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História da Arquitetura e Urbanismo Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Silvio Pinto Ferreira Junior Revisão Textual: Prof. Esp. Luciano Vieira Francisco Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico • Introdução; • Renascimento: A Volta do Clássico; • A Arquitetura no Renascimento; • A Importância da Perspectiva no Projeto Arquitetônico; • O Urbanismo; • Considerações Finais. · Compreender o movimento cultural e artístico da Renascença que se afirmou acentuadamente na arquitetura e no urbanismo. OBJETIVO DE APRENDIZADO Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico Introdução Antes de tudo, vale destacar aqui que o Renascimento não é um período, mas sim um movimento artístico-cultural que encabeçou diversas contestações subsequentes, tais como o movimento protestante no campo religioso, o movimento humanista no campo científico e o movimento iluminista no campo político, para citar apenas alguns casos. Todos esses movimentos intercalaram o final decadente da Idade Média e prenunciaram o período moderno. Desde os primeiros balbucios da ciência durante a Renascença, a partir do século XV, o mundo tem sido uma fábrica produtiva de inovações em todos os campos do conhecimento e em todas as direções geográficas. Veremos nesta Unidade como a Renascença foi importante para estimular os avan- ços científicos, artísticos e tecnológicos que impactaram diretamente na arquitetura. Renascimento: A Volta do Clássico Caro(a) aluno(a), Certamente você já estudou, em História, os principais artistas do período renascen- tista: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, Botticelli. O que se diz muito é sobre as artes, mas você sabia que a arquitetura produzida nesse período também foi muito significativa? Podemos dizer que a profissão de arquiteto – e não construtor – nasceu aqui, afinal, surgiu o processo característico da criação arquitetônica, o projeto. O Renascimento foi um dos momentos mais importantes na história da cultura ocidental, caracterizando-se por imensas mudanças culturais, as quais responsáveis em grande parte pela cultura da maneira com que entendemos hoje. O Renascimento assinalou o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna, abrangendo aproximada- mente o período entre fins do século XIII até meados do século XVII. Entre as rupturas importantes, podemos assinalar a passagem do feudalismo para o capitalismo, potencializada pelo contato crescente entre mercadores europeus e asi- áticos, sobretudo os do Oriente Médio, o que impulsionou o comércio entre esses dois continentes – principalmente nos países mediterrâneos, como a Itália, por terem seus portos próximos dessas zonas mercantis. Isso levou ao surgimento de uma nova classe social: os burgueses. Até então, somente aqueles que detinham qualquer forma de poder eram os membros da nobreza ou do clero. Os burgueses eram moradores das cidades muradas, os burgos, passando a acumu- lar riqueza e, consequentemente, poder político por meio do comércio. 8 9 Nas artes, esses burgueses foram res- ponsáveis por encomendas e patrocínio financeiro de obras de arte de artistas como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael Sanzio, sendo, em grande par- te, responsáveis pelo avanço inigualável das artes. Tais homens eram chamados de mecenas e esta prática é denomina- da mecenato. Os mecenas eram os burgueses, uma nova classe social que encomendava as obras de arte de pintores e escul- tores renomados do Renascimento para a obtenção de reconhecimento e prestígio social. O patrocínio de obras artísticas é chamado de mecenato. Eram ricos e poderosos comerciantes, príncipes, condes, bispos e banqueiros. Possivelmente em função desse tipo de incentivo, muitos afirmam que, não obstante aos avanços políticos e sociais, foi na área de conhecimentos culturais que talvez os avanços tenham sido mais significativos nesse período, afinal, no século XIV, retomou-se o princípio de humanismo, que havia sido uma das características do antigo povo grego. O humanismo é uma postura intelectual que valoriza o homem e suas capacidades racionais de compreensão e ação sobre o mundo e seus fenômenos; ou seja, a cultura deixou de ser teocêntrica – centrada em uma visão religiosa, em torno da fi gura de Deus –, passando a ser antropocêntrica – em que o homem é a medida de todas as coisas. Em síntese, o homem como centro do Universo. Ex pl or Se até então os fenômenos eram