Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
l'NI\ I RSIP.\UL 1.)1 "Xl) I'Al'I 0 Rrl/fII Jil', -rei/or \:thJl1 Agopl.1l1 .-\nrnllw LJrim H(.Tn ..Indt:~ HlIT-..lRA [lA l·NI\·[R~II).\Ol: III ..,At) I'AlJll> lJrrclm-pl ~~llio./r LU(J" AlUtlnio MO~L".ltn t:ot.t1s~A~)U}l10RI:\l Rubtm RicupcrIl V.llul.l Uc: :o..larel) l.uln .•Alberto Fc:rr("\rJ M.lrtlm LlllJoaJdu lJru([J RJg.IZZO i\1.UIJ. An~d.1 F.lggll1 Pt"'rclrJ. Leltt"' Ri..:.lrJn Pinto dol Rllcha T.lntJ. Tome i\Llrtlfl'o Je LJ .•tHl SlIplt"lltl' In ..c Rllllt:rtn l.l\nlhu Pllluc,r.1 ~l.Ut.l i\t.Ui.l (,cr.llde .•TdxC,:lr.1 S.lnJr.l Rt:Il11:in Fdll,JI.hll.",/rnlt' l. :trlJ. FCrIl.ll1J.l hlll(al1.1 /)JI'l ...zr' r.d,Iun.d ( n<'[IJne Sih''':'itrin UFI11G l'~I\,1 R"IDA[ll rlDIRAL DI MINA~ (.EIlAI!) R,'IIIJlil l'I£C-I'(,J(1I1 S.mdr.l Rcgln.\ l,oulart AIIl1(,IJJ. AlcI,'i.mJn1 Ft::rn.1I1dc••l\111rcir.l EDIToRAufmg ) I J)ITORA llHfl, [hret", I ,,~-/)tn·/m.l HaVIll de Lemm (_ .1r•••ll.lde C.lmila hgllcircJn l.llN •.•nHI) l-OITllRIAl fl.1Vio L.lr~.llJ.Jc An.1 LJrHlJ. L't~ •..h l\:rrJ Antfillin dt: Pmhu ~lJrl}uc~ .lillliur AntiHlin l UIZ Pinho lubClfn ( .lll11b hgut:ircdo l.\lI..I \"i,ulJ. Lll~L".udli C.i . io hiu.lrJo \·lln.1 Hi~,J. (. C::\:lr(.,t.:I.lldn {~lIlm:tr.1.e\ I-du.udo dol i\lnttJ.l" AlhuqUtfl\UC: Eldcr Ant6nlO SOU\J. P.II\,l Helena Lope .•JJ ~ih.l J. ,.1(, Andre AI"c ••L.lIl'¥.1 .lulo Antonio I.h! P.wl.t Jm~ Luiz Borg!.:, Hort.l Llf.1 (ordmJ. l\1..1f1J..Ailee: de Llm.l (,ome ••Nogut',r.1 l\-tafl,llri,llI1J "'o,ue ••de: ('Omt.l Ren.url :\I\'(~ Rtbeiro Nt:tu R.Jt.;J.rdo I-Iln)',hieJ..lJcir.l T.tLJ.hJ,hi R{)Jng~lPJ.tlll I..,,iM'lttJ. Sorll.1 ~ll(u~~iSII1l0Co; TtTCl.1 \'Irgilll.l RIUt:IW RJ.rhm.I ( ol'1dt'II.lf'w /-.,I,t"'"I.I1 JcrtlllllTIlI (.:tlclho /I,i.lhJlI.1 FdlltlrI.zi riiJ.llc ~OU~.l IJtrt'lIll\ IUIIIT,W Annc L.lfOllllc d.l '\il\.1 Copyright © 20W by Heliana Angotti-Salgueiro Titulo do original em frances: La casaque d'Arlequin: Belo Horizon/e, line capitale eclectique au I9' siCcle, Paris, Ed. de I'EHESS, 1997· Fieha eatalogrifiea ebborada pela Associac;ao Brasileira das Ediroras Universidrias (Abeu) Ango[[i-Salgueiro, Heliana A Casaea do Arlequim: Belo Horizonte, uma Capital Ecletiea do Soeulo XIX / Hdiana Angottj-Salgueiro. - Sao Paulo: Editora da Universidade de Sao Paulo; Bela Horizonte: Editora UFMG, 2.020. 608 p.; il.; 19,\ x 2\,\ em. Inclui imagens, lism de imagens. bibliografia. ISBN 978-8\-3'4-1733-7 (Edusp) ISBN 978-8\-423-0039-0 (Editora UFMG) 1. Arquitetura. 2.. Urbanismo. 3. Hist6ria da cidade. 4. Bela Horizonre - Hist6ria. I. Titulo. Direitos reservados a Edusp - Editora da Universidade de Sao Paulo Rua da Pra,a do Relogio, 109-A, Cidade Universitiria 05508-050 - Sao Paulo - SP - Brasil Divisao Comercial: tel. (II) 3091-4008 / 3091-4150 www.edusp.com.br- e-mail: edusp@usp.br Editora UFMG Av.Antonio Carios, 6627 - CAD II / Bloco III,Campus Pampulha 31270-901 - Belo Horizonte - MG - Brasil Tel: (31) 3409-4650 www.editoraufmg.com.br - e-mail: editora@ufmg.br Printed in Brazil 2020 Foi feito 0 deposito legal Sumaria Agradecimentos 10 Lista de Abreviaturas II Apresentacrao a Edicrao Brasileira: Repensar Historias - 0 Exerdcio Autorreflexivo Hoje 13 Introducrao: Da Retorica de uma Geracrao a Demarche do Historiador 49 Uma Capital para Minas Gerais 52 Histr5ria da Arte, Histr5ria da Cidade 54 Uma Experiencia do alhar e da Caminhada 57 PRIMEIRA PARTE o Organizador: 0 Engenheiro Aarao Reis, da Escola Politecnica ao Sonho de uma Utopia Urbana 61 I. Formacrao, Pensamento e Acrao de Aarao Reis: Cientismo e Utopia 65 2. A Paisagem do Sdbio: 0 Estudo das Localidades Indicadas para Sediar a Capital 83 3· A Montagem do Sonho - Comissao Construtora: Racionalidade Positiva e Divergencias Pollticas ror 7 4· Do Caminho das Mulas ao Caminho dos Homens: A Planta da Cidade Moderna II3 Fontes, Compara[oes, Mudan[as 12..9 s· A Memoria Criada: Da Natureza ao Construido - Imagens de Propaganda 151 6. Figuras da Pitria: A Simbolica do Espa~o Republicano 169 7· Desapropria~6es e Segrega~ao Urbana: A Capital Artificial ou a Cidade Vazia 189 8. Engenheiros e Arquiteros na Cidade: As Condi~6es de um Debate 201 SEGUNDA PARTE o Criador: 0 Arquitero Jose de Magalhaes, do Horizonte Parisiense da Ecole des Beaux-Arts a Sua Obra Capital 215 9. A Admissao na Ecole des Beaux-Arts 219 Daumet, 0 Mestre do EcLetismo Moderado 229 Principios do Ensino na Segunda Classe: Uma Arquitetura em Fragmentos 239 ro. A Arquitetura e Seu Lugar 249 Entorno Paisagistico: Arquitetura-Natureza 257 Dimensao e Escala: "0 Grande no Pequeno" 268 II. Composi~ao, Legibilidade e "Promenade Arquitetural" 279 Os "Meios de Comunica[do" 288 12. Estilo: Uma ~estao de Cardter e de Decor 295 Conhecer um Programa ... e Executa-lo de Outra Maneira 307 13. 0 Discurso da Referencia: Do Modelo a Sua Transforma~ao 321 14- A Paris de Magalhaes 333 IS. Os Materiais de Constru~ao e os Desafios do Canteiro de Obras 349 Uma "Estetica Barata": Do Provis6rio ao Eflmero 366 s TERCEIRA PARTE OS Praticos: A Cidade Construida ou 0 Triunfo dos Mestres de Obras 373 16. Discursos, Institui<;oes e Formas de umaArquitetura Progressista: A Longa Dura<;ao do Classico, ou 0 Vignola ao Alcance de Todos 377 17· 0 Ecletismo: "Anarquia", Liberdade e Industria - 0 "Estilo Atual" 40S 18. 0 Cosmopolitismo e a Busca do Nacional: Representa<;oes e Vicissi tudes Estilisticas 433 o Pais do Barroco Convertido ao Neog6tico 448 19· Ouro Preto: A Saida do Contexto Colonial 46S o Plano de Melhoramentos Urbanos 473 As TransformalfoesArquiteturais 476 20. A Arquitetura Civil da Nova Capital: As Casas-tipo ou a Variedade na Uniformidade 497 21. Luiz Olivieri: A Liberty de Ser Ecletico - Escala-detalhe SI9 Conclusao: A Arquitetura e Seu Publico: A Cidade Representada e a Cidade Vivida 5S3 Um Cendrio de Desacordos SS4 Imagibilidade, Transformalfao, Metamorfose S62 "0 Olho que Passeia pela Cidade" 568 Fontes e Bibliografia 575 Lista e Creditos das Imagens 599 Lista de Abreviaturas A-IEPHA Arquivo do Instituto Estadual do Patrimonio Historico e Artistico de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG). A-IPHAN Arquivo do Instituto Estadual do Patrimonio Historico e Artistico Nacional, Rio de Janeiro (RJ). APCBH Arquivo Publico da Cidade de Belo Horizonte (MG). APM Arquivo Publico Mineiro, Belo Horizonte (MG). ARSS Actes de fa recherche en sciencessociales. GEL Commissdo d'Estudo das Locafidades Indicadas para a Nova Capital (Relatorio da ...), Rio de Janeiro (RJ), Imprensa Nacional, jan.-maio 1893. CNMHS Caisse nationale des monuments historiques et des sites. GRA Les cahiers de la recherchearchitecturale et urbaine. EBA Ecole des Beaux-Arts (Ecole Nationale Superieure des Beaux-Arts, Paris.) ]SAH Journal of the Society of Architectural Historians. LGM La construction moderne, Paris, 1885-192.2.. MHAB Arquivo do Museu Historico Abilio Barreto, Belo Horizonte (MG). RAPM Revista do Arquivo Publico Mineiro, Belo Horizonte (MG), ana XXXIII, 1982. e ana XXXVI,1985· RGA Revue generale de l'architecture et des trava ux publics, Paris, 184°-1886. RGT Revista Geral dos Trabalhos (Commissao Constructora da Nova Capital), Rio de Janeiro, Lombaerst & c., n. I, abr. 1895, e n. II, ago. 1895. RIHGB Revista do Instituto Historico e GeograficoBrasileiro. RIMG Revista Industrial de Minas Geraes, Ouro Preto (MG), 1893-1897. II Estilo: Uma ~estao de Cardter e de Decor CAPITULO 12 A ordem escolhida deve-se aplicar 0 melhor possivel ao cardter da composirdo. Enunciado de exerdcio para a segunda classe da Ecole des Beaux-Arts de Paris, 1887. A ~alavra estilo e raramente mencionada nos textos dos exerdcios da Ecole des Beaux-Arts. Ela esra implkita, sobretudo, como urn valor expressivo associando forma e cariter, uniao que embasa 0 conceito de estilo na arquitetura do seculo XIX'. No meio oficial academico, 0 cardter ainda e entendido, na epoca de Jose de Magalhaes, como expressao subjetiva l. Nao e meu prop6siro estudar as no~6es do titulo deste capitulo alem de sua aplica~ao nos enunciadosde concursos da Ecole des BeaLLx-Arrse na obra de Jose de Magalhaes. Para urn enfoque das mudan~as de significado dessas no~6es ao longo da hist6ria da arquitetura, consultei: \'V'erner Szambien, Symet1'ie, gout, caractere. Theorie et terminologie de l'architecture a fage classique I550-ISOO, 1986; Donald Drew Egbert, The Beaux-arts Tradition in French flrchitature, 1980, pp. 121-138; Ignasi de Sola-Morales Rubi6, "From Memory to Abstraction: Architectonic Imitation in the Beaux-arts Tradition", 1981; Colin Rowe, "Cha- racter and Composition, or Some Vicissitudes of Architectural Vocabulary in the Nineteenth Century", 1974, pp. 41-60; Georges Gromort, Essai sur la t/Jeorie de l'architecture: coursproftsst! a l'Ecole Superieure des Beaux-Arts, caps. VI eVIl, 1983; Meyer Shapiro, "La notion de style", 1982, pp. 35-85. 