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CLASSES SOCIAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

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CLASSES SOCIAIS E 
MOVIMENTOS SOCIAIS NO 
BRASIL 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Valéria Pilão 
 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
Na aula anterior tratamos de conceitos fundamentais para a compreensão 
do modo de produção capitalista. Para tanto, partimos das diferentes 
compreensões do que são classes sociais, para, com base na teoria marxiana, 
abordarmos categorias que se desdobram desta estrutura social classista. 
Nesta aula, no entanto, veremos que apesar de o capitalismo conter 
elementos estruturais que aparecem em todos os lugares nos quais o capitalismo 
se desenvolveu historicamente, é possível observarmos e apreendermos que 
estes elementos estruturais se manifestam e se desenvolvem de maneira 
diferente no tempo e no espaço. Ou seja, apesar de o capitalismo ter 
características universais, quando estudamos um dado país, uma dada região, 
veremos que há diferentes formas de o capitalismo se apresentar. 
Por isso, nesta aula nós abordaremos as particularidades históricas do 
capitalismo brasileiro, compreenderemos o seu processo de formação e como 
este processo contribui para a caracterização das classes sociais no país. Dessa 
forma, esta aula foi pensada e dividida em cinco momentos: no primeiro tema, 
iremos conhecer duas formas de desenvolvimento do capitalismo, as chamadas 
via clássica e via prussiana; no segundo tema, abordaremos a forma de 
desenvolvimento do capitalismo no Brasil; no terceiro e quarto temas 
discutiremos as características da burguesia e da classe trabalhadora em 
decorrência do caráter dependente de nosso capitalismo; e, por fim, no Tema 5, 
discorreremos sobre a relação da democracia com essa forma de capitalismo 
dependente que ocorre aqui em nosso país. 
TEMA 1 – AS VIAS DE DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO 
Como já foi dito anteriormente, o capitalismo não se desenvolve da 
mesma maneira nos diferentes países. Prova disso é que temos países mais 
desenvolvidos econômica e socialmente tanto do ponto de vista da acumulação 
do capital quanto do ponto de vista do consumo. Para esclarecer, podemos dar 
como exemplo de país desenvolvido a França, e outros nem tão desenvolvidos 
ou nada desenvolvidos, como os países da América Latina e/ou do continente 
africano. 
A pergunta fundamental para explicar a diferença entre esses países é: 
qual a particularidade do desenvolvimento do capitalismo nesses lugares? Como 
 
 
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se dá a formação do capitalismo nos diferentes países? E para responder a tais 
indagações, veremos que há diferentes vias do desenvolvimento do capitalismo, 
de acordo com as características manifestadas no processo histórico de sua 
formação. 
Neste momento, iremos tratar de duas dessas vias: a denominada via 
clássica e a via prussiana. Dentre as características fundamentais expressas 
pela denominada via clássica está o fato de neste processo se realizarem 
rupturas de caráter revolucionário com as antigas estruturas sociais. Ou seja, 
nessa via de desenvolvimento do capitalismo a formação da classe dominante, 
portanto a ascensão da burguesia, dá-se por meio de alianças com outros 
setores, como o campesinato, a pequena burguesia e as classes populares 
urbanas, a fim de destituir de poder a nobreza feudal. Sobre esta temática, 
elementos mais detalhados podem ser obtidos na obra Manifesto do Partido 
Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels. 
Quando abordamos a via prussiana, podemos citar como importante 
referência acerca da temática a obra A burguesia e a contrarrevolução, de Karl 
Marx. Uma das marcas dessa via de desenvolvimento é a inexistência de 
rupturas de caráter revolucionário. A ascensão da burguesia enquanto classe 
dominante dá-se por meio de uma reforma modernizadora utilizando-se do 
aparelho do Estado. Um dos exemplos possíveis que expressam essa forma 
histórica de desenvolvimento do capitalismo é a Alemanha. 
TEMA 2 – A FORMAÇÃO DO CAPITALISMO BRASILEIRO 
No que diz respeito à formação do capitalismo brasileiro, há diferentes 
leituras sobre o assunto, como, por exemplo, as compreensões de Nelson 
Werneck Sodré, que afirma que houve uma forma de feudalismo no Brasil antes 
do desenvolvimento do capitalismo, ou ainda a leitura de Florestan Fernandes, 
que trabalharemos em maiores detalhes nesta aula, na qual se defende que o 
capitalismo brasileiro é dependente de setores da burguesia internacional. 
Fato é que existem inúmeras formas de compreensão de como se 
desenvolveu o capitalismo no país, e este debate é de fundamental importância 
quando buscamos apreender as características da classe trabalhadora e da 
burguesia, e mesmo para explicarmos por que apresentamos algumas 
condições históricas, como nosso lugar de país da periferia e que aparentemente 
é insuperável. 
 