explicados por uma perspectiva espiritual e simbólica, principalmente de forma dogmática pela Igreja, então o homem passava, no Renascimento, a valorizar a sua própria percepção do mundo, encontrando respostas para as suas questões através da observação, dos estudos da Matemática, da Lógica, da literatura e das artes. Os humanistas renascentistas estimulavam o uso da razão e eram, principal- mente, poetas, escritores, arquitetos, artistas, historiadores, filósofos, geógrafos, antiquários, colecionadores, políticos, entre outros. Ressalta-se que isso não fazia com que os humanistas rompessem com a Igreja, pelo contrário. Importante! Figura 1 Fonte: Wikimedia Commons O homem vitruviano, segundo desenho e solução matemáti- ca por Leonardo da Vinci. A partir dos estudos da proporção do corpo humano pelo romano Marcus Vitruvius Pollio, Leonardo foi capaz de fechar matematicamente os cálcu- los que pressupunham que o homem poderia ser inserido em um quadrado e um círculo, as duas formas consideradas mais perfeitas pelos antigos romanos. Esta imagem costu- ma ser ilustrativa do princípio humanista de o homem ser a medida de todas as coisas. Importante! 9 UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico Com a postura menos passiva diante do conhecimento, foi possível que ocor- resse, nesse período, grande avanço em todas as áreas: nas Ciências, com o de- senvolvimento da Botânica, da Química, dos estudos da Anatomia, da Astronomia, da Engenharia, entre tantas outras. Um notável exemplo dessa busca incansável pelos novos saberes revelados pela observação e razão é Leonardo da Vinci, quem atuou em todas essas áreas, deixandocomo legado mais de quatro mil desenhos e manuscritos de seus estudos e reflexões. Esse desenvolvimento técnico e científico possibilitou inventos e descobertas que revolucionaram o mundo: as grandes na- vegações, que revelaram novos continentes – como a América – e comprovaram que o mundo era redondo – e não plano; a invenção da imprensa de tipos móveis por Johann Gutenberg, em 1450, que finalmente possibilitou a divulgação e pro- pagação das ideias para um grande número de pessoas; e o aprimoramento da Astronomia, graças a homens como Copérnico e Galileu Galilei. Muitos humanistas morreram defendendo as suas descobertas no Tribunal da Inquisição, em que eram julgados e condenados pela Igreja por suas ideias “heréticas”. “Foi um período em que livros, a capacidade de ler, o conhecimento e as ideias deixaram de estar restritos ao clero. Isso levou ao desafio à ortodoxia católica que culminou na Reforma e na Igreja Protestante” (GLANCEY, 2007, p. 68). O humanismo foi impulsionado com a redescoberta e revalorização da cultura clássica, isto é, dos legados das civilizações grega e romana. Tal influência ocorreu principalmente no campo das artes, em que pintura, escultura e arquitetura passaram a recuperar muitos dos princípios e elementos do período clássico, rompendo totalmente com a tradição medieval. Um dos estilos próprios da Renascença é o chamado maneirismo. Maneirismo foi um estilo e movimento artístico que se desenvolveu na Europa aproximad- amente entre 1515 e 1600 como uma revisão dos valores clássicos e naturalistas prestigi- ados pelo humanismo renascentista e cristalizados na Alta Renascença. Ex pl or A arquitetura clássica, ou qualquer forma de arquitetura antiga, realmente não foi valorizada durante o período medieval – não havia ainda a noção de alteridade histórica, a concepção de que houve uma civilização anterior cujo legado deveria ser admirado e conservado. Os italianos sempre conviveram com as ruínas das antigas construções romanas, porém, sempre de modo meramente utilitário: reaproveitando os antigos arcos de triunfo para compor muralhas e fortificações; convertendo os antigos templos pagãos em igrejas católicas; reaproveitando o material construtivo para novas edificações. Com a redescoberta dos princípios e valores que regiam essas antigas civilizações clássicas, condição potencializada pela redescoberta de antigos textos e tratados de poetas, filósofos e outros intelectuais clássicos, o humanismo ganhou fôlego e passou a admirar as civilizações antigas como modelo a ser seguido – e não temido. 