2. Ver a formula~ao sistematica da teo ria dos caracteres em arquitetura em ~atremere de ~incy, Encyclo- pedie mithodique: architecture, 1788. Urn estudo mais aprofundado deve remontar a Germain Boffrand (1667-1754) e Jacques-Fran~ois Blonde! (1705-1774) no que se refere as associa~6es cadter-expressao, cariter-genero. A diversidade das tipologias especificas a cada edificio e a expressividade simb6lica da arquitetura parlante, que se originam no idea rio neoclassico, se cristalizam no seculo XIX. Ver Werner Szambien, em Symetrie, got1t, caractere, "Vers une esthetique de la perception", 1986, pp. 174-199. 2f)5 A comparac;:ao de imagens da escadaria do castelo de Chantilly restau- rado por Daumet [FIG. 70) com as desenhadas por Magalhaes e seus sucessores em Belo Horizonte mostra, no caso do primeiro, a progressao da "serie de quadros", signo da dinamica segundo a qual a arquitetura se revela como a arte de agenciar os espac;:osa percorrer, convidando 0 visitante a continuar a caminhadal'. No Palacio da Liberdade [FIG. 71), no entanto, ao atingirmos 0 patamar, a percepc;:ao dos espac;:ossequenciais (en enfilade) e bloqueada se as portas das salas de representac;:ao do salao e da sala de jantar estiverem fecha- das. Em Belo Horizonte, 0 que acontece e que as escadas se constituem, por si sos, urn espeticulo visual, e que as subimos, muitas vezes, sem visualizar muito bern aonde vamos chegar. 31. A no~ao de promenade vem de Charles Garnier. nas descri~6es que de faz do seu tcatro da Opera. tcxtos fllndamentais para captar "a experiencia do movimento" atraves de um edificio beaux-arts. Vcr Charles Garnier.op. cit.. 1871; Charles Garnier. Le nouvel Opera de Paris, 1878-1881; Bruno Girveall et al.• Charles GIlI'nier: un architecte pour un empire. 2010; e Hdiana Angorti-Salgueiro, "Charles Garnier (1825-1898): Un Architect pour un Empire", 2010, pp. 323-331). A CASACA DO ARLEQUIM e abstrata das formas, dependente de uma estetica da percep~ao, que passa pela leitura das "qualidades morais", e de uma estetica relativa ao "gosto de cada seculo, de cada pais, de cada escola, de cada generO"l. Essa maneira de considerar 0 estilo marcara a concep~ao de uma epoca na qual se redescobre a hist6ria e se afirmam as nacionalidades+. Durante todo 0 seculo XIX, as "virtudes" mais lembradas nos enunciados dos concursos de segunda classe sao a "simplicidade grave" e a "elegancia ade- quada". Voltando a Belo Horizonte, vamos examinar 0 que escreve Alfredo Camarate, cujas ideias sobre a arquiterura sao analogas as de Magalhaes. Ele repetia muitas vezes nas suas cronicas, como na que comenta 0 estilo da Es- ta~ao Central, que "a simplicidade, a comodidade e 0 estritamente necessa- rio" sao mais importantes do que a estetica na nova capital;. Assim, tambem Leonce Reynaud exaltava "a busca do verdadeiro, depois a do belo"6. Esses principios herdados das Luzes, retomados por Durand7 e confirmados pelos racionalistas persistiram e tiveram uma boa difusao no Brasil por intermedio da Escola Politecnica, como ja observei. Assim, quando Aarao Reis explica as formas da Esta~ao Central de Belo Horizonte, ele observa que procurou nao lhe dar "suntuosidades descabidas, nem mesmo luxo ardstico dispensavel, mas toda a elegancia, todo 0 conforto e todas as comodidades, cujas faltas seriam imperdoaveis na esta~ao de uma cidade que vai ser edificada ao abrir 0 seculo XX"8. Ao descreve-Ia, Camarate reitera a notivel caracteristica de 3· A expressao e de Q::.atremere de Q::.incy, "Style", 1832apud Werner Szambien, op. cit., 1986, p. 203. Style e tambem ai sinonimo de maniere, apesar de esta ultima palavra ser romada num sentido mais restrito, "apli- dve! seja it execUl;:aoda obra seja ao talento do artista". Eugene Emannuel Viollet-le-Duc, no Dictiormaire historique (t. VIII), refere-se a estilo como "ajusta aplica~ao da forma ao objero e a seu emprego ou fun~ao", c ainda como "a manifesta~ao de um ideal estabelecido em um principio': mas e!e ace ita a classifica~ao historicista de sua epoca. 4· Leonce Reynaud enuncia que 0 estilo e "primeiro a epoca, e 0 homem em seguida': buscando defini-Io pelo "espiriro [ou seja pe!o carater moral] da arquitetura em rela~ao a algumas das gran des epocas de sua hist6ria" (Leonce Reynaud, Trait! d'architecture, 187), pp. 86-88). Ver tambem Georges Gromort, op. cit., 1983, pp. 149-1)0. 5· Alfredo Camarate, "Por Montes e Vales", 198), p. 8) (cronic;!, 27 maio 1894). 6. Leonce Reynaud, op. cit., 1875, p.). 7. Em rela~ao ao peso dos prindpios de "utilidade, efidcia e economia" na doutrina de Jean-Nicolas-Louis Durand, vcr Donald Drew Egbert, op. cit., 1980, p. 48. Para Durand, a comodidade e aplidvel a todo tipo de edificio e racionalizada como "convcniencia" no seculo XVlII: a distribui~ao e a arranjo dcvem se rela- cionar com a fun~ao. Para os edificios publicos, Etienne-Louis Boullee (1728-1799) associa a comodidade a marcha "simples e faci! da distribui~ao". Cf. Werner Szambien, op. cit., 1986, p. 91. 8. "Exposi~ao Apresentada ao Excelendssimo Sr. Dr. CrispimJacques Bias Fortes, Presidente do Estado, peIo Engenheiro Civil Aarao Reis, ao DeLxar 0 Cargo de Engenheiro-chefe, em 22 de Maio de 189)", 1895b, p.26. A CASACA DO ARLE~l.w [... ] sua fei<raoeminentemente pritica, emoldurada numa arquitetura simples e relativamente economica, e que, no meio da sua economia e simplicidade, apre- senta grande elegancia no agrupamento de linhas, grande clareza no aspecto exterior e que faz saltar aos olhos 0 fim a que e destinado 0 edificio, e, sobretudo, uma grande comodidade; destas comodidades que nao se arreiam com ostenta- <roesde requintado conforto e que se traduzem por tudo quanto e necessario e nada mais do que 0 estritamente neceSSariO!9 Em geral, 0 conceito neoclassico de arquitetura parlante resiste apoiado nos prindpios racionalistas, enquanto as invoca~6es morais e historic as de estilo e as descri~6es formalistas perdem terreno em nome da a£lrma~ao da rela~ao tipologia-programa, ponto essencial do discurso a partir de meados do seculo XIX. A presen~a de certos motivos permite "adivinhar diante de que genero de monumento nos nos encontramos"IO. Em Belo Horizonte, Ca- marate declara: "Atualmente, aceito qualquer estilo arquitet6nico, desde que manifeste, logo ao primeiro aspecto, 0 £lm a que 0 edificio e destinado por dentro e desde que ele satisfa~a as multiplices exigencias da comodidade e da higiene"lI. E busca justificar que, se a esta~ao de entroncamento apresenta urn aspecto arquitet6nico externo que "arquitetos mais ou men os diplomados poderao achar que [...] nao corresponda absolutamente ao primeiro preceito da arquitetura moderna [ou seja], que urn edificio indique, logo no primeiro relancear de olhos pelo seu exterior, 0 £lm a que e destin ado por dentro [...], a arquitetura das esta~6es de estrada de ferro tern ainda outros preceitos mais atendiveis", levados em considera~ao por Magalhaes, e ditados por Aarao Reis e pelo corpo de engenheiros: "a comodidade do publico". Alem disso, segundo o cronista, 0 arquiteto "escreveu as varia~6es desse tema brilhantemente, mas sempre com os bons classicos de outrora, respeitando, na fuga dos rendilhados e ornamentosdas varia~6es, 0 casco e contextura do tern a inicial"I2. Porem, nao se deve esquecer que a palavra estilo responde, no caso particular dessa esta~ao, a uma inten~ao explicita: a busca de uma forma incomum, urn trian- gulo curvo [REVER FIG. 48, P. 253) e uma adapta~ao ao terreno. 9. Alfredo Camarate, op. cit., 1985, p. 85 (cronica, 27 maio 1894). 10. Georges Gromon, op. cit., 1983, p. 138. II. Alfredo Camarate, op. cit., 1985, p. 78 (cronica, 27 maio 1894). Essa concep~ao ji estava consolidada (c born lembrar), nos auto res classicos do seculo XVIII. Fran~ois Blonde! (1618-1686) considerava que 0 ca- rater era mais importante que 0 estilo e que urn edificio devia ter urn efeito satisfatorio correspondendo ao seu genero. 12. Idem, p. 129. Todas essas cita~oes servem para mostrar 0 emaranhado dos conceitos de estilo, carater e/ou programa e dicor, conceitos que nao busco separar, pois, no seculo XIX, alem de estarem absolutamente ligados, ainda se associam a outras questoes essenciais, como as das ordens de arquitetura. Nos exerdcios da Ecole des Beaux-Arts, as ordens podem tanto definir estilisticamente urn edificio, como serem impostas pelo programa: a natureza do monumento determina se a ordem "e mais ou menos rica, mais ou men os grave".Deve-se notar tambem que 0 estilo de uma ordem se torna denomina- ~ao de estilo tout court, como observamos em certas descri~oes da arquitetura de Belo Horizonte. 