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Teoria da Decisão Judicial

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TEORIA DA DECISÃO JUDICIAL NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: UMA
PONTE ENTRE HERMENÊUTICA E ANALÍTICA?
Theory of legal reasoning in Civil Procedure Code: a bridge between hermeneutics and analytical?
Revista de Processo | vol. 259/2016 | p. 21 - 53 | Set / 2016
DTR\2016\22767
Hermes Zaneti Jr.
Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Torino/IT. Doutor em Direito pela Università degli
Studi di Roma Tre/IT, área de concentração Teoria e Filosofia do Direito. Doutor e Mestre em Direito
Processual pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor-Adjunto da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo.
hermeszanetijr@gmail.com
Carlos Frederico Bastos Pereira
Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Bolsista pela
Fapes – Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo. Pós-Graduado em Direito
Público pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Advogado. fredbastospereira@gmail.com
Área do Direito: Constitucional
Resumo: O Código de Processo Civil avançou substancialmente em relação à antiga codificação,
estabelecendo critérios de legitimação para a interpretação e aplicação do direito com o dever de
fundamentação analítica adequada do art. 489, §§ 1.º e 2.º, e os deveres de coerência e integridade
do art. 926, caput. Contudo, os referidos deveres remetem a duas grandes tradições filosóficas que
historicamente dividiram o século XX: a analítica e a hermenêutica. O propósito do presente artigo é
demonstrar que hermenêutica e analítica estão inseridos no paradigma intersubjetivo da linguagem
pós-giro linguístico e juntas podem contribuir para redução da discricionariedade judicial e conferir
maior racionalidade às decisões judiciais. A filosofia do direito não deve absorver toda a dogmática
do processo civil, mas ter função ancilar ao permitir a sua operabilidade.
Palavras-chave: Interpretação - Hermenêutica - Analítica - Decisão judicial - Processo civil.
Abstract: The brazilian new Civil Procedure Code has advanced substantially over the old
codification establishing criteria of legitimacy of interpretation and application of the law with the duty
of the analytical reasoning (art. 489, §§ 1 and 2), and the duties of coherence and integrity (art. 926,
caput). However, such duties refers to two major theoretical and philosophical traditions that have
historically divided the twentieth century: analytical and hermeneutics. This paper seeks to
demonstrate that hermeneutics and analytics are embedded in the intersubjective paradigm of
language in the linguistic turn and together can contribute to reduction of judicial discretion and bring
rationality to legal decisions. Philosophy of law should not absorb the legal doctrine of civil procedure,
but allow their operability.
Keywords: Interpretation - Hermeneutics - Analytical - Legal reasoning - Civil procedure.
Sumário:
1 Introdução - 2 Por que a interpretação ocupa posição central na teoria do direito contemporânea? A
artificialidade do direito e o combate à discricionariedade de sua aplicação - 3 O giro linguístico:
hermenêutica e analítica para uma teoria da decisão judicial adequada ao atual paradigma da
linguagem e ao Estado Democrático Constitucional - 4 O debate sobre a hermenêutica e a analítica
na teoria do direito: proposta de convergência - 5 A fundamentação das decisões judiciais no Código
de Processo Civil e a coexistência de critérios hermenêuticos e analíticos para controlar a
discricionariedade judicial - 6 Conclusões - 7 Referências bibliográficas
1 Introdução
O1 Código de Processo Civil estabeleceu um dever de fundamentação adequada de cariz analítico
no art. 489, §§ 1.º e 2.º, além de deveres de coerência e integridade de cariz hermenêutico para as
decisões judiciais no art. 926, caput.
Embora a hermenêutica jurídica e a filosofia analítica do direito remetam a tradições filosóficas
historicamente conflitantes entre si,2 o objetivo deste trabalho é contribuir para a construção de
Teoria da decisão judicial no Código de Processo Civil:
uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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pontes entre ambas as teorias e demostrar que, unidas, poderão servir a um sistema de
administração da justiça mais racional.
Na primeira parte, será analisada a teoria da interpretação e da decisão judicial como centrais à
teoria do direito e à teoria do processo à luz da artificialidade do direito, bem como examinado o giro
linguístico ocorrido na filosofia contemporânea e a produção teórica de caráter hermenêutico e
analítico dele decorrente para estabelecer critérios de legitimação da interpretação do direito.
Na segunda parte, será examinado o debate entre hermenêutica e analítica na teoria do direito
atualmente e como a teoria do processo poderá absorver o quê de melhor ambas as tradições tem a
oferecer, para, em conjunto com a dogmática do Código de Processo Civil, conferir maior
racionalidade às decisões judiciais.
2 Por que a interpretação ocupa posição central na teoria do direito contemporânea? A
artificialidade do direito e o combate à discricionariedade de sua aplicação
Estamos vivendo um momento pós-positivista, pelo menos em relação ao vetero positivismo, ou
paleojuspositivismo, grandes incertezas existem neste ambiente de mudança de paradigma
científico. O positivismo jurídico, em sua versão mais radical, na tentativa de purificar o direito da
valoração do intérprete – porque não seria objeto de conhecimento científico – acabou não atacando
o principal problema do fenômeno jurídico: a arbitrariedade dos aplicadores na intepretação do direito
. Na luta central ao direito pelo controle do poder, não foram debatidas as questões referentes à
discricionariedade deixada pela margem positivista de interpretação.
Duas são as lições extraídas deste movimento. A primeira é que o direito, como manifestação de
poder, não pode construir a sua legitimidade exclusivamente na autoridade do aparato estatal de
coativamente fazer cumprir as suas decisões, sob o risco de ruína do princípio democrático e do
princípio do Estado de Direito. O impacto do constitucionalismo na construção dos modelos de
Estado contemporâneos impede que o poder estatal seja exercido sem levar em consideração a
preservação dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. É justamente esta novidade, a
parcela constituinte do bloco nomoestático das constituições atuais,3 que consistente nos direitos
fundamentais como critério de validade das demais normas, limites e vínculos, que abala as
premissas mais importantes do modelo positivista anterior.
A segunda é que não é mais possível abrir mão da maior das conquistas positivistas, que reside em
revelar a artificialidade do direito,4 produto do homem e da mente humana, controlável pelo homem
que é, portanto, responsável pelos resultados que obtém de sua aplicação. Tomemos como exemplo
o direito brasileiro. No atual estágio de desenvolvimento do ordenamento jurídico brasileiro, não há
que se falar no Estado ou na Sociedade brasileira5 como seres não corporificados dotados de
vontade (veiculadas através do direito, lei, costumes, direito comum etc.). Afinal, o direito é artificial e
todas as leis, escritas ou não, precisam de interpretação do homem. E mais, o homem, na sua
condição de ser humano, é dotado de subjetividade e ignorá-la não fará com que a valoração do
intérprete desapareça. A carga valorativa contida em toda e qualquer interpretação é ineliminável,
mas controlável com o auxílio da hermenêutica e da analítica, como se verá.
Não há dúvidas, portanto, que a grande preocupação contemporânea da teoria do direito deve ser o
desenvolvimento de uma teoria da interpretação e uma teoria da decisão judicial adequadas ao
Estado Democrático Constitucional, responsáveis por reduzir a discricionariedade judicial e impedir a
arbitrariedade que resulta da “livre” criação no espaço deixado na chamada “zona de penumbra” (“
penumbra of doubt”) para o juiz.6
Em assim sendo, é imperioso que o direitoprocessual, ramo do direito responsável por regular a sua
aplicação, volte suas atenções para combater o decisionismo decorrente da livre atribuição de
sentido no processo de interpretação. Urge, portanto, estabelecer diretrizes que permitam um
controle intersubjetivo da fundamentação das decisões judiciais.
3 O giro linguístico: hermenêutica e analítica para uma teoria da decisão judicial adequada ao
atual paradigma da linguagem e ao Estado Democrático Constitucional
Atualmente, duas teorias do direito têm se destacado justamente quanto à imposição de limites
discursivos e normativos a esta falsa liberdade interpretativa do juiz e a arbitrariedade que dela
decorre: a hermenêutica jurídica e a filosofia analítica do direito. Embora advindas de tradições
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filosóficas historicamente dicotômicas e opostas, a hermenêutica jurídica e a filosofia analítica do
direito podem atualmente se encontrar conectadas por partirem da mesma premissa: a invasão da
linguagem na constituição do mundo. Não há direito sem linguagem, nenhuma das duas grandes
correntes nega essa afirmação, ambas partem desta premissa.
