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CLASSES SOCIAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL AULA 4 Profª Valéria Pilão CONVERSA INICIAL Neste momento de nossa disciplina, abordaremos a constituição e desenvolvimento dos movimentos sociais. Se até a Aula 3 analisamos a constituição e o desenvolvimento da categoria e identificamos alguns movimentos institucionalizados realizados pela classe trabalhadora, a partir desta aula analisaremos os denominados movimentos sociais e seus espaços de atuação. Buscaremos, de modo geral, caracterizar o que são os movimentos sociais, bem como compreender algumas das diferentes leituras/interpretações realizadas no Brasil e no mundo sobre sua constituição, formas de atuação, o alcance de suas pautas e demandas. Veremos, nesta aula, que as diferentes correntes teórico-metodológicas trazem compreensões distintas sobre a importância dos movimentos sociais e sobre o papel que podem desempenhar nas diferentes sociedades. Para demonstrar tais formas de análise sobre os movimentos, abordaremos as leituras marxistas, algumas vertentes estadunidenses e a leitura pós-moderna do intelectual português Boaventura de Sousa Santos. Não pretendemos esgotar o assunto, nem os principais autores que abordam tal temática, mas temos como objetivo apresentar caminhos possíveis para pensar os movimentos sociais e a partir desses caminhos. Vocês, alunas e alunos, poderão seguir aprofundando leituras e fazendo suas escolhas teóricas e políticas. No último tema desta aula, trataremos ainda da importância social e acadêmica que a estudiosa Maria da Glória Gohn tem no Brasil. Trata-se de uma referência obrigatória a todos os trabalhos que buscam abordar tal objeto de pesquisa. Por isso, ela é uma de nossas dicas para aprofundamento de leituras, uma vez que, a partir de seus textos, você conhecerá outros textos e autores. Assim, com esta aula, iniciaremos nossas conversas sobre os movimentos sociais, enfatizando a compreensão teórica e buscando seus entender seus diferencias. Boa leitura! Boa aula! TEMA 1 – O QUE SÃO MOVIMENTOS SOCIAIS? Como já adiantamos na seção prévia, há diferentes leituras possíveis sobre os movimentos sociais, e por conta dessas leituras veremos o quanto é 3 difícil conceituar ou categorizar o que são movimentos sociais, uma vez que, a depender da escolha teórico-metodológica, é possível apreender de maneira diferente o que são os movimentos. De toda forma, partindo desse alerta, nesta aula veremos que há pelo menos três grandes vertentes quando buscamos apreender o que são os movimentos sociais. Há leituras que enfatizam o aspecto cultural, leituras que ressaltam o aspecto econômico (de classe) ou, ainda, compreensões que salientam o cultural associado ao econômico (de classe). As leituras que enfatizam o aspecto cultural destacam que os problemas no âmbito da cultura, tais como questões de identidade, se sobrepõem aos conflitos derivados da produção, de tal forma que os movimentos sociais expressam esse deslocamento, representando os conflitos contemporâneos. De outra parte, há a compreensão de que os movimentos sociais decorrem de questões econômicas, ou seja, enfatiza-se que, apesar de os movimentos sociais trazerem demandas culturais, elas são determinadas na economia. (Gohn, 2001). Há ainda uma terceira e possível compreensão de que os movimentos sociais expressam a importância da identidade para a construção de um movimento, mas entende-se que eles emergem de “um cenário pontuado por lutas, conflitos e contradições, cuja origem está nos problemas da sociedade dividida em classes” (Gonh, 2001, p. 11) A despeito dessas diferentes interpretações, é possível identificar algumas características presentes nos movimentos sociais, independentemente de qual abordagem será utilizada. Dentre elas, devemos destacar o fato de que os movimentos sociais ocupam espaços não institucionalizados, isto é, suas demandas pressionam as esferas institucionalizadas, mas os movimentos em si não as ocupam. Essa é uma das principais diferenças entre movimentos e partidos/sindicatos, pois os dois últimos têm seu reconhecimento e atuação no âmbito institucional. Ainda no que diz respeito à compreensão do que são movimentos sociais, é importante que se atente ao fato de que a existência de um ato não significa a composição de um movimento social. Atos/ações podem ser realizados por movimentos para demonstração de sua pauta, de sua força política e na tentativa de adquirir mais adeptos. Ou, simplesmente, tais atos e ações podem ocorrer expressando uma demanda pontual que se encerra junto com a manifestação. 