarreia secretora invasiva)
De modo geral, a infecção bacteriana vai levar a chamada disenteria, que é a eliminação de fezes com a presença de sague e muco. O principal agente da disenteria é a Shigella. 
Quadro clínico
Ocorre uma destruição das vilosidades intestinais, que gera uma secreção de água e eletrólitos, e perda de hemácias, leucócitos e proteínas, que leva a presença de muco e sangue nas fezes.
Além disso, podem ocorrer sintomas sistêmicos, como febre alta e prostração. 
Algumas bactérias cursam com sintomas específicos, como por exemplo:
· Um paciente que tem convulsão, provavelmente está infectado com Shigella.
· Um paciente com síndrome de Guillain-Barré está infectado com Campylobacter jejuni
· Um paciente com sepse pode estar infectado com Salmonella, principalmente se for um lactente menor de 3 meses, portadores de anemia faclciforme, imunodeficiência ou desnutridos. 
Diarreia secretora toxigênica
Causada pela E. Coli enterotoxigênica e/ou pela V. Cholerae. Essas bactérias vão levar a uma produção de toxinas, que ativam a Adenilciclase, levando a um aumento do AMP cíclico, e inibição do cotransportador Na/Cl. Com a inibição desse cotransportador, para de existir a absorção do sódio, que levava a absorção de água. Com isso, todo esse sódio e água serão liberados pelas fezes. 
Assim, temos uma diarreia aquosa de grande volume, rica em Cl. 
Imunossuprimidos 
Podem ter diarreia causada por diversos patógenos, como Klebsiella, Pseudomonas, Cryptosporidium, Isospora e o Clostridium Difficile, que está associado ao uso prolongado de ATB.
Grau de desidratação
% perda de peso:
· Leve/Grau 1: perda <= 5%
· Moderada/Grau 2: 6 – 9 %
· Grave/Grau 3: >= 10%
Avaliação clínica: Estado Geral, Mucosas, Sede, Pulso e Sinal da prega abdominal 
OBS: DESIDRATAÇÃO GRAVE: alteração do pulso, perfusão ou estado mental (perfusão mental)
Tipos de desidratação
Desidratação isonatrêmica 
· Perda de água = perda de eletrólitos
· Na 135 – 145 mEq/L
· Osmolaridade: 280 – 310 mOsm/L
Forma mais comum de desidratação
Desidratação hipernatrêmica
· Perda de água >>> perda de eletrólitos
· Na 145 – 155 mEq/L
· Osmolaridade: > 310 mOsm/L
Como o sódio intravascular puxa a água, não temos sinais muito importantes de desidratação do intravascular (comprometimento importante de pulso e perfusão, por exemplo). Dessa forma, há uma desidratação celular: gera sede e irritabilidade, letargia, hipertonia e convulsões.
Pacientes em risco: aqueles com dificuldade de ingerir água – encefalopatias, lactentes menores de 3 meses, DM insípidus (perde muita água).
Desidratação hiponatrêmica
· Perda de água <<<< Perda de eletrólitos
· Na < 135 mEq/L
· Osmolaridade: < 280 mOsm/L
Diminuição do sódio intravascular, que gera uma desidratação vascular. Ocorre um quadro de choque hipovolêmico e convulsões (edema cerebral). Sinais clínicos mais evidentes de desidratação: fontanela deprimida, olhos fundos, alteração de turgor de pele. 
Pacientes e risco: desnutridos e vômitos frequentes.
PLANO A 
PARA PREVENIR A DESIDRATAÇÃO NO DOMICÍLIO 
Explique ao paciente ou acompanhante para fazer no domicílio: 
1) Oferecer ou ingerir mais líquido que o habitual para prevenir a desidratação: 
· O paciente deve tomar líquidos caseiros (água de arroz, soro caseiro, chá, suco e sopas) ou Solução de Reidratação Oral (SRO) após cada evacuação diarreica. 
2) Manter a alimentação habitual para prevenir a desnutrição: 
· Continuar o aleitamento materno. 
3) Se o paciente não melhorar em dois dias ou se apresentar qualquer um dos sinais abaixo, levá-lo imediatamente ao serviço de saúde: 
Sinais de perigo 
· Piora na diarreia 
· Recusa de alimentos 
· Vômitos repetidos 
· Sangue nas fezes 
· Muita sede 
· Diminuição da diurese 
4) APÓS CADA PERDA:
· < 1 ANO: 50-100 mL
· 1-10 ANOS: 100-200 mL
· >10 ANOS: livre
5) Administrar zinco 1x/dia, durante 10-14 dias: 
· Até seis (6) meses de idade: 10mg/dia. 
