Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/279886703 COMO FAZER INIMIGOS E AFASTAR PESSOAS. Book · January 2011 CITATIONS 0 READS 372 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Business schools and social impact: mechanisms and practices of valorisation and dissemination of knowledge View project The Management Industry View project Thomaz Wood Jr. Fundação Getulio Vargas 196 PUBLICATIONS 1,977 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Thomaz Wood Jr. on 02 May 2020. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/279886703_COMO_FAZER_INIMIGOS_E_AFASTAR_PESSOAS?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/279886703_COMO_FAZER_INIMIGOS_E_AFASTAR_PESSOAS?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Business-schools-and-social-impact-mechanisms-and-practices-of-valorisation-and-dissemination-of-knowledge?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/The-Management-Industry?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Thomaz_Wood_Jr?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Thomaz_Wood_Jr?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Fundacao_Getulio_Vargas?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Thomaz_Wood_Jr?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Thomaz_Wood_Jr?enrichId=rgreq-0317e50a7a2911ba0236bbedd6694c1f-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI3OTg4NjcwMztBUzo4ODY4MDk1MTcxMDUxNTdAMTU4ODQ0MzI3Mzg3OQ%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf COMO FAZER INIMIGOS E AFASTAR PESSOAS Thomaz Wood Jr. Este livro é dedicado a todos os colegas e amigos q ue conseguiram preservar o senso crítico e o bom humor durante o p eríodo de trevas do culto do management e do conformismo... Sumário Apresentação PARTE 1: FALANDO MAL DOS GENTIOS Homo ignobilis Os cavernícolas Clientes selvagens Heróis em baixa Empurrando com a barriga O erro tipo três O erro tipo quatro Voyeurs em fúria Distopia virtual A turma Y Na contramão Sexo verde PARTE 2: FALANDO MAL DAS CORPORAÇÕES Enxofre e naftalina A praga de Colbert Insensatez e insensibilidade Pulmões e cérebros Mal amadas, mal entendidas Na beira do abismo Depois das horas A armadilha do groupthinking Déficit de atenção O futuro em cores O encontro das águas Homo mobilis PARTE 3: FALANDO MAL DA GESTÃO A vida como extensão da empresa Na turma do fundão RH negativo Clonagem arriscada Salsicheiros e pasteleiros Leituras fugazes O futuro do management Revolucion ! Impostos em fúria Corrida de obstáculos Empregos vitalícios PARTE 4: FALANDO MAL DA CRISE A crise e os bodes Troca de cena Humores em transe Tragédia nórdica Marolas e vagalhões Apresentação Como Fazer Inimigos e Afastar Pessoas reúne ensaios escritos a partir de um olhar crítico sobre as organizações e seus habitantes. O título, naturalmente, é uma paródia d o conhecido Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale Carnegie. De fato, se pensarmos em uma “célula tronco” dos livro s de auto- ajuda empresarial, este seria a obra de Carnegie. O fato é que há sete décadas o curioso volume manté m uma carreira de sucesso. Nada menos do que 15 milhões de cópias foram vendidas. Os preceitos contidos no livro venceram a s fronteiras do espaço e do tempo. Os clones Carnegie espalharam -se pelo comércio e pela indústria, pelo litoral e pelo plan alto (central), pelas letras e pela mídia. Este escriba prefere tomar a rota oposta e apresent ar aos leitores uma visão crítica sobre a vida nas organiz ações. Os ensaios deste libro estão divididos em quatro parte s: a primeira parte é composta por 12 textos focados no indivíduo , suas posturas e seus comportamentos; a segunda parte tam bém é composta por 12 textos, voltados para o estranho mundo das o rganizações; a terceira parte é composta por 11 textos, que focali zam as práticas de gestão; e a quarta parte compreende cin co textos, que tratam do momento de crise vivido a partir do final de 2008. Como Fazer Inimigos e Afastar Pessoas, da mesma forma que outros volumes que o antecederam, foi escrito para o leito r de tempo escasso, porém determinado a buscar conhecimento be m fundamentado. Os capítulos são curtos, porém foram escritos com base em pesquisas. Todos os textos foram norteados pelo dever e pelo prazer de exercer um olhar crítico sobre a vid a executiva. Boa leitura! São Paulo, julho de 2009. PARTE 1: FALANDO MAL DOS GENTIOS Homo Ignobilis Na chamada era do conhecimento, segmentos considerá veis da população parecem sofrer de anorexia intelectual: e les hostilizam o saber e celebram a ignorância. Circulam freqüentemente pela Internet listas de atr ocidades lingüísticas cometidas por estudantes em exames ves tibulares. Há alguns anos, uma safra auspiciosa, embalada por que stões ambientais, produziu impagáveis reflexões sobre a “ dificuldade de achar os pandas na Amazônia”, a “extinção do micro- leão dourado” e a poluição das “bacias esferográficas”. Muito ant es de Al Gore, nossos jovens já haviam chegado à conclusão de que a questão ambiental “é um problema de muita gravidez” e que, para resolvê- lo, não se deve preservar “apenas o meio ambiente, e sim todo ele”. Em suma, como bem sumariou um luminar: “vamos deixar de sermos egoístas e pensarmos um pouco em nós mesmos” . Sejam verdadeiras ou apenas fruto de algum malicioso bem humorado, o fato é que tais pérolas bem representam a condição educacional das hordas locais. Frente a tais manifestações de “exuberância intelec tual”, conservadores e nostálgicos costumam deplorar a deg radação do ensino público e relembrar momentos passados, não t ão soturnos, da educação pindoramense. Os lamentadores bem poder iam se associar aos vizinhos do norte. Lá como cá, a tendê ncia para a lamúria é perene, a cruzar gerações e a produzir re flexões e provocações. Em 1963, Richard Hofstadter publicou sua seminal ob ra “Anti- intellectualism in American Life” , relacionando a tendência anti- intelectual da sociedade à ação dos religiosos, dos políticos e dos empresários. Segundo o autor, tais atores envol vem sua retórica como conceitos como moralidade, democracia ,utilidade e praticidade para fomentar nos indivíduos desconfian ça e ressentimento contra o mundo da mente e a vida inte lectual. Em 1987, Allan David Bloom lançou “Closing of the A merican Mind” . A obra trazia uma crítica da universidade contempor ânea e da sociedade centrada no interesse individual. Bloom l amentava a desvalorização dos grandes livros do pensamento oci dental e a emergência de uma cultura popular que embalava os n ovos estudantes, incapazes de buscar um sentido filosófi co para a vida, e movidos apenas pela satisfação de desejos i mediatos de reconhecimento e sucesso comercial. Vinte anos depois, uma nova obra – “The Age of Amer ican Unreason” – assinada por Susan Jacoby, faz eco às duas primeir as. Em declarações sobre o livro, a autora se mostra assus tada com demonstrações de ignorância na mídia e na vida coti diana. Ainda pior é o que percebe como uma hostilidade geral ao conhecimento, uma mistura catastrófica que combina anti-intelectu alismo – a percepção de que muito conhecimento pode ser algo p erigoso – e anti-racionalismo – que reflete o primado da opiniã o sobre os fatos e as evidências. Segundo declarou ao The New York Times , os cidadãos de hoje não são apenas ignorantes sobre co nhecimento científico, cívico e cultural, como não acreditam q ue tal conhecimento tenha alguma importância. A tenebrosa frase “não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe” nu nca foi tão popular. Jacoby alinha três causas para o estado das coisas: primeiro, as deficiências do sistema educacional, que segue prol ongando os anos de escolaridade, porém não gera evidências de que os estudantes estejam aprendendo mais; segundo, a forç a do fundamentalismo religioso, com sua antipatia pela c iência; e terceiro, a influência dos liberals (esquerdistas) norte- americanos sobre as universidades, a promover a cul tura pop, e a tornar trivial e superficial o aprendizado no ensin o superior. Em um artigo publicado no jornal The Washington Post , a própria Jacoby condena o inexorável movimento ladeira abaix o, catalisado pela superação da cultura escrita pela cultura do v ídeo. A autora relaciona a popularização do uso deste tipo de tecn ologia ao decréscimo da capacidade de concentração por períod os mais longos de tempo. A onipresença da mídia eletrônica e visua l estimula a cultura da distração, e avança contra indivíduos su sceptíveis, sem defesas. Conforme o público se torna mais impac iente com o processo de conseguir informação por meio da lingua gem escrita, aceleram-se os processos de comunicação, o que cont ribui para a erosão do conhecimento geral. Enquanto as taxas de leitura declinam, o uso de computadores, de Internet e de v ideogames sobe. Em um mundo cada vez mais dependente do conheciment o, é paradoxal que o reconhecimento da importância da educação e d o intelecto conviva com o anti-intelectualismo, com o obscurant ismo corporativo ou religioso e com celebrações sem pudo r da mais pura ignorância. É como se inexoráveis forças ambientais induzissem os indivíduos a um novo tipo de patologia: a anorexia intelectual. Os cavernícolas Só Platão explica o comportamento de alguns publici tários e de seus pares nos domínios mercadológicos corporativos . Em meados de agosto, o Conselho Superior do Audiovi sual (CSA) francês anunciou que proximamente os canais de TV d as terras de Voltaire não poderão