4 TEMA 2 – MARXISMO E MOVIMENTOS SOCIAIS Ao tratar da abordagem marxista, sobre os movimentos sociais, encontramos um debate que ainda está em disputa entre as diferentes vertentes do marxismo, e que também pode ser percebido pelas formas de atuação dos partidos políticos vinculados a tais pressupostos teórico-metodológicos. Historicamente, e em particular ao longo do século XX, a atuação dos partidos comunistas (e das vertentes predominantes de marxismo) enfatiza as lutas de classes, no sentido de focalizar os conflitos decorrentes diretamente da contradição entre capital e trabalho. Esse posicionamento dentro do marxismo tem se alterado nas últimas décadas, trazendo cada vez mais visibilidade para as lutas sociais. Há teóricos, como Montaño e Duriguetto (2013), que entendem que tais lutas são resultado da contradição capital e trabalho, ainda que aparentemente se expressem como aspectos autônomos. Dessa feita, as lutas sociais das quais derivam os movimentos sociais não são antagônicas ou distantes das lutas de classes – ao contrário, as demandas dos movimentos sociais são decorrentes da existência de uma sociedade que se funda a partir da contradição capital e trabalho, ou seja, da luta de classes. Para que tal abordagem possa se concretizar, é necessário analisar a realidade como uma totalidade, da qual o movimento social é um momento, uma vez que a fragmentação da realidade – ao desvincular o movimento social da sociedade na qual está inserido, por exemplo – escamoteia a sua compreensão e impede alcançar os determinantes das lutas sociais. Assim, as demandas de movimentos negros, movimentos feministas, de gênero ou de meio ambiente, dentre outros, não se contrapõem à estrutura classista do capitalismo, mas derivam e são constitutivas dela. Para encerrarmos, podemos exemplificar com as demandas dos movimentos ambientalistas, que lutam pela defesa do meio ambiente, buscando evitar a sua degradação. A pergunta para pensarmos a relação desse movimento com o capitalismo (e a contradição capital e trabalho) é: A origem da degradação do meio ambiente está relacionada à sua utilização como meio para produção de mercadoria? A resposta é: sim. A natureza é um dos elementos fundamentais para a produção da mercadoria, pois é sua matéria-prima. Dessa forma, para realizar o objetivo desse modo de produção, que é a acumulação do capital – 5 que se dá por meio da produção de mercadorias – é necessário que haja sua degradação. Como vemos, as demandas ambientais existem porque existe o capitalismo. TEMA 3 – AS VERTENTES ESTADUNIDENSES DE EXPLICAÇÃO Nos Estados Unidos da América, ao longo do século XX, surgiram diferentes teorias explicativas acerca dos movimentos sociais que são ainda hoje referências importantes tanto por seu caráter histórico quanto por serem reutilizadas por teóricos contemporâneos que buscam analisar tais movimentos. Neste tema, não trataremos de todas as correntes que se desenvolveram por uma limitação de tempo e espaço, mas enfatizaremos uma primeira leva de ideias produzidas até, 1960 e que Maria da Glória Gohn (2008) denomina de clássicas. Uma informação importante no que diz respeito à produção de conhecimentoacerca dos movimentos sociais é que ela está relacionada ao desenvolvimento da sociologia enquanto área de conhecimento no país a partir do começo do século XX. Ao se debruçar sobre o paradigma norte-americano, Gohn (2008) relaciona cinco correntes existentes nesse período clássico, que se desenvolveram praticamente ao mesmo tempo. Dentre os elementos que eram comuns, podemos destacar a busca pela compreensão dos comportamentos coletivos. Nesse momento, destacaremos um dos autores desse período, Talcott Parsons. A partir da compreensão desenvolvida por esse autor, temos uma forma de análise funcionalista. Dentre os elementos recorrentes nessa visão, temos que os movimentos que ocorrem em sociedades em processo de mudança – portanto, desorganizadas. Ainda é possível apreender que, a partir de tal entendimento, os movimentos sociais se desenvolvem porque há pessoas desajustadas à ordem vigente. Em sociedades estáveis, há poucos movimentos sociais. TEMA 4 – MOVIMENTOS SOCIAIS E BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS Boaventura de Sousa Santos é um teórico português de grande repercussão internacional, por conta de seus estudos acerca dos paradigmas 6 modernos da ciência, e também por suas propostas para a superação de limites. Ele é um autor a ser estudado ao abordamos a temática dos movimentos sociais, pois não tem apenas versado sobre esse objeto: ele também está muito próximo dos próprios movimentos sociais. Prova disso é a sua presença marcante no Fórum Social Mundial, que se iniciou em 2001 em Porto Alegre/RS. Para o referido autor, o desenvolvimento dos movimentos sociais, a partir dos anos de 1960, marca um momento de transição das sociedades modernas para as pós-modernas. Em sua compreensão, os movimentos sociais são contra-hegemônicos e apontam para a possibilidade de um outro mundo possível, isso porque todas as lutas são válidas, independentemente do que objetivam. Segundo Boaventura, um movimento social não precisa se contrapor ao capitalismo; portanto, ele pode ou não ser radical. Essa radicalidade é o menos importante. Para