10 11 Além de levar ao surgimento da noção de preservação de monumentos, os estudos da arquitetura antiga conduziram à recuperação de muitos dos princípios clássicos, que foram reavaliados e reinterpretados para dar novo fôlego à arquite- tura clássica produzida no Renascimento. Quando o assunto é Renascimento, os exemplos quase sempre são centrados na Itália – e isto não é mera coincidência. Uma série de fatores possibilitou que esse fenômeno cultural irradiasse a partir da Península Itálica, sobretudo nas cidades de Florença – em um primeiro momento – e Roma. Em primeiro lugar, a Península Itálica ocupa um local geográfico privilegiado, às margens do Mar Mediterrâneo, o que possibilita a sua interação mercantil com o Oriente e torna a região próspera – é lá que muitas das mudanças sociais, políticas e econômicas inicialmente ocorreram. Como Pevsner (2002, p. 174) afirma, “[...] o estilo renascentista [foi criado] para os comerciantes de Florença, banqueiros dos reis da Europa. É na atmosfera da mais próspera das repúblicas comerciantes do Sul que o novo estilo aparece, por volta de 1420”. Por outro lado, é igualmente lá que se encontra a maior parte do legado cultu- ral da civilização romana e dos etruscos, com o qual, de certa forma, os italianos nunca tinham perdido o contato – ressurgindo como uma estética arquitetônica que exprimia todos os princípios do racionalismo e do humanismo que floresciam na Toscana. Por fim, com a reinstalação da sede da Igreja Católica em Roma, após séculos na cidade de Avignon, na França – fugidos dos ataques bárbaros frequentes durante a Alta Idade Média –, em 1420, o centro do poder europeu novamente encontrava- se em Roma. Durante o Renascimento, a Igreja se fortalecia e este poder e luxo se exprimiram nas inúmeras encomendas artísticas do Vaticano – em pinturas murais requintadas, como o teto da Capela Sistina, elaborada por Michelangelo; em ricas esculturas e em imponentes obras arquitetônicas, como a Basílica de São Pedro. A Arquitetura no Renascimento Segundo Leonardo Benevolo (apud PEREIRA, 2010, p. 131), a retomada do classicismo italiano se deu porque o gótico não possuía disciplina ou um método de controle geral em sua composição. O clássico, por sua vez, era mais adequado às necessidades da Idade Moderna por sua ordem e estrutura mais simples de conhecimento. Embora possa parecer um retrocesso, esse fenômeno deve ser encarado como um “[...] meio de retomada para um novo impulso progressista, como se demonstrará nos séculos XVII e XVIII” (PEREIRA, 2010, p. 131). 11 UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico A necessidade de um código ou de uma normativa, que exprimiria a beleza e harmonia de forma racional e matemática na plástica arquitetônica, levaram à elaboração e publicação de uma série de tratados de arquitetura, inspirados a partir do recém-descoberto modelo romano do De architectura, de Vitruvius. Os arquitetos renascentistas não pretendiam que a arquitetura de sua época fosse uma mera reprodução dos modelos greco-romanos, mas sim uma evolução – uma forma ideal, perfeita, segundo os princípios racionais do classicismo. Para tanto, era necessária a elaboração de normas para orientar a criação arquitetônica que atingisse plenamente tais objetivos, surgindo, então, os cânones e a classificação das ordens gregas segundo diversos critérios. Os princípios desses tratados determinavam desde a aparência que diferentes tipos de construções deveriam ter, a proporção ideal, os elementos que estariam dispostos – e de que maneira estariam. As ordens clássicas foram detalhadamente descritas, desde a combinação de seus elementos – colunas, entablamentos, capitéis etc. –, como também eram estabelecidas as dimensões corretas de cada elemento. As análises eram intelectualizadas, de arquitetos que não apenas criavam como artistas, mas pesquisavam e produziam ideias como os estudiosos eruditos. Tais ideias, defendidas nesses textos teóricos, eram aplicadas pelos seus autores na prática construtiva, dando a cada um certo caráter de autoria. Com isso, ocorreu na Arquitetura um fenômeno equivalente ao que acontecia com os demais artistas: o reconhecimento da arte como um processo intelectual. Assim, artistas e arquitetos começaram a adquirir prestígio na sociedade e eram admirados pelas suas habilidades e capacidade criativa – status conquistado pelos próprios artistas, os quais defendiam o caráter erudito de seu processo criativo em textos e tratados. Leonardo da Vinci desenvolvia a teoria da natureza ideal da arte. Empenhou-se em provar que a pintura e a arquitetura eram artes liberais, e não artes no sentido de ofício, como na Idade Média. Essa teoria tem dois aspectos. Ela exige do patrono uma nova atitude diante do artista, mas também