A construção teórica de ambas está calcada no giro linguístico (linguistic turn), movimento da filosofia
contemporânea ocorrido a partir do início do século XX, responsável por introduzir a visão de que os
problemas filosóficos dependem da linguagem7. Com o desenvolvimento da filosofia da linguagem,
foi definitivamente superada a visão metafísica de que os objetos do mundo tinha um sentido em si
(uma essência ontológica) ou que tais sentidos eram livremente atribuídos pelo sujeito (paradigma da
filosofia da consciência), agora, é a linguagem o elemento constitutivo do conhecimento e do sentido
do mundo.8
Tanto para a filosofia continental, na qual se insere a hermenêutica jurídica, como para a filosofia
analítica: tudo é linguagem e nada pode ser compreendido fora da linguagem.9
O direito, por sua vez, não fica imune a esta transformação, afinal, “assim como é neste sentido que
se poderá dizer que o direito é linguagem, e terá de ser considerado em tudo e por tudo como uma
linguagem. O que quer que seja e como quer que seja, o que quer que ele se proponha e como quer
que nos toque, o direito (...) atinge-nos através dessa linguagem, que é”.10
As consequências advindas do giro linguístico, portanto, devem ser transportadas para o debate
jurídico. Se a linguagem é constitutiva dos sentidos e da realidade, não se pode falar em uma
estruturação a priori, transcendental e ontológica forte, acerca da diferença entre processo, ação e
jurisdição, entre direito público e privado, entre direito civil e penal etc. Os institutos jurídicos não são
objetos dotados de um significado unívoco, tampouco os intérpretes podem atribuir significados de
acordo com a sua consciência, de forma totalmente livre, sendo de todo incompreensível mascarar
posições ideológicas e subjetivas sob a justificativa de que se está atuando a vontade concreta da lei
ou do direito (paradigma formalista e paleojuspositivista da interpretação), sob pena de recair em
evidente arbitrariedade.
Os textos normativos são veiculados em linguagem, uma linguagem compartilhada pela comunidade
jurídica, passíveis de interpretação pelos operadores do direito e, por conseguinte, devem ser
guiadas pela linguagem própria do fenômeno jurídico.11
Não à toa, hermenêutica e analítica convergem quanto à distinção entre texto e norma. Atualmente,
essa constatação é um consenso que representa uma grande vitória para a teoria da interpretação,
pois partindo-se da premissa de que os sentidos são atribuídos e não extraídos dos textos, poderão
ser construídos critérios intersubjetivos para conferir legitimidade à interpretação do direito.
É justamente esse o ponto de divergência entre a hermenêutica jurídica e a filosofia analítica do
direito: os critérios de legitimidade da interpretação do direito. Nos tópicos seguintes serão
demonstrados e analisados tais critérios.
3.1 A analítica e a justificação como critério de legitimidade da interpretação e aplicação do
direito
Antes de compreender quais são os critérios adotados pela analítica para conferir legitimidade à
intepretação e aplicação do direito, faz-se necessário esclarecer que uma abordagem analítica do
direito é “toda abordagem que procura explicar ou elucidar os termos, os conceitos ou as estruturas
do direito, analisando os elementos ou mostrando como o todo é compreensível como ordenamento
coerente das partes”.12
Com esta premissa em mente, a filosofia analítica do direito trata do problema referente à
interpretação a partir de uma análise rigorosa da linguagem através de instrumentos lógico-formais
que permitem, assim, uma maior clareza conceitual e uma coerência sistêmica segundo a utilização
da linguagem jurídico-“científica”.13
Este método de analisar o fenômeno jurídico foi disseminado nas grandes culturas jurídicas
ocidentais. Na tradição do Civil Law, especialmente na Itália, Luigi Ferrajoli identifica que o ato de
nascimento da escola analítica italiana ocorreu em 1950 com o ensaio de Norberto Bobbio intitulado
Scienza del diritto e analisi del linguaggio.14 Em particular, nota-se que Bobbio atribui à purificação
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da linguagem um caráter essencial para construção da linguagem do direito, afirmando que “a
natureza científica de um discurso não consiste na verdade, isto é, na correspondência com a
enunciação de uma realidade objetiva, mas no rigor de sua linguagem, isto é, na coerência de um
enunciado com todos os outros enunciados que são daquele sistema”.15
O impulso inicial dado por Bobbio em relação ao exame da linguagem fez com que um de seus
alunos, Giovanni Tarello, desenvolvesse estudos referentes à teoria da intepretação revisitando
conceitos de norma e ordenamento com uma lente realista-analítica, “submete[ndo] a uma revisão
epistemológica ainda mais radical o velho positivismo dogmático e as suas pretensões de
cientificidade”.16 Imprescindível, neste contexto, destacar a formulação de Tarello de que normas
não são pressuposto, mas resultado da intepretação.17
Na tradição do Common Law, o positivismo jurídico foi construído sob as bases da analytical
jurisprudence no final do século XVIII e durante todo século XIX, principalmente por força de autores
como Jeremy Bentham e, seu aluno, John Austin, fervorosos combatentes da teoria declaratória do
Common Law e defensores da artificialidade do direito.18
Desdobramento desta corrente na filosofia do direito continental foi o trabalho de Hans Kelsen
referente à Teoria Pura do Direito (Reine Rechtslehre, 1. ed. de 1934 e 2. ed. de 1960)19, inspirado
em Austin.20
No século XX, com um artigo seminal de 195321 e com a publicação em 1961 do livro “O conceito de
direito”,22 Herbert L. A. Hart revisou o positivismo jurídico a partir de estudos analíticos sobre a
filosofia da linguagem,23 propondo um “método de análise da linguagem usado tanto pelo legislador
quanto pelos juristas como instrumento de redefinição e a reconstrução tanto do significado das
normas como dos conceitos e das teorias jurídicas”.24
Contudo, sobre os diferentes estudos desenvolvidos no seio da tradição analítica da teoria do direito,
é necessário esclarecer que as próprias noções de interpretação do direito e de criação judicial
variaram dentro da escola analítica de acordo com o contexto e a tradição na qual os respectivos
autores estavam inseridos.
Pois bem, para a filosofia analítica do direito da Escola de Gênova (Giovanni Tarello, Riccardo
Guastini e Pierluigi Chiassoni), a intepretação é um ato pelo qual se descreve, adscreve e/ou cria
significados textuais e extratextuais através de métodos, argumentos e teorias estruturadas
discursivamente. O intérprete poderá identificar um significado (descrição), identificar dois ou mais
significados e decidirpor um deles (adscrição) ou então poderá identificar um ou mais significados e
decidir por um novo (criação, sic., reconstrução, como se verá), estruturando argumentativamente
suas escolhas e valorações no discurso de justificação.25
Ocorre, no entanto, que há uma diferença fundamental que os analíticos estabelecem entre a
interpretação como atividade e a interpretação como produto.26 Essa distinção faz com que o iter
psicológico percorrido pelo intérprete (context of discovery) de todo irrelevante para aferir a
racionalidade do discurso jurídico, sobrelevando-se em importância os instrumentos formais de
justificação da motivação (context of justification).27
Segundo a filosofia analítica do direito, portanto, a interpretação/aplicação do direito é racional
quando devidamente justificada. A justificação, ao externalizar a interpretação de forma estruturada,
permite o controle intersubjetivo das razões utilizadas pelo intérprete em relação às escolhas
realizadas, o qual é exercido tanto de maneira endoprocessual, isto é, pelos sujeitos envolvidos no
procedimento argumentativo (como, por exemplo, os sujeitos processuais), como também de
maneira extraprocessual, ou seja, um controle geral da sociedade exercido com vistas à
administração da justiça por toda a comunidade jurídica e sociedade civil.28
A racionalidade da interpretação-atividade e da interpretação-produto é aferida a partir de uma
distinção analítica entre justificação interna e externa.29 A interpretação será justificada internamente
através de um controle lógico-formal das premissas estabelecidas; por sua vez, a interpretação será
justificada externamente mediante um controle argumentativo em relação à correção das premissas,
e também, do resultado final da solução formal apresentada, a soundness.30
A importância da filosofia analítica do direito reside justamente em tornar a linguagem jurídica mais
depurada, mais clara e, portanto, intersubjetivamente controlável. Vale ressaltar que a afirmação de
Teoria da decisão judicial no Código de Processo Civil:
uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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sua cientificidade decorre dessa clareza no discurso, não do sentido de aproximá-la das ciências
naturais e matemáticas, mas sim do objetivo de não deixar com que a linguagem comum e ordinária
prevaleça sobre o discurso jurídico, contaminando-o com posições ideológicas e subjetivas não
controláveis intersubjetivamente, com pré-conceitos e pré-compreensões.