· Maiores de seis (6) meses de idade: 20mg/dia.
PLANO B 
PARA TRATAR A DESIDRATAÇÃO POR VIA ORAL NA UNIDADE DE SAÚDE 
1) Administrar solução de reidratação oral: 
· A SRO deverá ser administrada continuamente, até que desapareçam os sinais de desidratação. 
· Apenas como orientação inicial, o paciente deverá receber de 50 a 100ml/kg para ser administrado no período de 4-6 horas. 
· Enquanto ofereço o SRO, manter o aleitamento 
2) Durante a reidratação reavaliar o paciente seguindo as etapas do quadro “avaliação do estado de hidratação do paciente” 
· Se desaparecerem os sinais de desidratação, utilize o PLANO A. 
· Secontinuar desidratado, indicar a sonda nasogástrica (gastróclise – sonda NG). 
· Também indicada em casos de vômitos persistentes, ou má aceitação oral do SRO
· Contraindicações: desidratação grave, íleo paralítico, alteração do SNC
· Se o paciente evoluir para desidratação grave, seguir o PLANO C. 
O PLANO B deve ser realizado na unidade de saúde. Os pacientes deverão permanecer na unidade de saúde até a reidratação completa.
PLANO C 
PARA TRATAR A DESIDRATAÇÃO GRAVE NA UNIDADE HOSPITALAR 
O PLANO C contempla duas fases para todas as faixas etárias: a fase rápida e a fase de manutenção e reposição.
Avaliar o paciente continuamente. Se não houver melhora da desidratação, aumentar a velocidade de infusão.
· Quando o paciente puder beber, geralmente 2 a 3 horas após o início da reidratação venosa, iniciar a reidratação por via oral com SRO, mantendo a reidratação endovenosa. 
· Interromper a reidratação por via endovenosa somente quando o paciente puder ingerir SRO em quantidade suficiente para se manter hidratado. A quantidade de SRO necessária varia de um paciente para outro, dependendo do volume das evacuações. 
· Lembrar que a quantidade de SRO a ser ingerida deve ser maior nas primeiras 24 horas de tratamento. 
· Observar o paciente por pelo menos seis (6) horas. 
Os pacientes que estiverem sendo reidratados por via endovenosa devem permanecer na unidade de saúde até que estejam hidratados e conseguindo manter a hidratação por via oral.
Paciente com desidratação grave tem indicação para realizar: gasometria venosa, Na e K e glicemia -> aumento dos riscos de DHE e acidobásicos, como a acidose metabólica. 
Identificar disenteria e/ou outras patologias associadas à diarreia 
1. Perguntar se o paciente tem sangue nas fezes 
Em caso positivo e com comprometimento do estado geral: 
· Reidratar o paciente de acordo com os planos A, B ou C. 
· Iniciar antibioticoterapia. 
2. Perguntar quando iniciou a diarreia 
Se tiver mais de 14 dias de evolução: 
a) Encaminhar o paciente para a unidade hospitalar se: 
· menor que seis meses. 
· apresentar sinais de desidratação. Neste caso, reidrate-o primeiro e em seguida encaminhe-o a unidade hospitalar. 
Quando não houver condições de encaminhar para a unidade hospitalar, orientar o responsável/acompanhante para administrar líquidos e manter a alimentação habitual no domicílio. 
b) Se o paciente não estiver com sinais de desidratação e nem for menor de seis meses, encaminhar para consulta médica para investigação e tratamento. 
3. Observar se tem desnutrição grave 
Se a criança estiver com desnutrição grave (utilizar para diagnóstico a Caderneta de Saúde da Criança do Ministério da Saúde): 
· Em caso de desidratação, iniciar a reidratação e encaminhar o paciente para o serviço de saúde. 
· Entregar ao paciente ou responsável envelopes de SRO em quantidade sufi ciente e recomendar que continue a hidratação até que chegue ao serviço de saúde. 