exige do artista uma nova atitude diante de sua obra. Apenas o artista que abordasse sua arte com espírito acadêmico, isto é, como um pesquisador de suas leis, tinha direito a ser considerado igual pelos eruditos e autores humanistas (PEVSNER, 2002, p. 175). O projeto passou, portanto, a ser defendido como uma atividade intelectual, separando a prática do arquiteto dos demais construtores – agora vistos como subalternos, como executores de uma ideia desenvolvida por um artista com maiores conhecimentos. Podemos afirmar que a profissão do arquiteto, como nós a conhecemos atualmente, surgiucom a obra de Filippo Brunelleschi (1377-1446), quem era um exemplo do artista completo do Renascimento italiano – além de arquiteto, era também ourives, escultor e estudioso de Matemática e Geometria. 12 13 Como todos os humanistas do período, Brunelleschi também apreciava outras artes: era profundo conhecedor da poesia de Dante Alighieri. Ao lado de Masaccio – pintor – e Donatello – escultor –, Brunelleschi é considerado um dos mais importantes personagens do princípio do Renascimento italiano. A obra de Brunelleschi é extremamente relevante para nós não apenas pelas inovações técnicas e estilísticas que inauguraram o Renascimento, mas também porque contribuiu com: • O surgimento da profissão do arquiteto e das concepções projetuais em arquitetura; • A elaboração da perspectiva linear por meio de cálculos matemáticos, o que agregou não apenas ao desenvolvimento do processo projetual em Arquitetura, mas também ao avanço da pintura do período – em que a perspectiva é tida como uma das características mais importantes da pintura renascentista. Figura 2 – Catedral de Florença, de autoria de Brunelleschi Fonte: iStock/Getty Images Devemos a Brunelleschi a ruptura com a tradição medieval, principalmente por ocasião da construção da cúpula da Catedral de Florença, como vemos na Figura 2, a Santa Maria dei Fiore, considerada o marco inicial da arquitetura renascentista. Apenas a cúpula da também denominada O Duomo de Florença é de estilo pre- dominantemente gótico, sendo completada paulatinamente ao longo de seis séculos: seu projeto básico foi elaborado por Arnolfo di Cambio no final do século XIII; sua cúpula é obra de Filippo Brunelleschi, no século XV; e sua fachada teve de esperar até o século XIX para ser concluída. Ao longo desse tempo, uma série de interven- ções estruturais e decorativas no exterior e interior enriqueceriam o monumento. Portanto, no século XV, a Catedral encontrava-se apenas parcialmente coberta. Segundo o projeto inicial, teria uma grande nave central e duas naves laterais, as quais convergiriam em um enorme espaço octogonal, que deveria ser coberto por uma cúpula. Porém, ainda não havia solução técnica adequada que possibilitasse a cobertura desse espaço. Em 1418, foi organizado um concurso em que diversos arquitetos propuseram a solução para o desafio. Brunelleschi apresentou uma condição inovadora e até, aparentemente, impossível de ser realizada. Sua proposta: 13 UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico [...] baseava-se nos princípios clássicos e defendia a construção de dupla cúpula que absorveria suas próprias tensões. Para sua execução prevê um andaime, inventado por ele, e uma grua para o translado dos materiais. Pôs em prática um método para a sustentação da cúpula, inventou as máquinas necessárias à construção e executou o projeto sem utilizar o cimbre, armação de madeira que serve de molde e suporte aos arcos e abóbadas e retirados depois de completada a obra (MIGUEL, 2003, p. 64, grifo do autor). Figuras 3 – Croquis do projeto do maquinário de Brunelleschi, como gruas que tornaram a construção da cúpula possível Fonte: Wikimedia Commons Brunelleschi, nesse período, já buscava uma linguagem arquitetônica que ex- pressasse o espírito renascentista – o gótico já parecia ultrapassado. Por meio do contato com o tratado de Vitruvius, Brunelleschi se dedicou ao estudo da arquitetu- ra clássica, realizando, inclusive, várias viagens à Roma para efetuar levantamentos técnicos e métricos nas ruínas. É desse artista alguns dos primeiros desenhos e inventários dos resquícios dos monumentos romanos nessa cidade, dando a partida para a incipiente proteção do patrimônio, que começava a surgir nessa época. A técnica construtiva usada pelos romanos para erguer seus duomos já havia sido perdida, então Brunelleschi precisava elaborar as suas próprias técnicas para viabilizar o seu projeto. A solução