O problema contemporâneo da filosofia analítica já não é tanto sobre qual linguagem ou quais
problemas jurídicos ela irá se debruçar, mas sobre o método de justificação e a clareza do discurso
que permitirão o escrutínio pela comunidade científica das conclusões alcançadas.
3.2 A hermenêutica e a compreensão como critério de legitimidade da applicatio do direito
Assim como na abordagem analítica do direito, deve-se primeiro fixar o que é uma abordagem
hermenêutica do direito antes de adentrar especificamente nos seus critérios de legitimidade para a
interpretação e aplicação do direito. Por hermenêutica se entende a arte ou a técnica de interpretar
corretamente um texto.31 A hermenêutica é da vida corrente do direito, dela ineliminável.32
Na hermenêutica tradicional, haviam diferentes métodos hermenêuticos de interpretação, voltados
para textos literários (hermenêutica “filológica”), textos sagrados (hermenêutica teológica) e, por fim,
textos jurídicos (hermenêutica jurídica). Essa compartimentação dogmática fazia com que a
hermenêutica recorresse a diferentes métodos para auxiliar na compreensão dos textos.
Na Idade Moderna, com Friedrich Schleiermacher, a hermenêutica dá o primeiro passo rumo à sua
universalização, máxime de um primeiro desenvolvimento da noção de círculo hermenêutico, vazado
na compreensão da circularidade da interpretação, na qual a parte se compreende no todo e o todo
se compreende na parte. Por ainda ser voltada para a intenção do autor da interpretação é que foi
atribuída a esta fase da hermenêutica a alcunha de psicológica. Ainda na hermenêutica tradicional,
defendeu-se a ideia de que interpretação correta de um texto deve ser auxiliada por cânones
hermenêuticos (método lógico, gramatical, histórico, teleológico, sistemático etc.). No Brasil, essa
defesa se notabilizou na obra de Carlos Maximiliano.33
Entretanto, a universalização da hermenêutica é devida primordialmente à virada
ontológica-linguística ocorrida no seio da filosofia continental do Século XX, por causa da
fenomenologia hermenêutica desenvolvida por Martin Heidegger, especialmente em Ser e tempo (
Sein und Zeit, 1927).34 Posteriormente, Hans-Georg Gadamer, partindo dos estudos heideggarianos,
estabelece em Verdade e método (Wahrheit und Methode, 1960) a pretensão de universalidade de
hermenêutica, consumando-a, finalmente, como hermenêutica filosófica.35
No Brasil, os estudos da hermenêutica filosófica na ciência do direito são devidos, em grande parte,
à escola formada por Lenio Luiz Streck, a partir das contribuições de Ernildo Stein. A sua obra
articulada em vários livros e artigos como uma Crítica hermenêutica do direito,36 propõe uma leitura
conjunta das obras de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, aliada, ainda, à concepção de
direito como integridade (law as integrity) desenvolvida por Ronald Dworkin.37
A partir da diferença ontológica e do círculo hermenêutico, concepções denominadas por Ernildo
Stein como teoremas da finitude,38 a hermenêutica jurídica busca impedir a contaminação do
processo interpretativo pelas pré-compreensões inautênticas do intérprete. Em assim sendo, a
hermenêutica jurídica atribui à compreensão um papel fundamental para legitimar a racionalidade da
interpretação/aplicação do direito.
Em primeiro lugar, é necessário pontuar que o compreender tem uma dupla significação. A uma,
pode se referir à intelecção de um enunciado, frase ou conteúdo. Essa compreensão é externalizada
pela interpretação, gerando uma comunicação produzida pela linguagem (logos apofântico ou
analítico). A duas, pode se referir ao fato de já saber o contexto no qual o enunciado, frase ou
conteúdo é pronunciado. Essa pré-compreensão não é produzida pela linguagem, mas é fruto da
experiência histórica na qual o intérprete está inserido (logos hermenêutico). O importante é notar
que esta pré-compreensão, ocorrida no logos hermenêutico, é abraçada e absorvida na
compreensão do logos analítico e devidamente externalizada linguisticamente na interpretação.39
Pois bem, a estrutura da compreensão ocorrida no logos hermenêutico (aqui denominada de
pré-compreensão) só ocorre devido a uma diferença ontológica que o ser humano possui enquanto
ser-no-mundo. O homem é o único ente do mundo no qual habita o ser, e, por conseguinte, é o único
ente do mundo que ao compreender outros entes “já sempre compreende[m] a si mesmo”.40 Este
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privilégio ontológico do fenômeno da compreensão do ser foi identificado por Martin Heidegger,
levando-o a denominar o homem de Ser-aí (em alemão, Dasein).41
Esta condição existencial do Ser-aí é sempre antecipadora de sentidos, porquanto fruto da
experiência histórica e cultural do intérprete. Portanto, é possível dizer que “existe um processo de
compreensão prévio (pré-compreensão) que antecipa qualquer interpretação e que é fundamental,
levando-nos para uma ideia de duplo sentido da compreensão”.42 A sua influência na
compreensão/interpretação dos objetos que lhes estão à disposição, ocorrida no logos
apofântico-analítico, é inegável: afinal, “não é a história que nos pertence, mas somos nós que
pertencemos a ela”.43
Em segundo lugar, é preciso destacar que o círculo hermenêutico é o método do qual se valerá o
intérprete para estabelecer uma diferença entre as pré-compreensões legítimas e as ilegítimas, a fim
de “não permitir que a posição prévia, a visão prévia e a concepção prévia lhe sejam impostas por
intuições ou noções populares [senso comum].Sua tarefa é, antes, assegurar o tema científico,
elaborando esses conceitos a partir da coisa, ela mesma”.44 A pré-compreensão e os sentidos por
ela antecipados devem ser submetidos a um teste de legitimidade, sendo constantemente revisados
a partir de uma maior penetração no sentido textual com a primazia hermenêutica da pergunta.45
Não à toa, Gadamer diz, em emblemática frase, que “quem quer compreender um texto deve estar
disposto a deixar que este lhe diga alguma coisa”.46
Desta feita, a compreensão é sempre circular, mantendo-se em aberto as possibilidades de o todo
influenciar a parte e de a parte influenciar o todo, já que “toda interpretação, ademais, se move na
estrutura prévia já caracterizada. Toda interpretação que se coloca no movimento de compreender já
deve ter compreendido o que se quer interpretar”.47 Através de um movimento circular do intérprete
que se dirige dos fatos ao texto e retorna do texto aos fatos, em um constante projetar e reprojetar,48
busca-se que conceitos prévios inautênticos sejam substituídos por outros mais adequados,49 a fim
de se alcançar uma unidade de sentido – este é o momento em que, nas palavras de Gadamer, há o
acontecer de verdade.50
Por este motivo, Francesco Viola e Giuseppe Zaccaria atribuem à hermenêutica jurídica um caminho
do meio a ser seguido, em que o sentido adequado de um texto normativo poderá ser capturado pelo
intérprete através da relação entre a universalidade do texto e as circunstâncias do caso concreto
sob análise em um determinado espaço e tempo histórico.51 Os fatos, então, assumem primordial
relevância para compreensão do texto normativo, já que a facticidade que envolve o intérprete não
pode por ele ser ignorada.
Todo este processo de compreensão ocorrido no logos hermenêutico é externalizado na
interpretação através da linguagem, momento no qual, concomitantemente, ocorre a aplicação do
direito. A applicatio a que se refere Gadamer entende que a compreensão, interpretação e aplicação
constituem processo unitário e incindível,52 porque não permite a instrumentalização da interpretação
e a consequente contaminação de pré-compreensões pessoais e ideológicas [inautênticas] fruto da
experiência histórica do intérprete. Interpretar é aplicar, mas, antes, é também compreender.53
A contribuição das ferramentas dispendidas pela hermenêutica jurídica para a interpretação e
aplicação do direito é inegável. Os juristas e aplicadores do direito são, antes de tudo, seres
humanos cujo desenvolvimento pessoal é moldado por experiências sociais, ideológicas, familiares,
religiosas e outras mais. Eliminá-las é tarefa impossível. A interpretação pressupõe uma atribuição
de significado a um texto, este significado vem impregnado de valores do intérprete. O direito se
mostra, aqui, essencialmente valorativo, exigindo uma responsabilidade do jurista ao interpretar os
textos normativos dentro do contexto no qual está inserido.