mais exibir programas com a in dicação de que são destinados a crianças com menos de três anos de idade. Havia causado irritação nos franceses as declarações veic uladas por dois canais – Baby TV, lançado na França em 2005, e Baby First, criado em 2007, com emissões a partir da Grã-Bretan ha – de que a programação para a audiência infantil traria supost os benefícios. Segundo o jornal Le Monde , especialistas consultados pela CSA avaliaram que a TV representa uma ameaça ao desenvo lvimento de crianças com menos de três anos de idade. Assistir TV favorece a passividade, provoca agitação, gera problemas de so no, dificulta a concentração e retarda o desenvolvimento da lingu agem. Na França e em outros países a TV é há muito tempo objeto de preocupação para educadores, psicólogos e formulado res de políticas públicas. No Brasil, as crianças de quatr o a 11 anos de idade passam quase cinco horas por dia diante da TV , mais tempo do que convivendo com a família ou na escola. A inf ormação é assinada por Ana Lucia Villela, presidente do Insti tuto Alana, uma organização sem fins lucrativos, no website www.alana.org.br . O Instituto Alana desenvolve, desde 2005, o Projeto Criança e Consumo, que tem como objetivo fomentar “a consciên cia crítica da sociedade brasileira a respeito das práticas de con sumo de produtos e serviços por crianças e adolescentes”. A mercantilização da infância e da juventude, o consu mismo, a erotização precoce, a obesidade infantil, a violênc ia na juventude, o materialismo excessivo e o desgaste da s relações sociais são os temas prioritários do Projeto. O Pro jeto visa disseminar a informação apoiar a educação, porém su a equipe também realiza uma ação direta de denúncia contra a busos dos meios de comunicação. basta Ligar a TV para confirm ar que crianças são alvos costumeiros de publicitários e p rofissionais de marketing. Significativamente, o website do Instituto Alana registra dezenas de notificações e ações jurídicas contra empresas q ue endereçam mensagens publicitárias a crianças. A lista inclui pesos pesados do cenário corporativo local, tais como C&A, CadBur y Adams, Cartoon Network, Coca-Cola, Editora Abril, Kellog, Nestlé, Sadia e Unilever. Muitas das empresas mencionadas possuem listas de valores e códigos de ética, mas parecem ignorar ou interpretar de forma “peculiar” o Estatuto da Criança e do Adolesc ente e outros instrumentos legais que tratam da matéria. As peças relacionadas no website revelam um quadro triste da “criação” publicitária. Uma peça para TV mostra o D VD de bordo do Renault Scénic como a solução perfeita para “discip linar” crianças em uma suposta viagem de férias. O próximo passo talvez seja promover diretamente pílulas tranqüilizantes p ara crianças ativas. Comerciais de sandálias Havaianas e de serv iços telefônicos da Claro projetam jogos sensuais, própr ios dos adultos, em grupos de crianças de seis ou sete anos de idade. O que deveria ser visto como constrangedor torna-se “ engraçadinho”. A Mattel coloca suas tradicionais Barbies a serviço do consumismo kitsch e do mau gosto, enquanto a Candide persegue o mesm o fim, porém usando um personagem mais ou menos real: a ap resentadora Xuxa. Alguns publicitários e seus pares dos domínios merc adológicos parecem ter enveredado pelo século 21 como caverníc olas do século 20, herdeiros do laissez-faire de outras eras. Assemelham-se aos prisioneiros da célebre caverna de Platão, acorrent ados ao chão e impossibilitados de sair. Seguem a interpretar o mu ndo segundo as sombras projetadas na parede à frente. Caso deixassem a caverna, se espantariam com um mun do exterior cheio de implicações e conseqüências. Borboletas ba tem asas na Amazônia e já se forma um tornado no Texas. Talvez se surpreendessem ao saber que fumar causa danos à saú de, que dirigir alcoolizado causa acidentes e que fixar outdoors emporcalha a cidade. Quiçá até notassem que os urso s polares andam reclamando do calor e que “tirar vantagem de tudo” não é mais o lema de algumas profissões. No entanto, a vida segue tranqüila dentro da cavern a. Na caverna não há borboletas amazônicas, ameaça à camada de oz ônio, aquecimento global, infância roubada, consumismo e outros temas aborrecidos da vida real. Na caverna, a conversa gi ra em torno de insights geniais, campanhas criativas, verbas espetaculares e platéias deslumbradas comtanta criatividade. Não h á crise de consciência, porque não há consciência. Não há cris e moral, porque não há moral. Na caverna, há somente caverní colas, muitos deles. Clientes selvagens A considerar o comportamento de alguns clientes, ta lvez seja pertinente criar o Provicon – o Programa de Proteçã o e Defesa das Vítimas dos Consumidores. Ouço, constrangido, gravações de um call center. A seqüência, que une quatro chamadas e soma 20 minutos, retrata a ep opéia de um cliente mal atendido. O ritmo é de filme policial. Os diálogos são de teatro do absurdo. O primeiro ato (ou chamad a) revela o despreparo do atendente, que não registra a solicit ação do cliente, confunde seu nome e coloca-o repetidamente em espera. O cliente responde com desmedida irritação: recusa-se a repetir as informações prestadas, insinua as limitações mentai s do atendente, ameaça processá-lo e exige falar com um superior. De cliente mal atendido, transforma-se em destemido gu erreiro, a invocar códigos e regulamentos: “aos amigos, tudo; aos inimigos a lei”. O segundo ato traz o cliente em embate com o requis itado superior. Belicoso, ele delata o atendente, exige r etratação e clama por compensação. Ciente de sua limitada auton omia, o superior, que, afinal, não é assim tão superior, es mera-se na retratação, porém nega a compensação. Em um crescen do de irritação, o guerreiro pragueja e esbraveja. Transf orma o superior em “mané”, lembra-o de seu minguado salári o e ameaça suprimir, pela força de suas relações pessoais, seu emprego. O terceiro ato mostra o cliente triunfante. Sua com pensação é autorizada pelo superior do superior. Seu pedido se rá atendido. Vitória, afinal. Porém, a conquista não lhe é sufic iente. É preciso que o inimigo seja humilhado e aprenda uma inesquecível lição. O massacre, impetrado pelo sádico, atravessa bons cinco minutos. O superior é levado seguidamente às cordas , nocauteado até sentir o peso do adversário, aceitar a derrota e suplicar por perdão. O cliente já não é um simples guerreiro. É também inquisidor e justiceiro. Sua missão é sagrada, rede ntora: usar o chicote e a palmatória para salvar a alma dos pecad ores. O quarto ato conclui o drama. O cliente – guerreiro , justiceiro, inquisidor e missionário – é traído pelo destino. D epois de contundentes vitórias, sua entrega sofre um atraso, o que lhe remove o chão e a razão. A quarta ligação é marcada pelo delírio. Sua ira transborda na forma de um fluxo trôpego e i ninteligível de blasfêmias. A vítima é uma humilde atendente que , sem defesa, agarra-se ao seu script como a uma bóia salva-vidas. A tensão cresce até o esperado desfecho: o corte seco da lig ação. Desce a cortina. Os call centers constituem um fenômeno emergente no mundo do trabalho. Suas condições de trabalho são comumente comparadas àquelas das tecelagens inglesas da Revolução Indust rial: a mão de obra é abundante e tem baixa qualificação, o trabal ho é árduo e estafante, o controle é impiedoso e a remuneração é ínfima. Na pré-história dos call centers encontra-se Murray Roman, um norte-americano que, em meados da década de 1960, c riou uma nova técnica de vendas. Roman reuniu um grupo de atores desempregados, coloco-os em uma sala repleta de telefones e pagou salários de fome para que dessem vida a um tosco roteiro de ven da. Foi um sucesso. Nos anos 1980 e 1990, o desenvolvimento do setor foi catalisado pelo avanço das tecnologias de informaçã o e de comunicação. Empresas especializadas cresceram vert iginosamente, cruzando barreiras regionais e nacionais, em busca de mão de obra barata. Quem viu um, viu todos. Call centers são geralmente alojados em salões amplos, o espaço dividido em dezenas ou cent enas de cubículos. A inspiração das linhas de montagem é ní tida: os atendentes têm seus tempos e movimentos minuciosame nte controlados; as gravações são monitoradas e o tempo de atendimento é acompanhado. As falas, do “bom dia” a té o “obrigado por ligar”, são determinadas por scripts pré-definidos. As conseqüências do sistema são conhecidas: alto nível de estresse, distúrbios mentais, altas taxas de absenteísmo e de rotatividade. Os dois tipos de call centers – as centrais de televendas e as centrais de atendimento – são alvos comuns de recla mações. As primeiras são criticadas por invasão de privacidade . Quem não foi interrompido no trabalho ou no repouso por uma ofer ta irrecusável de um novo (e inútil) cartão de crédito? As últimas são criticadas pela dificuldade de conseguir contato e pela má qualidade dos serviços. Alguns países vêm estabelec endo controles para evitar abusos. Porém, quem controla a incivilidade dos clientes? S eqüências, como a descrita acima, são cada vez mais comuns, a revelar que Pindorama ecoa ainda costumes e abusos da casa gran de e da senzala. Talvez, além do Procom, deva-se criar o Pr ovicom: o Programa de Proteção e Defesa das Vítimas dos Consu midores. Heróis em baixa O culto aos executivos-chefes transformou-os em cel ebridades e engordou suas contas bancárias. No entanto, estudos científicos trazem dúvidas sobre o seu impacto no desempenho