ele, o essencial é a inconformidade sobre a realidade, sobre as injustiças, e por isso que, independentemente do que objetivam, os movimentos sociais são fundamentais, por demonstrarem rebeldia. Por fim, para o autor português os movimentos sociais demonstram a entrada em um momento de transição paradigmática social, ao buscarem a superação das dicotomias/clivagens típicas da modernidade, tais como: reforma ou revolução; Estado inimigo ou aliado; ação direta ou institucional, dentre outras. A marca desse processo transitório é exatamente a superação de tais dicotomias por meio dos diferentes inconformismos. TEMA 5 – OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL E MARIA DA GLÓRIA GOHN Atentarmos para os inúmeros movimentos sociais existentes no Brasil desde quando o país era uma colônia de Portugal nos dá a possibilidade de repensarmos afirmações recorrentes acerca da pacificidade do brasileiro ao longo da nossa história. Somos marcados por uma história oficial que destaca grandes feitos e datas comemorativas, e que escamoteia as lutas empreendidas pelas classes subalternas, por oprimidos e explorados. Para perceber o quanto valorizamos indivíduos tidos como grandes personalidades, é só verificarmos a quantidade de ruas, edifícios e viadutos com nomes de senhores com patentes militares, estadistas e proprietários. 7 Um dos problemas dessa valorização é que não olhamos para o que as classes populares em suas diferentes composições realizaram em nosso país. Por isso, neste momento sugiro que atentem aos diversos movimentos sociais da história brasileira; para tal, repito a recomendação acerca da leitura da intelectual Maria da Glória Gohn. Essa autora é uma de nossas maiores estudiosas sobre o assunto; além de referência bibliográfica obrigatória ao tratar da temática, nos permite abordar a história brasileira por uma diferente perspectiva, contrariando a ideia de que somos um país pacífico, no qual não há lutas e demandas originárias de uma estrutura social desigual e injusta. Bons estudos! NA PRÁTICA Na sociedade brasileira, existem inúmeros movimentos sociais que certas vezes aparecem noticiados pela imprensa local e/ou nacional, pelos meios de comunicações mais tradicionais, como rádio e televisão, e também por páginas na rede e/ou Facebook. Valendo-se desses espaços, nos quais as informações são produzidas/reproduzidas diariamente, faça uma pesquisa procurando pela notícia de um movimento social. Com a notícia em mãos, busque mais conhecimento acerca do movimento social encontrado. Você pode enfatizar a pesquisa sobre as demandas do movimento social, seus espaços de atuação e temporalidade (se o movimento ainda existe ou não, quando começou e acabou, se for o caso). Para finalizar, busque compreender se a demanda foi ou não alcançada. Utilize as informações encontradas como fonte de pesquisa para dar respaldo a suas informações. FINALIZANDO Nesta aula, abordamos de forma mais detalhada os movimentos sociais. Buscamos inicialmente caracterizá-lo/conceituá-lo, apesar de termos alertado sobre as diferentes perspectivas teóricas existentes sobre tal objeto de estudo. Por isso, ao longo desta aula trouxemos diferentes vertentes teóricas, de modo a pensar os movimentos sociais. Abordamos a análise marxista, comentamos sobre a importância da escola norte-americana e destacamos Boaventura de Sousa Santos, que se autodenomina pós-moderno de esquerda. 8 Ao finalizar estas três perspectivas, percebemos, por um lado, o quanto um único objeto pode ter diferentes compreensões, não havendo um consenso; mas, por outro, tais divergências e quantidade de estudos revelam o quanto esse é um objeto de significativa importância para a história. Considerando a importância histórica dos movimentos sociais, que finalizamos nossa aula destacando uma das maiores estudiosas sobre movimentos sociais no Brasil, a intelectual Maria da Glória Gonh. Por fim, reforçamos a necessidade de buscar mais conhecimento sobre uma parte da história de nosso país que normalmente não é estudada. 9 REFERÊNCIAS CHAHIN, A. E-Gov.br a próxima revolução brasileira. São Paulo: Pearson, 2010. CHINAZZO, S. S. R. Epistemologia das ciências sociais. Curitiba: InterSaberes, 2013. GOHN, M. G. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2001. _____. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2008. GUTERMAN, M. O futebol explica o Brasil. São Paulo: Contexto, 2011. KIELING, F. S. Ciências sociais nas organizações. Curitiba: InterSaberes, 2012. LIMA, R. Segurança pública e violência: o Estado está cumprindo seu papel? São Paulo: Contexto, 2008. MONTAÑO, C.; DURIGUETTO, M. L. Estado, classe e movimento social. São Paulo: Cortez, 2013. MULLER, C. Teoria dos movimentos sociais. Curitiba: InterSaberes, 2013. PAIXÃO, A. Sociologia geral. Curitiba: InterSaberes, 2010. ZORZI, A. Sociologia da juventude. Curitiba: InterSaberes, 2011.
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