Verifique-se, por exemplo, o art. 19, I, da CF/1988 (LGL\1988\3), que prescreve: “É vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...) estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público”. Um jurista, ateu, pode interpretar este dispositivo constitucional como a impossibilidade de o
Estado promover atividades religiosas; de outro giro, um jurista, cristão ou de qualquer outra religião,
pode interpretá-lo não como a impossibilidade de o Estado promover a atividade religiosa, mas sim a
de garantir a liberdade religiosa de seus cidadãos sem privilegiar esta ou aquela religião. A questão
colocada em debate pela hermenêutica jurídica é: o que a tradição nos ensina? A compreensão é
sempre interpelada pela tradição.54
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uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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Destarte, ao mesmo tempo em que a hermenêutica jurídica fornece importante contribuição para
legitimidade da interpretação/aplicação do direito, não constitui um obstáculo à utilização de
instrumentos analíticos para sua respectiva justificação, necessitando desta para ser explicada com
clareza.
4 O debate sobre a hermenêutica e a analítica na teoria do direito: proposta de convergência
“(...) a analítica sem a hermenêutica é vazia, a hermenêutica sem a analítica é cega” (Arthur
Kaufmann).55
“(...) filosofia analítica se não der conta de certos temas fundamentais da hermenêutica, não tem
assunto, não tem conteúdo (...) se a hermenêutica não der valor aos instrumentos formais da
analítica, ela não utiliza tudo para poder enxergar de verdade as questões fundamentais da
linguagem” (Ernildo Stein).56
Atualmente, é comum notar uma contraposição doutrinária entre analíticos e hermeneutas
(continentais) na teoria do direito, havendo uma ruptura entre tais abordagens, como se uma
excluísse a outra.57
De um lado, os hermeneutas atribuem aos analíticos a alcunha de procedimentalistas, no sentido de
que preocuparem-se apenas com a forma, dispensando uma análise do conteúdo, o que iria de
encontro à dimensão substancial introduzida pelos direitos fundamentais das constituições modernas
e legitimaria, por exemplo, a legalidade de regimes totalitários. De outro lado, os analíticos
asseveram que os hermeneutas pecam pela ausência de clareza conceitual, conduta que se revela
incompatível com uma ciência que trata de linguagem, marcadamente caracterizada por sua
indeterminação, dada a vagueza de seus textos e a ambiguidade de suas normas.
Porém, ao mesmo tempo em que analíticos e hermeneutas afastam a abordagem contrária, não raro,
logo em seguida, reconhecem a sua importância.58 Não à toa, no contexto da produção teórica do
último século, tanto analítica, quanto hermenêutica, assimilaram as críticas lhes desferidas, sendo
cada vez mais comum a construção de pontos de convergência entre ambas.
Manuel Atienza,59 Eros Grau,60 Arthur Kauffman61 e Paul Ricouer62 propõem que a concepção
analítica e a concepção hermenêutica sobre a intepretação não são contraditórias.
Não se pode perder de vista que buscar convergências é incorrer em certos riscos. O debate envolve
rótulos, terminologias e pré-compreensões. A tentativa de estabelecer um primado, seja da
hermenêutica, seja da analítica não nos interessa neste texto. Cada corrente terá primazia dentro
das premissas estabelecidas pelos autores de cada grupo.
Contudo, aproximações e convergências são essenciais neste momento do direito por duas razões:
(a) mostrar a existência de uma circularidade e interdependência entre ambas correntes filosóficas.
Uma vez que ambas são herdeiras do giro linguístico, duas faces da mesma moeda, linhas escritas
na mesma página da história do pensamento e da cultura humana; (b) revelar a contaminação
ideológica dos discursos que ao acentuarem as diferenças deixam de ver a floresta para se
concentrar nas árvores e mascaram, muitas vezes, pré-compreensões que não estão comprometidas
com o giro linguístico e que não estão na mesma página da história, trocando moeda boa por moeda
podre.
Atienza, por exemplo, partindo da – neste ponto equivocada – premissa de que os movimentos
hermenêutico e analítico correspondem, respectivamente, ao jusnaturalismo e ao juspositivismo,
identifica uma contribuição técnica da analítica a partir do pensamento de Riccardo Guastini e uma
contribuição valorativa da hermenêutica a partir do pensamento de Ronald Dworkin. Ora, ao associar
o problema da hermenêutica e da analítica aos discursos jusnaturalista e juspositivista, importamos
para o debate questões que a ele não pertencem. Mais, retrocedemos no tempo para antes do giro
linguístico, pois o debate jusnaturalismo e juspositivismo é multissecular. O giro linguístico pode
contribuir para a solução deste debate, mas não é dele dependente.
Mas a proposta de Atienza vai além, e deve ser levada a sério. O aspecto técnico referir-se-ia à
“necessidade de utilizar determinadosprocedimentos ou métodos para passar de um enunciado a
interpretar”, haja vista que o problema da interpretação sempre desembocará em um problema
semântico, ou seja, “um problema de atribuição de significado a um termo, a um enunciado ou a um
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conjunto de enunciados (quer dizer, a um material jurídico)”.63 A utilização destas regras semânticas
sempre deverá ser argumentativamente justificada, externa e internamente.64
O aspecto valorativo, por outro lado, referir-se-ia ao fato de que “o fundamento último deste processo
argumentativo não pode ser outro que uma teoria de natureza moral e política”, haja vista que o
problema da interpretação sempre exige “a assunção de uma determinada teoria moral”.65 Não se
trata propriamente de uma teoria moral, mas da assunção da premissa hermenêutica, da
necessidade de compreensão sobre as normas constitucionais.
Alguns elementos da proposta de Atienza, porém, carecem ser contextualizadas com releituras que
experimentaram os movimentos analíticos e hermenêuticos após o giro linguístico e o impacto do
constitucionalismo.
Quanto à analítica, a partir da segunda metade do século XX e no início do século XXI foi iniciado um
processo de desvinculação da formalidade da linguagem como centro do discurso analítico, assim
compreendida a aplicação do direito como uma função neutra, avalorativa e meramente descritiva,
típica do paleojuspositivismo e dos movimentos ligados ao positivismo linguístico.
Ao lado das transformações sofridas pelos ordenamentos jurídicos decorrentes da onda
constitucionalista pós-guerra, que internalizou e deu força normativa a antigos princípios de direito
natural em um grande número de ordenamentos jurídicos contemporâneos, no campo filosófico, um
primeiro passo dado pode ser atribuído à “virada hartiana”, responsável pelo abandono da visão
descritiva sob uma ótica externa do direito (de cariz kelseniano) e pela assunção de uma dimensão
da compreensão do direito sob uma ótica interna, como passo necessário para se definir a validade
da própria norma a ser aplicada.66
Justamente este ponto foi posteriormente melhor explorado por Ronald Dworkin no seu ataque ao
positivismo jurídico,67 constituindo uma pedra de toque da filosofia do direito com corte
hermenêutico.
Por outro lado, por força deste mesmo movimento histórico de constitucionalização e da assunção do
ponto de vista interno do direito para definição da validade da norma a ser aplicada, também Robert
Alexy, jurista alemão confessadamente analítico,68 com a sua teoria dos direitos fundamentais
demonstra uma maior preocupação dos analíticos com a internalização de valores ético-políticos nos
sistemas jurídicos contemporâneos através de mandamentos deônticos, na clássica distinção por ele
formulada entre regras e princípios.69
Quanto à hermenêutica, encarada a partir do século XX como filosófica, não mais pode ser atribuída
a pecha metafísica, típica do jusnaturalismo, de que a dimensão hermenêutica (facticidade e
historicidade) está ligada a princípios morais subjetivos.
