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' HISTÓRIA CRÍTICA DA ARQUITETURA MODERNA HISTÓRIA CRÍTICA DA ARQUITETURA MODERNA Kenneth Frampton Tradução: Jefferson Luiz (amargo Revisão técnica: Jul1o F1scher Martins Fontes São Paulo 2003 t.'sta ohro foi publicada or(í?inafmeme em inglês com o tíllllo MODERN ARCJJITECfURt:- A aitiC'a/ ,·iew P11hlicmlo por acordo estabt'leciclo nmt Tlramt•s mu//ludsvn, Lo11dres . Copyr(f!llt <O 1980. / 9{{5, 1992 T ftomes ond N11dson LuJ . Londres . Copyrigltt ® /997. l..h·roria Martins FonteJ Editom Ltda .. Sáo JJaulv. pura a prest'lltt' t•diçtio. 1• edição wtnnhm dt• 1997 .1~ li r<:~gcm owubro de 2003 Revis:.lo grá fica Sandra Rodri{:ll l'S Garcia Célia Re,.-:ina Camargo Produção gráfica Gt•raldo Aln·s Pagin:t ~·~to!Fololi los Studio 3 V est'm'ol••imemo Editorial C:1pa Katia Htmuni Termuka llados lnlcmacionais de Cala logação na Publioação (CIP) (Câ mara Brasileira do Li\'ro, SP, Ura"il) Fr:unpton, K!!nnelh Hi-.lün.t lTilit·a da arquile!Um modema I Kennelh Fr.un pton t radu..,,,, , kllcr .... on Lu i.-: C amargo . - São Paulo : Martin-; font es. \997. TÍiulo origmal : Modem art hite~lurc ; a critil.:al view. ll ihlingralia. I SB~ S5-33ó -0750-4 1. Arq uiretum moderna - lli s1ó ri.1 I. T ítu lo . 97-4103 Índict-s para catá logo s istemático: l. Arqu itcrura modema : Hi~tória críti ca 724 CDD-724 Todos os rlirritos drsta ed irâo para a línRua pnrtu fi tu'sa rrsen ·arlos à /..ivraria Martins Fontes J::ditora Ltcla. Rua Conselheiro Ramalho. 3301340 0 1325-000 São Paulo SP llrasil Te/. (1/)3241.3677 f (tx(/1)3105/J/!67 e·mail: info@,man insfontes.com.hr http:lluww.martiJBfontes.com.br ÍNDICE PREFÁC IO À TERCEIRA EDIÇÃO VIl INTRODUÇÃO IX PARTE I : Evoluções culturais e técnicas predisponentes, 1750-1939 1 I Transformações cul tura is: a a rquitetura neoclássica, 1750-1900 3 2 Transformações territoriais: evolução urbana, 1800-1 909 13 3 Transformações técnicas: engenharia estrutural, 1775- 1939 25 PARTE 2: Uma história crítica, 1836-1967 39 1 otícias de lugar nenhum: Inglaterra, 1836- 1924 4 1 2 Adler c Sull ivan: o Audi torium e a grande ascensão, 1886-1895 53 3 Frank Lloyd Wright c o m ito da pradaria. 1890-1916 61 4 O Racionalismo Estrutura l e a in fluência de Viollct-lc-Duc: Gaudí. Horta. Guimard c Bcrlage, 1880- 19 1 O 69 5 Charles Rennie Mackintosh e a Escola de G lasgow, 1896-1 9 16 81 6 A primavera sagrada: Wagner, O lbrich c Hoffmann, 1886- 19 12 87 7 Antonio Sant ' Eiia e a Arquitetura Futurista, 1909- 14 95 8 Ado! f Loos c a crise da cultura, 1896-1 93 1 103 9 Henry van de Ve ldc c a abstração da empatia, 1895-1 914 111 I O Tony Garn icr c a Cidade Industrial, 1899-1 9 18 11 7 I I Augustc Pcrrct: a evolução do Raciona lismo Clássico, 1899- 1925 123 12 O Dcutschc Werkbund, 1898- 1927 129 13 A Cadeia de Cristal: o Expressionismo arquitetônico europeu, 1910-25 139 14 A Bauhaus: a evolução de uma idéia, 19 19-32 147 15 A nova objctividade: Alemanha, Holanda e Suíça, 1923-33 157 16 De Stijl: evolução e disso lução do coplasticismo, 19 17-3 1 171 17 Lc Corbusier e o Espri t ouveau, 1907-31 179 18 Mies van der Rohc c a importância do fato, 1921-33 193 19 A nova coletividadc: arte c arquitetura na União Soviética. 19 18-32 201 20 Lc Corbusicr e a Ville Radieuse, 1928-46 215 2 1 Frank Lloyd Wright e a C idade Evancsccntc. 1929-63 225 22 Alvar Aalto c a tradição nórdica: o Romant ismo Naciona l c a sensibilidade dórica, 1895- 1957 233 23 Giuscppc Tcrragni e a arquitetura do Racionalismo ita liano, 1926-43 247 24 Arquitctura c Estado: ideologia e representação, 1914-43 255 25 Lc Corbusicr e a monumenta lização do vernácu lo, 1930-60 271 26 Mies van der Rohe c a monumentalizaçào da técnica, 1933-67 281 27 O ecl ipse do Ncw Deal: Buckminster Fullcr, Philip Johnson e Louis Kahn, 1934-64 289 PARTE 3: Avaliação crítica e extensão até o presente, 1925-91 301 I O Estilo Internacional: tema c variações, 1925-65 303 2 O ovo Brutalismo e a arquitetura do Estado do Bcm-estar: Inglaterra, 1949-59 319 3 As vicissitudes da ideologia: os CIAM e o Team X, crítica c contracrítica, 1928-68 327 4 Lugar, produção c cenografia: teoria e prát ica internacionais desde 1962 341 5 Regionalismo crítico: arquitctura moderna e identidade cultuml 381 6 Arquitetura mundial e prática reflexiva 399 AG RADECIM ENTOS BIBLIOGRAFIA ÍNDICE REMISSIVO 419 421 455 PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO Toda histó ri a é inevitave lmente condi- cionada por um modo de abordá-la; não se pode escrever uma hi stóri a absoluta , assim como não se pode realizar uma arquitc tura absoluta - mesmo num breve período de tempo. a imagem calcidoscópica a ltera seu desenho. Portanto, se a segunda edição des- te livro terminava com uma discussão da tese experimenta l do regionalis mo críti co como um modo descentralizado de resistên- cia cul tura l, esta terceira edição evoca o tema da prática reflexiva proposta pe lo sociólogo Donald Schón , ao mesmo tempo q ue conserva uma adesão implícita a a lg u- ma forma de modelo autárquico cm que ba- sear uma prática crí t ica da a rquite tura. A esse respeito. convém recordar que clientes informados c empenhado são absoluta- mente essenciais pa ra a cultura arqu itetôni- ca. e que o grande castigo da arquitetura con- tinua sendo a imposição arbitrária da forma pe la burocracia. A apresentação da últ ima década da arqu itetura contemporâ nea traz consigo in- contáveis di ficuldades. não sendo a menor de las o problema de fazer uma seleção entre tão vasto espectro de desenvo lvimento. Assim não é possível esta r sempre atualiza- do. pois cada década produz uma nova safra de arquitetos talentosos, enquanto a geração anterior a inda está chegando à maturidade. A década passada também presenciou um progresso surpreendente da qualidade gera l da produção a rquite tôníca. Até certo ponto, sem dúv ida, isto se deve a uma ev i- den te expansão no campo das publicações, de forma que, a despe ito de seus aspectos redutores, a explosão informati va pode ser tida como bené fica. no sentido de ter eleva- do o níve l geral da cultura arquitctônica não apenas nos g randes centros. mas també m em á reas s upostamente menos desenvolvi- das do mundo. Quem for temerário o bastante para con- tinuar tentando manter um registro conciso c cont ínuo da a rquitctu ra irá con fronta r-se inevitavelmente com o pa radoxo de que, enquanto a urba nização global dos últimos vinte anos levou invariavelmente à depreda- ção ambienta l, que é quase um resultado direto da maximização tecnológica, a práti - ca arquitetônica enquanto di scurso marginal melhorou cm quase toda parte. Assim. e m- bora vivamos num tempo e m que a expan- são especu lativa das megalópolcs reduziu o desenho urbano a um non-sequifllr vi rtua l, a arq uitetura como ato crít ico cert amente conserva seu potenc ia l, especialmente cm média escala. Algumas observações adicionais devem ser fe itas. A prime ira diz respeito a o utro paradoxo - o rato de que, apesar da crise continua na formação arqu itetônica, a capa- cidade técnica e conceitua i dos expoentes da pro fi ssão é provavelmente maior hoje do que em qualquer out ra época, desde o fim da Segunda G uerra Mundial. Tenho em mente não só a excepcional capacidade dos melho- res escritório !tig!t-rec!t , mas também os ní veis de sofisticação tectónica igualmente impressionantes q ue encontramo entre as diretrizcs mais humanistas da prática arq ui- tetônica, como se evidencia na obra do mes- tre português Álvaro Siza. Há um grande VIII HISTORIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA número de arquitetos artesanais pequenos e médios intimamente comprometidos com esse gênero pelo mundo afora; é a eles que dirijo minhas desculpas, porque , se tivesse mais espaço à minha di sposição, este livro conteri a uma gama de trabalhos muito mais ampla. É claro que tenho em mente as obras recentes rea lizadas na Índia , na A ustrália, no Canadá,na América Latina e no Oriente Médio, e estou certo de que em outra edição será possível corrigir esse desequilíbrio. Finalmente, decidi responder à riqueza desafiadora desse espectro de duas manei- ras diferentes. Primeiro, ampliei a biblio- grafia de maneira que não só refl eti sse o vasto âmbito das pesquisas de campo mais recentes, mas que também indicasse, indire- tamente, a gama de obras arqu itetôni cas, que eu teria incluído se dispusesse de mais espaço. Além disso, remaneje i e ampliei o texto. O capítulo 4 da Parte 3 foi rev isto para registrar as últimas atividades da eo- vanguarda, bem como as rea lizações mais recentes dos arquitetos high-tech e daquele setor que hoje chamamos de estrutura lista. Resolvi dedica r o novo capítulo final aos trabalhos recentes em quatro países desen- volvidos, em todos os quai s podemos reco- nhecer um nível extremamente e levado da prát ica arquitetônica gera l. Esta edição é dedicada a esse nível geral de produção, c não ao culto das figuras exponenciais da ar- quitetura . Nova York, 1991 Kenneth Frampton INTRODUÇÃO Uma pintura de Klee chamada Angelus Novus mostra um a njo olhando como que a ponto de distanciar-se de alguma coisa que está con templando fixamente. Seus olhos estão arregalados, sua boca, aberta, suas asas, despregadas. É assim que se retrata o a njo da história. Seu rosto está virado para o passado. Onde percebemos um encadeamento de fa tos, ele vê uma só catástrofe, que acumula ruínas sobre ruínas e as atira a seus pés. O anJO gosta- ria de ficar, de despertar os mortos e restaurar o que foi destruído. Mas uma tormenta está soprando do Paraíso; ela fust1ga suas asas com tamanha v1olência que o anJO não consegue mais fechá-las. Essa tormenta impele-o irresisti- velmente em direção ao futuro, para o qua l suas costas estão voltadas, enquanto o monte de destroços diante dele cresce até o céu. Essa tormen ta é o que chamamos de progresso. Walter Benjamin Teses sobre a filosofia da história, 1940 Uma