da s empresas. Se formos ingênuos a ponto de acreditar nas manchet es das revistas de negócios, concluiremos que Carlos Ghosn salvou a Nissan, Lou Gerstner fez o elefante IBM dançar, e J ack Welch levou as ações da General Electric aos céus. Por de trás da despudorada adoração, repousa uma premissa: executi vos-chefes são peças vitais nas engrenagens corporativas. Sua insp iração e sua transpiração abrem trilhas e levam suas empresas ao sucesso. Honras e glórias lhes são devidas. Tome-se o caso emblemático de Steve Jobs e da Apple . Jobs foi um dos fundadores da icônica organização, em 1976. Uma década e muitos computadores vendidos depois, foi afastado d a própria empresa. Retornou nos anos 1990, para comandar uma reviravolta coroada por sucessos com o iMac, o iPod e o iPhone. O turn-around e os novos produtos iluminaram a estrela de Jobs e inflaram sua legião de adoradores. Em 2004, Jobs anunciou um dia gnóstico de tumor no pâncreas. Desde então, sua saúde tornou-se tema público, acompanhado de perto pelo mercado financeiro. Anúnc ios oficiais da empresa, boatos e até mesmo notícias falsas sobr e a condição física de Jobs fazem as ações da Apple oscilar, rou bando em poucas horas bilhões de dólares do valor da empresa . Harris Collingwood, em um artigo para o periódico The Atlantic, parte do caso de Jobs para introduzir uma intrigant e questão: quanta diferença um executivo-chefe pode realmente fazer? Até a década de 1970, os presidentes de empresa eram figu ras apagadas, tecnocratas que eram vistos, e se viam, como peças de uma engrenagem maior. Sua missão era manter, com discri ção, a máquina em funcionamento. Porém, a partir do final dos anos 1970 começaram a surgir celebridades no mundo corporativ o. Lee Iacocca, na Chrysler, e Bill Gates, na Microsoft, a lém dos citados Steve Jobs Jack Welch, Lou Gerstner e Carlo s Ghosn tiveram seus feitos registrados em incontáveis capa s de revistas, artigos e livros. Além de beneficiar os próprios ex ecutivos, o fenômeno movimentou a indústria editorial, fomentou as atividades das empresas de eventos corporativos e alimentou co nsultores de recursos humanos, estratégia e gestão da mudança. Apesar da crescente oferta de fábulas de sucesso, Collingwood observa que a importância do executivo chefe não é obvia. As investigações sobre o tema começaram na década de 1 930 e seus resultados são polêmicos. Chester Barnard, pioneiro estudioso da vida corporativa, considerava o executivo chefe com o uma força vital, a prover sentido e direção para a empresa, i nduzindo os liderados a fazerem mais do que a simples obrigação profissional.Nem todos os seus pares concordam. Em um estudo emp írico publicado em 1972 na revista científica American Sociological Review, Stanley Lieberson e James O’Connor argumentam que a influência do executivo-chefe sobre o desempenho or ganizacional é relativamente pequena. Os pesquisadores investigara m 167 empresas e constataram que fatores ligados ao ambiente (por exemplo, disponibilidade de capital e grau de estabilidade d o mercado) e à organização (por exemplo, posição da empresa frente aos concorrentes) têm maior efeito sobre os resultados do que a ação do executivo-chefe. James March, professor de Stanford e decano do estu do das organizações, afirma que em qualquer organização be m gerenciada os candidatos ao posto de executivo-chefe são tão p arecidos em termos de educação, competências e perfil psicológi co que a escolha é irrelevante. O que importa é ter alguém n o cargo. Arremata March: “é difícil dizer a diferença entre duas lâmpadas; porém, se você retirar todas elas, fica difícil ler no escuro”. Jeffrey Immelt, atual presidente da General Electri c, faz coro a March, afirmando, literalmente, que nos anos 1990 q ualquer um poderia ter gerenciado bem a GE, até mesmo um pasto r alemão! Mostrando as nuanças do tema, mm estudo conduzido p or três professores de Harvard – Noam Wasserman, Bharat Ana nd, e Nitin Nohria – concluiu que os executivos-chefes podem fa zer mais diferença em algumas indústrias do que em outras. S etores muito regulados ou estáveis dão pouca margem de manobra à ação gerencial. Setores instáveis e competitivos, por ou tro lado, exigem criatividade, iniciativa e agilidade de seus líderes. Collingwood fecha seu artigo com uma frase de Jeffr ey Pfeffer, um professor de Stanford notório por suas posturas crí ticas: “Bons líderes podem fazer uma pequena diferença positiva; maus líderes podem fazer uma enorme diferença negativa”. A consi derar a conduta de certos líderes pindoramenses, a máxima d e Pfeffer vale também ao sul da Linha do Equador. Empurrando com a barriga Trabalho científico procura lançar luzes sobre um d os nossos mais irritantes hábitos: a mania de deixar para o dia se guinte o que deveríamos fazer hoje. No patoá cotidiano, empregamos a expressão “empurra r com a barriga”. Ela vem assim mesmo, no infinitivo, ou en tão no gerúndio, como no título deste capítulo. No entanto , o termo apropriado na fala pátria é procrastinar. Substituí mos o segundo pelo primeiro para tornar a pouco edificante mania mais simpática. Empurrar com a barriga é coisa de boa-pr aça. Procrastinar soa quase delinqüente. E é difícil de falar, como se a língua lutasse para sincronizar seus movimentos c om os músculos faciais, o palato a reprimir, sem sucesso, a sublev ação das partes inferiores. O significado tampouco é dos mai s dignos. Procrastinar ( apud Houaiss) é adiar, deixar para depois, delongar, postergar. Em suma, coisa boa não é. Não obstante, a feiúra não lhe subtrai popularidade : procrastinamos o início da dieta, as resoluções de ano novo e o check-up médico; procrastinamos tudo que parece enfadonho e tudo que demanda muito trabalho; procrastinamos decisões difíceis e ações impopulares; procrastinamos no trabalho e na vida pessoal; procrastinamos o namoro (por temer o casamento) e o casamento (por temer o divórcio); as vezes procrastinamos a v ida e até tentamos procrastinar a morte. A popularidade e a irracionalidade do ato – a procr astinação – sempre despertaram a curiosidade dos estudiosos do comportamento humano. Porque, afinal, sabotamos ou prejudicamos a nós mesmos deixando para amanhã o que devemos fazer hoje? Porq ue preferimos a agonia da espera em lugar de fazer de uma vez o q ue precisamos? Terá nossa herança genética nos programado para adi ar e postergar? Terá nossa mente uma perversão instalada que nos isola do senso de urgência? Alguns psicólogos apostam em nossa baixa auto-estim a e em nossa insegurança. Se estivermos incertos do sucesso ou t emermos os resultados, adiaremos o quanto pudermos a tarefa. O utros pesquisadores notam a falta nossa falta de autocont role. Sem disciplina, tendemos a agir de forma impulsiva e po uco racional, adiando atividades para as quais deveríamos dar pri oridade. Naturalmente, embora às vezes seja completamente ir racional, aceitamos como deveras humano tentar adiar atividad es pouco estimulantes, difíceis ou simplesmente aborrecidas. Em um número da revista científica Psychological Science , Sean M. McCrea e mais três colegas pesquisadores tentam uma outra explicação. A conclusão, que recebeu atenção da imp rensa européia e norte-americana, é que agimos em tempo quando rec ebemos tarefas concretas, porém tendemos a adiar o trabalho quando enxergamos as tarefas de uma forma mais abstrata, ou seja, quando percebemos uma atividade como distante do aqui e agora, tendem os a confiná- la em um futuro vago e longínquo. Em um experimento realizado com estudantes, os pesq uisadores observaram que quase todos que foram induzidos a pe nsar em termos concretos completaram suas tarefas dentro do prazo, enquanto que mais da metade daqueles que foram induzidos a pensa r de forma mais abstrata perderam seus prazos. Se os resultado s forem generalizáveis, então simplesmente apresentar certa s tarefas de forma mais detalhada e objetiva pode aumentar a pos sibilidade de tê-las resolvidas dentro do prazo. Os resultados têm inegável interesse para o mundo c orporativo, no qual o comportamento de empurrar com a barriga cheg a a ser endêmico. Nos últimos anos, mudanças no ambiente de trabalho, com a introdução de novos sistemas e modelos de gestão, de incontáveis prêmios e certificações, criaram uma ca mada de fumaça e vapor sobre as organizações. Administrar perdeu p arte de seu caráter prático para se transformar em atividade ab strata, cheia de metáforas, estórias e fábulas. Muita reunião par a pouca ação. Em suma, um ambiente que não só favorece a procrast inação, como também premia os procrastinadores. Neste novo ambie nte, para cada decisão banal, é preciso penetrar no obscuro mundo dos modelos teóricos e discutir coerências improváveis. Mais ab stração levando a mais procrastinação. O pior é que a torpe mania gera efeito dominó. As o rganizações são hoje sistemas fortemente interconectados, nos q uais cada área ou profissional depende de outros, e condiciona o t rabalho de outros. Se uma dessas “peças” atrasa sua tarefa ou deixa de cumprir seu prazo, gera uma onda de ineficiência em toda o sistema. Somem-se estas ineficiências e chega-se ao resultado: custos altos, baixa rentabilidade, serviços de má q ualidade, clientes mal atendidos e imagem prejudicada. Conclu são: procrastinar pode ser humano, mas é feio; portanto, usemos com moderação. O erro tipo três Segundo renomados pesquisadores, na raiz de algumas grandes catástrofes contemporâneas está nossa tendência de