0 fato de apresentar capiteis corintios define uma fachada como pertencendo a esse estilo e, segundo tal raciodnio, num unico edificio sao identificados mais de urn estilo: "na parte inferior urn estilo dorico e na parte superior urn estilo corintio", enquanto uma fachada e "sem estilo", pois nao comporta nenhuma ordem de arquitetura'l. 0 conhecimento das ordens e 0 ponto principal dos enunciados dos concursos de segunda dasse, sobre- tudo os de elementos analiticos, como ja analisamos. Essa questao nos inte- ressaparticularmente devido ao significativo emprego que Magalhaes confere as ordens em seus projetos e por ser central nos manuais de arquitetura que circulavam na epoca - tema a ser tratado na terceira parte deste livro. o estudo das ordens compreende duas questoes importantes para a ana- lise do edetismo: a enfase dada ao fragmento - isto e, 0 estudo dos moti- vos dassicos - e a escolha - e mesmo 0 "jogo" -, previstos e sugeridos aos alunos-arquitetos, ainda que de forma teoricamente normativa. Os detalhes fragmentados, muitas vezes descritos nos programas da Ecole des Beaux-Arts, confirmam apratica de urn processo de recorte de partes no desenho: "deve-se fazer urn quarto do capitel e da base das colunas do portico, 0 perfil do coroa- mento das janelas [...J a eleva~ao e 0 corte da cornija do coroamento, a qual sera construida em madeira, a semelhan~a das cornijas toscanas dos palacios de Floren~a"'4. Na Ecole des Beaux-Arts, aprendia-se sempre a indicar 0 desenho da de- cora~ao au trait, sobretudo no corte, e os motivos dassicos eram con stante- mente mencionados em detalhe nos enunciados: "Uma fachada de carater nobre [...J coroada por uma grande cornija corintia completa, isto e, com 13. As descri~6es sao da entao chamada Secretaria de Finan~as e da Imprensa Olicia!. Ver A. M. Pinto, Mo- nografia de Belo Horizonte, 1902, pp. 12-14. 14. A)S2-134 EBA, "Concours d'dements analytiques: La fa~ade et Ie portique d'une villa", 9 ago. 1878. A CASACA DO ARLE~IM modilhoes, denticulos e molduras ornadas de esculturas"15. Mesmo as edili- ca<roesdos circos e pavilhoes deviam comportar uma decora<rao externa cor- respondente a uma ordem de arquitetura. Apesar das queixas contrarias dos arquitetos mais racionalistas, os novos programas continuavam submetidos a essa pratica e os antigos textos te6ricos propostos aos alunos faziam sempre referencias as ordens: a exemplo os de James Stuart e Nicholas Revett "que mostram uma gam a completa das ordens gregas, com propor<r0es e pedis de molduras (modenatures) bern diferentes das ordens modernas derivadas dos modelos romanos"16. Reconhece-se nos projetos de Magalhaes para Belo Horizonte motivos convencionais do decor clissico: cornijas, frontoes, entablamentos, arqui- traves, pilastras ... A presen<ra de alguns desses elementos e predeterminada quase juridicamente, pois mencionada nas determina<roes para as edifica<roes da Comissao Construtora, ou nas posturas urbanas, tanto para a arquitetura publica como para a privada. Os textos pedem explicitamente a coloca<rao de falsos iticos - a onipresente platibanda'7 - e de cornijas, praticamente obri- gat6rias, cujo emprego se justifica em termos de funcionalidade e de higiene para evitar a infiltra<rao causada pelas iguas pluviais. Para as secretarias do Estado, Magalhaes emprega as ordens na composi<rao das fachadas marcadas por bossagens continuas, jogando com os motivos clissicos convencionais _ consoles em profusao, balaustradas, pilastras e cornijas -, cuja superposi<rao IS· A]S2-I34 EBA, "Concours d'e!ements analytiques: La fa~ade de l'hote! d'un riche particulier", 10 ago. 1877. 16. Claude Mignot, "Ordres de I'architecture", 1985, p. 655. 17· A maioria dos textos sobre arquitetura no Brasil emprega a palavra platibanda em vez de dtico, mas 0 Methode et vocabulaire de l'architecture do IGMRAF mosua a diferen~a entre esses dois termos na Fran~a. Atico e urn "coroamento horizontal colocado acima do entablamento de uma cornija e geralmente de uma base, formado de urn corpo retangular mais largo do que alto".]a a platibanda (plate-bande) e uma especie de moldura que contorna portas e janelas, "massa aparelhada, isto e, em relevo, colo cad a sobre as aberturas, que pode ter varias form as". 0 dicionario Le Robert (1986) a define como "moldura chata, uniforme e pouco saliente - linteau ou arquitrave formando uma faixa horizontal sem ornamentos". 0 dicionario brasileiro Aurelio (1975) da as mesmas defini~6es. A palavra dtico e, pois, apropriada para 0 coroamento, que assume 0 aspecto de urn falso-atico na arquitetura brasileira, tern urn pape! ornamental e serve para esconder 0 telhado da eleva~ao principal (podendo tambem assumir a fun~ao utilitiria de esconder as calhas). Apesar do termo consagrado no Brasil ser platibanda, optei, quando escrevi 0 rexto original deste livro em frances, pelo mais correto, dtico, ou, por vezes,_folso-dtico, dtico ornamental ou dtico-esconde-telhado. Contudo, ao traduzir esre livro, consultei urn dicionario mais recente, 0 Houaiss, edi~ao de 2009, que data a palavraplatibanda em 1881, e a define com aque!e significado consagrado aqui: "especie de mureta construida na parte mais alta das paredes externas de uma constru~iio, para proteger e ornamentar a fachada': em bora nao deixe de informar seu sentido etimol6gico frances, plate-bande, como uma "moldura chata e unida, mais larga que saliente".]a dtico, na arquitetura, e definido no Houaiss como "coroamento ornamental da fachada de urn edificio destin ado a ocultar a nascen~a do telhado", defini~ao que confirmou minha op~ao. SECUNDA PARTE FIG. 72. Detalhe de fachada lateral da ex-Secretaria de Via~ao e Obras publicas. Belo Horizonre. acentua fortemente efeitos de redobramento e de molduras em relevo (mou- luration) [FIG. 72]. Em outro detalhe decorativo classico - as ondas, chamadas em frances flots ou posteslS, ornamento comum no seculo XIX -, a falta de relevo e uma total simplifica<;:aoda textura sao dados, certamente, aos limites da mao de obra, problema que tratarei mais adiante. A maneira como Maga- lhaes as aplica como urn friso entre as janelas da fachada lateral da Secretaria de Via<;:aoe Obras Pliblicas, bern como a distribui<;:ao dos cheios e vazios nas demais fachadas, resultam em combina<;:6es que nao se inscrevem na gram a- tic a normativa da Ecole des Beaux-Arts. Nas fachadas de Belo Horizonte coloca-se 0 problema da cita<;:aoe estili- za<;:aode motivos, mais do que 0 da imita<;:ao.A combinat6ria das ordens nao parece tao racional e seletiva como a proposta nos enunciados dos exerdcios: 18. PhilippaLewis e Gillian Darley (orgs.), "\l(I'aves",1986, p. 314. Trara-se de omamenro cUssico em frisa formado pela reperi~iio de uma curva em S deirado, podendo se apresenrar em relevo, omado e floreado, ou simplesmenre gravado na alvenaria das fachadas, que Charles Blanc denomina postes e define como llma "sequencia de volllras que enconrramos muiras vezes ranro nos bandeaux da arquirerura, como nas obras de serralheria, ourivesaria, e na ceramica" (Charles Blanc, "L'an dans la parure er dans Ie vcrcmenr", 1882, p. 6). 300 A CASACA DO ARLE~IM "buscando nas duas escolas [itica e jonica], nao se deve perder de vista que cada edifi- cio tern suas qualidades e defeitos, deve-se escolher judiciosamente e descartar 0 que nao se aplica na composi<fao pedida"I9. A escolha combinatoria e uma regra na Ecole des Beaux-Arts, mas restritiva e obedecendo a uma hierarquia: "as melho- res colunas sao as da escola itica, porem 0 entablamento mais completo e realmente o jonico': Os motivos sao assim estudados de forma comparativa e historicamente di- ferenciados: distingue-se, por exemplo, 0 "dorico grego" do "dorico romano"20. Alem dis so, tratando-se de urn motivo isolado, os exerdcios preconizam urn estilo tinico: para 0 estudo completo de urn capitel co- rintio, "0 estilo sera puramente grego"2I. A escolha po de ainda supor 0 remane- jamento das ordens. Se Magalhaes se con- forma as vezes com 0 preceito tradicional da distribui<fao vertical canonic a (dorico, jonico, corintio), em outras ele "brinca" com a regra e dispoe colunas corintias no terra<fo que cobre 0 peristilo da Se- cretaria da Educa<fao (originalmente secretaria do Interior), e colunas jonicas no portico da fachada posterior da Secretaria de Via<fao e Obras Ptiblicas, originalmente Secretaria da Agricultura [FIG. 73]. Mas usa de muita liberdade quando desenha urn Palacio da Justi<fa sem ordens clissicas, com uma total independencia em rela<faoao tipo que corresponde a esse programa na Fran<fa. Os alunos-arquitetos da Ecole des Beaux-Arts aprendem tam bern a trans- por motivos de urn contexto a outro e a fazer montagens com elementos anti- gos e modernos. A pratica do reemprego e exemplificada em urn enunciado: "Urn particular, tendo adquirido vinte colunas de ordem dorica romana em mirmore branco com capiteis enriquecidos de esculturas, quer empregi-los FIG. 73. Detalhe da fachada posterior da ex-Secretaria de Via<;ao e Obras Publicas, com portico sustemado por colunas jonicas, Belo Horizome. 