das primeiras tare fas a enfrentar quando se procura escrever uma história da a rquitetura moderna é estabelecer o come- ço do período. Contudo, quanto mais rigo- rosamente se procura a origem da moderni- dade, mais atrás ela parece estar. Tende-se a recuá-la, se não à Renascença, pelo menos àquele momento de meados do século XVIII em que uma nova visão da história levou os arquitetos a questionar os cânones clássicos de Vitrúvio e a documentar os vestígios do mundo antigo a fim de estabelecer uma base mais objetiva sobre a qual trabal har. Isso, junto com as ex traordinárias mudan- ças técnicas que se sucederam ao longo do século, sugere que as condições necessárias da arquitetura mode rna aparecem em al- gum momento entre o desafio, feito pe lo médico, fí s ico e arquiteto Claude Perrault no fim do século XVII, à validade universal das proporções de Vitrúvio e a cisão defini- tiva entre engenharia e arquitetura , um mo- mento que se costuma remontar à funda- ção, em Paris, da École des Ponts et Chaus- sées, a primeira esco la de engenharia , em 1747. Aqui só foi possível traçar o perfil mais sucin to dessa pré-história do Movimento Moderno. Por conseguinte, os três primei- ros capítulos devem ser lidos segundo crité- rios difere ntes daque les do resto do livro. Eles abordam as transformações culturais , territoria is e técnicas das quais emerg iu a arqu itetura moderna. apresentando breves apanhados de arquitetura, desenvolvimento urbano e engenharia que mostram como es- ses campos evoluíram entre I 750 e 1939. O s problemas críti cos a serem tratados quando se escreve uma história abrangente, mas concisa, são, em primeiro lugar, decidir que material deve ser incluído, e, em segun- do, manter a lguma coerênc ia na inte rpreta- ção dos fatos. Devo admitir que, em ambos os aspectos, não fu i tão coerente quanto desejaria ; e m parte , porque a informação muitas vezes deve ser prioritária em relação à interpretação, em parte porque nem todo o material foi estudado no mesmo grau de pro fundidade , c em parte porque minha pos- X HISTÓRIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA tu ra interpretativa variou conforme o tema considerado. Em alguns momentos, procu- re i mostrar como uma abordagem particular deriva de ci rcunstâncias soc iocconômicas ou ideológicas, enquanto cm outros restrin- gi-me à aná li se formal. Essa variação se re nete na estrutura do próprio livro, dividi- do num mosaico de pequenos capítulos que têm por objeto tanto a obra de arqu itetos parti cularmente importantes quanto desen- volvimentos coletivos de monta. Na medida do poss ível, procurei viabi- li za r a leitura do texto de mais de uma ma- neira . Assim, ele pode ser seguido como um escrito contínuo ou folheado ao acaso. En- quanto a seqüência foi organizada pensando no leitor leigo ou sem formação específica, espero que uma leitura ocasional s irva para estimular o trabalho de formação universitá- ria e seja út il para o especialista q ue deseja desenvolver um ponto específico. À parte isso, a estrutura do texto rela- ciona-se com o tom geral do livro, visto que tentei. sempre que possível, deixar os prota- gonistas fa larem por si sós. Cada capítulo é introduzido por uma citação, escolhida seja por sua apreensão de um contexto cultural part icular, seja por sua capacidade de reve- lar o conteúdo da obra. Esforcei-me por uti- lizar essas "vozes" para ilustrar de que mo- do a arquitctu ra moderna evoluiu como um esforço c ultural contínuo, e para demonstrar como certas questões podem perder sua relevância em determinado mo mento da históri a, só para retornarem mais tarde com renovado vigor. Muitas obras não-construí- das aparecem neste livro, pois para mim a história da arquite tura moderna re fere-se tanto à consciência e a intentos polêmicos quanto às próprias construções. Como muitos outros da minha geração, fu i inOuenciado pela interpretação marxista da hi tória; não obstan te . mesmo a mais apressada lei tura deste tex to reve lará que nenhum dos métodos trad icionais da análise marx ista foi aplicado. De outro lado, é ine- gável que minha afin idade com a teoria crí- tica da Escola de Frankfurt innuenciou minha visão de todo o período c proporcio- nou-me aguda consciência do lado escuro do Iluminismo, que, em nome de uma razão insensata, levou o ho mem a uma s ituação em que ele começa a ser tão alienado de sua produção como do mundo natu ral. O desenvolvimento da arquite tu ra mo- derna depois do Ilum inismo parece ter se d ividido entre a utopia da vanguarda, for- mulada pela primeira vez no início do século XIX na cidade fisiocrática ideal de Ledoux, e a atitude anticlassicista, anti-racional e an- tiutilitária da reforma cristã, declarada pela prime ira vez em 1836, nos Contrastes de Pugin. Desde e ntão, em seu esforço de transcender a divisão do trabalho e as duras rea lidades da produção e da urbanização industriais, a cultura burguesa oscilou entre os extremos de utopias totalmente planej a- das e industrializadas, de um lado, e, de ou- tro, uma negação da realidade histórica efe- tiva da produção mecânica. Conquanto todas as artes sejam limita- das, cm certo grau, pelos meios de sua pro- dução c reprodução, no caso da arquitetura isso é duplamente verdade iro, pois ela é condic ionada não apenas por se us meios técnicos, como também por forças produti - vas ex teriores a e la. Em parte alg uma isso fo i mais evidente do que no caso da cidade, onde a cisão entre arquitctura c desenvolvi- mento urbano levou a uma situação na qual a possibi lidade da primeira contribuir para a segunda, e vice-versa, por um lo ngo perío- do, tornou-se de súbito extremamente limi- tada. Cada vez mais sujeita aos imperativos de uma economia consumista em contínua expansão, a cidade perdeu em grande parte sua capac idade de manter sua importância g loba l. Que ela foi desintegrada por fo rças que escapam a seu controle, demonstra-oa rápida erosão da cidade intcriorana dos Es- tados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, como conseqüência do efei to con- junto da via expressa, do subúrbio e do su- perrnercado. O êxito c o fracasso da arqui tetura mo- derna até hoje c seu possível papel no fu tu- ro devem, final mente, ser aval iados sobre esse pano de fundo complexo. Em sua for- ma mais abstraia, a arquitetura certamente desempenho u um certo papel no empobre- cimento do ambiente, em part icular onde foi importante para a raciona liLação dos tipos c métodos de construção c onde o acabamento do material e a forma do proje- to foram rcduLidos ao menor denominador comum, a fim de baratear a produção e oti- miza r o uso. Em sua preocupação bcm-in- tenc io nada, mas às vezes equ ivocada, de assimilar as rea lidades ligadas a técnicas e processos do século XX, a arquitetura ado- tau uma ling uagem em que a expressão reside quase inteiramente cm componentes secundários. técnicos, como rampas, cami- nhos, e levadores, escadas, escadas rolantes, chaminés, tubulações c lixeiras. ada po- de ri a esta r mais di stante da ling uagem da a rquit etura c lássica , na qual essas caracte- rí sticas fi cavam invariave lmente ocu ltas atrás da fachada, e cm que o corpo princ i- pal do edificio tinha li berdade de se expri- mir - uma s upressão do fato empírico que habili tava a a rqu itetura a simbo lizar o po- der da razão através da rac iona lidade de seu próprio discurso. O funcionali smo baseou- se no princípio oposto. isto é. na redução de toda expressão à uti lidade ou aos processos de fabricação. Dadas as incursões dessa moderna tra- dição reducionista, somos hoje novamente instados a retornar às formas tradic ionais e a executar nossas novas construções - quase sem levar em conta seu status - na icono- gra fia de um ve rnác ulo kitsch. Dizem-nos que a vontade popular requer a tranq Uiliza- dora imagem de um conforto doméstico. a rtesana l, c que as referências "clássicas", apesar de abstratas, são tão incompreens í- ve i quanto presunçosas. Só raramente essa opinião crítica estende o âmbito de seu pa- recer além do problema superfi c ial do esti- lo, para pedir que a prática arquitetônica se INTRODUÇÃO XI volte novamente para o problema da criação do lugar, para uma redefinição crítica. mas c riat iva, das qualidades concretas do espaço edificado. A vulgari zação da arquitetura c seu iso- lamento progress ivo da sociedade ultima- mente levaram a disciplina a centrar-se em si mesma, de modo que hoje nos vemos diante da s ituação paradoxal em que muitos dos profiss ionais mais inteligentes c j ovens já abandonaram todas as idéias de rea lização. Em sua vertente mai s intelectual, essa ten- dência reduz os e lementos arquitctônicos a puros signos s intáticos que nada significam fora de sua operação "estrut ura l"; cm sua vertente mais nostálgica. e la celebra a perda da cidade por meio de propostas metafóricas c irâ ni cas que tanto podem projetar-se nas " imensidões astrais" q uanto estabelecer-se no espaço metafísico do esplendor urbano do século passado. Das linhas de ação ainda abe rtas à a r- quitetura contemporânea - as quais. de uma maneira ou de outra, já foram levadas à prá- tica - apenas duas parecem o ferecer a possi- bi lidade de um resultado s ignificati vo. En- quanto a primei ra de las é totalmente coe- rente com os modos de produção c consumo predominantes, a segunda se afi rma como uma oposição ponderada a esses dois mo- dos . A primeira. seguindo o idea l de Mies van der Rohc do beinahe nichts, do "quase nada". procura reduzi r o trabalho de cons- trução à categoria de desenho industrial numa esca la enorme. Visto que está preocu- pada em otimizar a produção, tem pouco ou nenhum interesse pe la c idade. Projeta um func ionalismo não-retóri co. bem embalado e bem servido, c uja vítrea "invisib ilidade" reduz a forma ao s ilênc io. Já a última é patentemente "vis ível'', e não ra ro adqu ire a forma de um reci nto de a lvenaria que