resolver da forma certa os problemas errados. Há pouco mais de dez anos, as montadoras instaladas em Pindorama viviam um momento bem diferente do atual. Diante da situação econômica desfavorável e da retração do consumo, el as tinham seus pátios inundados com um mar de veículos novos e red uziam a produção. Enquanto isso, um grande fornecedor de au topeças, embora ligado por cordão umbilical às montadoras, a gia como se habitasse um planeta distante. Seu diretor industri al, orgulhoso de seus quadros e de suas máquinas, comemorava mais um recorde de produção. O paradoxo era óbvio: como seria possível para um fornecedor quebrar recordes se seus principais clie ntes estavam reduzindo drasticamente a produção? De fato, milagr e não havia. A empresa em questão produzia, mas não vendia. Os est oques de produto acabado lotavam seus armazéns e eram levado s para armazénsexternos, alugados em ritmo de emergência e a preço de ouro. A queda do faturamento obrigava a empresa a c aptar dinheiro em bancos para comprar matéria prima. A situação er a, de fato, surreal: a empresa tomava empréstimos para produzir em velocidades cada vez maiores, e estocar, a um custo cada vez mais alto, um produto que seus clientes não queriam. Fel izmente, a insensatez foi descoberta e o prejuízo contido. Situações como esta são muito comuns. A todo o mome nto, nas empresas, é possível identificar esforços sinceros para resolver da forma mais eficaz possível determinados problema s. No entanto, em muitos casos, esses problemas são os problemas e rrados. No caso acima, um enorme esforço da equipe de produção havia sido realizado para eliminar gargalos e maximizar o uso dos equipamentos e recursos. A questão real, no entanto , situava-se além da fronteira da produção: era uma questão de m ercado. Esse é o tema do novo livro dos veteranos pesquisad ores Ian I. Mitroff e Abraham Silvers: Dirty Rotten Strategies: How We Trick Ourselves and Others into Solving the Wrong Problem s Precisely , a ser lançado em 2008 pela Stanford University Press. Mitroff e Silvers denominam a conduta acima de erro tipo três . Os erros do tipo um e dois tiveram seu uso consagrado pela esta tística: o erro tipo um refere-se a rejeitar como falsa uma hi pótese verdadeira e o erro tipo dois refere-se a aceitar c omo verdadeira uma hipótese falsa. Em síntese, o erro tipo três re fere-se a solucionar de forma correta o problema errado. A idéia do erro tipo três veio do estatístico John Tukey, que argumentava que a maior parte dos erros ocorrem por que tentamos resolver os problemas errados e não porque falhamos em conseguir as soluções certas para os problemas certos. A deno minação de erro tipo três foi dada por Howard Raiffa, um pesqu isador da teoria das decisões. O ponto de partida de Mitroff e Silvers foi o traba lho de Jerome Groopman, um hematologista de Harvard. Groopman ana lisou a questão dos erros médicos. Seu argumento é que part e considerável desses erros resulta da forma padronizada como os m édicos são formados e da pressão a que são submetidos para agi r com assertividade e rapidez. Em lugar de considerar div ersas possibilidades de problemas e diagnóstico, a formaç ão e a prática dos médicos os força a usar certas rotinas para tra tar problemas complexos. Falta análise crítica. Os resultados pod em ser, eventualmente, fatais. A dificuldade com a maior das situações nas quais s urgem os erros tipo três é que nós acreditamos saber, de antemão, qual é a raiz de um problema. Parte considerável dessa questionáv el premissa, segundo os autores, se deve ao sistema de “des-educ ação” (sic). Explica-se: na escola, em todos os níveis, somos in duzidos a confundir “exercícios” com “problemas”. Somos trein ados para resolver exercícios, que tem soluções lógicas e úni cas, e não problemas, que são complexos, exigem análises ampla s e podem levar a múltiplas soluções. Então, levamos tal dist orção para a vida profissional e tentamos resolver situações com plexas com o uso de ferramentas simples. Ambiciosa, a obra de Mitroff e Silvers procura ir a lém dos casos específicos e compreender os padrões que permeiam a s situações que levam ao erro tipo três. Seu foco ultrapassa as fronteiras corporativas e repousa sobre grandes temas da atual idade norte- americana: o caro e criticado sistema de saúde (obj eto de um documentário de Michael Moore), as meias verdades e inverdades utilizadas para justificar a guerra do Iraque, o fi asco do atendimento das vítimas do furacão Katrina, e o pol êmico fenômeno das mega-igrejas e a “reinvenção de Deus”. Além do erro tipo três, os autores também mencionam o erro tipo quatr o. Deste, trataremos no próximo capítulo. O erro tipo quatro Mais grave do que resolver da forma certa os proble mas errados é, visando benefício próprio, induzir intencionalmente os outros a resolver os problemas errados. No capítulo anterior, este escriba comentou o livro de Ian I. Mitroff e Abraham Silvers: Dirty Rotten Strategies: How We Trick Ourselves and Others into Solving the Wrong Problem s Precisely , a ser lançado em 2008 pela Stanford University Press. O argumento central da obra é que as distorções do sistema educ acional e certas condições na prática profissiomal nos levam a cometer o que os autores denominam de erro tipo três. Os erro s do tipo um e dois tiveram seu uso disseminado pela estatística: o erro tipo um refere-se a rejeitar como falsa uma hipótese verdad eira e o erro tipo dois refere-se a aceitar como verdadeira uma h ipótese falsa. O erro tipo três refere-se a solucionar de forma co rreta o problema errado. A obra explica também o erro tipo quatro, que signi fica intencionalmente resolver os problemas errados. O e rro tipo três é produto da simples ignorância ou de uma prática p rofissional irrefletida. O erro tipo quatro, por sua vez, ocorr e quando, em detrimento dos outros e para benefício próprio, cer tos indivíduos ou grupos intencionalmente forçam outros a resolver problemas segundo sua própria definição dos problemas. Segundo Mitroff e Silvers, o erro tipo quatro ocorr e quando, por exemplo, as grandes corporações utilizam táticas et icamente condenáveis para gerar lucros desmedidos às custas do bem estar da população, afirmando que tudo faz parte da “orde m natural das coisas”; ou ainda quando o governo utiliza técnicas de manipulação da informação para promover políticas d esastrosas para a sociedade. A antipatia com o governo republi cano norte- americano e com as grandes corporações marca boa pa rte do livro. O capítulo cinco é dedicado à mídia. Para Mitroff e Silvers, a mídia é um exemplo contundente do erro tipo quatro, ao induzir a tolerância a abusos do governo. Os autores também a condenam por utilizar as mais sofisticadas formas de “irrealidad e” para nos distrair, reduzindo nossa habilidade de lidar com as cada vez mais complexas formas de realidade. A irrealidade m ediática, observam, não faz apenas com que o irreal pareça re al, mas também com que o irreal, povoado por celebridades, pseudo- problemas e pseudo-soluções, pareça melhor do que o real. Segundo os autores, a mídia parece ter abandonado s eu papel fundamental de reportar a realidade, migrando tenaz mente para a atividade de criação e a disseminação da irrealidad e. Para determinar se um problema – social, cultural ou cor porativo – precisa de solução ou não, primeiro temos que recon hecê-lo. No entanto, a existência de problemas parece cada vez mais determinada pelo reconhecimento pela mídia. A mídia em geral, e a TV, em especial, se tornaram as principais fontes d e legitimação de agendas políticas, sociais e culturais. Se não a parece na mídia, simplesmente não aconteceu. No Brasil, a mídia de negócios teve, a partir dos a nos 1990, um papel marcante na mudança dos valores e comportamen tos. Ela promoveu o indivíduo-marca de sabão, sempre preocup ado com a própria aparência e com a própria carreira; ela tam bém ajudou a disseminar incontáveis modas gerenciais, de grande apelo e benefício duvidoso; ajudou a tornar empresários e e xecutivos modelos de conduta e, principalmente, contribuiu pa ra levar a linguagem dos negócios para o governo, a sociedade e a cultura. Em suma, a mídia de negócios criou, por meio de seu s textos, prêmios e rankings de empresas , uma irrealidade contra a qual a realidade das organizações e dos profissionais pass ou a ser medida. Mitroff e Silvers listam cinco fatores responsáveis pela ascensão da irrealidade: primeiro, o fato de que a vida mode rna ganhou um nível de complexidade além da nossa capacidade indi vidual de compreensão; segundo, a incapacidade da educação, f ragmentada ereducionista, de fazer frente a tal contexto; terce iro, o aumento exponencial dos anestesiantes “sistemas de produção de irrealidade” – shows da TV, jogos eletrônicos etc.; quarto, forças econômicas, sociais e culturais que transfor mam a sociedade em unidade produtora e consumidora da irr ealidade; e quinto, a dificuldade de refletir e agir de forma s istêmica, pensando nos problemas a partir de múltiplas perspe ctivas. Para os autores, o processo contínuo de criação da irrealidade vem acompanhado do emburrecimento da população, da comercialização das coisas e das pessoas, da aceita ção de comportamentos bizarros e anti-sociais como coisas normais, e da distorção da realidade e da verdade. Mitroff e Silv ers não são pessimistas. Porém, a leitura de seu livro deixa a amarga sensação de que o excesso de luzes parece estar lev ando a