O giro ontológico-linguístico promovido por Heidegger é justamente contrário a essa contraposição
sujeito-objeto, pois o ser humano é o único ser no qual os entes se manifestam. Desmantela-se,
assim, a objetificação da linguagem como uma terceira coisa entre sujeito e objeto, a qual passa a
ser condição de possibilidade para a interpretação,70 ou seja, uma eventual clarificação conceitual
sempre chegaria tarde, já que a compreensão de um determinado significado está, desde já, presa à
existência do próprio sujeito e muda com ele.
Afirma-se aqui, portanto, que analítica e hermenêutica são complementares entre si justamente
porque, a partir destas convergências, se limitam reciprocamente.
Para a analítica, é arbitrário tudo aquilo que não pode ser expresso em linguagem jurídica e
devidamente justificado como tal em um discurso que apresente conteúdo lógico-formal interno e
premissas externas intersubjetivamente controláveis. Este é um limite analítico da hermenêutica.
Para a hermenêutica, é arbitrário tudo aquilo que, uma vez expresso em linguagem, por melhor que
esteja lógica e formalmente justificado, não corresponda à tradição jurídica e ao conhecimento do
direito, que se apresentam como critérios substanciais de validade. O que não pode ser justificado do
ponto de vista da compreensão do direito não é jurídico. Este é um limite hermenêutico da analítica.
Kauffman, ao cunhar a célebre expressão descrita na epígrafe, acompanhada por Ernildo Stein,
revelou parte importante do fenômeno que estamos nos dedicando a estudar: a analítica sem a
hermenêutica é vazia, não tem alma; a hermenêutica sem a analítica é cega, não é capaz de chegar
Teoria da decisão judicial no Código de Processo Civil:
uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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a lugar nenhum.71
Juristas analíticos podem analisar qualquer tema hermenêutico; juristas hermenêuticos devem dar
clareza aos seus escritos. Se há algo que ainda vale a pena neste debate é afastar de uma vez por
todas dos escritos dos jovens cientistas do direito “(...) a tendência analítica a separar o [fio do]
cabelo – o célebre hairsplitting – perdendo-se em distinções tão sutis quanto irrelevantes; a
tendência continental [hermenêutica] a declamar sem argumentar, a asserir hieraticamente [afirmar
de forma quase sagrada, com uma vocação ao dogma religioso e inquestionável] sem explicar”, que
já está sendo progressivamente banida da academia europeia.72
Não se trata mais de quem tem razão, mas de arregaçar as mangas e enfrentar os problemas
concretos, que a valorização positiva da filosofia teve nos últimos anos com o reconhecimento
cultural de sua utilidade tanto para a ciência quanto para a esfera pública.73
O caminho entre as montanhas está aberto, não é mais impossível o diálogo, é preciso construir as
pontes.
5 A fundamentação das decisões judiciais no Código de Processo Civil e a coexistência de
critérios hermenêuticos e analíticos para controlar a discricionariedade judicial
O Código de Processo Civil da Lei 13.105/2015 consolida o retorno do direito processual à teoria do
direito ao abandonar a visão tecnicista do processo como alheio às mudanças culturais e filosóficas
que afetaram a nossa ciência, convidando a comunidade jurídica a refletir sobre a junção das duas
grandes montanhas da tradição filosófica contemporânea, a hermenêutica e a analítica, através do
debate sobre a interpretação/aplicação do direito (arts. 489, §§ 1.º e 2.º, e 926 do CPC/2015
(LGL\2015\1656)) e o modelo de precedentes normativos formalmente vinculantes74 (arts. 489, § 1.º,
V e VI, 926 e 927 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)).
Prova disso é que uma leitura do Código demonstrará a incorporação de terminologia de Ronald
Dworkin (hermenêutica) ao dispor que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la
estável, íntegra e coerente ” (art. 926, caput). Também foi prevista no Código a terminologia de
Robert Alexy (analítica), quando determinou-se que “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz
atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade
da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e
a eficiência” (art. 8.º) e que “no caso de colisão entre normas [normas-princípios], o juiz deve
justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam
a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão” (art. 489, §
2.º).
O Código de Processo Civil exige uma compreensão operacional na aplicação do direito, ou seja,
toda e qualquer decisão deve levar em consideração a convivência harmônica entre os planos
infraconstitucional e constitucional (art. 1.º). Desta maneira, o Código de Processo Civil não mais
transige com interpretações arbitrárias, solipsistas e descontextualizadas da ordem jurídica,
compromete-se, aocontrário, com a solução realista-moderada e responsável da interpretação,75
como revelam os dispositivos que dão conta da eliminação do “livre” convencimento judicial (art.
371), da fundamentação adequada (art. 489, § 1.º), da justificação interna e externa, fática e jurídica,
com exigências para utilização da ponderação como método de solução da colisão entre normas (art.
489, § 2.º) e dos deveres de estabilidade, coerência e integridade (art. 926, caput).
Está finalmente superado o paradoxo metodológico que afligiu a justiça brasileira, ter uma justiça civil
ampla e uma legislação processual voltada para o modelo europeu. A matriz constitucional brasileira,
desde a Constituição Republicana (LGL\1988\3) de 1891, é influenciada pelo Common Law
norte-americano e a matriz infraconstitucional, a exemplo do Código de Processo Civil de 1973, pelo
direito do Civil Law.76
A decisão judicial no Estado Democrático Constitucional (art. 1.º do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) tem
um duplo compromisso: o primeiro, de caráter interno, voltado à prestação de uma tutela jurisdicional
tempestiva, adequada e efetiva (art. 4.º do CPC/2015); o segundo, de caráter externo, voltado à
unidade do direito através da preservação da coerência e integridade do ordenamento jurídico (art.
926 do CPC/2015).
Para atingir ambos objetivos, o dever de fundamentação das decisões judiciais deve levar em
Teoria da decisão judicial no Código de Processo Civil:
uma ponte entre hermenêutica e analítica?
Página 9
consideração critérios analíticos e hermenêuticos na compreensão, interpretação e aplicação do
direito.77
A tradição jurídica brasileira, na perspectiva da teoria do processo, não está acostumada com esta
distinção. Entre os processualistas existem temas e textos que poderiam ser classificados em uma
ou outra categoria, mas, em linha de tendência, uma classificação permite perceber uma
predominância de temas e de metodologia de aproximação. Portanto, não se trata de rotular os
autores, mas de identificar a abordagem do fenômeno jurídico e processual que usualmente
empregam à sua doutrina e trazer à luz o debate acerca da abordagem analítica e hermenêutica do
direito.78-79
Porém, a confluência entre os discursos analítico e hermenêutico depende primeiramente da
compreensão de que o direito absorve a filosofia em platôs,80 que serve ao direito e ao discurso
prático do caso especial que ele concretiza como limites e vínculos (garantias). Em outras palavras,
a filosofia auxilia o direito, mas não o determina.
Se assim o é em relação ao direito, também o será no tocante ao direito processual, espaço de
aplicação do direito, cujo discurso é ainda mais limitado devido à sua finalidade operativa,81 voltada
para a resolução adequada, mas também, pragmática de conflitos através da tutela jurisdicional
adequada, tempestiva e efetiva (art. 4.º do CPC/2015 (LGL\2015\1656)).
A união destas duas grandes tradições filosóficas e jurídicas nos últimos anos poderá contribuir para
a construção de pontes para a interpretação e aplicação de um direito mais racional, mais
democrático e mais garantista dos direitos fundamentais de liberdade e sociais. No caso particular do
Brasil, esta tarefa se impõe a todos os juristas a partir do Código de Processo Civil de 2015.
6 Conclusões
Como se demonstrou, a aplicação do direito é tema caro à teoria do processo, devendo ser
construída com bases sólidas em uma teoria da interpretação e da decisão judicial adequadas ao
Estado Democrático Constitucional.
Com o giro linguístico, inaugura-se um novo paradigma na filosofia contemporânea da qual se
destacam duas teorias do direito para o combate à discricionariedade judicial: a hermenêutica
jurídica e a filosofia analítica do direito.
Ambas tratam da legitimidade da interpretação sob diferentes perspectivas, a hermenêutica a partir
da compreensão e a analítica a partir da justificação. Embora a teoria do direito mostrasse, a
princípio, uma contraposição entre hermenêutica e analítica, estão sendo construídos pontos de
convergência entre tais métodos.