esta- be lece, no âmbito de seu limitado domínio " monást ico", um conj unto razoave lmente aberto, mas ainda assim concreto. de rela- ções q ue unem o homem ao homem c o homem à natureza. O fato desse "encrave" XII HISTORIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA ser multas n:zcs mtnwcrtido c rela li\ amcn- tc indiferente ao continuo fís1co c temporal cm que está situado caractcr11a o Impulso geral dessa abordagem como uma tentativa de escapar. ainda que em parte. das perspec- lJ\as condtcttmadoras Jo Iluminismo. A meu \er. a umca esperança de um dtscurso stgntficati>o no futuro unedtato está no contato criattvo desses dois pontos de 'ista e'\tremos. fog 1 Ao lado, Sm..f11ot, Saorte·Genevot've (t•ote o Par> theon). Paros. t 755·90. polastras tranwerSdl$ reforçadas C'm 1806 por Rondelet. PARTE 1 EVOLUÇÕES CULTURAIS E TÉCNICAS PREDISPONENTES, 1750-1939 CAPÍTULO 1 O sistema barroco havia funcionado como uma espécie de dupla interseção. Contrastara freqüentemente com jardins racionalizados. fachadas decoradas com motivos vegetais. O re1no do homem e o reino da natureza por certo permaneceram distintos, mas intercam- biaram suas ca raderísticas, fundindo-se um no ou tro em benefício da ornamentação e do prestígio. Por sua vez. o parque de "estilo in- glês", em que a Intervenção do homem devia permanecer inv1sível, era destinado a oferecer mtencionalidade à natureza ; apesar de situadas no parque em SI, mas separadas dele, as casas construídas por Morris ou Adam manifestavam a vontade do homem. isolando claramente a presença da razão humana no meio dos domí- niOS irrac1ona1s da vegetação que cresce livre- mente. A Interpenetração barroca de homem e natureza era substituída agora por uma separa- ção, estabelecendo, ass1m, a distância entre ho- mem e natureza que era um pré-requisito da contemplação nostálg1ca. Agora ... essa separa- ção contemplativa surgiu como uma reação compensatóna ou expiatória contra a crescente at1tude de homens prát1cos diante da natureza. Enquanto a exploração técnica tendia a decla- rar guerra à natureza, as casas e parques tenta- vam uma reconoliação, um armistício local, in- troduzindo o sonho de uma paz Impossível; e para tanto o homem continuou a conservar a 1magem de um entorno natural intocado. Jean Starobinski L'lnvention de la liberté, 1964 A arquitctura do Neocla. sicismo parece ter surgido de duas evoluções di fc rcntes, mas Transformações culturais: a arquitetura neoclássica, 1750-1900 inter-relacionadas, que transformaram radi- calmente a relação entre o homem c a natu- reza. A primeira foi um súbito aumento da capacidade humana de exercer controle so- bre a natureza, que cm meados do século XVII já começara a extrapolar as fronteiras técnicas do Renascimento. A segunda foi uma mudança fundamental na natureza da consciência humana. cm resposta ás gran- des transformações que ocorriam na socie- dade e que deram origem a uma nova for- mação culrura l igualmente apropriada aos esti los de vida da aristocracia decadente e da burguesia ascendente. Enquanto as mu- danças tecnológicas levavam a uma nova in- fra-estrutura c à exploração de uma maior capacidade produtiva, a mudança da cons- ciência humana produzia nova categorias de conhecimento e um modo hi storicista de pensamento, renexivo o bastante para ques- tionar sua própria identidade. Enquanto uma, fundada na ciência, tomou forma imediata nas extensas obras rodoviárias c hidroviá- rias dos séculos XVII c XVIII e deu origem a novas insti tuições técnicas, como a École dcs Ponts et Chaussées, fundada cm 174 7, a outra levou ao surgimento das disciplinas hu- manistas do Iluminismo. inclu ivc as obras pioneiras da sociologia. da estética, da his- tória e da arqueologia modernas De l'és- prit des lois [Do espírito das leis], de Mon- tesquieu ( 1748), Aesthetica [Estética) de Baumgarten ( 1750), Le siec/e de Louis XJV [O século de Luís XIV) de Voltaire ( 175 1) c Geschichteder Kunst des Altertums [Histó- ria da arte antiga] de J. J. Winckelmann ( 1764). 4 HISTORIA CRITICA DA ARQU:TETURA MODERNA O excesso de elaboração da lmguagem arquitetônica nos interiores rococós do An- tigo Regime c a sccularllação do pensamen- to iluminista compeliram os arqllltctos do século X\' III, c111ào conscientes da natureza emergente e Insta\ cl de sua cpoca, a buscar um esulo autentll:o por meio de uma reava- liação prec1sa da Antiguidade O que os mo- llvm a não era sunplesmentc cop1ar o~ anti- gos. mas obedecer aos prmcip10s cm que a ohra destes se baseara. \ pcsqtusa arqueoló- gica que se desenvolveu a part1r desse im- pulso logo levou a uma grande controvérsia: cm qual das quatro culturas mediterrânicas cgipc1a. etrusca. grega ou romana de\ iam procurar o estilo autêntiw'! Gma das pnmc1ras conscqliêncw::. da reavaliação do mundo anllgo f01 ampliar o 1tmcrário do Grand Tour tradicional para além das fronteiras de Roma. de modo a es- tudar em sua pcnfcna as culturas cm que. de acordo com \'1tnh io. a arquitctura roma- na se baseava. \ descoberta c a escavação de cidades romanas cm Herculano c Pom- péia. durante a pnmc1ra metade do século X\ III, estimularam expedições para sít1os ma1s distaf1lcs. c logo se 'lsllaram os sítios !!regos ant1gos na Sicília e na (irccla O di- tame rcnasccnllsta \ llrU\ 1ano, que se dava como\ álido era o cat..:císmo do Cla~sicls mo , sena agora cotepdo com as ruínas autênticas Os desenhos cm escala publica- dos nas décadas de 1750 c 1760 cm Ruint's des plus hcau.\ 11/0IIIIIIU' III.\ de la (Jrcce [Ruí- nas dos ma1s belos monumentos da Grécia] ( 175R). de J-D. Lc Roy . . lnriqu11ll'\ o/Arhem (i\nt1guidades de Atenas] ( 176?. ). de James "ituart e N u:holas R e\ ett. c a documentação. por Robert \dam e C.-L. Clerisscau. do pa- laclo de DJOclcc1ano cm Splll ( 176-l ), ates- tam a 1ntcns1dade com que esses estudo~ eram emprccnd1do~ roi a promoção por Lc Ro) da arquttctura grega como ungem do "estilo autêntico" que suscitou a 1ra chau\ 1- nlsta do arqutlcto grmatlor italiano G1onumt Bat11sta Piranc~i . \ obra dt: Pírancsi De/la \lagmf/cen:a ecl:!rcliirellum ele· Romwu [Da magni ficên- CJa c da arqllltetura dos romanos] ( 1761) era um ataque dircto à polêmica de Le Roy: ele asse\·erav·a não apenas que os etruscos eram antcnores aos gregos. mas que. JUlHO com seus sucessores, os romanos. eles cJe\·aram a arqllltetura a seu ma1s alto ni\CI de refina- mento. A ún1ca prm a que ele pod1a apresen- tar ~:m apoio à sua pretensão eram as poucas esculturas etruscas que sobre\ I\ eram Ú'i de\ astaçõcs de Roma túmulos c obras de cngcnhana , c parece que elas oncntaram 'ISI\clmcnte o resto de sua carrc1ra. Sénc após série de gravuras. ele representou o lado escuro daquela sensação _1a classifica- da por Edmund 13urkc cm 1757 como subli- me, esse tranqiiilo terror indu11do pela con- templação do grande tamanho. da extrema ant1gu1dade c da decadência. I ssas qualida- des adquinram plena força na ohra de Pi- rancsl por meio da infinita grandc.ta das imagens que retratou. Essas nostúlgiGls Ima- gens cláss1cas eram. porém. como \lanfrc- do Tafuri observou. tratadas "como um mito a ser contestado.. com meros fragmentos. como símbolos deformados, como organis- mos alucmantcs de uma 'ordem' cm estado de decadêncm". l:ntre o Pari' ri' lu{'Archilellura [Parecer sobre a arqllltetura] de 1765 c as aguas-for- tcs de Pesto. só publ1cadas depo1s da sua morte cm 177X. Pmmcsí abandonou a ve- rosslmilhança arquítetôn1ca c deu rédea lar- ga à sua 1magmaçào. Em uma publicação após a outra, culmmando com sua obra ex- tra\agantemcntc cclcuca de ornamentação de Interiores ( 1769). entregou-se a manipu- lações alucmatónas de forma historic1sta. lnthfcrcnte a d1stmção pró-helclllca feita por\\ mckclmann entre bclc.ta inata c orna- mento gratuito. suas 111\ ençõcs delirantes c:-.crceram uma ;mação irresistivel cm seus contemporâneos, c os interiores grcco-ro- manos dos inmlos Adam de\cm mullo aos 'oos da sua unagmaçào. '1<1 Inglaterra. onde o Rococó nunca fora plenamente accllo. o 1mpulso no sentido de rcd1mir os excessos do Barroco encontra sua pnmcira express5o no Paladlanlsmo. micia- do pelo conde de Burlington, conquanto algo de um espírito purificador semelhante pos- sa ser detectado nos últimos trabalhos de icholas Hawksmoor em Cast lc Howard. Em fins da década de 1750, porém, os britâ- nicos já buscavam assiduamente instruir-se na própria Roma. onde, entre 1750 e 1765, os principais expoentes do Neoclassicismo estão residindo, do pró-romano e pró-etrusco Pi- ranesi aos pró-gregos Winckelmann e Le Roy, cuja influência ainda viri a a surtir e fe i- to. No contingente britânico hav ia James Stuart, que empregaria a ordem dórica gre- ga já em 1758, c George Dance, mais moço, que logo depois de sua volta a Londres em 1765 projetaria a penitenciária de ewgate, estrutura superficialmente piranesiana cuja organização rigorosa pode muito bem ter devido a lgo às teorias neopaladia nas da pro- porção propostas por Robe rt Morris. O de- senvolvimento final do eoclassicismo bri- tânico produziu-se primeiramente na obra do discípulo de Dance, John Soane, que sin- tet izou num g rau notáve l as várias influên- c ias derivadas de Piranesi, Adam, Dance, e mesmo do Barroco inglês. A causa do revi- va/ grego era então popularizada por Thomas Hope, cuja obra Household Fumiture and Interior Decoration [Mobi liário doméstico c decoração de interiores] ( 1807) forneceu uma versão britânica do Estilo Império na- poleônico, então sendo criado por Percier e Fontaine. Nada poderia estar mais distante da ex- periência britânica do que o desenvolvimen- to teórico que acompanhou o florescimento do eoclass ic ismo na França. Uma cons- ciência precoce da relatividade cultural em fins do século XVII induziu Claude Perrault a questionar a validade das proporções vi- truvianas do modo como elas foram recebi- das e apuradas pe la teoria c lássica. Em vez d isso, ele e laborou s ua tese de beleza