Prévia do material em texto
POLÍTICA DE SEGURIDADE SOCIAL - SAÚDE AULA 3 Prof. Rafael Muzi 2 CONVERSA INICIAL Abordam-se nesse texto as dimensões que se relacionam com o que se entende por “Políticas de Saúde”. Discutem-se as articulações e as disputas de interesses na relação Estado, Sociedade e Mercado e as possibilidades de intervenção profissional para a construção da saúde como um “direito de todos, dever do Estado” nesse complexo movimento. TEMA 1 – O ESTADO E A DIMENSÃO POLÍTICA NO CAMPO DA SAÚDE Políticas de Saúde correspondem às ações e aos serviços ofertados pelo Estado com a intenção de trazer impactos positivos à saúde da população e, de igual modo, aos determinantes das condições de saúde. Ao se tratar das políticas de saúde, o processo de tomada de decisões por parte do Estado é tema central de análise, diante de um conjunto de possibilidades de escolhas disponíveis. Segundo Cohn (2006), se a grande tensão de fundo, na política, é a disputa entre interesses particulares e interesses gerais [...], por outro lado, a outra grande tensão, nos tempos atuais, reside na disputa sempre tensa entre a dimensão técnica e a dimensão política nos processos de tomada de decisão. (Cohn, 2006, p. 235) Às políticas sociais nas sociedades capitalistas contemporâneas atribui- se a função de regular a relação entre capital e trabalho e de garantir minimamente à população condições de vida e de reprodução social. Para Cohn (2006), as políticas sociais surgem como ações que de certo modo compensam as desigualdades sociais geradas pelo processo de acumulação capitalista. É nesse sentido que as políticas sociais e, consequentemente, as políticas de saúde, quando geridas pelo Estado, estariam comprometidas com a promoção da justiça social, a partir da utilização de instrumentos de redistribuição, de monopólio estatal. A autora ressalta que, no entanto, assim como o parâmetro de justiça social possui variações em diferentes sociedades, as forças políticas e sociais em distintas conjunturas econômicas também estão em constante processo de redefinição. É no âmbito da disputa entre essas forças que se define a origem do financiamento, o montante dos investimentos e as prioridades de atendimento na área social. 3 TEMA 2 – SAÚDE PÚBLICA E SAÚDE COLETIVA A criação do campo da saúde pública relaciona-se à presença e à intervenção do Estado na área. De maneira geral, Saúde Pública se refere às formas de intervenção sanitária e de gestão política e governamental voltadas às necessidades sociais de saúde da população. A distinção entre os termos Saúde Pública e Saúde Coletiva se dá a partir da incorporação de novos questionamentos que emergem das lutas sociais e que não necessariamente passam pelas instâncias das gestões públicas e governamentais. o campo da saúde coletiva traz questionamentos às políticas públicas de saúde em seu formato gerido unicamente pelo Estado “parceiro” das empresas de saúde [...] A saúde coletiva desperta para o fato de que o motor do desenvolvimento das políticas públicas são os movimentos de resistência, e não a modernização proposta por mais industrialização. (Sodré, 2010, p. 461) Na Saúde Coletiva, destacam-se duas grandes vertentes de análises das políticas de saúde: uma voltada ao estudo da organização dos serviços e do sistema de saúde; e outra que ressalta o impacto das reformulações dos sistemas de saúde sobre o acesso e a satisfação das necessidades básicas de saúde dos indivíduos. Carvalho e Ceccim (2006) destacam ainda quatro focos de tomada de decisão nas análises da Saúde Coletiva: políticos, práticos, das técnicas e dos instrumentos. Para os autores, “ações da saúde coletiva têm como eixo norteador as necessidades sociais em saúde e, nesse sentido, preocupam-se com a saúde do público, sejam indivíduos, grupos étnicos, gerações, classes sociais e populações, instigando uma maior e mais efetiva participação da sociedade nas questões da vida, da saúde, do sofrimento e da morte, na dimensão do coletivo e do social” (ibidem, 2006, p. 139). Cabe ressaltar que estudos da área de Saúde Coletiva em última instância analisam as políticas sob a perspectiva da efetivação da saúde “como um direito de todos e dever do Estado”, a partir de um campo de prática e saberes que percebe a saúde como fenômeno coletivo e de interesse público. 