19· Vcr AJ-52-134 EBA, "Une etude de l'ordre ioniquc grec': 9 jan. 1880. 20. Idem (0 meslllo programa, a II jan. 1884). 21. Vcr AJ-52-134 EBA, "Une etude complere de deux chapiteaux corimhiens': Rendu, 5 ago. 1881. SEGUNDA PARTE 30I na constru~ao de urn pavilhao de lazer que pretende man dar executar em seu jardim [...]"ll. Essa pratica de inserir urn elemento antigo em uma obra nova - atemporal na historia da arte - torna-se uma demarche "arqueologica" corrente no final do seculo XIX e come~o do xx, nos procedimentos de "aqui- si~ao" e "imita~ao", proprio de colecionadores. Referir-se a estilo e tratar tambem de decor ou de ornamento, tema, no seculo XIX, de tomadas de posi~ao as mais antagonistas e ambiguas. No final dos anos 1860, as teorias dos racionalistas, como Henri Labrouste e Viollet-Ie- -Duc, perdem terreno em nome da afirma~ao de urn historicismo inscrito na demarche ecletica. Formado pela combina~ao de elementos das renascen~as italiana e francesa, e sobretudo por emprestimos aos estilos franceses dos se- culos XVII e XVIII, com uma acentua~ao de tra~os neobarrocos, esse estilo, que se denomina beaux-arts, e representado por dois prototipos: os pavilhoes do Louvre de Hector-Martin Lefuel e a Opera de Charles Garnier') - esta ultima constitui a obra central a partir da qual todo urn trabalho de apropria~ao e estiliza~ao sem fronteiras se efetuou. Esse estilo, que predominou no Segundo Imperio frances e em grande parte da Terceira Republica, afeta os projetos dos Grands Prix de Rome e, consequentemente, todos os exercicios da Ecole des Beaux-Arts e projetos de seus inumeros alunos estrangeiros. Abro aqui urn parentese para observar que a irradia~ao do estilo beaux- -arts pode resultar em solu~oes bern diferenciadas, particularmente nos Esta- dos Unidos. E assim que alguns alunos da gera~ao de Magalhaes, como Louis Sullivan, retomarao prindpios que haviam sido colocados pelo "racionalismo classico" (Henri Labrouste, Felix Duban, Victor Baltard e Antoine Vaudoyer), combinando-os ao "racionalismo pitoresco" ou ao neogotico ingles (Augus- tus Welby Pugin e John Ruskin), resultando na cria~ao de edifica~oes origi- nais. Na concep~ao organica e funcional do ornamento de Louis Sullivan, arquitetura e escultura se fundem nas formas, e as referencias metaforicas respondem nao apenas a natureza do programa, mas constituem em si uma "ornamenta~ao da constru~ao, e nao uma constru~ao do ornamento"'+. Sobre esse ponto, Reynaud ja escrevia, em 1850, que, como na natureza, a "orna- 22. Ver AJ'S2-134 EBA, 'Temploi de vingt colonnes d'ordre dorique", 3 ago. 1883· 23. Ver Donald Drew Egbert, op. cit., 1980, pp. 60-61. 24. Ver, a rcspeito de Louis Sullivan, 0 catilogo, cujo titulo e bem pertinente, de David Van Zanten, Louis Sul- livan: The Function o/Ornament, 1986. A expressao e atribuida a Frank Furness na pigina 23, mas ela ja ha- via sido empregada nesse sentido por Owen Jones: "Nao encontramos ornamento superfiuo na natureza, mas encontramos nela sempre a decora~ao subordinada it constru~ao e jamais a constru~ao subordinada it decora~ao". Transcrito por Cesar Daly, "Des principes essentiels de la composition des ornemenrs", 1857, 302 A CASACA DO ARLEQ.!!IM menta<iao e urn acessorio da superficie que se molda ao fundo e que acentua, anima e embeleza"25_As bases teoricas e formais de Sullivan passam ainda por Victor Ruprich-Robert, mas os ornamentos, como os que caracterizam seus desenhos, s6 terio uma presen~a sutH, e mesmo tardia, nos enunciados dos concursos de segunda classe: "[ ...] 0 acanto nao eo dos capiteis romanos [e sim] 0 acanto selvagem, espinhoso, com as extremidades agudas"26. No en- tanto, a sobrevida das teorias racionalistas do ornamento entre os alunos e uma exce<iaodepois do Segundo Imperio frances, a tendencia geral da epoca e a do emprego do decor sobreposto, anonimo e simbolico. Em Belo Horizonte, nos edificios publicos desenhados por Magalhaes, os ornamentos sao aplicados convencionalmente e nao vao alem de recorda<ioes alegoricas rudimentares dos programas: mascaras e trofeus de instrumentos musicais na fachada do Cassino, medalhoes, efigie da Republica e brasoes para as secretarias e 0 Palacio Presidencial. Depois da dissolu<iao da Comissao Construtora, na maio ria dos edificios publicos e em quase todas as edifica<ioes privadas, 0 decor, agora fabricado em serie, se revestira, cada vez mais de uma conota<iao social de prestigio, do que de fun<iao. "0 ec1eticismo arquitetural moderno" e reconhecido por Camarate como o estilo de elei<iaoda nova capital, "fei<iaoquase geral dos edificios construidos na segunda metade do seculo"27• Mas, na maio ria dos textos, 0 termo ecletismo nao e empregado; faz-se referencia ao "estilo Renascen<ia" (para 0 palacio), ou "corintio" (para as secretarias), identifica<ioes analiticas que tom am por base urn motivo ou suas variantes empregadas nas fachadas. Em rela<iao ao interior dos edificios publicos de Belo Horizonte, a palavra estilo assume urn significado mais historico, design ando a decora<iao: "Luis xv" para a sala de jantar e 0 quarto, "Luis xvI" para 0 salao de honra, "renascen<ia" para a biblio- teca - dependencias do palacio Presidencial28. Na Fran<ia, Garnier e Havard tinham dito que "cada pe<iadevia ter urn estilo historico particular adequado a sua fun<iao: 0 rococo para 0 quarto de dormir, 0 barroco para os vestibulos e col. 68. As concep~6es de Viollet-le-Duc a respeiro da decora~ao organica ligada a estrurura seguem essa mesma linha. Ver Eugene-Emmanuel Viollet-le-Duc,"Style': t. 8, 1866. 25. Uoncc Reynaud, op. cit., 1875, p. 10. 26. Ver AJ-52-134 EBA, "Concours d'e!ements analytiques: 'Un petit arc de triomphe decore d'un ordre corin- thien grec''', 7 mar. 1890. 27. Alfredo Camarate, op. cit., 1985, p. 85. 28. A. M. Pinto, op. cit., 1902. Na Fran~a, a mesma pritica e observada. Ver Georges Duby (org.), Histoire de la France urbaine, t. 4: La ville de l'age industriel (Ie cycle haussmannien), 1983, pp. 212-213. SEGUNDA PARTE 303 sal6es e os estilos exoticos para as salas de fumar etc."l9.Sao, entao, conven~6es de uso que se estendem tanto a arquitetura domestica como a arquitetura institucional1o• Na epoca da constru~ao de Belo Horizonte, os comenrarios sobre estilos na imprensa parisiense especializada variam e, as vezes, se contradizem. Eles se referem, por exemplo, a "renova~ao das tradi~6es classic as" e a "interpreta~ao e aplica~ao num edificio moderno dos mais puros elementos da arquitetura antiga"ll. Porem, alguns anos antes, a mesma revista registrava numerosas queixas contra a indiferen~a na associa~ao entre estilo e cariter, enxergando ai 0 aparecimento de urn "ecletismo falso", de uma "anarquia artistica". Essa critica sobre a "variedade de cariter e de estilo" demonstra a persistencia de certos tra~os no trabalho dos alunos da Ecole des Beaux-Arts: Uns tern 0 olho ainda mergulhado nas lembran<;:as da Id.lia [... j corn tra<;:osdas pranchas de Letarouilly [... j, sonho ji ultrapassado; outros enxergam ern tudo urn pretexto para aplicar as teorias racionalistas que recolhem sem as aprofundar, citando passagens do Dictionnaire, a biblia gatica, quase sempre mal interpre- tada. Villas de Percier e Fontaine ou sacristias neogaticas sao os tipos que tendem a se eternizar, contraditoriamente, na luta estf!ril de retrospectivas devo<;:6es.Hi tarn bern uma terceira categoria [... j, a mais numerosa [... j, cujo ceticismo e 0 ecletismo estao acima das convic<;:6esdas demais [... j estes cultivam, segundo a situa<;:aoe 0 humor do momento, a Antiguidade, a Renascen<;:a ou a Idade Me- dia. Chegam frequentemente a urn pot-pourri de todos os estilos e caracteres, de todos os procedimentos de estrutura: e isso misturando, bern ou mal, uma salada de todos os materiais, os mais heterogeneos [... j, meLi-meLo de sabores disparates [...j, pastiches inconscientes ..Y Mais de vinte anos depois de sua permanencia em Paris, Magalhaes se lembra dessas criticas ao desenhar os projetos para Belo Horizonte, tentando 29. Observa~ao de David Van Zanten, Desiging Paris: The Architecture o/Duban, Labrouste, Duc and '0zudo- yer, 1987, p. 233. Sobre a analise de cada pe~a da casa de acordo com a atividade social que ela abriga, ver Henry Havard, Lart dans la maison, 1883. 