positi- va e beleza arbitrária, dando à primeira o papel normativo de padronização e perfei- ção, e à última a função expressiva que pos- sa ser requerida por uma ci rcunstância ou uma característica especial. EVOLUÇOES CULTURAIS E TÉCNICAS PREDISPONENTES 5 Essa contestação da ortodoxia vi truviana foi codificada pelo abade de Cordemoy em seu Nouveau Traité de toute /'architecture [Novo tratado de toda a arquitetura] ( 1706), em que substituiu os atributos vitruvianos da arquitetura - utilitas,jirmitas e venustas [uti- lidade. solidez e beleza] - por sua trindade própria: ordonnance. distribwion c bien- séance [ordem, d istribuição e conveniência]. Enquanto as duas primeiras dessas suas ca- tegorias concern iam à proporção correta das ordens c lássicas e à sua disposição apropria- da, a terceira introduzia a noção de adequa- ção, com a qual Cordemoy alertava contra a apl icação inadequada dos elementos c lássi- cos ou honoríficos às estruturas utilitárias ou comerciais. Assim, além de ser crítico em re lação ao Barroco, que era o último esti lo retórico e públ ico do Antigo Regime, o Tra- tado de Cordemoy antec ipava a preocupação de Jacques-François Blondel com a expres- são formal apropriada e com uma fisiono- mia diferenciada para ajustar-se ao caráter social variável de diferentes tipos de cons- trução. A época já estava tendo de enfrentar a articulação de uma sociedade muito mais complexa. Além de insistir na aplicação judiciosa dos elementos clássicos, Cordemoy preocu- pava-se com sua pureza geométrica, em rea- ção contra dispositivos barrocos como a colunata irregular, os frontões quebrados e as colunas torcidas. Também a ornamentação tinha de ser submetida à adequação, e Cor- dcmoy, antecipando em duzentos anos Orna- ment und Verbrechen [Ornamento c crime] de Adolf Loos, sustentava que muitas cons- tTuções não pediam nenhum ornamento. Ti- nha preferência pela alvenaria sem colunas ou pilastras c pelasestruturas ortogonais. Pa- ra ele, a coluna livre era a essência de uma arquitetura pura, tal como se manifestou na catedral gótica e no templo grego. Em seu Essai sur /'architecture [Ensaio sobre a arquitetura] ( 1753), o abade Laugier reinterpretou Cordcmoy e propôs uma ar- qui tetura " natural" universaL consistindo a "cabana primitiva" cm quatro troncos de ár- 6 HISTORIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA vorc sustentando um telhado rústico cm ver- tente. Seguindo Cordemoy, afi rmou ser essa forma primitiva a base de uma espécie de estrutura gótica classicizada cm que não ha- veria nem arcos, nem pi lastras, nem pedes- tais, nem qualquer outro tipo de arti culação formal, e em que os interstíc ios entre as colunas deveriam ser o mais po sível fecha- dos por vidros. Essa estrutura " trans lúcida" foi realiza- da na igreja de Sainte-Geneviêve, em Paris, de autoria de Jacques-German Souffiot, ini- ciada em 1755. Souffiot, que em 1750 fora um dos primeiros arquitctos a vis itar os templos dóricos de Pesto, estava decidido a recriar a leveza, a amplidão e a proporção da arquitctura gót ica em termos clássicos (para não dizer romanos). Para tanto, ado- tau o plano cm cruz dos gregos, com a nave c as a las formadas por um sistema de cúpu- las planas e arcos semicirculares apoiados num peristilo interno contínuo. A tarefa de integrar a teoria de Cordemoy c o opus magnum de Soumot à tradição aca- dêmica francesa coube a J. F. Blondel, que, após abrir sua escola de arquitetura na Rue de la Harpe, em 1743, se tornou o mestre da chamada geração "vis ionária'' de arquitetos, que incluía Étienne-Louis Boullée, Jacques Gondoin, Pierre Patte, Marie-Joseph Peyre, Jean-Baptiste Rondelet c, provave lmente o mais vis ionário de todos, Claude-Nicolas Lcdoux. Blondc l expôs seus conceitos fun- damentais concernentes à composição, ao ripo c ao carárer cm seu Cours d 'archirec- rure (Curso de arquitetura), publicado de 1750 a 1770. Seu projeto de igreja ideal, pu- blicado no segundo volume do Cow·s . refe- ria-se a Sainte-Geneviéve c exibia com des- taque uma fachada representativa, enquanto articulava cada elemento inte rno como par- te de um sistema espacial contínuo cujas perspect ivas infinitas evocavam um sent i- mento do sublime. Esse projeto de igreja sugere a simplicidade e a g randeza que de- veriam impregnar a obra de mu itos de seus di scípulos, notadamente Boullée, que de- pois de 1772 dedicou sua vida ao projeto de edificios tão vastos que impossibilitavam sua rea lização. Além de representar o carátcr social de suas criações de acordo com os ensinamen- tos de Blondcl , Boullée evocava as sublimes emoções de terror c tranqüilidade através da grandeza de suas concepções. lnOuenciado pela obra de Lc Camus de Méz icres Génie de I 'architec/ure. ou I 'analogie de cer ar/ avec nos sensarions [O caráter da arquitetura, ou a analogia dessa arte com nossas sensações) ( 1780), começou a desenvolver seu gem·e lerrible, no qual a imensidão da perspectiva e a pureza geométrica sem adornos de for- ma monumental se combinavam de modo a promover alegria e angústia. Mais do que qualquer outro arquiteto do Iluminismo. Boullée estava obcecado com a capacidade que tinha a luz de evocar a presença do divi- no. Essa intenção é evidente no diáfano ful- gor solar que ilumina o interior de sua Me- trópo le, parcia lmente baseada cm Sainte- Gcncviéve. Uma luz semelhante é represen- tada na vasta esfera de alvenaria do ccnotá- fio que projetou para Isaac ewton, no qual de noite se suspendia, para representar o sol, um fogo que de dia era apagado para re- velar a ilusão do firmamento produzida pela luz do dia brilhando através das paredes va- zadas da esfe ra. Embora seus sentimentos políticos fos- sem solidamente republicanos, a obsessão de Boulléc era imaginar os monumentos de um Estado onipotcntc, dedicados à adoração do Ser Supremo. Ao contrário de Ledoux. não se impressionava com as utopias descentra- lizadas de Morc lly ou Jean-Jacques Rous- seau. Apesar disso, sua influência na Europa pós-revolucionária foi consideráve l. princi- palmente pela atividade de seu discípulo, Jean- icolas-Louis Durand, que reduziu suas idéias extravagantes a uma tipo logia norma- tiva c cconômica da edificação, exposta em seu Précis eles leçons données á l 'f::cole Pu- ~vteclmique [Compêndio das aulas dadas na Escola Politécnica] ( 1802- 1809). Após quinze anos de jubi losa desordem. a era napoleônica requeria estruturas úteis, F1g 2 Boullée. prOJeto de cenotáfio para Isaac Newton. c 1785 Seção "de no1te" F1g 3 Durand. combmações e permutações possive1s de formas planas. de seu Preos. 1802-1809 de grandeza e autoridade apropriadas, desde que realizadas da maneira mais barata pos- sível. Durand primeiro professor de arqui- te tura da École Polytechnique, procurou es- tabelecer uma metodologia universa l da edi- ficação, contrapartida arquite tônica do Có- digo Napoleónico, mediante a qual estrutu- ras económicas e apropriadas poderiam ser criadas pela permutação modular de tipos fixos de planta c elevações alternativas. As- sim, a obsessão de Boulléc com vastos vo- lumes platónicos foi explorada como meio de obter uma representação apropriada a um custo razoável. A crítica fei ta por Durand a Saintc-Genevicvc, por exemplo , com suas 206 colunas e 6 I 2 metros de paredes. leva- ram-no a fazer uma contraproposta para um templo circular de área comparável, que precisaria apenas de I I 2 colunas e 248 me- EVOLUÇOES CULTURAIS E TÉCNICAS PREDISPONENTE$ 7 tros de paredes - economia considerável , com a qual. segundo ele. se obteria um efei- to muito mais impressionante. Depois que sua carreira terminou com a Revolução, Ledoux voltou a desenvol ver, na prisão, o projeto da fábr ica de sal que cons- truíra para Luís XVI cm Arc-et-Senans em I 773-79. Ampliou a forma semicircular des- se complexo no núcleo representativo de s ua c idade ideal de Chaux. Esse projeto foi publicado em I 804 com o título L'Architec- ture considérée sous !e rapporr de !'ar/. des moeurs e r de la législarion [A arquitetura considerada sob o aspecto da arte, dos cos- tumes c da legislação]. A fábrica de sa l se- micircular (que ele transformou no centro oval de sua cidade) pode ser vista como um dos primeiros experimentos de arquitetura industrial, já que integrou conscientemente unidades produtivas e alojamentos operá- rios. Cada elemento desse complexo fisio- crático era representado em conformidade com seu caráter. Assim. os galpões para a evaporação do sal situados no eixo tinham o teto alto, como os edifícios agrícolas. c seu acabamento era de pedras lisas. com ador- nos rú ticos, enquanto a casa do dirctor. s i- tuada no centro, tinha tcto baixo e frontões. era toda de pedra bruta c embelezada com pórtico clássicos. Aqui c ali as paredes dos galpões de sal e das casas de operários eram realçadas com "goteiras" grotescas de água pctri fi cada. que não só simbolizavam a so- lução sal ina em que se baseava a empresa. mas s ugeriam também que o sistema produ- ti vo e a força de trabalho eram fatores do mesmo processo. Ao desenvolver imaginariamente essa tipologia limitada para inclui r todas as insti - tuições de sua cidade ideal, Ledoux amplio u a idéia de uma "fisionomia" arquitetônica para simbo lizar a intenção social de suas formas que, de outro modo, ficariam abstra- Ias . Os s igni ficados são estabelecidos seja por símbolos convencionais. como os fasees que evocam j ustiça c unidade no fórum, a chamada Pac1j ere. seja por isomorfismo, como no caso da Oikema, projetada na for- 8 HISTÓRIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA F19 4 Ledoux, odade 1deal de Chaux. 