Isto ocorre porque, como dissemos no início, analítica e hermenêutica se limitam reciprocamente: o
limite analítico em relação à hermenêutica reside possibilidade ou não de algo ser expressado em
linguagem do direito; o limite hermenêutico em relação à analítica reside na correspondência entre o
que é expressado em linguagem do direito e o que consta na compreensão da tradição jurídica.
Na medida em que a filosofia serve ao direito processual em platôs, defendemos aqui que a
dogmática do Código de ProcessoCivil de 2015 absorve a legitimação pela compressão
hermenêutica e os critérios da justificação analítica, ambos voltados a combater a arbitrariedade na
decisão judicial.
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1 Este trabalho é fruto da pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito Processual da UFES e no Grupo de Pesquisa “Fundamentos do Processo Civil
Contemporâneo”, também da UFES, financiado pela Capes e Fapes e liderado pelo Prof. Dr. Hermes
Zaneti Jr. (UFES) e pelo Prof. Dr. Antônio Gidi (University of Syracuse College of Law – EUA,
participante na linha de pesquisa sobre “Processo coletivo: modelo brasileiro”.
2 Amplamente, ver o guia enciclopédico sobre a filosofia contemporânea em D’AGOSTINI, Franca.
Analitici e Continentali: Guida alla Filosofia degli Ultimi Trent’anni. Milano: Raffaelo Cortina Editore,
1997. Há tradução para o português, em D’AGOSTINI, Franca. Analíticos e continentais: guia à
filosofia dos últimos trinta anos. São Leopoldo: Unisinos, 2002.
3 “La dimensione sostanziale e nomostatica della validità propria del diritto giurisprudenciale
premoderno, che era stata estromessa dal primo giuspositivismo, torna così nel giuspositivismo
allargato dello stato costituzionale di diritto a condizionare nuovamente il sistema giuridico: sotto
forma, però, non più di arbitrario senso del giusto, bensì di limiti e vincoli imposti al legislatore tramite
la loropattuizione e positivazzazione come norme costituzionali” (FERRAJOLI, Luigi. Principia Iuris.
Teoria del Diritto. Roma/ Bari: Laterza, 2007. t. 1, p. 40).
4 A expressão é buscada em texto clássico de Hobbes, responsável pelo reconhecimento da
artificialidade do direito e do Estado e pela fundação do positivismo jurídico que se apõem a
absorção do direito pela moral: “E’ la classica massima hobbesiana, opposta a quella
giusnaturalistica più sopra ricordata: ‘Doctrinae quidem verae esse possunt; sed authoritas non
veritas facit legem’ [T. Hobbes, Leviathan, sive de Materia, Forma et Potestate Civitatis ecclesiasticae
et civilis, tr. latina, in Leviatano, con testo inglese del 1651 a fronte e testo latino del 1668, a cura di
R. Santi, Bompiani, Milano 2001, cap. XXVI, § 21, p.448]” (FERRAJOLI, Luigi. La Democrazia
Attraverso i Ddiritti. Il Costituzionalismo Garantista come Modelo Teorico e come Progetto Politico.
Roma/Bari: Laterza, 1997. p. 7, § 1.1, nota 5). Ainda, ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos
precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes [2015]. 2. ed., rev. e ampl.
Salvador: JusPodivm, 2016. p. 89.
5 A falsa compreensão da sociedade como um todo unívoco já foi abandonada a muito pela
sociologia. Cf. ELLIOTT, Anthony; TURNER, Bryan S. On Society. Cambridge: Polity Press, 2012. Na
doutrina processual brasileira, VITORELLI, Edilson. Devido processo legal coletivo: dos direitos aos
litígios coletivos. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 35-50.
6 “Haverá sempre certos casos juridicamente não regulados em que, relativamente a determinado
ponto, nenhuma decisão em qualquer dos sentidos é ditada pelo direito e, nessa conformidade, o
direito apresenta-se parcialmente indeterminado ou incompleto. Se, em tais casos, o juiz tiver de
proferir uma decisão, em vez de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar privado
de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo direito existente para a decisão do órgão
legislativo, então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de
aplicar meramente o direito estabelecido anteriormente” (HART, H. L. A. The Concept of Law, 2. ed.
[1961], Oxford: Clarendon Press, 1994. p. 272).
7 O giro linguístico é um movimento filosófico de grande importância para o século XX. A
centralidade da linguagem na constituição do mundo é a preocupação principal dos teóricos da
hermenêutica filosófica e da filosofia analítica. Neste tópico ocorreram influências recíprocas. Um dos
autores que mais impactou e difundiu esta nova compreensão da filosofia da linguagem foi Ludwig
Wittgenstein (1889-1951). A obra de Wittgenstein é dividida em duas partes: a primeira se refere ao
Tractatus Logico-Philosophicus publicado originalmente em 1921; a segunda se refere às
Investigações Filosóficas publicadas postumamente em 1953 (o filósofo faleceu em 1951). Cf.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus [1921]. Trad. José Arthur Gianotti. São
Paulo: Ed. Nacional, 1968; WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas [1953]. Trad. Marcos
G. Montagnoli. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. Curiosamente, a segunda obra de Wittgenstein
Teoria da decisão judicial no Código de Processo Civil:
uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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representa uma mudança radical do pensamento constante na primeira obra. Corroborando a
importância de Wittgenstein para o giro linguístico, “Com Wittgenstein e a filosofia linguística não se
acentuaria a antítese entre analíticos e continentais, filosofia anglo-saxônica e filosofia alemã,
europeia, mas, ao contrário, iniciaria uma convergência até então impossível por causa da escassa
‘maturidade’ filosófica dos anglo-saxões” (D’AGOSTINI, Franca. Analíticos e continentais... cit., p.
104).
8 ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão
judicial. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 59.
9 “Em ambas as tradições, de fato, não obstante as radicais divergências, é a linguagem o ponto de
chegada sobre a reflexão da metafísica, o território dentro do qual ela revela os seus limites e
simultaneamente as margens de sua oportunidade. Partindo de uma inicial divergência entre os
respectivos significados e os valores de conceito, a filosofia analítica e a filosofia continental acabam,
portanto, por encontrar-se numa comum ‘virada linguística’” (D’AGOSTINI, Franca. Analíticos e
continentais... cit., p. 178). No Brasil, neste mesmo sentido, ver ABBOUD, Georges; CARNIO,
Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à teoria e filosofia do direito. 3. ed.,
rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 433.
10 CASTANHEIRA NEVES, António. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra Ed.,
1997. p. 90.
11 O que não prejudica a constatação de que os discursos jurídicos também são afetados por outros
discursos institucionais e, em alguma medida, pelo consequencialismo – perceba-se, não está se
afirmando que argumentos consequencialistas têm necessariamente força normativa, mas que em
algum grau influenciam o discurso jurídico. Isto ocorre porque não há um fechamento total do
ordenamento jurídico, a linguagem jurídica é um discurso prático, discurso prático do caso especial,
na terminologia de Alexy, muito embora caiba ao direito determinar a sua própria criação (ALEXY,
Robert. Teoría de la Argumentación Jurídica [1983]. Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo, 2. ed.
Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007), que é afetada por outros discursos.
Daí a norma jurídica ser construída também por fatores externos ao direito positivado (elementos
extratextuais, mas igualmente linguísticos), e, a partir de sua reconstrução, se tornar direito posto e,
mediante os precedentes, direito positivo – fonte formal e material. Para uma análise do direito como
ordem institucional e do papel exercido por fatores extrajurídicos na interpretação e aplicação da
norma jurídica, em especial, os juízos consequencialistas, ver MACCORMICK, Neil. Institutions of
Law. An Essay in Legal Theory. Law, State, and Practical Reason. Oxford: Oxford University Press,
2007.
12 MACCORMICK, Neil. Analítica (abordagem – do direito). In: ARNAUD, André-Jean et alii (dir.).
Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. Trad. Patrice Charles, F. X. Willaume.
Rio de Janeiro: Renovar, 1999. Interessante também é a definição de Brian Bix sobre a filosofia
analítica jurídica: “Un enfoque de la filosofía del derecho que enfatiza el análisis de los conceptos
(‘sistema jurídico’, ‘derecho’, ‘propiedad’). (...) En particular, la filosofía analítica (del derecho) es una
búsqueda de los significados de términos y conceptos. Los filósofos analíticos tienden a creer que el
análisis conceptual es un enfoque defendible para comprender partes de nuestro mundo. Las
proposiciones analíticas son contrastadas con las proposiciones que son primordialmente normativas
(lo que debería ser) y aquellas que son primordialmente empíricas (cómo suceden de hecho las
cosas, de una manera contingente – pudieron haber ocurrido de otra manera)” (BIX, Brian H.,
Diccionario de teoría jurídica. Trad. Enrique Rodríguez Trujano, Pedro A. Villarreal Lizárraga. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 2009. p. 145).