uma nova idade das trevas. Voyeurs em fúria A cada quatro anos, turbas de conformistas, de vari adas latitudes e idênticas atitudes, unem-se em uma orgia comunal, a celebrar a superioridade da euforia sobre a alegria. Hoje, uma boa medida de popularidade é o número de citações obtidas no Google . Tome-se, por exemplo, o termo football e retornarão nada menos do que 564 milhões de citaçõe s, superando God (545 milhões) e Christ (apenas 131 milhões). Significativo! Insira-se o nome das celebridades relacionadas ao c itado esporte e resultarão cifras igualmente astronômicas. O ingl ês Beckham conta com mais de 31 milhões de citações e o brasil eiro Ronaldo chega a quase 24 milhões. Outro inglês, Harry Potte r, com 162 milhões de citações, supera-os com folga. Entretant o, é bruxo e pratica outro esporte. Do outro lado da fama, este pobre escriba não chega a insignificantes 60 mil citações, o que leva a deduzir que duas chuteiras valem aproximadamente 500 penas. Trata-se, sem dúvida, de um fenômeno. O New York Times , há quatro anos, dedicava apenas espaços secundários ao mais g lobalizado dos esportes. Hoje, o diário mais lido da Internet faz chamadas na primeira página, traz longas matérias e mantém um blog exclusivo. Da pátria mãe do esporte, o semanário The Economist advoga que a Copa do Mundo é o principal evento esportivo do mun do, superando as Olimpíadas. Rationale : a Copa é mais igualitária, mais surpreendente e menos propensa a manipulações por g overnos e ditadores. Será? Aos excêntricos, que teimam em ignorar o fenômeno, restam o isolamento e a perplexidade. É o caso deste escriba , que na vida assistiu a uma única peleja. Foi no ano de 1998, na terra de Asterix, em uma abertura festiva de Copa do Mundo. No pasto plano à frente perfilaram-se 22 atletas, sendo que 11 rep resentavam Pindorama e 11 outros defendiam a pátria dos saiote s. Aberta a partida, a curiosidade de marciano não durou mais d o que doze minutos. Então, a vista se perdeu a atenção se esva iu. Teria sido diferente com uma partida de críquete ou um torneio de bocha? Provavelmente, não. Exercitar esqueleto e músculos é uma maneira muito prazerosa e saudável para manter o espírito alerta, a coluna re ta, a mente aberta e o coração tranqüilo. Espiar trotes cansado s, alternados com desabaladas correrias e pontapés, é meramente e nfadonho. Não menos bizarro é testemunhar os malabarismos romanes cos de talentosas penas, a acrescentar genialidade e poesi a a movimentos incertos e desarmônicos. Nas linhas desses magos, e ncontros aborrecidos transmutam-se em lutas épicas, momentos insossos ganham matizes políticas e ascensões fortuitas ress urgem como tratados sociológicos. Tudo isso ficaria recolhido aos subterrâneos da civilização, não fosse a incontrolá vel histeria da mídia, a fazer eco em parcela considerável da po pulação. Então, por motivos que escapam ao senso comum, emba tes de pouco brilho transformam voyeurs em selvagens, a brandir buzinas e explodir rojões madrugada afora. Na entrada do terceiro milênio, o esporte em questã o soma religião, mercado e espetáculo. É religião, porque é marcado por uma fé de fanático, que turva a razão e a sensibili dade. É mercado, porque é dominado pelo comércio das pernas , da imagem e dos sonhos. É espetáculo, por que foi transformado em show mundial, com mídias especializadas e celebridades p róprias , tudo acompanhado em tempo real por turbas globais, confo rmistas e esbaforidas. A perseverar as tendências atuais de hiper-especial ização e hiper-comercialização, o futuro será ainda mais fre nético e eufórico. Aos atletas, assessorias e entourage , serão acrescidos torcedores profissionais. Eles serão recrutados em todo o mundo, ganharão maquiagem e fantasia, e preencherão ordena damente as arenas esportivas. De Liverpool e de São Paulo, ser ão trazidos exemplares mais violentos, destinados a erupções co ntroladas de selvageria. Do Rio de Janeiro, virão os tagarelas p rofissionais, mestres da incontinência verbal. De Estocolmo e de Buenos Aires, virão exuberantes loiras, postas a adornar pontos e stratégicos das arquibancadas. Da África e da China, virão os a tletas, em grande quantidade e com baixo custo. Da Califórnia e da Índia, virão os gurus da auto-ajuda, para garantir a harmo nia e a auto- estima das equipes. Fotógrafos e cinegrafistas, dir igidos por magos da publicidade, ensaiarão e produzirão moment os de espontaneidade e vivacidade. Escritores de grande t alento e baixa renda serão recrutados para elaborar épicos e fábul as. Fabricantes de cerveja e de tênis comandarão todo o espetáculo, explorando cada oportunidade de merchandising . Pelas TVs, Internet e fones móveis, as hordas continuarão a ac ompanhar o show, uivando e disparando rojões em momentos precisos. Ao menos não estarão pelas ruas roubando, dirão as avós. Distopia virtual A Internet ampliou extraordinariamente nosso acesso a informações. Porém, sua influência sobre a forma co mo lemos e pensamos pode ser menos gloriosa. A edição de julho e agosto da revista The Atlantic traz na capa uma incômoda questão: “estará o Google nos tornando estúpidos?” Nicholas Carr assina a matéria de 4.193 palavras e muitas provocações. A perspectiva crítica não é nova. Nos anos setenta, a IBM e seus paquidérmicos mainframes serviram de inspiração para o temível HAL, o computador de “2001: Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick. Nos anos noventa, não faltaram teo rias conspiratórias contra a Microsoft ou libelos contra os efeitos danosos do PowerPoint e do MS-Word. O alvo do momen to é a onipresente Google, por seus ambiciosos planos de “ organizar o conhecimento humano”. O incômodo humano com os avanços tecnológicos é ant igo. Como lembra Carr, Sócrates lamentava o desenvolvimento d a escrita. O ateniense viveu entre 470 a.C. e 399 a.C. e foi um dos fundadores da filosofia ocidental, mas não deixou registros. S alvou-nos Platão, que o transformou em personagem de seus diá logos. Sócrates temia que as pessoas passassem a contar co m a palavra escrita como um substituto para o conhecimento que antes levavam em suas mentes, tornando-se portadoras de grandes q uantidades de informações, mas sem lhes compreender propriamente o significado. Isso faria com que fossem consideradas sábias, quan do na verdade eram essencialmente ignorantes. No século XV, com o desenvolvimento dos sistemas de impressão, por Johannes Gutenberg, uma nova onda de temores af ligiu os pensantes. O medo que então se instalou foi que a a mpliação da disponibilidade de livros provocasse preguiça intel ectual, tornasse os indivíduos menos estudiosos e enfraquec esse suas mentes. Não se pode dizer que os medos eram infundados. Mui tos efeitos negativos foram comprovados como verdadeiros, assim como enormes benefícios que não foram inicialmente previstos. Da mesma forma, não se deve ignorar os incômodos gerados peladisse minação das novas tecnologias, ainda que as vantagens percebida s sejam inegáveis. Em 1882, lembra Carr, a visão de Friedrich Nietzsch e começara a falhar. Escrever, para o filósofo, transformara-se em agonia. Salvou-o uma máquina de escrever. Porém, a tecnolog ia cobrou seu preço. O texto de Nietzsche tornou-se mais compacto e telegráfico. O meio havia transformado o conteúdo, a forma de escrever e, portanto, a forma de pensar. Se o mesmo é verdade para as tecnologias atuais, então estamos diante de um novo desafio. A convivência intensa com websites , emails , orkuts , facebooks e you - tubes está alterando o uso que fazemos da memória e interferindo em nossa atividade cerebral. As novas mídias provêm informações e ainda influenciam a forma como reflet imos sobre o que vemos e lemos. Temos cada vez mais dificuldade para enfrentar textos longos e densos. Concentração e contemplação tornaram-se capacidades raras. A atenção se dispersa, os olhos lacrimejam, a cabeça pesa. Estamos nos acostumando a pensar em so luços, em ziguezague. Estudos mostram que adotamos na Internet um comport amento similar ao zapping diante da TV. Saltamos de página em página de form a quase randômica. Não lemos, no sentido tradicional da palavra, acompanhando uma trajetória ou mergulhando, pela pe na do autor, em imagens e sentidos. Na Internet, embarcamos em u ma navegação desorientada, por um mar de signos que nem sempre s e relacionam. Terminamos as jornadas como o turista que visita ci nco países em sete dias e retorna considerando-se conhecedor da c ultura européia. Maryanne Wolf, uma psicóloga da Tufts Uni versity, teme que o novo estilo de leitura enfraqueça nossa capac idade de leitura mais profunda. Na Internet, segundo ela, ap enas decodificamos informações. Por excesso de informaçã o e pressão de tempo, não avaliamos ou interpretamos os textos. Para Carr, o quartel general da Google, na Califórn ia – o Gloogleplex – é a igreja maior da Internet, e sua r eligião é o taylorismo. Carr se refere à administração científi ca e aos estudos de tempos e movimentos desenvolvidos no iní cio do século XX por Frederick Winslow Taylor. Seus métodos, ao b uscar ganhos de produtividade, transformavam operários em autôma tos. Segundo a visão dos senhores da Google, a Internet deve ser u ma máquina hiper-eficiente, um algoritmo perfeito, a permear t oda a atividade cerebral da nossa Era do Conhecimento. O que Taylor fez pelo trabalho manual, a Google está fazendo pelo tr abalho mental, dispara o autor. Talvez estejamos, de fato, nos tra nsformando em “homens