1804. ma de um pênis. Esta última estrutura era de- dicada à libertinagem, cuja curiosa finalida- de social era induzir à virtude por meio da saciedade sexual. Todo um mundo separa a transmutação racional, proposta por Durand, de elementos cláss icos recebidos da arbitrária. maspurifi- cadora reconstituição operada por Ledoux, de partes clássicas fragmentárias demonstra- das nos postos de alfândega que e le projetou para Paris entre 1785 c 1789. Essas barrie- res eram tão desvinculadas da cultura de seu tempo quanto as instituições ideali zadas de Chaux. Com sua demolição g radual depois de 1789, tiveram o mesmo destino da fron- te ira alfandegária abstrata c impopular que deveriam administrar, a Enceinte des Fer- miers Généraux, da qual se dizia: "Le mur mwr:url Paris rend Paris mtmnuranl" [O muro que mura Paris faz Paris murmurar] . Depois da Revolução, a evolução do Neoclass icismo foi em grande parte insepa- rávcl da necess idade de acomodar as novas inst ituições da sociedade burguesa c de representar o surgimento do Estado republi- cano . O fato de essas forças terem estado inic ia lmente comprometidas com a monar- quia constitucional não diminui em absolu- to o papel que o eoclassic i mo desempe- nhou na formação do estilo burguês impe- ria l. A criação do Esti lo Império napoleôni- co em Paris e da Kulturnation francófila de Frederico 11 em Berlim nada mais são que mani fcstações separadas da mesma tendên- cia cultu ral. O primeiro fez um uso ec lético de motivos antigos, fossem eles romanos, g regos ou egípcios, para criar a herança ins- tantânea de uma dinastia republicana - um estilo que se reve lou de maneira s ignificati- va nos interiores, teatralmente decorados à maneira de tenda, da época das campanhas napo leônicas, e nos sólidos ornamentos ro- manos da capita l, como a Rue de R.ivoli e o Are du Carrousel, de Percier e Fontaine, e a coluna da Placc Vendôme, de Gondoin, de- dicada à Grande Armée. a Alemanha, a tendência manifestou-se primeiro na Porta de Brandemburgo, de Carl Gotthard Lang- han, construída como entrada oeste de Ber- lim em 1793, c no projeto de Friedri ch G illy para um monumento a Frederico, o Grande, de 1797. As formas elementares de Ledoux inspiraram Gil ly a emular a severidade do dórico, fazendo eco, assim, ao poder "arcai- co" do movimento Sturm und Drang na lite- ratura a lemã. Como seu contemporâneo Friedrich Weinbrenner, projetou uma Ur- civili:ation espartana de e levado va lor mo- ra l, com a qual se celebraria o mito do Es- tado prussiano idea l. Seu notáve l monu- mento te ria adquirido a fo rma de uma acró- pole artificial na Leipzige rplatz. Quem vies- se de Potsdam entraria nesse temenos por um arco de triunfo entroncado, rematado por uma quadriga. O colega c sucessor de Gilly, o arquiteto prussiano Karl Friedrich Schinke l, foi bus- car seu entusiasmo inicial pelo gótico não em Berlim ou Paris, mas em sua experiência direta das catedrais ita lianas. Mas, depois da de rrota de Napoleão em 18 15. seu gosto românt ico foi amplamente ecl ipsado pela necess idade de encontrar uma expressão adequada para o triunfo do naciona lismo prussiano. A combinação de idealis mo polí- tico c orgulho mil itar parece ter exigido um retorno ao clássico. Em todo caso, e ra esse o estilo que ligava Schinkel não apenas a Gi lly. mas também a Durall{i, na criação de suas obras-primas em Berlim: a eue Wa- F1g 5 Sch1nkel, Altes Museum. Berlim. 1828-30. EVOLUÇOES CULTURAIS E T~CNICAS PREDISPONENTES 9 che de 18 16, o Schauspie lhaus de 182 1 c o Altes Museum de 1830. Enquanto tanto a primeira como o segundo apresentam as- pectos característicos do estilo maduro de Schinkcl - os cantos maciços de uma c as alas divid idas por pi laretos do outro , a in- fluência de Durand é mais claramente reve- lada no museu, um projeto prototípico ex- traído do Compêndio c divid ido pela meta- de, trans formação em que a rotunda central, o peristilo e os pátios são conservados e as a las laterai s e liminadas (ver p. 287). Em- bora os largos degraus da entrada e o peris- tilo, bem como as águias e os Dióscuros no teto, simbolizassem as aspirações culturais do Estado prussiano, Schinkcl afastou-se dos métodos tipológicos e representativos de Durand para criar uma articulação espacial dotada de extraordinária força e delicadeza com o largo pcri ti lo conduz indo a um pór- tico e trcito que contém uma escadaria de entrada simétrica c seu mczanino (a rranjo que seria lembrado por Mies van der Rohc). A linha principal do eoclassicismo de Blondel foi retomada em meados do século XIX na carre ira de Henri Labroustc, que es- tudara na École dcs Beaux-Arts (instituição que sucedeu à Académie Royale d'Archi- tecture depois da Revolução) com A.-L.-T. Vaudoycr, que tinha sido aluno de Peyre. Depois de conqui tar o Prêmio de Roma cm 1824, Labrouste passou os cinco anos se- gu intes na Academia Francesa dessa cidade. dedicando boa parte de seu tempo na Itá lia a estudar os templos gregos em Pesto. Inspi- rando-se no trabalho de Jakob- lgnaz Hittorff. Labrouste foi um dos primeiros a sustentar que cs as estruturas foram, em sua origem. extremamente coloridas. Isso e s ua insistên- cia no primado da estrutura e na derivação de todo ornamento da construção puseram- no em conflito com as autoridades, depois que inaugurou seu ate liê em 1830. Em 1840, Labrouste foi nomeado arqui- teto da Bibliothéque Sainte-Geneviéve, em Paris, que fora criada para abrigar parte dos livros confiscados pelo Estado francês em 10 HISTÓRIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA F1g 6. Labrouste, estantes da Bibliothêque Nationale de Pans, 1860·68 1789. Aparentemente baseado no projeto de Boullée para uma biblioteca do Palais Ma- za rin, de 1785, o projeto de Labrouste con- siste numa parede perimetral de livros en- cerrando um espaço rctilineo c suportando um tcto abobadado de estrutura de fe rro, dividido em duas metades c suportado, a lém disso, no centro do espaço. por um rcnquc de colunas de ferro. Esse racionalismo e trutural era mais refinado no sa lão de leitura principal e nas estantes que Labrouste construiu para a Bi- bliothequc ationale em 1860-68. Esse con- junto, inserido no pátio do Palais Mazarin, consiste num salão de lei tura, coberto por um teto de ferro e vidro apoiado em dezes- scis colunas de ferro fundido. e cm esta mes de vários andares de fer ro fundido trabalha- do. Dispensando qualquer vestígio de histo- ricismo, Labrouste projetou essas estantes como uma gaiola iluminada de cima, cm que a luz passa através das plataformas de ferro, do tcto ao piso té rreo. Embora essa solução derive da sa la de leitura com estan- tes de fe rro de Sydney Smirke, construída no pátio do neoclássico Museu Britânico de Robert Smirke, cm 1854, a forma precisa de sua execução impl icava uma nova estét ica, cujo potencial só cria rea li zado na obra construtivista do século XX. Em meados do século XIX, a herança neoclássica dividiu-se em duas linhas de de- senvolvimento estreitamente ligadas: o Clas- sicismo Estrutural de Labrouste c o Classi- cismo Romântico de Schinkel. Ambas as "escolas'' enfrentavam a mesma prolifera- ção de novas instituições, tí pica do Oito- centos, e tiveram de responder igualmente à tare fa de criar novos tipos de edifícios. Di- feriam muito na manei ra de realizar essas qualidades representativa : os e la sicistas estruturais tendiam a dar ênfase à estrutura linha de Cordcmoy. Laugier c Souffiot , enquanto os classicistas românticos ten- diam a ressa ltar o carátcr fisionômico da própria forma - linha de Ledoux. Boulléc e Gi lly. Enquanto. na obra de homens como E.-J. Gilbcrt e F. A. Duqucsney (que proje- tou a Gare de I'Est. Paris, cm 1852), uma "escola" parece ter se concentrado cm obras como prisões, hospita is e estações fer roviá- rias, a outra vo ltou-se mais para estruturas representat ivas, como o museu e a bibliote- ca universitários de C. R. Cockercll na ln- EVOLUÇÕES CULTURAIS E T~CNICAS PREDISPONENTES 11 g laterra, ou os monumentos mais grandio- sos e rigidos por Leo von Klcnze na Alema- nha, sobretudo o romântico Walhalla do úl- timo, te rminado em Regcnsburg cm 1842. Em termos de teoria , o C lassicismo Es- trutural começou como Traité de l'art de bâlir [Tratado da arte de construir] ( 1802) c culminou no fim do século nos escritos do engenheiro Auguste Choisy. cm particular sua Hi.woire de l"architecture [História da arquitetura] ( 1899). Para Choi y, a essência da arquitctura é a construção, e todas as transformações estilí st icas são simples con- seqüências lógicas do desenvolvimento téc- nico: ' 'Alardear vosso Art Nouvcau é ignorar todo o ensinamento da história. Não foi as- s im que os grandes estilos do passado nasce- ram. Era na sugestão da construção que o arquitcto das grandes épocas artísticas en- contrava sua mais autêntica inspiração". Choisy ilustrava a determinação estrutural de sua 1-/is lória com projeçõcs axonométri - cas que revelavam a essência de um tipo de forma numa só imagem gráfica, que com- preendia planta, corte e elevação. Como Reyncr Banham observou. essas il ustrações objctivas reduzem a arquitetura que repre- sentam à pura abstração, e era isso, além do volume de informação que intct izavam, que as tornava tão apreciadas pelo pioneiros do Movimento Moderno na virada do século. A ênfase que a história de Choisy dava à arquitctura grega c gótica era uma racionali- zação oitocentista tardia do ideal greco- gótico formulado pela primeira vez cerca de um século antes por Cordemoy. Essa projc- ção ctecenti sta da estrutura gótica na sintaxe clássica encontra seu parale lo na caracteri- zação do dórico como estrutura de madeira transposta para a alvenaria. Uma transpos i- ção cmclhante seria praticada pelo discípu- lo de Cho isy. Auguste Perrct. que insist iu em deta lhar suas estruturas de concreto ar- mado no esti lo da estrutura tradicional de madeira. Racionalista estrutural até a medula, Choisy foi capaz. porém, de responder à sensibi lidade romântica ao escrever sobre a Ftg . 7. Chotsy, projeção axonométnca de parte do Panthéon, Pans (ver ii. 1 ), extraida de sua H1sroire de l'architecture. 