 
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Quando Florestan Fernandes (2009) desenvolve uma análise que busca 
compreender a dependência do capitalismo brasileiro (e uma obra importante do 
autor acerca desta temática é Capitalismo dependente e classes sociais na 
América Latina), o referido intelectual afirma que a dependência não ocorre entre 
Estados, pois Estados não são agentes históricos, são as classes sociais em sua 
análise que assumem papel fundamental. 
Entre os elementos que caracterizam a dependência do capitalismo 
brasileiro, considerando-se as ações executadas pelas classes sociais, 
encontramos fatores externos e internos. A dependência ocorre por conta de 
uma dominação externa, de setores do capital estrangeiro sobre o nacional, 
buscando realizar seu processo de acumulação, mas também porque a 
burguesia local (brasileira) se sujeita à dominação, de forma a garantir seus 
privilégios no território nacional. Ou seja, há uma interação entre esses sujeitos 
que garantem seus lugares no processo histórico, bem como sua acumulação 
em detrimento da classe trabalhadora e com uma superexploração desta. 
TEMA 3 – O CARÁTER DA BURGUESIA BRASILEIRA 
Dando continuidade ao tema anterior e buscando caracterizar em mais 
detalhes a burguesia brasileira, depreende-se da análise desenvolvida por 
Florestan Fernandes (2009), e que já foi mencionada anteriormente, que tal 
burguesia é subordinada às burguesias centrais. Ou seja: há uma partilha dos 
processos de acumulação realizada entre os setores brasileiros e estrangeiros, 
sendo que por vezes as necessidades estrangeiras podem se sobrepor às 
nacionais. 
Se por um lado a burguesia brasileira aparece mais fragilizada frente à 
burguesia internacional, por outro ela é forte e poderosa na sociedade na qual 
atua. No caso brasileiro, podemos observar historicamente que temos uma 
burguesia frágil, dominada pelos setores internacionais1. No entanto, o setor 
industriário nacional, por meio de suas instituições representativas e a partir de 
suas necessidades, orienta o processo decisório realizado pelo Estado, e esta 
instituição acaba por anular e silenciar as necessidades das classes 
trabalhadoras em função das demandas da burguesia local. 
 
1 Podemos usar como exemplo o fato de que não temos um parque industrial nacional: a maior 
parte das indústrias do país, as maiores e mais poderosas, são estrangeiras, dos países 
centrais, e temos empresas menores atuando como satélites. 
 
 
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De modo mais amplo, podemos afirmar que as mudanças costumam ser 
muito lentas e ter um caráter conservador, ou seja, a burguesia brasileira não 
realiza uma revolução nacional e democrática, nos moldes europeus ou 
estadunidenses, o que pode ser observado principalmente por meio da não 
constituição de uma sociedade de direitos à massa da população. 
TEMA 4 – A CLASSE TRABALHADORA BRASILEIRA 
É característico do modo de produção capitalista a exploração da classe 
trabalhadora, pois é da exploração do trabalho que se extrai a mais-valia e com 
isso ocorre o processo de acumulação. Mas, se por um lado a constituição da 
classe trabalhadora assalariada é fundamentale geral neste modo de produção, 
por outro as formas da exploração assumem particularidades no tempo e no 
espaço, de acordo com o processo de desenvolvimento do capitalismo. 
Florestan Fernandes argumenta que em países de capitalismo 
dependente, como no caso brasileiro, a classe trabalhadora experimenta um 
processo de superexploração e superexpropriação. A exploração do trabalho, 
traduzida no caso brasileiro como superexploração, significa que a classe 
trabalhadora realiza o processo de trabalho com jornadas mais intensas e menor 
remuneração, garantindo à burguesia local e estrangeira bons frutos para serem 
divididos. E se a expropriação da classe trabalhadora significa, de modo geral, 
retirar dela os meios de subsistência de forma que ela seja obrigada a vender a 
sua força de trabalho, no caso brasileiro temos um processo de 
superexpropriação, que pode ser traduzido na constituição de uma classe 
trabalhadora intensamente vulnerável e que por isso se sujeita às condições 
mais degradantes de trabalho. 
No entanto, apesar de sua condição mais intensa de exploração, para 
Florestan Fernandes (2009), se é possível pensar numa transformação da 
sociedade ou mesmo a ampliação da ordem democrática burguesa, ela ocorrerá 
com a efetiva organização da classe trabalhadora. 
TEMA 5 – DEMOCRACIA E CAPITALISMO DEPENDENTE 
Uma das marcas do capitalismo dependente e, portanto, do capitalismo 
brasileiro é sua democracia restrita a alguns setores da sociedade. Na leitura 
realizada por Florestan Fernandes (2009) há uma incompatibilidade entre o 
 