30. Ver Cesar Daly, Architecture p"ivte sous Napoleon III apud David Van Zanten, op. cit., 1987, p. 233. 31. LCM, II maio 1895, p. 375. 32. "Ecole des Beaux-Arts", 1891, p. 133. Trata-se de urn born exemplo do julgamento critico negativo e pessimista do seculo XIX a respeito dele mesmo. Voltarei a essa questao de forma mais aprofundada no capitulo 17. 304 A CASACA DO ARL£~IM racionalizar a decora<;:ao ern seu ecletismo. Na maio ria dos casos, ele busca uma adequa<;:aoentre estilo, carater e decor. A questao do estilo pode, finalmente, ser analisada de forma mais pontual na diferen<;:aentre os projetos de Reis e os de Magalhaes. Se compararmos o anteprojeto do Palacio Presidencial proposto pelo engenheiro Aarao Reis e as modifica<;:oes introduzidas urn ana depois pelo arquiteto Jose de Ma- galhaes, evidencia-se, claramente, 0 peso dos conhecimentos pedag6gicos adquiridos na Ecole des Beaux-Arts por este ultimo [REVER FIGS. 38 E 41, PP. 212 E 233). Enquanto 0 primeiro baseia sua planta ern Percier, corn rerangulos enfileirados, e serve-se de f6rmulas gdficas regulares e simetricas de Durand, corn a eleva<;:aocalcada no modelo palladiano simplificado, corrente na Es- cola Politecnica do Rio de Janeiro, Magalhaes, por sua vez, mesmo mantendo essas lin has gerais, acrescenta-lhes urn toque beaux-arts: "embeleza" os deta- lhes e redesenha 0 edificio recorrendo a ourra linguagem. Ainda que a planta permane<;:a quase a mesma, a valoriza<;:ao do antecorpo, a adi<;:aodas torres cilindricas de angulo e 0 levantamento do teto mudam completamente as propor<;:oes da fachada [FIGS. 74-75). A transforma<;:ao consistiu ern arquiteturalizar as partes e 0 todo, concebi- dos antes por Aarao Reis de modo simplificado. Magalhaes retoca os motivos e acrescenta outros, capazes de operar urn efeito diferente de escala. Reconhe- cemos no seu desenho 0 metodo da Ecole des Beaux-Arts, que consiste ern relacionar uma serie de elementos: ramp as curvas de acesso, p6rticos, vesti- bulos, criando uma l6gica de composi<;:ao que acentua a circula<;:ao;isto e, ele transforma os corpos de passagem laterais com terra<;:ossimples de pavilhoes do primeiro andar ern loggie coroadas por cupulas de metal bern decoradas, "convertendo" as aberturas centrais e laterais em serlianas contraidas. Outras modifica<;:oes confirmam as diferen<;:asentre os dois projetos: as pedras de angulo dentadas concebidas por Aarao Reis sao, na versao de Ma- galhaes, substituidas por granito cinza ern bossagem continua que recobre toda a fachada; 0 vestibulo da escadaria e real<;:adopor uma cupula ern ferro e os volumes se individualizam claramente, criando ritmos de pavilhoes des- continuos nas laterais. As modifica<;:oes impostas ao projeto original de Reis traduzem a diferen<;:ada interpreta<;:ao de urn programa, entre urn engenheiro formado no pais e urn arquiteto que estudou fora. No Brasil, a passagem para novas formas sera tipica da era republicana ern certos programas. Mais ou menos radicais, essas modifica<;:oes advem da im- portancia de "mudar de estilo" que, muitas vezes, nao vai aIem das mudan<;:as SECUNDA PARTE 305 _ . .-y :£a ftu.~.,~"3..k-.,.un C $~,,~o.tl.'\-f"l;raf...,. .. "r~·5'1.u, .e......;...;.~.\& 8_&ya ..f de decor, sobretudo em regioes distantes e com recursos limitados. As partes mais faceis de modificar, copiar e acrescentar - vaos, coroamentos, balcoes, aticos - sao suficientes para constituir urn "novo estilo". Concep<;ao que vai de encontro aos teoricos, racionalistas e academicos, para os quais "de tal he nao e estilo"33- concep<;ao que, porem, e propria a pratica arquitetural do fim do seculo XIX. No Brasil, 0 decor de circunstancia ou a simples modifica<;ao de elementos de fachada acaba constituindo urn carater moral comum as obras, urn signo de epoca, "omro estilo". CONHECER UM PROGRAMA ... E EXECUTA-LO DE OUTRA MANEIRA Uma das marcas do estiLo e prim eiramen te a adordo da forma conveniente a cada edificio [ ..} A igreja ndo separece com a pre- fiitura; esta ndo pode se confundir com um asilo, nem 0 asilo com um castelo, 0 castelo com um palacio, um palacio com a casa de um burgues. EUGENE-EMMANUEL VIOLLET-LE-Duc, "Style", 1868. Conforme ja enunciei, a acep<;ao de programa e tradicionalmente associada a de "carater" e mesmo, muitas vezes, a de "estilo", tanto nos textos de par- tidarios da Ecole des Beaux-Arts como nas declara<;oes de seus adversarios: "~ando uma obra de arquitetura indica claramente 0 uso a que e destinada, pode-se dizer que ela tern estilo"l+. 0 que significa que se deve mostrar de maneira explicita os tra<;os pertinentes a cada programa: os diferentes tipos de edificios devem cada urn exibir seu carater especificol1. 33· A expressao e de Georges Gromort, op. cit., 1983, pp. 155-156. Entre os mais "radicais", Viollet-le-Duc se pronuncia afirmando que e 0 "acaso" ou a "fantasia" que guiam 0 artista quando de "coloca frontoes sobre aberturas nas paredes [... J intercalando cornijas salientes entre os andares [... J, e aplica uma ordem em uma parede que nao precisa dela [... J Se isso nao e a fantasia, seria 0 que costumamos chamar vulgarmente de gosto que conduz a essas atitudes contdrias it razao [... J Acreditar que se trata de estilo [... Jla on de a forma nao passa de urnresultado da memoria carregada de urn tanto de motivos escolhidos a torte e a direita, e uma ilusao" (Eugene Emannuel Viollet-le-Duc, 1868). A respeito dessa tendencia, comentada em rela~ao ao trabalho de arquitetos presentes no Salao de 1878, ver Encyclopedie d'architecture, serie 2, vol. VII, 1878, p. 58. 34· Eugene Emannuel Viollet-le-Duc, op. cit., 1868, p. 500. Uonce Reynaud faz tambem considera~oes sobre programa na rubrica "Style" (op. cit., 1875, pp. 86 e ss.). 35· Ver Donald Drew Egbert, op. cit., 1980, pp. 122-123. Georges Gromort afirma que "0 carater e obtido fazendo tudo para que 0 edificio se classifique na sua categoria, assemelhando-se a um tipo corrente da mesma" (op. cit., 1983, p. 138). Seria entao 0 que Claude Mignot denomina "tipologias exemplares", expres- sao criada para designar os novos programas que se definiram a partir da segunda metade do scculo XIX. SECUNDA PARTE FIG. 74. Palacio da Liberdade, Belo Horizonte. FIG. 75. Desenho da fachada lateral do Palacio da Liberdade, Belo Horizonte, projeto de Jose de Magalhaes, 1895. 307 Para os alunos de segunda classe, tratava-se, sobretudo, de saber distinguir entre uma "pequena casa burguesa': "ahabitac;ao de urn escultor celebre", "uma casa de descanso para a guarda municipal" e "urn pavilhao de repouso para urn sabio"; entre os edificios publicos, saber diferenciar uma "pequena prefeitura" e urn "palacio de justic;a", urn "ode on" e urn "teatro"36, 0 enunciado especifi- cava a distribuic;ao segundo as necessidades praticas do programa, ainda que a expressao particular de cada edificio nao estivesse sempre muito clara, As nuanc;as diferenciais estavam ligadas a questoes funcionais de uso, e pouco se tratava daquelas especificas a forma: "urn cassino e antes urn local de diverti- mento do que de utilidade"l7, E claro tambem que a destinac;ao do edificio de- termina 0 tipo de decorac;ao, por vezes expressa em termos morais: "Para uma capela de urn asilo de 6rfaos [a decorac;ao] tanto interna quanto externa [,',] deve encerrar a riqueza arquitetural compativel com agravidade do tema"l8, Os temas propostos aos alunos de segunda classe sao semelhantes aos que eles praticam nos atelies preparat6rios e nos concursos de admissao, Ap6s in- gressarem na Ecole des Beaux-Arts, as semelhanc;as em relac;ao aos concursos da primeira classe inscrevem-se num repert6rio de programas que seguem uma ordem hierarquica, sendo por vezes ligados a atualidade politica39, Po- rem, em geral, certo conservadorismo oriundo da tradic;ao oficial dos Grands Prix refletia-se nos programas mensais que, sob Lesueur (1873-1883) e Guil- laume (1883-1898), sao repetitivos, "care cern de imaginac;ao"40 , 36. Entre os programas manuscritos de segunda classe levantados observei algumas tcndencias e exce~6cs, significarivas para 0 pedodo. Entre os pcquenos programas que evocam lugares idealizados adequados a cad a metier, tern os: "uma casa para urn compositor de musica", "urn atelie para urn pintor-vidreiro", "urn atelie para urn arrista lirico". Entre 0 raros temas humanitarios ou urilitarios: "uma sala aquecida, ornada de um portico para refllgio das classes menDs afortunadas", "uma escola primaria", "a casa da guarda dos bombeiros". Em rela~ao a persistencia dos ideais culturais das Luzes, pede-se: "urn portico para a leitura em um passeio publico", "um edificio destinado a um curso de astronomia para ser usado por pessoas de uma sociedade distinta". Entre as vis6es rom:lnticas de situa~6es privilegiadas, estio: "uma sala para refei~6es de veriio em urn parque" e "uma residencia principesca". 