1899. Acrópo le: "Os gregos nunca visua lizaram um edifício sem o terreno que o emoldurava c sem os outros edifícios que o circunda- vam ... cada motivo arquitctônico, por si. é simétrico. mas cada grupo é tratado como uma paisagem cm que só as massas se equi- libram". Essa noção pitoresca de um equilíbrio parcia lmente simétrico terá sido tão estranha ao ensinamento da École des Bcaux-Ans quanto o era a abordagem politécnica deDu- rand. Ccnamentc deve ter tido uma atração limitada para Ju lien Gaudet, que cm seu cur- so Eléme/1/s e1 tltéorie de l 'archileclllre [Ele- mentos e teoria da arquitctura] procurou es- tabe lecer uma abordagem normativa da com- posição de estruturas a partir de e lementos tecnicamente atualizados c arranjados. na medida do possível. de acordo com a tradi- ção da composição axial. Foi com o ensino de Guadct na Écolc des Beaux-Ans e com sua influência sobre seus discípulos Auguste Pcrrct c Tony Garnier que os princípios da composição "clementaJi sta'' clá sica passa- ram aos arquitetos pioneiros do século XX. CAPÍTU LO 2 Transformações territoriais: evolução urbana, 1800-1909 [Com] o desenvolvimento de meios de co- municação cada vez mais abst ratos, a continui- dade de uma comunicação arra1gada é substi- tuída por novos sistemas que continuam a se aperfeiçoar ao longo do século XIX, permitindo à população maior mobilidade e proporcionan- do uma informação que é mais precisamente sincronizada com o ritmo acelerado da históna. A ferrovia, a imprensa diária e o telégrafo su- plantarão aos poucos o espaço em seu papel in formativo anterior. Françoise Choay A cidade moderna: planejamento do século XIX. 1969 A cidade finita. tal como chegou a existir na Europa ao longo dos quinhentos anos pre- cedentes, fo i totalmente transformada, no lapso de um século, pela interação de uma quantidade de forças técnicas c soc ioeconô- micas sem precedentes. muitas das quais emergiam pela primeira vez na segunda meta- de do século XVIII. Contam com destaque entre elas, de um ponto de vista técnico, ino- vações como a produção cm massa de trilhos de ferro, a partir de 1767, inventada por Abra- ham Darby, e a semeadeira mecânica para plantio em linha de Jethro Tull , cqjo uso foi generalizado depois de 173 1. Enquanto o in- vento de Darby levou ao desenvolvimento. por Henry Cort, do processo de pudlagcm para a conversão simplificada de ferro fundi- do em ferro forjado, em 1784, a máquina de Tull era essencial para o aperfeiçoamento do sistema rotativo de quatro colheitas de Charles Townshend - o princípio do "alto cultivo", que se generalizou por volta do fim do século. Essas inovações produt ivas tiveram inú- meras repercussões. No caso da meta lurgia, a produção de fe rro ing lesa multiplicou-se por quarenta entre 1750 e 1850 (alcançando dois milhões de toneladas por ano em 1850); no caso da agricultu ra, depoi s dos En- closures Act [leis para cercar as te rras) de 177 1, a lavoura ineficiente foi substituída pelo sistema de quatro colhe itas. Enquanto uma foi valorizada pelas guerras napoleôni- cas. a outra foi motivada pela necessidade de alimentar uma população industrial que cresc ia com rapidez. Ao mesmo tempo, a indústri a têxtil do- méstica, que aj udara a sustentar a economia agrária da primei ra metade do século XVIII. transformou-se rapidamente, primeiro pela máquina de fiar de James Hargreaves ( 1764 ). que aumentou muito a capacidade indivi- dual de fiação, depois pelo tear a vapor de Edmund Cartwright. utilizado pe la primeira vez na produção fabril em 1784. Este últi- mo acontec imento não apenas estabeleceu a produção têxti l como indústria em grande esca la , como levou de imed iato à invenção da fábrica de vários pavimentos e à prova de fogo. Assim, a manufatura tradic ional foi fo rçada a abandonar sua base predominan- temente ru ral e a concentrar o traba lho e a fábrica , primeiro pe rto de cursos d 'água. depois, com o advento da força motri z a va- por, perto de jazidas de carvão. Com 24 .000 teares a vapor em produção em 1820, a c i- dade manufatureira inglesa já era um fato estabelec ido. Esse processo de enra izamento - enra- cinelnent, como Simone Weil o chamou - 14 HISTÚRIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA foi posteriormente acelerado pelo uso da tração a vapor no transporte. Richard Tre- vithick foi o primeiro a fazer a demonstra- ção, em 1804, de uma locomotiva rodando em trilhos de fe rro fundido. A inauguração do primeiro serviço fe rroviário público en- tre Stockton e Darl ington, em 1825, foi se- guida pelo rápido desenvolvimento de uma infra-estrutura completamente nova: a G rã- Bretanha t inha cerca de I 0.000 milhas de ferrovias instaladas em 1860. O advento da navegação a vapor de longa distância depois de 1865 aumentou muitíss imo a migração européia para as Américas, a África e a Aus- trália. Enquanto essa migração levou a po- pulação necessária pa ra desenvolver a eco- nomia dos territórios coloniais e ocupar as cidades de planta quadriculada do Novo Mundo, em franco crescimento, a obsoles- cência militar, política e econômica da tra- dicional cidade murada européia levou, após as revoluções liberais nacionais de 1848, à demolição das muralhas e à extensão da ci- dade, antes f inita, a seus já florescentes su- búrbios. Acompanhada de uma súbita queda da mortalidade, essa evolução geral devida a melhores padrões nutritivos e a técnicas mé- dicas aperfe içoadas, deu origem a uma con- centração urbana sem precedentes, primeiro na Inglaterra , depois, com diferentes taxas de crescimento, em todo o mundo em de- senvolvimento. A população de Manchester cresceu oito vezes no curso do século, pas- sando de 75.000 em 180 I para 600.000 em 190 I, enquanto Londres, no mesmo perío- do, crescia de cerca de I milhão para 6,5 milhões. Paris cresceu numa taxa compará- vel, mas teve um começo mais modesto, expandindo-se de 500.000 em 180 I para 3 milhões em 190 I. Mesmo esses aumentos de seis a oito vezes são modestos compara- doscom o crescimento de Nova York nesse período. Nova York fo i projetada inicial- mente como uma cidade de planta quadricu- lada, em 18 11 , em conform idade com o Plano Munic ipal daquele ano, e sua popula- ção passou de 33.000 em 180 I para 500.000 em 1850 e para 3,5 milhões cm 1901. Chi- cago cresceu numa taxa ainda mais astronô- mica, passando de 3.000 hab itantes na épo- ca da quadrícula de Thompson ( 1833) para cerca de 30.000 (metade dos quais, aprox i- madamente, nasc idos nos Estados Unidos), em 1850, tornando-se uma cidade de 2 mi- lhões de habitantes na virada do século. A acomodação de tão vo láti l crescimen- to levou à trans formação dos velhos bairros em áreas miseráveis e , também, à constru- ção de moradias baratas e de cortiços, cuja finalidade principal, dada a carência gera l de transporte municipal , era proporcionar, da forma menos onerosa possível, a máxi- ma quantidade de alojamento rudimentar dentro da di stância a pé dos centros de pro- dução. Naturalmente essas habitações con- gestionadas tinham condições inadequadas de luz e ventilação, carência de espaços aber- tos, péssimas instalações sanitárias, como latrinas e lavatórios (que eram externos e comuns), e despejos de lixo contíguos. Com um escoamento precário e uma manutenção inadequada, tais condições levavam à acu- mulação de excrementos e lixo e a inunda- ções, o que provocava natura lmente uma a lta incidência de doenças - primeiro a tu- berculose, depois, ainda mais alam1ante para as autoridades, os surtos de cóle ra na In- g laterra e na Europa Continental , nas déca- das de 1830 e 1840. Essas epidemias tiveram o efeito de pre- c ipitar reformas san itárias e pôr em prática algumas leis mais antigas sobre a constru- ção e a manutenção de conurbações densas. Em 1833 , as autoridades londrinas determi- naram que a Poor Law Commission, pres i- dida por Edwin Chadwick, investigasse as origens do surto de cólera cm Whitechapel. Di sso resultaram o relatório de Chadwick, An lnquify in to the Sanitaty Conditions of the Labouring Population in Great Britain [Investigação sobre as cond ições sanitárias da população trabalhadora na G rã-Breta- nha] (1842), a Comissão Real sobre o Esta- do das Grandes C idades e dos Bairros Po- pulosos de 1844 e, por fim, a Lei de Saúde Pública de 1848. Essa lei, j unto com outras, tornavam as autoridades locai legalmente responsáveis pelo esgoto, a coleta de lixo. o forneci mento de água, as vias públicas, a inspcção de matadouros e o enterro dos mor- tos. Medidas semelhantes ocupariam Hauss- mann durante a reconstrução de Pari s entre 1853 e 1870. O resultado dessa legislação na Inglater- ra foi tornar a sociedade vagamente cons- ciente da nccc sidade de melhorar a habita- ção da classe operária; mas havia pouca concordância inicial quanto aos meios e aos modelos para realizar essa melhoria. ão obstante, a Sociedade para a Melhoria das Condições das Classes Trabalhadoras, ins- pi rada por Chadwick, patrocinou a constru- ção dos primeiros apartamentos operários em Londres cm 1844, com projeto do arq ui- teto Henry Robcrt s; sucederam a esse in ício resoluto os apartamentos da Rua Streatham, construídos pela mesma sociedade em 1848- 50, e um prédio operário prototípico de dois andares e quatro apartamentos, também pro- jetado por Roberts para a Grande Exposição de 185 1. Esse modelo genérico da reunião de apartamentos do is a dois cm torno de uma escada comum iria influenciar o plane- jamcnto de hab itações operárias durante o resto do século. O filantropo Peabody Trust. financiado pelos americanos. e várias sociedades bene- ficentes inglesas, além de autoridades mu- nic ipais, tentaram, a partir de 1864. melho- rar a qualidade da habitação operária, mas pouca coisa s igni ficativa foi rea lizada até as leis de urbanização dos bairros pobres (Ciearance Acrs) de 1868 e 1875 c a Lei da Habi tação das Classes Trabalhadoras de 1890, que encarregava as autoridades muni- cipais de assegura r a habi tação pública. Em 1893, quando o