4 TEMA 3 – RELAÇÃO ESTADO, SOCIEDADE E MERCADO NA PRODUÇÃO DA SAÚDE Na área das políticas sociais, o fim da Segunda Guerra Mundial marcou o surgimento de políticas estatais configurados em modelos de sistemas de proteção social – os Estados de bem-estar social – cujo pacto entre empresários e trabalhadores visava ao financiamento de políticas de aposentadoria, pensões, saúde e outros. Cohn (2006) destaca alguns modelos predominantes de proteção social, dentre eles: Universal redistributivista, em que o Estado se configura como o principal e/ou exclusivo [...] provedor e produtor de serviços sociais e de saúde [...] Todos têm o mesmo acesso ao mesmo padrão de serviços de saúde [...] independente da colocação no mercado. [...] O segundo modelo de sistema de proteção social é conhecido como Meritocrático-corporativista [...]: a extensão dos direitos e dos serviços sociais, dentre eles a saúde, se dá a partir [...] da situação dos indivíduos no mercado de trabalho. (Cohn, 2006, p. 236-237) Assim, os diferentes países, ao implantarem esses modelos, evidenciam relações específicas entre os atores sociais na área da saúde. Falar em Políticas de Saúde é, portanto, identificar quais são as funções do Estado, da sociedade e do mercado, em uma discussão que se resume em “mais mercado e menos Estado” ou “mais Estado e menos mercado”, com diferentes papéis da sociedade nessa equação (ibidem). Espera-se do Estado o papel de regulador da prestação de serviços públicos e privados, para que interesses de determinados grupos não prevaleçam sobre os demais de modo que prejudique a lógica de atendimento às necessidades gerais de saúde da população. O mercado segue sua essência que é a lógica da satisfação das necessidades privadas dos detentores do capital e/ou dos consumidores individualmente. À sociedade são reservadas funções específicas e variáveis que consistem na autorresponsabilização dos indivíduos sobre suas condições de saúde e, em dadas circunstâncias, o autofinanciamento de determinados serviços de saúde consumidos. Outro papel atribuído à sociedade é a transferência de responsabilidades que antes eram do Estado, por exemplo, na gestão e prestação dos serviços de saúde por meio de ONGs ou OSCIPs, entidades filantrópicas ou fundações. 5 TEMA 4 – RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO NA SAÚDE Para garantir o direito à saúde pode o Estado “ser provedor e produtor dos serviços de saúde; ou prover esse direito sem exercer o monopólio da produção desses serviços, permitindo que instituições do setor privado da saúde participem na oferta de serviços” (Cohn, 2006, p. 244). Esse último arranjo é denominado mix público/privado, modelo preponderante no sistema de saúde brasileiro. A distinção entre Estado provedor e Estado produtor de serviços de saúde se torna importante, pois ao Estado caberá também a função de controle e regulação ao setor privado prestador de serviços de saúde (ibidem). Para Cohn (2006, p. 245), no mundo capitalista, mesmo sistemas de saúde estatais [...] vêm sofrendo sucessivos processos de reforma que incorporam de forma crescente a prestação de serviços privados [...]. Trazem consigo [...]mudança na composição público/privado no sistema de oferta e de acesso dos diferentes segmentos da população. A saúde como direito de cidadania é comprometida, pois o Estado passa a diferenciar a sociedade conforme a capacidade de compra de serviços, transformando a saúde num bem de consumo qualquer. Portanto, segundo Cohn (2006, p. 248), o perfil desse mix na composição público/privado que vai definir se os sistemas de saúde nacionais são essencialmente públicos e universais; se são essencialmente privados com um subsistema público estatal voltado para os pobres; ou se são mistos, [...] entre serviços públicos estatais, os serviços privados (com ou sem fins lucrativos), e os serviços prestados pela sociedade. TEMA 5 – ESTADO, SOCIEDADE E O CONTROLE SOCIAL NA SAÚDE A sociedade civil é um espaço de lutas de interesses contraditórios entre setores que representam o capital e o trabalho em busca