37. Ver A]-52-134 EBA,"Concours d'elements analytiques, 1876-1890", 6 maio 18S!. 38. Ver A]-52-!25 EBA, "Concours d'admission, architecture", 9 dez. 1846.0 grifo e meu, referente a term os que se op6em. 39. Se a arquitetura do Segundo Imperio frances e marcada pela preocupa~ao da situa~ao urbana do edificio e do decor ostentatorio, a Terceira Republica acentua uma renova~ao dos simbolos e a afirma~ao do nacio- nalismo. Os temas dos Grands Prix de Rome de 1876 a 1880 - um palacio das artes, um ateneu para uma cidade-capital, uma catedral, urn conservatorio de musica e de declama~io para uma grande capital e um hospital para crian~as doentes - sio reveladores da impordincia dos edificios publicos para a Ecole des Beaux-Arts, lugar de aprendizado para os arquitetos do governo. Ver Donald Drew Egbert, op. cit., 1980, pp. 139-145. 40.AnnieJacques, "The Programs of the Architectural Section of the EBA, 1819-1914",1982, p. 65. Os aurores A CASACA DO ARLEQ!:IIM De fato, no imago do sistema beaux-arts, os program as seguem a hierar- quia defendida em alguns tratados classicos. Vitruvio coloca a arquitetura publica antes da arquitetura privada e Leon Battista Alberti estabelece uma ordem de importincia entre os tn~sgeneros de constru<;:oes: os edificios publi- cos e os destin ados aos notiveis precedem os atribuidos as pessoas do povo+I • Palladio e Gabriel tambem hierarquizaram a arquitetura, retomando a tra- di<;:aoque, ainda no seculo XIX, e transmitida aos Grands Prix de Rome e pes a na pratica dos alunos-arquitetos da Ecole des Beaux-Arts: primeiro, os programas dos edificios monumentais para "0 rei, 0 Estado e a Igreja", aqueles com "valores permanentes e universais", enquanto as constru<;:oes que servem as "fun<;:oesutilitirias e requerem economia, e as de particulares, destinadas as classes inferiores", sao consideradas menos importantes+>. o treino para executar os programas oficiais adquirido na Ecole des Beaux- -Arts conferia prestigio a seus alunos, tidos como os unicos capazes de se en- carre gar de encomendas "nobres" e oficiais. ~ando Jose de Magalhaes volta ao Brasil, ele ocupa diversos cargos no Rio de Janeiro como arquiteto munici- pal, seguindo a tradi<;:aode outros paises que reservam esse cargo aos antigos alunos da Ecole des Beaux-Arts. A frequencia ao atelie de Pierre-Jerome-Ho- nore Daumet pode ser considerada ideal para iniciar-se no conhecimento dos programas de arquitetura publica, po is esse professor era arquiteto-chefe do Conseil des Bitiments Civils, encarregando-se da dire<;:aode obras sig- nificativas. Assim, no Rio de Janeiro, Magalhaes e solicitado para elaborar relat6rios criticos sobre as constru<;:oes oficiais, participar de comissoes como membro de juri de concursos e estar a frente de constru<;:oes, a ponto de lhe ser atribuida a implanta<;:ao de uma arquitetura "progressista" nos anos 1880 no Rio de Janeir04l• Alem do engenheiro Aarao Reis renunciar a seus pr6prios projetos para Belo Horizonte em nome de urn "verdadeiro arquiteto",Jose de Magalhaes, acrescente-se 0 aval de referencias constantes nos textos da epoca a sua passagem pela Ecole des Beaux-Arts de Paris, que confirma seu prestigio. 56 rrararam dos rem as dos exames da primeira classe. As datas entre parenteses referem-se aos anos dos program as analisados. 41. Sobre esse rema e para 0 que se segue, ver Donald Drew Egbert, op. cit., 1980, capitulo "Theory of Design", especialmente a p. 100. 42.Jdem, p. 101.\Xferner Szambien observa que, para a epoca classica, 0 dicionario de Daviler distingue entre os edificios de residencia e os de pompa. Ele lembra ainda 0 pape! do decor (conforme a fun~ao) para edificios publicos. Ver \Xferner Szambien, op. cit., 1986, p. 88. 1550continua valido para roda a hist6ria dos program as no seculo XIX. 43. Sobre essa questao, ver a rerceira parte deste livro. A par das criticas de seu tempo, Magalhaes assim se exprime em relat6rio sobre a Camara Municipal do Rio de Janeiro: Urn edificio qualquer e sempre motivado por urn tema, por uma distribui<fao especial, filha de sua necessidade, que the impoe uma forma consequente e ca- racteristica. 0 tema, isto e, 0 p1'ograma do edificio [compreende] a reuniao das reparti<foes[...], a distribui<faodos sellScompartimentos do modo mais conve- niente a cada urn dos seus fins, resultando como natural consequencia, pelo de- senvolvimento de suas formas [a caracteriza<fao],0 fim moral desteedificioH . A essa concep<rao acrescenta-se a critica dos defeitos detectados na obra: "Os tres elementos constitutivos de urn edificio [...J a distribuifao, aforma ea construfao, nem sao os mais convenientes, nem os mais acertados". Magalhaes tenta resolver essa questao nos ediRcios publicos que ele projeta para Belo Horizonte, e consegue, sobrerudo dispor os eixos de circula<rao, habilidade maior de urn arquiteto encarregado de tais obras. A importancia de 0 programa de urn edificio ser imediatamente percebido pela sua forma extern a ou pelas conyen<r6es estilisticas nao e uma novidade, mas no seculo XIX isso se toma urn leitmotiv nos textos. Alfredo Camarate considera que "0 primeiro preceito de arquitetura modern a e que urn edificio indique, logo ao primeiro relancear de olhos pelo seu exterior, 0 £lm a que e destinado por dentro"4,. Muitos problemas se colocavam no Brasil nesse ambito: 0 carater efemero do uso dos edificios, que, as vezes antes mesmo de estarem prontos, mudavam de fun<r6es, e a multiplicidade de usos destinada a urn s6 edificio. Magalhaes se quei...l;:a,quando ja trabalhava no Rio de Janeiro46 , de ser obrigado, por isso, a tours deforce na composi<rao. 44-Esse relat6rio, que nao consegui localizar. £oi parcial mente transcrito na Revista dos Constructores, ano I. n. 8, ,886, p. 1I4. A postura de Magalhac:s aprorima-se da de Leonce Reynaud em seu Traifl! d'architecture: "A questao e fazer urn edificio; sab<:mos sua fun~ao. 0 numero e a destina~ao das panes que deve conter, e, em consequencia, ate que ponto as £onnas e as dimensoes mais convenientes para cada uma delas. Esses sao os dados do problema; eo programa da composi~ao. Deve-se partir desse ponto. meditar seriamente sobre de, inteirar-se bem das exigencias do rema. arentar para as principais reparti~oes que ele compona. apreciar a imponancia e 0 delinearncmo obrigat6rio de cada uma delas, depois examinar em qual ordem elas devem se apresentar" (op. cit .. I8-S, partc l, livro I. p. 4). 45. Alfredo Camarate. op. cit .. I98S. p. Il9 (cronica. Il ago. 1894). 46. "Um arquiteto tem um edificio que consuuir [...] Dao-Ihe um programa confuso como de ordinario sao todos os programas. E for~oso sarisfazer as necessidades e os servi~os diversos. Depois de varias combina- ~oes, rendo enchido muiras folhas de rra~ados julga 0 arquiteto achar, no seu program a, uma ideia princi- pal. dominante. po de entrever 0 edificio. e como os servi~os diversos se devem sujeitar a uma disposi~ao larga. comum a todos" (Jose de i\lagalhaes apud Alfredo Camarare. op. cit .. 1985, p. 103.) As palavras de 3IO A CASACA DO ARLE~I.M Teoricamente, esses problemas nao deviam aparecer em Belo Horizonte, cidade nova e planejada. Porem, 0 edificio da delegacia de policia foi destinado primeiro para alojar a Imprensa Oficial. E, se a mesma fachada e conservada, a distribui<rao muda para acomodar-se a nova fun<rao,atrasando os trabalhos de acabamento+7 • Em 1900, ainda se criticava essa pratica viciosa de adapta<roes e o fato de serem "frequentes em nosso pais as obras de transforma<rao que nao conseguem dar aos edificios a disposi<rao exigida por seu destino especial e, as vezes, nem mesmo 0 aspecto arquitetonico caracteristico"+8. Apesar do consenso cosmopolita a respeito da especifica<rao de tipos, a vi- sibilidade defendida por Camarate nao parece ser uma evidencia nem e regra em Belo Horizonte. Na realidade, constatei que, em vez de uma aproxima<rao com as "tipologias exemplares" dos manuais, as eleva<r0es da maioria dos edificios da nova capital nao seguem rigorosamente as normas. 