Conselho Municipal de Londres (estabelecido em 1890) começou a construir apartamentos para operários sob os auspícios dessa lei, seu Departamento de Arquitetura fez um esforço notável para desinstitucionalizar a imagem dessa habita- ção, adaptando o estilo doméstico Arts and EVOLUÇOES CULTURAIS E T~CNICAS PREDISPONENTES 15 Crafts (ver p. 4 7) para construi r préd ios de apartamentos de seis andares. Típico dessa tendência é o Mi llbank Estate, inic iado em 1897. Ao longo do século XIX, o esforço da indústria para encarregar-se do problema adquiriu várias fo rmas, da fábrica "modelo" e das cidades ferroviárias e fabris às comu- nidades utópicas projetadas como protóti - pos de um futuro Estado esclarecido. Entre os que mani festa ram bem cedo um interesse por assentamentos industria is integrados, cumpre citar Robert Owen, cuja cw La- nark na Escócia ( 18 15) foi projetada como uma instituição pioneira do movimento cooperat ivo, e sir Titus Salt. cuja Saltaire. perto de Bradford, cm Yorkshire (fundada cm 1850), era uma cidade fabril paterna li s- ta. completada por instituições urbanas tra- dicionais, como igreja, enfermaria, escola secundária, banhos públicos, asilos e um parque. enhuma dessas realizações pode con- correr em alcance c potencial libertador com a visão radical do "novo mundo industrial" de Charles Fouricr. ta l como formu lado em seu ensaio com esse título (Le Nouveaumon- de industrie/), publicado em 1829. A socie- dade não-repressiva de Fourier dependeria do estabelec imento de comunidades ideais ou "falanges", alojadas em "falanstérios". onde os homens se relac ionariam de acordo com o princípio fisiológico fourieriano da ·'atração passional". Como o fa lanstério era projetado para estar em campo aberto, sua economia seria predominantemente agríco- la, suplementada por uma manufatura leve . Em seus primeiros escri tos, Fouricr esboçou os atributos fís icos de seu assentamento co- munal, que tinl1a como modelo o desenho de Versalhes, com a ala central destinada a funções públ icas (sa lão de jantar, biblioteca, jardim-de- inverno, etc.), enquanto suas alas laterais eram dedicadas a ateliês e ao cara- vançará. Em seu Trai ré de l ·association do- mestique agrico/e [Tratado da associação doméstica ag rícola] ( 1822), Fourier escre- veu que o fa lanstério era uma cidade em 16 HISTÓRIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA F1g. 8. Godin. Fam1l1sténo, Gu1se. 1859-70. miniatura cujas ruas teriam a vantagem de não estar expostas ao tempo. Ele o via como uma estrutura cujo tamanho, se adotado ge- nericamente, ubstituiria a sordidez peque- no-burguesa da pequenas casas individuais isoladas, que, então, já começavam a insta- lar-se nos interstícios externos das cidades. O discípulo de Fourier, Victor Considé- rant, escrevendo em 1838, misturou a metá- fora de Versalhes com a do navio a vapor e indagou se não era "mais fác il alojar 1.800 homens bem no meio do oceano, a 600 lé- guas da costa mais próxima ... do que alojar numa construção unitária 1.800 bons cam- poneses no coração da Champagne ou fir- memente no solo da Beauce". Essa combi- nação de comuna e navio seria retomada por Le Corbusier. mais de um século depois, em sua comuna autônoma, a Unité d' Habitarion, construída com matizes fourieristas em Mar- selha em 1952 (ver p. 274). A importância duradoura de Fourier es- tá em sua crít ica radical da produção indus- trializada e da organização social, pois, ape- sar de numerosas tentativas de criar fa lans- térios na Europa e na América. seu novo mundo industrial estava fadado a continuar sendo um sonho. Sua realização mais próxi- ma foi o famil istério, construído pelo indus- trial J. -P. Godin, perto de sua fábrica em Guise ( 1859-70). Esse complexo compreen- dia três blocos residenciais, uma creche, um jardim-de- in fância, um teatro. escolas, ba- nhos públicos e uma lavanderia. Cada bloco residencial tinha em seu centro um pátioiluminado do alto, que tomava o lugar das ruas-corredores elevadas do falanstério. Em seu livro Solutions sociales [Soluções so- ciais] ( 1870), Godin absorvia os aspectos mais radicais do fourierismo, mostrando como o sistema ~odia ser adaptado para a vida fami liar cooperativa, sem recorrer às teorias excêntricas da "atração passional". À parte acomodar as massas trabalhado- ras, a matriz londrina setecentista de ruas e praças estendeu-se ao longo do século X IX para sati sfazer às exigências residenc iais de uma classe média urbana crescente. ão mais satis feita, porém, com a escala e a tex- tura da praça verde ocasional - delimitada de todos os lados por ruas e casas gemina- das contínuas - , o Movimento pelo Parque Inglês, fundado pelo arquiteto-paisagista Humphrey Repton, tentou projetar a "pro- priedade rura l com tratamento paisagístico" (landscaped count1y esrare) na cidade. O próprio Repton logrou demonstrá-la em co- laboração com o arquiteto John Nash, em seu projeto do Regent's Park de Londres ( 1812-27). Depois da vi tória sobre Napo- leão em 18 15. o proposto desenvolvimento em torno do parque foi ampliado, sob o pa- trocínio real, por uma fachada contínua fal- sa, penetrando o tecido urbano existente c estendendo-se como uma faixa mais ou me- nos ininterrupta de casas geminadas da aris- tocrática vista de Regent's Park, ao norte, até a urbanidade palaciana de St Jame's Park e Carlton H ouse Terrace, ao sul. O conceito terratenente da casa de cam- po neoclássica implantada numa paisagem irregular (uma imagem derivada da obra "pitoresca" de Capabil ity Brown e Uvedale Pricc) fo i assim trasladado por Nash para o suprimento de hab itações contíguas no perí- metro de um parque urbano. Esse modelo fo i primeiro s istematicamente adaptado ao uso geral por si r Joseph Paxton, em Birken- head Park, construido fora de Liverpool cm 1844. O Central Park de Nova York, de Fre- derick Law Olmsted. inaugurado em 1857, EVOLUÇÓES CULTURAIS E T~CNICAS PREDISPONENTE$ 17 foi diretamente influenciado pelo exemplo de Paxton , inclus ive em sua separação entre tráfego de veículos e de pedestres. A idéia recebeu s ua e laboração final nos parques parisienses criados por J. C. A. Alphand, on- de o s istema de circulação ditava totalmente a maneira como o parque devia ser usado. Com Alphand, o parque se torna uma in- fl uência civi lizatória para as novas massas urbanizadas. O lago irregular, que Nash criou em St James's Park em 1828 a partir da bacia re- tangular que os irmãos Mollet construíram em 1662, pode ser considerado um símbolo da vitória da concepção pitoresca inglesa sobre a concepção cartesiana francesa da paisagem, datada do século XVII. Os fran- ceses, que até então haviam considerado o verde como outra ordem arquitetô·lica e re- presentado suas avenidas como colunatas de árvores, acharam irresistíve l o apelo ro- mântico da paisagem irregular de Repton. Depois da Revolução, remodelaram seus parques aristocráticos segundo seqUências pitorescas. Mas, apesar de toda a força do pitores- co. o impulso francês no sentido da raciona- lidade permaneceu, primei ro nos perce- ment.\' (demolição total em linha reta para criar uma via pública tota lmente nova) do Plano dos Arti stas para Paris, elaborado em 1793 por uma comissão de artistas revolu- cionários sob a liderança do pintor Jacques- Louis David, e mais tarde na arcada napo- leónica da Rue de Rivoli, construída a partir de 1806 com base no projeto de Percier e Fontainc. Enquanto a Rue de Rivol i deveria servir de modelo arquitetônico não apenas para a Regent Street de Nash, mas também para a " fachada" cenográfica da Paris do Segundo Império, o Plano dos Artistas de- monstrava a estratégia instrumental da allée (alameda), que se tornaria a principal ferra- menta de reconstrução de Paris sob apo- leão II I. apoleão III e o barão Gcorgcs Hauss- mann deixaram uma marca indelével não apenas cm Paris, mas também num grande número de cidades importantes, na França e na Europa Central, que passaram por regu- larizações à Haussmann ao longo da segun- da metade do século. A influência deles está presente inclusive no plano, elaborado em 1909 por Daniel Burnham, da malha qua- driculada de Chicago, sobre o qual o mes- mo Burnham escreveu: "A tarefa que Hauss- mann levou a cabo em Paris corresponde ao trabalho que deve ser feito cm Chicago para superar as intoleráveis condições, invaria- velmente originadas pelo rápido crescimen- to populac ional." Em 1853, como novo prefeito nomeado do departamento de Seinc, 1-laussmann viu es as mesmas condições em Paris, com sua água poluída, sua falta de um sistema de esgotos adequado, sua insuficiência de espa- ços abertos para cemitérios e parques, suas vastas áreas de habitações miseráveis e, las/ but not /easl, seu tráfego congestionado. As duas primeiras dessas condições eram indu- bitavelmente as mais críticas para o bem- estar cotidiano da população. Por captar a maior parte de sua água no Sena, que tam- bém servia como principal coletor de esgo- tos, Paris padecera dois sérios surtos de cóle- ra na primeira metade do século. Ao mesmo tempo, o sistema viário existente não era mais adequado para o centro administrativo de uma economia capita li sta em expansão. Sob a breve autocracia de apoleão III, a solução rad ical de Haussmann para o aspecto fisico desse complexo problema era o perceme111. Esse va to objetivo era, como Choay escre- veu, "proporcionar unidade e trans formar num todo operacional o 'enorme mercado consumidor, a imensa fábrica' que era o aglomerado parisiense". Embora o Plano dos Artistas de 1793 e, antes dele, o de Pierre Patte de 1765 tenham antecipado claramente a estrutura axial e focal da Paris de Hauss- mann, há, como Choay assinala, uma mu- dança discern ível da localização dos eixos. de uma cidade organizada cm torno de quar- tiers tradicionais, como no plano feito sob a responsabilidade de David, para uma metró- po le unida pela " febre de capitalismo'' . 