13 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.
370-376. GUASTINI, Riccardo. Dalle Fonti alle Norme. Torino: Giappichelli, 1990. A questão da
qualificação científica ou não do direito e da filosofia analítica do direito já é um discurso de
“depuração”, portanto, um termo com caráter nitidamente ideológico. Ao chamar de linguagem
jurídico-científica a linguagem jurídica da filosofia analítica a doutrina exerce uma valoração positiva
da analítica e uma desvalorização da hermenêutica. Na doutrina brasileira, distinguindo entre
lógica-formal e lógica jurídica, mais ampla, cf. ZANETI JR., Hermes. A constitucionalização do
processo: o modelo constitucional da justiça brasileira e as relações entre processo e Constituição.2.
ed. rev., ampl. e alterada. São Paulo: Atlas, 2014. p. 62-105.
Teoria da decisão judicial no Código de Processo Civil:
uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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14 FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica e a filosofia analítica no século XX. Trad. Alfredo Copetti
Neto, Alexandre Salim e Hermes Zaneti Jr. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 75-78.
15 No original: “La scientificità di un discorso non consiste nella verità, cioè nella corrispondenza
della enunciazione ad una realtà obiettiva, ma nel rigore del suo linguaggio, cioè nella coerenza di un
enunciato con tutti gli altri enunciati che fanno sistema con quelli” (BOBBIO, Norberto. Scienza del
Diritto e Analisi del Linguaggio. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. n. 2. p. 342-367.
giugno 1950). A premissa de Bobbio explica igualmente a confusão até hoje comum entre a teoria da
verdade como correspondência como uma teoria ligada à linguagem e a sua compreensão como
teoria ligada aos objetos, ao mundo “real”. Cf. FERRAJOLI, Luigi. Diritto e Ragione: Teoria del
Garantismo Penale. 8 . ed. Roma/Bari: Laterza, 2004; FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do
garantismo penal. Trad. Fauzi Hassan Choukr. São Paulo: Ed. RT, 2002.p. 845-846; ZANETI JR.,
Hermes. O problema da verdade no processo civil: modelos de prova e de procedimento probatório.
Revista de Processo. vol. 29. n. 116. p. 334-371. São Paulo: Ed. RT, 2004; ZANETI JR., Hermes. A
constitucionalização do processo... cit., p. 103-104.
16 FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica... cit., p. 80.
17 TARELLO, Giovanni. L’Interpretazione della Legge. Milano: Giuffrè, 1980; TARELLO, Giovanni. La
Interpretación de la Ley. Trad. Diego Dei Vechi. Lima: Palestra, 2015. p. 60.
18 Bentham e Austin condenaram de maneira ácida e impiedosa a teoria declaratória. Bentham
igualou-a ao método adotado para o treinamento de cachorros – chegou a qualificá-la, literalmente,
de dog-law –, ao passo que Austin acusou-a de ficção infantil. Para este autor, os juízes teriam a
noção ingênua de que o common law não seria produzido por eles, mas se constituiria em algo
milagroso feito por ninguém, existente desde sempre e para a eternidade, meramente declarado de
tempo em tempo. Cf. BENTHAM, Jeremy. Truth versus Ashhurst. In.: The Works of Jeramy Bentham,
s.l.: John Bowring ed, 1843. p. 235; BENHTAM, Jeremy. An Introduction to the Principles of Morals
and Legislation [1789]. Batoche Books Kitchener, 2000; AUSTIN, John. Lectures on Jurisprudence or
the Philosophy of Positive Law. 3. ed. rev. London: John Murray, 1869. p. 655.
19 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes:
2003.
20 CHIASSONI, Pierluigi. L’indirizzo analitico nella filosofia del diritto: da Bentham a Kelsen. Torino:
Giappichelli Editore, 2009. p. 303-304.
21 HART, H.L.A. Definition and theory in jurisprudence [1953]. In: HART, H.L.A. Essays in
jurisprudence and philosophy. New York: Oxford University Press, 2001. p. 19-48.
22 HART, H. L. A. The Concept of Law… cit.
23 “(...) a linguagem envolvida na enunciação e aplicação de normas constitui um segmento especial
do discurso huano com características particulares que, se negligenciadas, podem causar confusão”
(p. 29) HART, H. L. A. Definição e teoria na teoria do direito. Ensaios sobre teoria do direito e filosofia
. Trad. José Garcez Ghirardi e Lenita Maria Rimoli Esteves. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 23-52.
24 FERRAJOLI, Luigi. A cultura jurídica.... cit., p. 78.
25 ÁVILA, Humberto. Função da ciência do direito tributário: do formalismo epistemológico ao
estruturalismo argumentativo. Revista de Direito tributário atual. vol. 29, São Paulo: IBDT, 2013. p.
181-204.
26 TARELLO, Giovanni. La Interpretación de la Ley... cit., p. 61; TARELLO, Giovanni.
L’Interpretazione della Legge... cit., passim.
27 TARUFFO, Michele. A motivação da sentença civil. Trad. Daniel Mitidiero, Rafael Abreu e Vitor de
Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 197 e ss.
Teoria da decisão judicial no Código de Processo Civil:
uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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28 TARUFFO, Michele. A motivação... cit., p. 340 e ss. No Brasil, BARBOSA MOREIRA, José Carlos.
A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao estado de direito. Temas de direito
processual: segunda série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 83-95.
29 A distinção lógico-argumentativa entre justificação interna e justificação externa foi originalmente
desenvolvida por Jérzy Wrobléwski em 1971 (WROBLÉWSKI, Jérzy. Legal Decision and it
Justification. Logique et Analyse. n. 53-54. p. 409-419, 1971).
30 Neste sentido, cf. WROBLÉWSKI, Jérzy. Legal Decision and it Justification, p. 412: “The decision
in question is internally justified if the inferences are valid and the soundness of the premisses is not
tested. (...) External justification of legal decision tests not only the validity of inferences, but also the
soundness of premisses”. Portanto, a soundness tem um duplo papel diante da ausência de certeza
sobre o conteúdo do direito, pois incide tanto sobre a escolha das premissas quanto sobre a
respectiva correção do resultado da interpretação. Trata-se de um teste de universalização das
razões, de verificação da racionalidade e unidade do direito, conferindo se a decisão está adequada
à ordem jurídica como um todo, a fim de preservar a consistência (não contradição) e a coerência
(completude) do ordenamento jurídico. Cf. MACCORMICK, Neil. Rhetoric and the Rule of Law. A
Theory of Legal Reasoning. New York: Oxford University Press, 2005. p. 190; MACCORMICK, Neil.
Coherence in legal justification. In: PECZENIK, Aleksander; LINDAHL, L.; van ROERMUND, G.C.
(ed.). Theory of Legal Science. Dordrecht: Springer, 1984. p. 235-251; MACCORMICK, Neil. Legal
Reasoning and Legal Theory. New York: Oxford University Press, 1978, cap. VII e VIII, reprinted,
2003.
31 GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica como filosofia prática. A razão na época da ciência. Trad.
Ângela Dias. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. p. 57-77, especificamente p. 57. Brian Bix diz
que hermenêutica é uma “Teoría o método de la interpretación, que a menudo se centra en cómo el
texto en cuestión era entendido por sus contemporâneos. Este enfoque, que se remonta cuando
menos a Friedrich Schleiermacher (1768-1834), está íntimamente ligado con el enfoque Verstehen
hacia las ciencias sociales, y fue defendido fuertemente en años recientes por Hans-Georg Gadamer
(1900-2002). Al igual que otras teorías sobre la interpretación, la hermenéutica ha sido el tema
ocasional de discusión dentro de la teoría del derecho. La teoría jurídica positivista de H. L. A. Hart
(1907-1992) tiene elementos hermenéuticos importantes. Algunas veces el término ‘hermenéutica’ es
usado de forma más vaga y general, para referirse a cualquier búsqueda del significado de algún
texto” (BIX, Brian H. Op. cit., p. 145).