0 palacio da Justi<ra de Magalhaes parece urn mercado, urn pavilhao de exposi<rao ou uma esta<raode estrada de ferro; uma de suas esta<r0es (a triangular) se aproxima dos circos ou panoramas, a outra lembra prefeituras ou escolas de cidade- zinhas por causa de sua torre central sineira pontiaguda; ja 0 palacio presi- dencial corresponde mais ao programa dos teatros, cujo arquetipo se estende aos outros edificios do Brasil, tanto publicos como privados. As dissidencias tipologicas nao sao apenas essas: 0 hospital projetado por Magalhaes [FIG. 76) lembra urn mercado, dada a silhueta de seu telhado, ou urn liceu frances, pela disposi<rao de suas grandes janelas, ainda que a pequena porta "vignolesca" seja urn contrassenso para urn programa de edificio utilirario. Mas a obra mais "bizarra" para os canones franceses e seu observatorio meteorologico [FIG. 77), que evoca urn farol - programa conhecido dos alunos de segunda classe+9 - ou lembra uma chamine de fabrica, cuja imagem e public ada num Magalhaes sao identieas as de Viollet-Ie-Due. em 1863. no "Sixieme entretien" (Eugene Emannuel Viol- let-Ie-Due. Entretiens sur l'architecture. 1986a. p. 192). A titulo de exemplo da queixa sobre os servi~os diversos alocados em urn s6 edificio. observo que. na encomenda da Academia de Belas Artes projerada por Grandjean de Monrigny nos anos 1820. no Rio de Janeiro. consrava que 0 edificio devia abrigar. ao mesmo rempo, a Academia de Belas Arres e os Correios. 0 que nao aconteceu. No enranro. de 1831a 1836. o espa~o c partilhado entre a academia e a Tipografia Nacional. apesar das critieas a respeiro. Felix Ferreira observa que houve urn momenro em que 0 edificio devia ate abrigar os professores e suas familias: "uma verdadeira Arca de Noe" (Felix Ferreira. Bellas-artes, Estudos e Apreciafoes. 1885.p. 182). 47· Ver RIMC. ano v. n. 26. 20 ju!' 1897. p. 25. 48. Revista do Club de Engenharia. n. I, 1900. pp. 139-140. 49· 0 programa "Projets de phares (I8sl-ISS2) foi publicado por Cesar Daly na RCA e rambem esra presente nas pranchas de Uonce Reynaud. SECUNDA PARTE 3II ESTADO DE Ml JAS EMES FIG. 76. Fachada do projeto de um hospital para Belo Horizonte, projeto de Jose de Magalhaes, ,895. COMMIS~AD CO ETR'''' WRA !)A N 'I r "PIT' _ r - . .-.. FIG. 77. Observatorio meteorologico para 0 Parque Municipal de Belo Horizonre, projeto nao realizado de Jose de Magalhaes, ,895. famoso manual quando Magalhaes estava em Paris [FIG. 78) e, ainda - por que nao? - evoca a merafora da col una. E born lembrar que estamos num tempo em que se referir a normas e quase urn equivoco. Exemplos de varia<;:oesou "liberdades" sao frequentes em todos os paises. Nao se trata, aqui, de "transgressoes". Alem disso, se hi dissidencias, nao se pode atribui-Ias a urn desconhecimento de Magalhaes do repertorio de tipos. Na realidade, a legibilidade do programa reivindicada por Camarate nao passa, entao, de urn lugar-comum dos discursos. A defini<;:ao rigida e universal de normas tipologicas ji havia sido questionada na Fran<;:a. Vaudremer convidara a uma rea<;:aocontra a centraliza<;:ao absolutista de Paris (que distribui modelos e orienta a educa<;:aoardstica), pois ela apaga os tra<;:os de originalidade regional. Ele aconselha a cada regiao "mostrar suas proprias tendencias [... J sua cor local [... J buscando desenvolver 0 genio espedfico de cada lugar, apoiando-se nos usos, costumes [... J, necessidades do clima, re- cursos em materiais"50 • Observe-se 0 propalado relativismo que sempre esteve presente nos tratados de arquitetura. A questao das particularidades nacio- FIG. 78. Chamines de fabrica, programa em que se utilizava a ceram ica no revestimento decorativo. . D. R.zpport sllr la section d'architecture par M. Vaudremer (Exposition Universe/Ie de 1373), 1880, pp. 10-13. A CASACA DO ARLE~Il\.'l nais preocupava igualmente os drculos da Ecole des Beaux-Arts. Em 1878, a comissao de exames propoe como programa uma serie de quatro pavilhoes a serem construidos em na<;oesdiferentes - Sui<;a,Inglaterra, Espanha, Italia- "no estilo de arquitetura peculiar a cada urn desses paises"s'. Diante do peso desse discurso que contradiz, aparentemente, outro que the e contemporineo, o da difusao cosmopolita de tipos, por que se surpreender que Magalhaes contradiga as chamadas "tipologias exemplares"? Sua maneira particular de conceber essas tipologias nao estaria no ar do tempo, sendo urn signoque a atitude ecletica ia alem, muitas vezes, da atitude tipologica? Essa falta de clareza dos programas e assim comentada por Emile Trelat: [Em meio a] edificios sem carater ou de monumentos sem medida [...], a ins- tabilidade das praticas e a incoerencia das ideias oferecern para a arte uma base sem consistencia [...] Na ausencia de formulas plasticas concisas e fortes, tivemos program ascarregados em que 0 sentido das formas seescondia na acumula~ao de detalhes. Vimos que des cresciam em numero e variedade. 0 espirito dos arqui- tetos se fragmentava em mil cuidados pequenos e secundarios que arruinavam pouco a pouco as aptidoes artisticasS2• Devemos nos lembrar, contudo, que na falta de indica<;oes precisas sobre a encomenda, Magalhaes e levado a aplicar a pluralidade das referencias adqui- ridas durante sua experiencia europeia, buscando tipos novos. As tipologias podiam se expressar sem entraves em Belo Horizonte, onde nao existia textos explicitando os programas, ou memorias descritivas, ainda que se saiba que, na epoca, em to do projeto estava subentendido urn programa - "ponto de partida da obra" - servindo de guia ao arquitetoSl• Num pais em que as ci- dades atravessam uma fase de transforma<;oes, nao ha normas rigidas para a arquitetura, como essa do acordo entre programa e tipo. Em geral, certa falta de defini<;ao do estilo e uma caracteristica da epoca. No entanto, as secretarias e outros edificios administrativos de Belo Ho- rizonte apresentam urn ar de familia nao somente entre si, mas em rela<;ao a edificios de outras capitais brasileiras, sugerindo a existencia de urn corpus semelhante ligado aos modelos em circula<;ao, aos seus atores e aos contextos 51. Ver A]-52-169 EBA, "Diplomes d'architecrure - Proces-verbaux des seances de la Commission d'Examen, 1869-1894". 52. Emile Trelat, "L'architecrure contemporaine", 1880, p. 46. 53. A expressao vem de um "Compte rendu du Salon d'Architecrure'; 1878, p. 57. SECUNDA PARTE 3I5 de prodw;:ao e de execucrao das obras publicas. As fotografias publicadas em livros comemorativos da Republica, com a intencrao de difundir as imagens modernas das cidades transformadas pelo novo regimeH, propoem paisagens urbanas que formam series estilisticas, sugerindo urn consenso a respeito de proviveis "tipologias nacionais". Tomemos dois exemplos de indefinicrao ou de liberdade interpretativa de programas em Belo Horizonte. 0 primeiro refere-se a Estacrao Central, para a qual tern os no inicio do is projetos (tanto urn como outro nao serao realizados), mas sim urn terceiro tipo bern diferente. 0 segundo exemplo refere-se as escolas, em que falta a uniformidade de tipos, sobretudo nos pri- meiros anos da cidade55• Observe-se que algumas edificacroes mostram uma arquitetura feita por partes, cuja pluralidade de exemplos sugere a realizacrao de urn hiperecletismo, igualmente ao nivel de programa. A presencra de urn elemento pre-fabricado semelhante - teto metilico em ab6bada -, coroando duas escolas de estilo diferente, e muito aleat6ria para que se possa pensar em uma tipologia. Em Minas Gerais, 0 grande movimento de construcrao de escolas coman- dado pelo estado situa-se, sobretudo, no comecro do seculo xx, e os tipos correntes se enquadram no chamado "neoclassicismo provincial"s6, ji presente no seculo XIX em outros programas. Muitas vezes, apenas se completam as fachadas com alegorias ou ornamentos simb6licos nos frontoes, como vimos. Nesse caso, pode-se dizer que 0 detalhe define 0 programaS7• ~anto ao tipo 54. Refiro-me a ilbuns como Marie Robinson \'{fright, The New Brazil, 1901. 55· 0 governo federalista republicano em forma~ao nao manifesta preocupa~ao social ou cultural pela popu- la~ao. Logo, nao cria uma tipologia para as escolas como na Fran~a, onde 0 ensino publico e obrigat6rio e constiruiu 0 emblema da Terceira Repllblica. Ver Anne-Marie Chitelet, Les ecolesprimaires parisiermes I370-I9I4: definition etelaboration d'lIn equipement, 1991. Em 1914,0 arquitero Araujo Viana observa como e tardia a pesquisa para um programa ripico para as escolas elemenrares no Rio de Janeiro. Ver Ernesto da Cunha de Araujo Viana, "A Arquiterura e a Arte Ornamental: Fases de seu Desenvolvirnento no Brasil", 1914, p. 110. Sobre tipos para as escolas, especialrnenre em Sao Paulo, na passagern da Monarquia para a Republica, ver Hugo Segawa, Constrrtf'io de Ordens: UmAspecto dtlArquitetura no Brasil I303-1930, 1988. 