panqueca”, amplos e finos, capazes de nos c onectarmos com uma vasta rede, mas sem profundidade alguma. Como a firmava o filósofo praiano Bordallo, muito antes da Internet: no fundo, é raso. A turma Y Nem tão parecida, nem tão diferente das que a antec ederam, a geração que agora trilha os primeiros passos da car reira profissional traz oportunidades e desafios para as empresas. Todos os anos, as escolas de administração, engenha ria e similares despejam centenas e centenas de novos rec rutas no mercado de trabalho. A fauna é rica e variada em te rmos de formação, ambição e vontade de trabalhar. Há pelo menos duas décadas as grandes empresas dedi cam grande atenção a este grupo. Os programas de trainees buscam identificar, entre os mais promissores talentos das melhores escolas, aqueles que supostamente conduzirão as org anizações pelo século XXI. As expectativas de parte a parte são altas. Os novi ços desejam boas condições de trabalho e esperam remuneração co mpatível. As empresas querem que seus escolhidos tornem-se verda deiros agentes de mudança, a espanar as teias de aranha e a lubrif icar as engrenagens enferrujadas. Apesar dos recursos empregados na seleção e na prep aração dos noviços, frustrações são comuns. Boca-a-boca, circu lam histórias sobre trainees que se demitem no meio do processo de desenvolvimento e sobre choques entre trainees e veteranos. Conhecer o perfil e as demandas deste grupo é prior idade para as empresas. Afinal, projeta-se (ou teme-se), a eles o futuro pertence. Estudos têm denominado a turma nascida entre o fina l da década de 1970 e o início da década de 1990 de geração Net ou de geração Y. Ainda que imperfeita, a classificação ajuda a ident ificar alguns traços comuns a esta lavra demográfica do final do milênio passado. Grown Up Digital: How the Net Generation is Changin g Your World (Editora McGraw-Hill), livro do guru de gestão Don Tapscott, ocupa-se dessa questão. A obra é atraente e fácil d e ler, porém é também reducionista e apresenta um retrato excessiv amente róseo da realidade. Portanto, a leitura exige boa dose de desconfiança e aguçado olhar crítico. Tapscott considera a turma Y mais esperta e ágil qu e suas antecessoras, e também mais preocupada com a socied ade e com a justiça. Em suma, a safra recente, muito superior à geração anterior, de sacos de batatas, educada diante da TV e acostumada a atividade cerebral mínima. A turma Y valoriza a l iberdade de escolha, gosta de personalizar tudo que têm e faz, avalia criticamente tudo e todos, exige integridade e tran sparência, espera que o trabalho (ou o estudo) seja agradável e divertido, gosta de trabalhar em grupo, espera que tudo aconte ça rápido e crê que a inovação deve fazer parte do cotidiano. Naturalmente, este perfil gera impactos para as emp resas, nem todos positivos. Primeiro, o gosto pela velocidade alimenta a impaciência. A turma Y acredita que a carreira é um a montanha a ser escalada com rapidez. Sempre com pressa, aposta nas redes de contatos e no gerenciamento da impressão para mater ializar seus desejos. Frequentemente, domina mais a retórica do que o métier. Continuamente pressionadas, as empresas cedem às su as vontades, promovendo os mais ambiciosos. Frustrações e tombos rondam o horizonte. Segundo, a visão crítica e a expectativa de integri dade e transparência podem facilitar mudanças positivas. D e fato, elas ecoam tendências recentes em gestão, de adoção de c ondutas éticas, de sistemas abertos de governança, de progr amas de responsabilidade social e de comunicação mais abert a. Entretanto, muito do que se vê nas empresas é maquiagem. A coli são entre a utopia tímida e jovem da turma Y e o pragmatismo ca lejado das empresas pode gerar conflitos e atitudes cínicas, p or parte dos noviços. Terceiro, o desejo que o trabalho seja agradável e divertido, nutrido por um hedonismo juvenil, que é, aliás, sin al dos tempos, pode privilegiar o presente em detrimento do futuro . De fato, o mundo parecer existir para que a turma Y o goze, aq ui e agora. Tal postura dificulta a realização de projetos de l ongo alcance, que exigem disciplina e tolerância a pequenos fraca ssos. Quarto, a tendência de trabalhar em grupo, também l ouvável, pode transformar-se em prática para inglês ver. Hoje, po ucos problemas corporativos podem ser resolvidos sem uma perspecti va coletiva. No entanto, para trabalhar em grupo é preciso somar postura cooperativa com boa dose de disciplina. Quando tais características estão ausentes, prevalece um simula cro de trabalho em grupo: muitas reuniões e comitês, avala nches de mensagens eletrônicas e celulares eternamente em fú ria. Porém, muito pouco trabalho produtivo. Com a turma Y, tudo mudará para ficar como exatamen te como está? Talvez não. A turma Y quiçá não seja assim diferent e das anteriores. Entretanto, ao mergulhar em organizaçõe s construídas por e para suas antecessoras, surgirão tensões e co nflitos, que a transformarão e às empresas que à absorverem. Na contramão Para fazer frente aos tediosos Jogos Olímpicos, nad a melhor do que o Campeonato Mundial de Ciclismo de Marcha Únic a. Poucos eventos sãomais aborrecidos do que as Olimp íadas. Provavelmente só a Copa do Mundo de Futebol e os co ncursos de beleza com os jogos podem rivalizar. Durante alguma s semanas, rebentos privilegiados de todo o mundo, submetidos a intenso condicionamento físico e opressiva lavagem cerebral , comportam-se como ciborgues, exibindo-se em movimentos mecânicos diante de platéias hipnotizadas. Alguns já retornam destruído s, física e psicologicamente. Outros duram ainda alguns anos e sobrevivem a outros jogos, usando o nome e a fama para vender bu gigangas e espalhar exemplos duvidosos para hordas de consumid ores. Não foi diferente na versão chinesa. Entre uma aber tura kitsch e um encerramento idem, o tempo foi preenchido com sa ltos, cambalhotas, números, gritos e lágrimas. Consta que a festa serviu ao propósito chinês, de mostrar ao mundo a a scensão da nova potência. Afinal, nada mais apropriado para si nalizar o culto da competitividade que abraçou a gigantesca n ação asiática. Competitividade é uma idéia central na vida dos atl etas olímpicos. Competitividade é também uma idéia centr al em economia e em administração de empresas. O conceito costuma referir-se ao desempenho de uma empresa, de um setor de atividade s ou de um país, ou à sua capacidade de vender e distribuir be ns ou serviços em um determinado mercado. Nas últimas décadas, com petitividade tornou-se um conceito fetiche. Ser competitivo é se r melhor que os outros. N´algumas plagas, os mais promissores sã o atazanados desde a primeira infância. As escolas, os clubes e a mídia pisam e repisam valores relacionados à competitividade e à vitória. Um pouco mais de flexibilidade ou velocidade podem con denar uma criança a anos de disciplina militar, tutores rigor osos e horizontes estreitos. Nos século XX, as olimpíadas foram, aos poucos, rev ertendo a máxima de Pierre de Frédy, o Barão de Coubertin, pa i dos jogos modernos. A primazia da participação cedeu lugar à busca insaciável por vitórias e recordes. O papel educaci onal e inclusivo dos esportes cedeu lugar para as fábricas de ciborgues hiper-alimentados e hiper-treinados. Política e “ca rtolagem” avançaram sobre as quadras, campos e raias. A merca ntilização e a espetacularização completaram o trabalho. Entretanto, ainda há esperanças. Na contramão das t ediosas olimpíadas situa-se o fabuloso Campeonato Mundial d e Ciclismo de Marcha Única (Single Speed World Championship). Con sta que a “disputa” teve início em 1999, quando diversos cicl istas aglutinaram-se no Rancho Cucamonga (sim, ele existe e fica na Califórnia). Desde então, o campeonato teve edições em Berlim, Estocolmo e diversas cidades norte-americanas. Os organizadores são extremamente zelosos quanto ao nível de desorganização da prova. Afinal, não querem perder a aura alternativa. As linhas de partida e de chegada são cuidadosamente incertas e uma piscina infantil é cuidadosamente pr eenchida com gelo e cerveja. Não beber é equivalente ao doping , pois confere vantagem desleal aos concorrentes sóbrios. Juízes p ostam-se durante o trajeto penalizando os mais velozes com t apas na bunda. Os mais afoitos, que escapam da fiscalização, são v aiados pelos expectadores. Os patrocinadores corporativos são ev itados com galhardia, especialmente os fabricantes de automóve is, que, segundo alguns participantes, “estão arruinando o p laneta”. Matéria veiculada no New York Times registra que Ra chel Lloyd, a primeira mulher a completar a prova em 2008, parou e desmontou de sua bicicleta antes da linha de chegada, relutante de ganhar o primeiro prêmio, uma tatuagem alusiva à “conquista” . Porém, convencida pela multidão, cruzou a linha e recebeu o prêmio. Naturalmente, usar bicicleta de marcha única para s ubir e descer morros pode parecer um estúpido, mas não faltam int eressados. Afinal, nos aclives mais acentuados basta descer da bicicleta e empurrá-la, sob os aplausos entusiasmados da audiên cia. Como prova da popularidade, na corrida de 2008 as 400 va gas foram preenchidas nove minutos após a abertura das inscri ções. Em lugar das coloridas e aerodinâmicas roupas de ci clismo, os participantes do Campeonato Mundial de Ciclismo de Marcha Única apresentam-se para a prova paramentados de forma cr iativa: eles e elas participam vestidos como escoteiros, com orelh as de coelho, usando pijamas e até