32 A origem da palavra hermenêutica, cuja etimologia remete à mitologia grega, mais
especificamente a Hermes, filho de Zeus, mensageiro do Olimpo, responsável por interpretar,
traduzir e transmitir as mensagens dos deuses para a linguagem humana, é explorada por muitas
tradições culturais. No processo, CABRAL, Antonio do Passo. Pelas asas de Hermes: a Intervenção
do Amicus Curiae, um terceiro especial. Revista de Processo. vol. 117. p. 9-41. Rio de Janeiro, 2004.
33 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2011.
34 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 15. ed. Petrópolis:
Vozes, 2005.
35 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer; nova revisão da tradução por Enio Paulo Giachini. Rio de
Janeiro: Vozes, 2008; GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II. Complementos e índice. Trad.
Enio Paulo Giachini, 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
36 A crítica hermenêutica do direito é conjunto da obra de Lenio Luiz Streck, destacando-se
STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídicae(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
direito. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014; STRECK, Lenio. Jurisdição constitucional e
decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014; STRECK, Lenio. Verdade e consenso: constituição,
hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. rev., modificada e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014;
STRECK, Lenio. O que é isto – decido conforme minha consciência. 5. ed., rev. e atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2015.
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uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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37 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jéferson Luiz Camargo; revisão técnica: Gildo Sá
Leitão Rios. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
38 STEIN, Ernildo. Em busca da linguagem para um dizer não-metafísico. Natureza humana. vol. 6.
n.1. p. 289-304. PUC-SP. 2004.
39 A fenomenologia hermenêutica heideggeriana identifica o logos hermenêutico, responsável por
estruturar a compreensão, e logos apofântico, responsável por explicitar a compreensão. Assim, “a
linguagem traz em si um duplo elemento, um elemento lógico-formal que manifesta as coisas na
linguagem, e o elemento prático de nossa experiência de mundo anterior à linguagem, mas que não
se expressa senão via linguagem, e este ele é o como e o logos hermenêutico” (STEIN, Ernildo.
Aproximações sobre hermenêutica, Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. p. 20).
40 STRECK, Lenio. O que é isto... cit., p. 15.
41 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo cit., passim.
42 STRECK, Lenio. O que é isto ... cit., p. 84.
43 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método I... cit., p. 374-375.
44 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo cit., p. 210.
45 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I... cit., p. 356. Sobre o círculo hermenêutico,
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II... cit., p. 72-81.
46 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I... cit., p. 405.
47 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo cit., p. 209.
48 “Referimo-nos, em primeiro lugar, à ‘Espiral Hermenêutica’, segundo a qual a aplicação do direito
envolve uma atividade altamente dinâmica, em que se circula das premissas menores às maiores,
diversas vezes e sucessivamente, até se conformarem fato e direito naquilo que, apenas
descritivamente, ou seja, em sua forma ou aparência externa, será um silogismo. Aqui, a formulação
do juízo de fato e do direito a aplicar são conjunta e reciprocamente elaborados, um exercendo
grande influência sobre o outro, num intenso movimento da norma ao fato, do fato à norma, até
chegar-se ao produto final” (KNIJNIK, Danilo. Os standards do convencimento judicial: paradigmas
para o seu possível controle. Revista Forense. vol. 353. n. 353. p. 15-52. Rio de Janeiro: Forense,
2001).
49 Nos dizeres de Lenio Streck: “Por intermédio do círculo hermenêutico, faz-se a distinção entre
pré-juízos verdadeiros e falsos, a partir de um retorno contínuo ao projeto prévio de compreensão,
que tem na pré-compreensão a sua condição de possibilidade. O intérprete deve colocar em
discussão seus pré-juízos, isto é, os juízos prévios que ele tinha sobre a coisa antes de com ela se
confrontar. Os pré-juízos não percebidos como tais nos tornam surdos para a coisa de que nos fala a
tradição” (STRECK, Lenio. Verdade e consenso... cit., p. 412-413). Um exemplo pode ser dado, a
teoria dos precedentes está sendo adotada dogmaticamente no direito brasileiro de forma gradativa,
o problema da vinculatividade dos precedentes é um problema de teoria do direito que é
contemporâneo a todos os ordenamentos jurídicos, não importando qual a tradição jurídica, contudo,
a pré-compreensão de que se trata de uma “invasão” do common law, de um direito criado pelos
juízes e o senso comum de que o Brasil é um país de civil law faz com que sejam alegadas falsas
incompatibilidades e inconstitucionalidades dos institutos propostos. A tradição não é uma camisa de
força, os problemas jurídicos exigem antes de sua análise o distanciamento e o afastamento das
pré-compreensões. Sobre a teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes cf. ZANETI
JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes... cit., passim.
50 STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica cit., p. 71-88.
51 “L’interpretazione ha natura essenzialmente intermediatrice e si coloca tra l’universalità del texto
(la legge, il principio, l’opera, l’azione) e la concretezza dela situazione storica entro la quale esso è
Teoria da decisão judicial no Código de Processo Civil:
uma ponte entre hermenêutica e analítica?
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posto” (VIOLA, Francesco; ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e Interpretazione: Lineamenti di Teoria
Ermeneutica del Dirrito. Roma/Bari: Laterza, 1999. p. 109).
52 “Uma lei não quer ser entendida historicamente. A interpretação deve concretizá-la em sua
validez jurídica. (...) se quiser compreendê-lo adequadamente [o texto da lei], isto é, de acordo com
as pretensões que o mesmo apresenta, tem de ser compreendido em cada instante, isto é, em cada
situação concreta de uma maneira nova e distinta. Aqui, compreender é sempre também aplicar”
(GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I... cit., p. 461).
53 Curiosamente, Gadamer se vale de uma decomposição analítica para explicar o fenômeno
hermenêutico da applicatio, o que reforça a importância da analítica para tornar claro o discurso
compreendido hermeneuticamente.
54 “A realidade dos costumes, p. ex., é e continua sendo, em âmbitos bem vastos, algo válido a
partir da herança histórica e da tradição. Os costumes são adotados livremente, mas não criados por
livre inspiração nem sua validez nela se fundamenta. É isso, precisamente, que denominamos
tradição: o fundamento de sua validez. E nossa dívida para com o romantismo é justamente essa
correção do Aufklàrung, no sentido de reconhecer que, à margem dos fundamentos da razão, a
tradição conserva algum direito e determina amplamente as nossas instituições e comportamentos
(...) Seja qual for o caso, a compreensão nas ciências do espírito compartilha com a sobrevivência
das tradições, uma premissa fundamental, a de sentir-se interpelada pela própria tradição”
(GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método I... cit., p. 421-424).
55 KAUFMANN, Arthur. A problemática da filosofia do direito ao longo da história. In.: KAUFMANN,
Arthur; HASSEMER, Winfried (org). Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito
contemporâneas [1977]. Trad. Marcos Keel. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 134.
56 STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica cit., p. 79-80.
57 “No momento, é importante ter claro que quando se fala em teoria do direito hoje é inevitável que
se faça uma opção: ou somos analíticos ou somos hermenêuticos – não há meio termo possível
nessa questão” (ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de.
Introdução à teoria e filosofia do direito cit., p. 433-434).
58 Vejamos, apenas a título de exemplo, a doutrina brasileira. Lenio Streck, hermeneuta, afirma que
“a hermenêutica não quer corrigir ou substituir qualquer teoria epistemo-procedimental. Igualmente,
não pretende recorrer com uma teoria do conhecimento que procure justificar os elementos do
conhecimento empírico. A hermenêutica não proíbe que se faça essa justificação explicitação de
forma procedural. Só que a hermenêutica não concorda com a eliminação do primeiro passo na
compreensão, que é exatamente o elemento hermenêutico” (STRECK, Lenio. Verdade e consenso...
cit., p. 82). Humberto Ávila, analítico, assevera que “Todavia, a constatação de que os sentidos são
construídos pelo intérprete no processo de interpretação não deve levar à conclusão de que não há
significado algum antes do término desse processo de interpretação. (...) Wittgenstein refere-se aos
jogos de linguagem: há sentidos que preexistem ao processo particular de interpretação, na medida
em que resultam de estereótipos de conteúdos já existentes na comunicação linguística geral.
Heidegger menciona o enquanto hermenêutico: há estruturas de compreensão existentes de
antemão ou a priori, que permitem uma compreensão

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