56. Uma pesquisa paralcla, a partir de forografias, sabre escalas de diversas municipalidades de Minas Gerais (cuja maioria ji foi dernolida) em romo de 1925 evidenciou 0 reconhecimenro de um ripo cujos rra~os principais nao se limitam as escolas. Esse estilo caracteriza-se por constru~6es baixas, sobre por6es com se- teiras gradeadas (ou respiradouros), cujas fachadas sao marcadas por linhas ortogonais, nas quais pilasrras de ordens chissicas alrernam-se com janelas retangulares em arco-pleno com rimpanos em leque. Observei ainda a presen~a de cornijas e, sobrerudo, de irico com front6es e balausrres ornadas de comporeiras e de esraruas nos acroterios. Esse esrilo, muiras vezes denominado neaclassico no Brasil, pede uma analise mais cuidada, que reromo na terceira parte deste livro. 5- Sabre a questao da legibilidade, ou idenrifica~ao dos programas a partir de simples detalhes, omamentos, e nao de uma tipologia marcante, urn critico observa no Rio de Janeiro que: "Se 0 tempo destruir os em- A CASACA DO ARLE~IM das escolas superiores de Belo Horizonte, ele se aproxima do das demais es- colas, se bern que em outra escala e a urn outro nivel de distribui<;:ao e de ornamenta<;:ao - esse exemplo atesta a longa dura<;:aodos tra<;:osde urn certo neoclassicismo no Brasil que persiste alem da no<;:aode programa seja sob formas sumarias, seja em projetos mais elaborados, como pano de fun do ao ecletismo da era republicana. A a<;:ao"modernizadora" desse periodo nao chega a institucionalizar os programas para que possamos distinguir tipologias preestabelecidas, alem de reformas, ou da constru<;:aode alguns edificios administrativos. 1ssoconcerne especialmente aos palacios de governadores dos estados, que permanecem como obras prioritirias sob urn regime que necessita se impor visualmente. A Republica brasileira deve se afirmar em cada estado pela imagem de seus palacios, cujo modelo e marcado por referencias plurais: no genero palacio de exposi<;:ao,nas estiliza<;:6esde capit6lios e no prot6tipo simplificado dos teatros franceses do seculo XIX (que e 0 caso de Belo Horizonte). Contudo, se a forma<;:aoe a procedencia dos construtores sao, em geral, diversas, e se os enunci ados dos programas sao raros e pouco explicitos, 0 que faz com que os edificios oficiais das capitais dos estados do Brasil tenham todos urn "ar de familia"? Alem de certos tra<;:osque podem ser remetidos a urn classicismo ecletico internacional, parece-me que e 0 canteiro de obras que constitui 0 fat or de uniformiza<;:ao, 0 contexto social de produ<;:ao passando na frente das questoes de programa e tipo. E na obra que aquilo que nao esta claro nos projetos se define ou se modifica anulando possiveis diferen<;:as;pois, se ao nivel dos projetos, engenheiros e arquitetos formados no pais partilham as mesmas referencias, 0 mesmo acontece com os empreiteiros, pintores, es- tucadores e pedreiros (italianos na maioria). Sao, sobretudo, esses ultimos que difundem seus conhecimentos, pois eles circulam de uma constru<;:ao a outra, nos principais canteiros de obras do eixo centro-suI do Brasil. Assim e que a ausencia de uma codifica<;:aode program as nao impede que, no plano da constru<;:ao, uma pritica normativa conjuntural de certa unidade visual as cidades republicanas. Os te6ricos da arquitetura frances a tinham 0 costume de lembrar que urn edificio deve ser a imagem de sua sociedade e que 0 estilo deve ser, antes de tudo, do seu tempo. Nesse sentido, nao e surpreendente que, se, em Belo blernas, ninguern podera associar urn cdificio it sua fun~ao" (Luiz Schreiner, "Discursos sobreas Obras da Nova Pra~a do Cornercio: 30 abr. 1884", 1884a, p. 84). SEGUNDA PARTE ]I7 - -- ----.::._-:_----::::._-.----=---------=--=-===+P COUJil8GAnGot{l:itnUml~~l'1 lJuAl'fI'A ..!I.P_~!!h~,U!!rll.1 i: "I r•••••.•.•,J.o.' •••.•.• ODoJ- .•.••.•. (>..,j, ••.••• / -~.. FIG. 79. Planra do Palacio de Justi~a, projeto de Jose de Magalhaes, 1895. Horizonte, em vez de se pensar em uma questao de programa ou de estilo, 0 que esra em jogo e a passagem a modernidade: 0 ecletismo nao aparece, assim, por acasol8 , Trata-se de exibir a nova arquitetura no espac;:ourbano, de mostrar a transformac;:ao. As construc;:6es execuradas, assim como "a organizac;:ao dos tipos gerais dos edificios a serem adotados em divers os pontos da cidade nova': tern 0 objetivo explicito de "garantir 0 efeito ardstico dos monumentos e dos edificios publicos" submetidos "a regras arquiteturais"19. As especiflcac;:6esdes- sas regras nao sao, porem, dadas, alem do faro de terem de "ser modern os",E a 58. Na epoca da funda~ao de Belo Horizonte, inicia·se 0 processo de moderniza~ao das cidades. 0 momento culminante sera 0 do embelezamento da capital do pais, Rio de Janeiro, em 1904, com a abertura da avenida Central. Sobre 0 rema, vcr 0 rrabalho pioneiro de Giovanna Rosso del Brenna (org.), 0 Rio de Janeiro de Pereira Passos: Uma Cidade em 0lestdo, 1985. Em meio as meramorfoses das cidades, cuja rem- poralidade na~ e linear, deve-se levar em conca sua rcla~ao com as estruturas de historicidade locais, nao se pod en do esperar que tenha havido uma teoriza~ao sobre programas no pais. 59· Derermina~6es enunciadas formalmence em RGT II, ago. 1895, p. 79. A CASACA DO ARLE~I1-.-1 CROQUIS O'ARCHITECTURE IIlTIHE-CL:.J8 i :";: 1,3 Pubhcnllon .M.cnul.Idle ::';ONCOUPS POUR !.E PALAISDEJUST1CE DE CHARLEROI (VoorN'VI'F6) I PLAN DU R_P.Z-DE-CilAUsoEE l insistencia sobre OS "efeitos artisticos" demonstra que as construc;:6es da nova capital devem, sobretudo, representar os novos tempos. Nesse sentido, e sintomatico que os unicos edificios que ilustram a revista da Comissao Construtora, acompanhados de uma descric;:aodetalhada, sejam os das estac;:6es.Elas constituem 0 programa mais representativo da epoca, 0 signo da passagem do antigo ao modemo, a imagem do progresso. Alem desse valor simb6lico, sua construc;:ao responde a uma escolha pragmatica e prio- ritaria: com a estrada de ferro tudo circula - dos materiais para os canteiros de obras a mao de obra imigrante que desembarca na cidade. A descric;:aoda chegada do trem no sertao confirma que 0 impacto da imagem conta mais do que a novidade da tipologia. Ela se inscreve, ainda, na modernidade, evocando quase uma cena de cinema pelo movimento e pela imagem efemera: Esta ascetica localidade tern, pon::m,quatro minutos no dia em que se transforma em paragem movimentada, com assomesde civiliza<rao;e quando passa 0 trem de SECUNDA PARTE ..J"-. .). / :N !~,LBEP7 3 .. LLU [')(.1'_1[' : t:'xccunor FIG. 80. Planta de um Palacio de Justi~a, Charleroi (Belgica), 1877. A distribuic;ao de pec;as em "imagem-espelho': com a circulac;ao ao longo dos patios, e codificada em tais programas. JIg ferro de Sabara para Santa Luzia e de Santa Luzia para Sabari; viagem redonda que, por enquanto, tern duas edi<foes,0 que produz alternadamente quatro mi- nutos de cenografia animada e movimentada; talvez movimentada demais, por- que 0 trem de ferro descreve a graciosa curva em que desenha por aquele local, a todo vapor, transformando, por consequencia, aquela apari<faonuma apoteose de magica, que passa sempre a fugir pelos olhos dos espectadores para escamo- tea<faoda imperfei<faodas minucias e da economia dos fogos de Bengala, que iluminam e a engrandecem60• Os projetos das duas estac;:6esde Belo Horizonte, tao diversos entre si, nao devem ser analisados simplesmente como sinal de falta de definic;:ao ou de des conhecimento da tipologia de estac;:6es;pois, primeiro, a distribuic;:ao e a comodidade proprias a esse programa sao obedecidas; segundo, porque a variedade das fachadas e a resposta ecletica de alguem que escolhe 0 estilo de acordo com 0 caso: urn revival historico (neorrenascenc;:a) para a Estac;:ao Central situada na cidade, e uma tentativa inovadora sob varios pontos (busca de adequac;:ao ao sitio, adoc;:aode tipologia pitoresca e emprego de novos ma- teriais) para a estac;:aode entroncamento situada fora do perimetro urbano. Concluindo a respeito de programa, voltemos ao Palacio de Justic;:ade Ma- galhaes [FIG. 79] que nos permite reiterar a import:lncia da planta no sistema pedagogico da Ecole des Beaux-Arts, pois a soluc;:aoapresentada responde as normas funcionais para esse tipo de edificio. Basta confronra-Io aos projetos franceses premiados nos concursos publicos do tempo em que Magalhaes fa- zia seu aprendizado [FIG. 80]. Go.Alfredo Camarate, op. cit .. 1985. p. 128 (cronica. 12 ago. (894). 320 A CASACA DO ARLEo..!:!IM
Compartilhar