 
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capitalismo dependente e a universalidade dos direitos humanos. O que se 
mantém como marca desse tipo de capitalismo é seu caráter restritivo de direitos 
para a classe trabalhadora. 
As classes dominantes tratam os privilégios que possuem como direitos e 
os limitam para os setores da burguesia local e para as burguesias que estão 
subordinadas. Assim, o Estado nesse tipo de desenvolvimento capitalista 
assume o caráter autocrático, ou seja, esta instituição atua em benefício de uma 
minoria privilegiada. 
A constituição de um Estado autocrático demonstra como a burguesia 
pode ser ao mesmo tempo débil e poderosa. Débil, pois essa burguesia é 
dependente dos setores estrangeiros e a eles se subordina, superexplorando o 
trabalho assalariado e dividindo os lucros; e ao mesmo tempo muito forte, pois 
na luta interna das classes, ao manter a classe trabalhadora superexplorada, 
restringe o acesso aos direitos humanos. 
Dessa forma, tem-se que em função do caráter da burguesia brasileira, 
da forma dependente como o capitalismo desenvolveu-se no país e da forma 
autocrática manifestada por meio do Estado, a democracia apresenta-se de 
maneira restrita. 
NA PRÁTICA 
Os noticiários dos meios de comunicação de massa são fontes 
importantes para utilizarmos como suporte para analisar e pensar a realidade 
brasileira. Por isso, propomos que você pesquise uma notícia de jornal que trate 
de algum setor da burguesia brasileira. 
Descreva o comportamento desse setor, veja quais são suas 
reivindicações e suas necessidades, e como o Estado brasileiro e/ou outras 
instituições se comportam em relação a ele. Busque desvendar de que maneira 
esse setor se relaciona com o capital estrangeiro. 
A partir dos elementos levantados, analise o comportamento desse setor 
da burguesia brasileira à luz da teoria da dependência discutida nesta aula. Bons 
estudos! 
 
 
 
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FINALIZANDO 
Depois de apreendermos que o modo de produção capitalista possui 
elementos estruturais que se manifestam de maneira universal, como por 
exemplo as classes sociais, vimos nesta aula, por meio dos diferentes temas 
abordados, que cada país adquire características particulares na forma de 
desenvolvimento do capitalismo. 
No caso brasileiro, o caráter dependente do desenvolvimento desse modo 
de produção faz com que a burguesia, bem como a classe trabalhadora, assuma 
características particulares. No caso da burguesia brasileira, esta possui uma 
marca subordinada aos interesses do capital internacional ao mesmo tempo em 
que aparece como uma classe dominadora. 
Ao exercer a dominação sobre a classe trabalhadora, superexplora-a de 
forma a garantir seu quinhão na divisão com o capital estrangeiro/internacional. 
Ainda, faz da democracia algo restrito apenas aos setores privilegiados, 
tornando o Estado uma instituição autocrática na qual seus interesses e 
privilégios são mantidos e renovados. 
Em síntese, nesta aula discutimos como se dá o desenvolvimento do 
capitalismo em nosso país e qual é o lugar de um país periférico/dependente na 
dinâmica internacional do modo de produção capitalista. 
 
 
 
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REFERÊNCIAS 
CASTELO, R. Subdesenvolvimento, capitalismo dependente e revolução: 
Florestan Fernandes e a crítica da economia política desenvolvimentista. 
Marxismo21, 2012. Disponível em: <https://marxismo21.org/wp-
content/uploads/2012/11/R-C-Branco-FF.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2018. 
CHINAZZO, S. S. R. Epistemologia das ciências sociais. Curitiba, 
InterSaberes, 2013. 
FERNANDES, F. Capitalismo dependente e classes sociais na América 
Latina. São Paulo: Global, 2009. 
KIELING, F. dos S. Ciências sociais nas organizações. Curitiba: InterSaberes, 
2012. 
LIMOEIRO-CARDOSO, M. Capitalismo dependente, autocracia burguesa e 
revolução social em Florestan Fernandes. Instituto de Estudos Avançados da 
Universidade de são Paulo. Disponível em: 
<http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/limoeirocardosoflorestan1.pdf>. 
Acesso em: 24 ago. 2018. 
MAZZEO, A. C. Estado e burguesia no Brasil: origens da autocracia burguesa. 
São Paulo: Cortez, 1997. 
MULLER, C. Teoria dos movimentos sociais. Curitiba: InterSaberes, 2013.

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