mesmo fantasiados com sungas i nspiradas pelo personagem Borat. A idéia é não levar a prova a sér io. O que importa é que o local seja aprazível, a companhia a gradável e a diversão garantida. Para os interessados no espírit o anti- olímpico ou melhor, no verdadeiro espírito olímpico , recomenda-se o blog da prova: http://sswc08.blogspot.com/ . Sexo verde Se o prezado leitor não é capaz de deter o desmatam ento da Amazônia ou salvar da extinção o antílope tibetano, que ao menos seja ecológico na cama. Circulou pelo mundo virtual um decálogo de práticas sexuais criado pelo Greenpeace. Se o prezado leitor havia s e entusiasmado com o vídeo da campanha Forest Love, estrelado por plantas que se acariciavam sensualmente, e também produzido pela d ecana ONG, então chegou o momento de levar a luta pelo meio am biente para uma nova frente: sua cama. Comece pela questão energética. Apague as luzes e d ê sua contribuição para a preservação da camada de ozônio . Mais sexo no escuro significa menor consumo de energia. No entan to, se o leitor é do tipo visual, que precisa ver para ter, a solução é simples: basta transar de dia. Resolvida a matriz e nergética, enfrente à não menos crítica questão da água. Afina l, além do petróleo, a água também está se tornando um bem car o e raro. Estima-se que mais de um bilhão de pessoas no mundo não tem acesso à água limpa. Solução: banho a dois. A natur eza agradece. O casal gosta de temperar sua paixão com frutas? Ót imo, nada mais natural, mas não deixem de observar a procedência g enética dos suprimentos. Afinal, sabe-se pouco sobre os efeitos do uso de alimentos geneticamente modificados sobre a saúde e menos ainda sobre o seu uso em atividades íntimas. Não corram r iscos. O mar inspira o romance? Excelente, mas não esqueça que, embora certas iguarias marinhas tenham fama de afrodisíaco s, os oceanos estão sendo destruídos. A saída é apelar para a flo ra amazônica, rica em substâncias milagrosas. Mares limpos, consc iência tranqüila e prazer vitaminado: combinação perfeita. O leitor é do tipo que se entusiasma com acessórios ? Perfeito, mas cuidado com os materiais. A produção de PVC, po r exemplo, cria e libera dioxina, um dos componentes químicos mais tóxicos que existe. Prefira couro e borracha. Se o caso for de equipamentos de madeira, garanta a origem certifica da e o selo verde. Afinal, você não quer ver seu prazer ligado ao desmatamento da Amazônia. A ocasião pede o uso de l ubrificantes? Tudo bem, mas cuidado com os derivados de petróleo. As empresas petrolíferas estão destruindo o planeja, mas você n ão precisa fazer o mesmo. Opte por similares naturais. O Greenpeace nasceu no início da década de 1970 par a se tornar a mais conhecida organização de defesa do meio ambien te do mundo. No início dos anos 1990, a organização chegou a con tar com quase cinco milhões de membros. Hoje, são quase três milh ões de membros, um número ainda impressionante. América La tina e Ásia, regiões nas quais o desenvolvimento econômico mais ameaça o meio ambiente, estão no centro de seu alvo estratégico. Durante muitos anos, a organização foi marcada pela personalidade de David McTaggard, um canadense de origem escocesa . McTaggard era fascinado pelo Sul do Pacífico, tinha um pequen o barco e velejava de ilha em ilha. Em 1972, fez contato o Co mitê Não Faça Onda, que protestava contra os testes nucleares fra nceses no Atol de Mururoa, na Polinésiafrancesa. McTaggard aderiu à causa e rapidamente se tornou seu mais fiel guerreiro. Seus enfrentamentos com os franceses lhe renderam alguma s escoriações e fama mundial. Sob seu comando, Não Faça Onda transformou-se em Gr eenpeace, galvanizou milhares de indivíduos ao redor do mundo em torno da causa ambiental e deu origem a um estilo espetacula r de ação. Sua estética sempre explorou a audácia, o choque e o co nfronto. Seus meios sempre foram a comunicação de impacto e a pub licidade. Com os anos, o Greenpeace cresceu e se internaciona lizou. Tornou- se, segundo alguns observadores, grande e complexo demais para uma organização cuja imagem ainda era de um grupo d e idealistas em botes de borracha enfrentando inimigos poderosos para salvar baleias e protestar contra o lixo radioativo: os “g uerreiros do arco-íris”. McTaggard deixou o comando e retirou-se para uma fazenda italiana em 1991. Como outras organizações similares, o Greenpeace pr ocura manter sua identidade e seus valores diante de um mundo em transformação. Seus métodos espetaculares perderam força em uma sociedade dominada pelo espetáculo do consumo. Sua retórica foi absorvida pelo mundo corporativo e adotada por seus mais tradicionais inimigos. Algumas companhias petrolífe ras agora se declaram campeãs da causa das energias limpas. A en ergia nuclear deixou de ser o bicho-papão dos anos 1970 e até fab ricantes de tabaco hoje publicam balanços sociais. Os fatos con tinuam milhas náuticas atrás do discurso, mas fatos são pouco rel evantes na sociedade do espetáculo. Felizmente, o lema “faça a mor, não faça a guerra” continua atual. PARTE 2: FALANDO MAL DAS CORPORAÇÕES Enxofre e naftalina Com freqüência irritante, o mundo corporativo ofend e nossas narinas com odores desagradáveis. Deixar de respira r não é opção. Segundo a Wikipedia, a enciclopédia livre, que afir ma facilitar a nossa vida, o enxofre é um elemento químico de símb olo S, número atômico 16 e que se encontra, à temperatura ambient e, em estado sólido. Trata-se de um não-metal de coloração amare la, frágil e que desprende um conhecido odor de ovo podre, ao mi sturar-se ao hidrogênio. Segundo a mesma fonte, a naftalina, ou naftaleno, é um hidrocarboneto aromático. Trata-se de uma substâ ncia cristalina branca, volátil, que se obtém por destil ação do alcatrão da hulha. A naftalina é um híbrido de ress onância de três estruturas canônicas e, como o enxofre, tem od or peculiar, reconhecido nas populares esferas anti-traça. Além das propriedades odoríferas óbvias, enxofre e naftalina têm também propriedades metafóricas. O enxofre é comume nte associado a Mefistófeles, ao mundo subterrâneo e às trevas. R ecentemente, o enxofre foi também associado a um alto dignitário d e uma nação amiga; no caso, o presidente George W. Bush, dos Es tados Unidos. A associação, de cunho irônico, foi feita por um ou tro alto dignitário de uma nação também amiga, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Por sua vez, a prosaica naftalina não se presta a a ssociações tão marcantes. Perde em dramaticidade, porém rivaliza e m popularidade. Conserva até mesmo certa brejeirice, provavelmente por despertar sentimentos de nostalgia nas narinas crescidas no último quartil do século passado. O cheiro de nafta lina está associado ao que é velho, anacrônico, fora de propó sito ou deslocado no tempo. Não há registro que o alto dign itário norte- americano tenha retrucado o intempestivo colega ven ezuelano, mas poderia tê-lo associado, por seu estilo e retórica, ao cheiro de naftalina. Além das bancadas de laboratório e da tribuna da ON U, enxofre e naftalina também disputam a primazia odorífera no m undo corporativo. Muitos executivos hoje abraçam causas filantrópicas, comemoram balanços sociais e juram proteger a fauna e a flora. Porém, não escapa às narinas mais treinadas um inde lével cheiro de enxofre. De seu lado, os sindicatos rosnam, uiva m e esbravejam. O som e a fúria continuam a entorpecer os ouvidos, mas o que chega ao olfato é o odor que emana do dis curso antigo e gasto: o cheiro de naftalina. A crise econômica arrancou os telhados dos bancos d e investimentos e das montadoras de automóveis. Das e xóticas e sofisticadas práticas bancárias desprendeu-se nause abundo odor sulfuroso, que rapidamente atormentou governos e pe quenos investidores. Das linhas de montagem emanou inconfu ndível odor de naftalina, embora não se saiba se a origem é a gest ão arcaica ou os produtos anacrônicos. Os bancos de investimento talvez se juntem ao clube dos sulfurosos históricos: os fabricantes de armas, de bebidas alcoólicas e de tabaco; um seleto e poderoso grupo, formado por especialistas em evasão lógica e flexibilidade mora l. Pelo noticiário, nota-se que o clube está em franca expa nsão. Os próximos associados provavelmente serão os laborató rios farmacêuticos, acusados, em um relatório da União E uropéia, de utilizar táticas condenáveis para proteger suas dro gas mais lucrativas contra a entrada de genéricos. No dito c lube, os sócios blasfemarão contra os órgãos reguladores, or ganizações não governamentais e outros detratores. Objetivos e mat reiros, discutirão métodos para manipulação da opinião públ ica, evasão fiscal e lavagem verde. Por sua vez, as montadoras de automóveis provavelme nte ganharão título e carteirinha do clube da naftalina. Talvez seus executivos estranhem as instalações decadentes, a p iscina abandonada, as salas mofadas e os carpetes puídos. Entretanto, lá encontrarão seus camaradas das empresas estatais e das universidades públicas. Corteses, trocarão longos m onólogos e discretos bocejos, discorrerão com pompa sobre glór ias passadas, invocarão heróis e feitos d’outras gerações e lamen tarão as injustiças e a má sina. Em ocasiões especiais, eles alugarão arranjos florais e convidarão autoridades eclesiást icas, civis e militares para a outorga de honrarias e a entrega d e prêmios. Então, se submeterão a discursos longos e vazios, e ntremeados por aplausos formais. Enquanto o clube do enxofre e o clube da