18 HISTÓRIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA Fig. 9. A regularização de Paris: as ruas abertas por Haussmann são mostradas em preto. Os economistas e tecnocratas saint-si- monianos, a maioria deles da École Poly- technique, influenciaram as idéias de Napo- leão III quanto aos meios econômicos e aos fins s istemáticos a serem adotados na re- construção de Paris, dando ênfase à impor- tância de sistemas de comunicação rápidos e eficientes. Haussmann converteu Paris nu- ma metrópole regional , abrindo na malha existente ruas cuja finalidade era ligar pon- tos e bairros opostos cruzando a tradicional barre ira do Sena. Deu prioridade à criação de eixos norte-sul e leste-oeste mais s ubs- tanciais, à construção do Boulevard de Sé- bastopol e à extensão a leste de Rue de Ri- voli . Esse cruzamento básico, que servia aos grandes terminais fe rroviários do norte e do sul , era envolvido por um bulevar "em anel" , que, por sua vez, era ligado ao princ ipal dis- tribuidor de tráfego criado por Haussmann, o complexo da Etoile, construído em torno do Arco do Triunfo de Chalgrin. Durante a gestão de Haussmann, a pre- feitura de Paris construiu cerca de 137 qui- lômetros de novos bulevares, consideravel- mente mais largos, mais densamente arbori- zados e mais bem iluminados do que os 536 quilômetros de antigas vias que e les substi- tuiram. Vieram com isso plantas residenc ia is padrão e fachadas regularizadas, a lém de sis- temas padrão de mobiliá rio urbano - mictó- rios, bancos, abrigos, quiosques, relógios, postes de luz, placas, etc., desenhados por Eugéne Belgrand c Alphand, engenheiros de 1-laussmann. Todo esse sistema era ' 'ven- tilado" sempre que possível por largas áreas públ icas abertas, como o Bois de Boulogne e o Bo is de Vinccrmes. Além disso, novos cemitérios e vários parque pequenos, como o Pare des Buttes Chaumont e o Pare Mon- ceau, foram criados ou melhorados dent ro dos limites ampliados da cidade.Acima de tudo, criou-se um s istema adequado de esgotos e de água fresca trazida à cidade do va le do Dhuis . Na real ização desse plano globaL Haussmann, administrador apolítico por excelênc ia, recusou-se a aceitar a lógica política do reg ime a que servia. Acabou sendo vencido por uma burguesia ambiva- lente, que durante sua gestão apoiou suas "melhorias proveitosas", ao mesmo tempo que defendia seus direitos de propriedade contra sua inte rvenção. Antes do colapso do Segundo Império, o princípio de " regularização" já estava sendo praticado fora de Pari s, particularmente em Viena, onde a substituição das fortificações demolidas por um bulevar cenográfico foi levado a seu extremo lógico na ostentatória Ringstrasse, construída em torno do centro ve lho entre 1858 e 1914. Os monumentos autônomos dessa expansão urbana "aberta", estruturada em torno de uma via curva de enorme amplidão, provocaram a reação crí- tica do arquiteto Camillo Sitte, que em seu influente Der Stiidtebau nach seinen küns- terlerischen Grundsiitzen [Pianejamento ur- bano de acordo com princípios artísticos] ( 1889) defendia o envolvimento dos princi- pais monumentos da Ringstrasse por edi fi- cios e arcadas. Nada caracteriza melhor a preocupação de Sitte em fazer esse reparo do que s ua comparação crítica da cidade "aberta" de fins do século XIX, atravessada pelo tráfego, com a tranqüi lidade do núcleo urbano medieval ou renascentista : " Durante a Idade Média e o Renascimento, as praças públicas eram freqüentemente usa- EVOLUÇOES CULTURAIS E T~CNICAS PREDISPONENTES 19 " .. ' " íl I T 11 li 11 I ' l 1- ' ~----------------------------------------_. j Fig 1 O Cerdá, proJeto para a expansao de Barcelona, 1858. A Cidade velha aparece em preto. das para f1nalidades práticas ... elas constituíam uma ent1dade com os ed1fíc10S que as rodea- vam. HoJe servem no máx1mo de lugar para es- tacionar veículos e não têm nenhuma relação com os edifícios que as dominam ... Em suma, falta at1vidade precisamente naqueles lugares em que, antigamente, elas eram mais 1ntensas: perto das estruturas públicas." Entrementes, em Barce lona, as implica- ções regionais da regularização urbana esta- vam sendo desenvolvidas pelo engenheiro espanhol Ildefonso Cerdá, o inventor do termo urbanização. Em 1859, Cerdá projetou a expansão de Barcelona como cidade qua- driculada, com cerca de vinte e dois quartci- rõc de profundidade. orlada pelo mar e cor- tada por duas avenidas diagonais. Impulsio- nada pela indústria e pelo comércio ultrama- rino, Barcelona encheu es e plano quadricu- lar em escala americana em fins do século. Em sua Teoría general de la urbanización [Teoria geral da urbanização], de 1867, Cerdá deu prioridade ao sistema de tráfego c, cm particular, à tração a vapor. Para ele, o tráfego era, em mais de um aspecto, o ponto de parti- da de todas as estruturas urbanas cientifica- mente cmbasadas. O plano de Léon Jaussely para Barcelona ( 1902), derivado do de Cerdás incorporava essa ênfase dada ao movimento na forma de uma protocidade linear em que zonas separadas de implantação c de trans- porte são organizadas cm faixas. Seu desenho antecipava em certos aspectos as propostas russas de cidade linear de 1920. Em 189 1, a exploração intensiva do cen- tro da c idade era possível graças a dois des- dobramentos, essenciais para a construção de edifíc ios a ltos: a invenção, cm 1853, do e levador de passageiros e o aperfeiçoamen- to, em 1890, da estrutura de ferro. Com a introdução do metrô ( 1863), do bonde elé- trico ( 1884) e do trem de subúrbio ( 1890), o arraba lde ajardinado surg iu como uma uni- dade "natu ra l" da expansão urbana futura. A relação complementar dessas duas fo r- 20 HISTORIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA F1g l i Olmsted, plano de R1vers1de, C h1cago, 1869. mas americanas de desenvolvimento urbano - o centro de crescimento vertical e o subúr- bio ajardinado de crescimento horizontal - ficou demonstrada no boom imobiliário que se seguiu ao grande incêndio de Chicago em 1871. O processo de suburban ização já come- çara cm torno de Chicago com o planeja- mento, em 1869, do subúrbio de Rivers ide, baseado nos desenhos pitorescos de Olms- ted. Baseado em parte no cemitério-jardim de meados do século XIX, em parte no subúrbio orig inal da costa leste, o Riverside era ligado ao centro de Chicago por trem e um caminho para cavaleiros. Com a introdução em Chicago, em 1882. do bonde a vapor, abria-se caminho para uma ulterior expansão. A beneficiária ime- diata foi a zona sul da cidade. Mas o cresc i- mento suburbano não iria prosperar de fato até a década de 1890, quando, com a intro- dução do bonde elétrico, o trânsito suburba- no ampliou muitíssimo seu raio de alcance, sua ve locidade e sua freqüência. Isso acar- retou. na virada do século, a abertura do subúrbio de Oak Park, que seria o campo de provas para as primeiras casas de Frank Lloyd Wright. Entre 1893 e 1897, uma ex- tensa via fé rrea elevada foi implantada na cidade, cercando sua área central. Todas es- sas formas de trânsito eram essenciais ao crescimento de Chicago. O fa tor mais im- portante para a prosperidade de Chicago foi a ferrovia, pois ela levou os primeiros exem- plares de equipamento moderno para a pra- daria - a essencial colhetadeira mecânica inventada por McCormick em 183 1 - e trou- xe, de volta, cereais e gado das grandes pla- nícies, baldeando-os para os silos e arma- zéns à beira do lago, que começaram a ser construídos na zona sul de Chicago em 1865. A ferrovia é que redistribuía essa abun- dância a partir da década de 1880, nos va- gões refrigerados inventados por Gustavus Swift , e o correspondente desenvolvimento do comércio aumentou muitíssimo o inten- so tráfego de passageiros centrado em Chica- go. Assim, a última década do século pre- senciou mudanças radicais nos métodos de construção de cidades c nos meios de aces- so urbano, mudanças essas que, cm conjun- ção com o plano quadricular, logo transfor- mariam a cidade tradicional numa região metropolitana em permanente expansão. em que as moradias e o núcleo urbano concen- trado são ligados por uma rede de transpor- tes suburbana contínua. O empresário plllitano George Pullman, que ajudou a reconstruir Chicago depois do incêndio, foi um dos primeiros a perceber o florescente mercado do transporte de passa- geiros de longa distância, e apresentou seu primeiro carro-leito Pullman em 1865. De- pois de concluída a ligação ferroviária trans- Fig. 12. 5. 5. Berman. fábr~ca (esq ) e cidade de Pullman. Ch1cago. Ilustrada em 1885. EVOLUÇOES CULTURAIS E T~CNICAS PREDISPONENTE$ 21 continental em 1869, a Palace Car Company de Pullman prosperou e, no início da década de 1880, ele fundou sua cidade industrial ideal de Pullman, a sul de Chicago, um as- sentamento que combinava residências ope- rárias com toda a gama de instalações comu- nitárias, inclusive um teatro e uma biblioteca, assim como escolas, parques e playgrounds, todos situados perto da fábrica de Pullman. Esse complexo bem ordenado superou cm muito as instalações fornecidas por Godin em Guise. cerca de vi nte anos antes. Também excedia largamente. cm sua abrangência e clareza, as cidades-modelo pitorescas funda- das na Inglaterra pelo confeiteiro George Cadbury em Bournville, Birn1ingham, em 1879. e pelo fabricante de sabão W. H. Lever em Port Sunlight, perto de Liverpool, em 1888. A precisão patemalista e autoritária de Pullman assemelha-se muito com o Saltaire ou com as vi las operárias estabelecidas antes por Krupp, como política de sua empresa, em Essen no fim da década de 1860. O transporte sobre trilhos numa escala muito menor, por bonde ou por trem. seria o F1g. 13. Howard. "'Runsvllle··. odade-Jardlm esquemática. apresentada em seu hvro Tomorrow !Amanhã!. 1898 22 HISTÓRIA CRITICA DA ARQUITETURA MODERNA fator determinante principal dos dois mode- los alternativos da cidade-jardim européia.
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