de hegemonia. Portanto, o Estado concentra também, além da sociedade política, a sociedade civil com seus aparelhos hegemônicos. Conforme a concepção gramsciana abordada por Correia (2009, p. 113), “não existe uma distinção entre Estado e sociedade civil, mas uma unidade orgânica”. Conforme a autora, “para manter o consenso, o Estado incorpora demandas das classes subalternas” (ibidem, p. 113). Ao incorporar essas 6 demandas, abre-se a possibilidade de o Estado ser controlado também por essas classes. Portanto, o controle social pode se efetivar no âmbito das políticas públicas (ibidem). Controle Social é o termo utilizado para denominar a participação da sociedade na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais. Em termos de concepção, estes canais institucionais de participação abrem à possibilidade de os setores organizados na sociedade civil que representam os interesses das classes subalternas obterem algum controle sobre as políticas sociais, a depender do seu poder de organização, mobilização, informação e articulação. (Correia, 2009, p. 129) O Controle Social a ser exercido está relacionado à capacidade de organização dos movimentos sociais no âmbito da sociedade civil, visando intervir na gestão pública, o que significa também a administração do fundo público (ibidem). A área da saúde foi pioneira na proposta de realização do Controle Social. A Lei n. 8.142/90, que trata da participação da comunidade na gestão da política, define os Conselhos e as Conferências como mecanismos de Controle Social. A participação social é tida como um dos princípios imprescindíveis para reformulação e democratização do Sistema de saúde brasileiro. NA PRÁTICA Na área de saúde, o Conselho é um espaço de lutas entre interesses contraditórios pela diversidade de segmentos da sociedade nele representados. [...] Pode formar consenso [...] [ou] possibilitar aos segmentos organizados na sociedade civil que representam as classes subalternas, defenderem seus interesses em torno da política de saúde. (Correia, 2009, p. 127) Na prática, esses espaços não estão sendo ocupados pelo Serviço Social na mesma medida em que se amplia a atuação profissional no campo da saúde. Entre os papéis que o profissional pode desempenhar nesses locais, Kruger (2010) aponta as seguintes funções: conselheiro; apoio técnico- administrativo; assessor; observador e pesquisador. Os conselhos, em suas diferentes instâncias, possuem uma função importante na socialização de informações e na educação política dos usuários e dos trabalhadores da 7 saúde. Ao assistente social cabe a ação de criar espaços de organização dos usuários e o exercício do controle social nas unidades em que atua. FINALIZANDO Compreender o complexo universo das relações desenvolvidas no âmbito da saúde é vislumbrar as relações e contradições do conjunto da sociedade. Por essa razão, desvendar o papel de cada ator envolvido nesse processo é uma tarefa difícil, porém indispensável para compreender as políticas de saúde. Isso implica um exercício contínuo, já que os papéis das forças sociais e políticas estão sujeitos à alterações nos movimentos sócio- históricos da saúde. Conclui-se que a essência da saúde pública e da coletividade é fundamentalmente política, ou seja, processo de tomada de decisões, na correlação de forças da sociedade. REFERÊNCIAS CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. C. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W. de S. (Org.). Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec, 2006. COHN, A. O estudo das políticas de saúde: implicações e fatos. In: CAMPOS, G. W. de S. (Org.). Tratado de saúde coletiva. São Paulo: Hucitec, 2006. CORREA, M. V. C. Controle social na saúde. In: MOTA, A. E. (Org.). BRAVO, M. I. S et al. Serviço Social e saúde: formação e trabalho profissional. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009. KRÜGER, T. R. Serviço Social e Saúde: espaços de atuação a partir do SUS. Rev. Serviço Social & Saúde [online]. UNICAMP Campinas, v. IX, n. 10, dez. 2010. SODRÉ, F. Serviço Social e o campo da saúde: para além de plantões e encaminhamentos. Rev. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 103, 2010.