naftalina crescem e prosperam, diminui a nossa sensibilidade nasal. Ent orpecidos, percebemos cada vez menos as emissões gasosas e hab ituamo-nos ao mau cheiro. Neutralizado o olfato, as emissões turv arão nossa visão, paladar, tato e audição. Aos poucos, elas em botarão nosso senso crítico e corromperão nosso julgamento. Haver á resistência possível? Não se sabe, mas deixar de respirar não é opção. A praga de Colbert A burocracia nasceu para estruturar o Estado modern o e atender os cidadãos. Porém, com o tempo, as organizações buroc ráticas costumam se desvirtuar e se voltar para os interess es de seus próprios funcionários. Balzac deixou a frase para a história: “A burocracia é um sistema gigantesco gerido por pigmeus” . Seu país, a França, teve a duvidosa honra de cunhar o termo. A palavra burocra cia combina o termo bureau (escritório ou mesa de trabalho, em francês) com o termo krátos (poder, regra ou governo, em grego). Consta que origem remonta ao ano de 1665, quando o rei Luís XIV nomeou Jean-Baptiste Colbert como controlador geral das finanças. Colbert reorganizou o comércio e a indústria e pers eguiu os corruptos. Para garantir a atuação justa do Governo , exigiu que os funcionários seguissem regras rígidas, aplicadas a todos. O rigor e a inflexibilidade de Colbert levaram Jean C laude Marie Vincent, administrador do comércio, a criticar as r esoluções, as quais considerava impeditivas para a atividade come rcial. Para ilustrar a sua crítica, Vincent criou o termo bureaucratie , referindo-se, de forma pejorativa, à concepção e ap licação de regras, sem considerar as consequências práticas. A burocracia fundamenta-se na idéia de que todas as funções são executadaspor profissionais habilitados e balizada s por certos princípios: o caráter legal das normas e regulament os, a formalização da comunicação e a divisão racional do trabalho. O sistema nasceu para ser a materialização da raciona lidade. Porém, pelas mãos dos burocratas, converteu-se em um monst ro que todos aprendemos a temer e a abominar. A lista de disfunções e vícios associados à burocra cia é longa. A burocracia afirma que, diante dela, todos somos igu ais. No entanto, a igualdade de tratamento costuma vir acom panhada pela impessoalidade, pela negligência e pela ineficácia. A burocracia sacraliza as regras, que passam de meios a fins. En tre resolver um problema e seguir uma norma, o burocrata comumen te opta por seguir a norma. Lixe-se o cidadão. A burocracia mud a apenas lentamente, quando muda. O ambiente pode transforma r-se radicalmente, mas a burocracia não se adapta. Tende a tornar-se anacrônica. A burocracia organiza-se como um sistem a neutro e justo. Entretanto, a sua complexidade e o seu porte facilitam o nepotismo, os abusos de poder e a corrupção. O resu ltado é um sistema central em nossas vidas, do qual não conseg uimos escapar, mas que costumamos odiar. A burocracia consegue som ar a ineficiência ao poder ameaçador, a incompetência do s amanuenses lerdos à manipulação interesseira dos funcionários corruptos. Dentro do sistema, os burocratas buscam incessantem ente a “expansão geográfica e demográfica”. Quadros inchad os significam mais gente a coordenar, mais serviço a controlar e mais poder a exercer. Assim, a burocracia combina negligência no serviço ao cidadão com a capacidade de inventar trabalho para si mesma. John Kenneth Galbraith registrou para a posteridade : “A tendência da burocracia é achar objetivo em qualquer coisa qu e se esteja fazendo” . Na burocracia pública ou na burocracia privada, os burocratas procriam sem parar. Donald Keough, ex-CEO da Coca-C ola e autor de TheTen Commandments for Business Failure , comentou em alusão à própria multinacional: “Tendo despendido os meus primeiros anos no negócio de gado de meu pai, verifiquei que se co locarmos a mistura certa de machos e fêmeas, acabaremos por ob ter muito mais animais. As burocracias multiplicam-se do mesmo mod o. Eis como funcionam: põe-se um gestor em um lugar e, decorrid os dezoito meses, ele tem uma assistente. A assistente torna-s e um gestor júnior – e o que se observa? Outra assistente. O ri tmo continua”. Nas burocracias, as regras originalmente estabeleci das para garantir clareza e eficiência, deixam de ser meios e se transformam em fins. Por sua vez, os burocratas con trolam o sistema como se protegessem sua própria vida, pois sentem que mudanças podem reduzir seu poder ou sua autoridade. Com o tempo, os burocratas isolam-se em seus castelos, os abusos tornam-se corriqueiros e eventuais mudanças enfrentam barreir as intransponíveis. Em Pindorama, muitas empresas e órgãos públicos man têm padrões inaceitáveis de atendimento e de relacionamento com os cidadãos. Do poder judiciário às estatais, do sistema de saúd e ao sistema de educação, observemos casos gritantes de desperdí cio de recursos e de desrespeito aos contribuintes. Todos temos histórias de horror para contar. A situação não é d iferente em algumas empresas privadas. Além de vitimar os seus clientes e funcionários, estas organizações também vitimam a s i próprias. No embate entre as forças para mudança e os interesses estabelecidos, os últimos continuam vencendo. Insensatez e insensibilidade Certas organizações tratam seus parceiros e colabor adores com mal disfarçado desdém, como se fizessem um grande favor por permitir que eles a elas se associem. Para ter um bom hospital, é preciso ter bons médico s; para ter uma boa escola, é preciso ter bons professores; par a ter uma boa empresa é preciso ter bons profissionais e forneced ores; e para ter uma boa editora, é preciso ter bons autores ... ou não? A considerar o caso narrado em seguida, para alguns a premissa pode não ser tão óbvia. Tome-se o caso da prestigiosa editora X. Sim, vamos manter-lhe o nome incógnito, que de nada nos serviria granjear a ntipatias. Pois ocorre que X é uma das mais respeitadas editor as de Pindorama. Seu catálogo contém admiráveis clássicos , suas capas são esmeradas e suas obras exalam cultura e bom gos to. Sua excelência editorial merece aplauso e seu crescimen to nos resgata a crença de que ainda existem adultos que lêem. Porém, aquele que visitar sua página de “envio de o riginais” na Internet descobrirá que naquela casa do saber autor es não são bem vindos. Estranho e paradoxal, porém verdadeiro. Poi s lá consta: “Não publicamos auto-ajuda, esoterismo, marketing, ficção- científica, guias de turismo, culinária, didáticos e livros técnico-científicos”. Bravo! Até aqui, um bom começ o. E a esta bem vinda escolha, segue-se: “livros e projetos em versão eletrônica não serão avaliados”. Ótimo! Nada como o velho papel para marcar a tradição das belas letras. Então, esc apa-lhe de uma linha a outra a civilidade: “A editora se reserva o direito de não confirmar o recebimento de originais, seja por telefone, fax ou e-mail”. Puxa, será que custa tanto enviar uma c arta simpática, reconhecendo o esforço do autor, a sua d edicação e o seu idealismo? E a prosa fica ainda pior: “Dado o g rande número de originais que nos chegam, caso queira confirmar o recebimento utilize o serviço de carta registrada dos Correios” . Direto e duro: quer saber da sua amada criança? Vire-se. E, por fim, o golpe final: “Os originais não aceitos serão remeti dos a empresas de reciclagem de papel. Por favor, não telefone ou envie mensagens sobre o envio de sua obra, pois elas não serão respondidas”. Bonito, não? Então, o idolatrado rebe nto, depois de longa gestação e terríveis dores de parto vai termi nar é no lixão. E não adianta reclamar ou procurar os desalm ados, porque resposta não haverá mesmo. A esta altura, estará a se perguntar o gentil leito r: de onde veio tanta deselegância e insensibilidade? Terão si do os iluminados funcionários da prestigiosa editora arre matados entre os mais empedernidos matutos do serviço público fed eral, entre aqueles que rosnam para o público e esmeram-se em d ificultar a vida dos semelhantes? Pior, e se a moda pega? E se alastra pelos hospitais, que passam a destratar seus médicos e a esnobar seus fornecedores. E se alastra pelas escolas, que passa m a maltratar seus professores. E se alastra pelas empresas, que passam a desdenhar suas legiões de terceiros e a assediar se us prestadores de serviços. Talvez os ditos estabelecimentos opere m por algum tempo sem perceber os danos causados, o quanto dure o instável equilíbrio entre o estoque de sádicos e a quantidad e de masoquistas. Então, o clima organizacional se deter iorará, a gestão entrará em declínio e os resultados iniciarã o uma firme trajetória, rumo ao solo. Nesse nosso mundo de mercados e corporações, indiví duos assumem alternativamente os papéis de produtores e de consu midores. Hoje, indivíduos e comunidades estão entrelaçados na aren a de produção e consumo, seus membros comunicam-se, espalham impr essões. O autor da nossa editora X pode ser no momento seguin te o professor que indica os seus livros. O fornecedor de uma empr esa pode ser no momento seguinte um cliente importante. Se forem maltratados, eles talvez prefiram buscar as obras e serviços de um concorrente mais simpático, ou menos obtuso. Tratar mal um auto r, um fornecedor ou um terceiro pode gerar consequências negativas, que se propagam e transcendem a relação original. O que provoca o rude comportamento? Simples: miopia e incivilidade. Miopia, pela incapacidade de perceber o que está a além de alguns poucos palmos do nariz. Incivilidade
Compartilhar