4. Verificar a temperatura 
Se o paciente estiver, além da diarreia, com a temperatura de 39ºC ou mais: investigar e tratar outras possíveis causas, por exemplo, pneumonia, otite, amigdalite, faringite, infecção urinária
Uso de medicamentos em pacientes com diarreia 
· Antibióticos: devem ser usados somente para casos de diarreia com sangue (disenteria) e comprometimento do estado geral ou em casos de cólera grave. Em outras condições, os antibióticos são ineficazes e não devem ser prescritos. 
• Antiparasitários: devem ser usados somente para: 
· Amebíase, quando o tratamento de disenteria por Shigella sp fracassar, ou em casos em que se identificam nas fezes trofozoítos de Entamoeba histolytica englobando hemácias. 
· Giardíase, quando a diarreia durar 14 dias ou mais, se identificarem cistos ou trofozoítos nas fezes ou no aspirado intestinal. 
• Zinco: deve ser administrado, uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias: 
· Até seis (6) meses de idade: 10mg/dia. 
· Maiores de seis (6) meses de idade: 20mg/dia. 
· Probióticos: Lactobacillus GG; Sacharomyces boulardii; Lactobacilus reuteri 17938. São recomendados pela SBP, reduzem a duração da diarreia em mais ou menos 1 dia. 
Tratamento de crianças: 
· Ciprofloxacino: 15 mg/kg a cada 12 horas, via oral, por 3 dias. 
· Ceftriaxona: 50 a 100mg/kg, intramuscular, uma vez ao dia, por 2 a 5 dias, como alternativa. 
· Orientar o acompanhante para administrar líquidos e manter a alimentação habitual, caso o tratamento seja realizado no domicílio 
· Reavaliar o paciente após dois dias. 
· Se mantiver presença de sangue nas fezes após 48 horas do início do tratamento, encaminhar para internação hospitalar. 
Observação: crianças com quadro de desnutrição devem ter o primeiro atendimento em qualquer Unidade de Saúde, devendo-se iniciar hidratação e antibioticoterapia de forma imediata, até que chegue ao hospital. 
Síndrome hemolítico-urêmica
Definição
A síndrome hemolítico-urêmica típica é a principal forma da doença entre as crianças. Ela é mais comum em crianças < 5 anos, e é a principal causa de IRA nas crianças (embora tenha baixa mortalidade). 
Etiologia
Geralmente a síndrome hemolítico-urêmica típica é causada por bactérias produtoras da toxina shiga-like, sendo a principal a E. coli entero-hemorrágica da cepa O157:H7. 
Outras bactérias são a shigella e o streptococos pneumoniae. 
Transmissão
A transmissão é sempre fecal-oral, pelo consumo de água ou alimentos contaminados. Dessa forma, as vezes a síndrome hemolítico-urêmica pode acontecer em surtos.
Patogênese
O quadro clínico depende quase totalmente da ação da toxina shiga-like. Ela lesa o endotélio, levando a uma trombose arteriolar e capilar, também lesando as células glomerulares mesangiais e os podócitos, o que vai levar a tríade da microangiopatia trombótica: anemia hemolítica microangiopática; trombocitopenia (consumo das plaquetas para consertar o epitélio lesado); lesão renal aguda. 
Quadro clínico
Quadro de gastroenterite aguda, ou diarreia, em geral com muco e sangue (disenteria). Em geral após 2 a 12 dias o paciente evolui com a clínica da síndrome hemolítico-urêmica. 
Microangiopatia trombótica 
· Anemia hemolítica microangiopática
Cursa com anemia, reticulocitose, esquizócitos e elevação da bilirrubina indireta (por conta da hemólise).
Exame de coombs direto negativo.
· Trombocitopenia
A redução das plaquetas se manifesta por meio de sangramentos leves e petéquias.
· Lesão renal aguda
Oligúria, proteinúria, hematúria, edema e hipertensão.
Diagnóstico 
Clínico e laboratorial. Os exames laboratoriais são essenciais para fechar o diagnóstico.
Além disso, pode ser feita uma pesquisa etiológica, por meio de coprocultura, sorologia (não positiva na fase aguda) e toxina nas fezes. 
Conduta
Internação: isolamento de contato
Suporte: hidratação EV
Diálise: se anúria por mais de 24h ou oligúria por mais de 72h.
Não usar antibióticos, antiagregantes, corticoide ou plasma
Apenas 30-50% dos pacientes apresenta lesão renal, e a maioria melhora em até 5 anos.
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