adotada para sustentar o peso da cúpula sem preencher o espaço interior da Catedral com colunas foi adotar um sistema de dupla camada. A concha interior era feita de material leve, enquanto que a camada externa consistia de materiais que resistissem ao vento. Assim, os construtores, elevados até a altura por suas gruas, poderiam sentar na camada interna para erigir a camada externa. Para sustentar ambas as camadas, elaborou um sistema de anéis que “abraçam” ambos os domos, entrecortados por suportes. A estrutura ainda resiste, salvo pela substituição de algumas peças de madeira – porque ficaram apodrecidas. Enfim, é uma solução ainda empregada na Engenharia Moderna. 14 15 Figura 4 – Vista do interior da cúpula, com afrescos de Giorgio Vasari e Federico Zuccari, representando o Juízo Final Fonte: Wikimedia Commons A forma com que Brunelleschi trabalhava é revolucionária. Na experiência da construção da cúpula, o arquiteto humanista foi o responsável por todo esse processo intelectual que aqui analisamos. Por outro lado, participou do processo prático da Arquitetura como um supervisor, ou seja, não conjuntamente com os outros construtores. Vemos que existia, a partir de então, uma divisão do trabalho: o arquiteto como responsável pelo projeto, e os construtores, pela execução. A Importância da Perspectiva no Projeto Arquitetônico A perspectiva é uma das várias técnicas de representação de objetos e a profun- didade do espaço em um desenho, isto é, sobre um suporte plano. Credita-se a Brunelleschi o desvendamento da perspectiva linear, ou seja, a pro- jeção da perspectiva em forma de um sistema matemático, em que todas as linhas retas convergem em determinado ponto, representando o olho do observador. Na pintura, o impacto dessa descoberta realmente foi gigantesco, possibilitando aos pintores renascentistas a representação do espaço e dos volumes dispostos de forma muito próxima à realidade. Mas em quê isto afetou a prática da Arquitetura? Para se definir o espaço arquitetônico do Renascimento, a incorporação da perspectiva como instrumento de projeto nos desenhos procura simular o espaço a ser construído. A principal ruptura em relação ao espaço medieval deu-se a partir do momento em que os arquitetos do Renascimento passaram a designar nos seus edifícios um ritmo de percurso, em que as regras de desenho do espaço são facilmente assimiladas pelos usuários. Com isso, a perspectiva conduz o olhar para um ponto escolhido pelo arquiteto, o chamado ponto focal. 15 UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico O domínio da linguagem clássica usada para se chegar a estes efeitos de percur- so, torna-se possível apenas quando simulado por meio do projeto pela perspecti- va. Como resultado, tem-se um espaço perspéctico, integralmente apreendido pelo observador e cujas relações proporcionais se mostram de forma analítica e objetiva. Um belo exemplo disso é o projeto de Brunelleschi para a Igreja do Santo Spirito, construída entre 1434 e 1872. Figura 5 – Vista interna da Igreja do Santo Spirito. Neste espaço, Brunelleschi usou as técnicas de perspectiva para intensificar os efeitos espaciais que conduzem o observador ao altar. A imagem de Cristo fica exatamente no ponto focal, para onde as linhas convergem. A linguagem adotada é clássica: a combinação de colunas coríntias encimadas por arcadas romanas. Tratava-se do início da arquitetura renascentista conforme se consolidou nos séculos seguintes Fonte: Wikimedia Commons No campo da Arquitetura em si, o desenvolvimento da perspectiva possibilita estudos preliminares de projeto, em que o arquiteto pode simular e visualizar o es- paço tridimensional que pretende construir com desenhos perspectivos. Um exem- plo corresponde aos desenhos de Brunelleschi em que, ainda na fase de projeto, já antevia os efeitos espaciais. Veja a perspectiva desenhada por Brunelleschi (Estudo preliminar do projeto) no link a seguir: https://goo.gl/im9DaSEx pl or A arquitetura renascentista se baseou em duas premissas fundamentais:o uso de figuras geométricas elementares – como o quadrado ou círculo – e relações matemáticas simples; e a reutilização das ordens clássicas da tradição grega e romana. No entanto, agora as ordens incluem também, além das três gregas – dórica, jônica e coríntia –, as duas contribuições romanas: a ordem toscana e a ordem compósita, como é vista no Coliseu. 16 17 A concretização da harmonia e da regularidade como consequência das regras da geometria foi atingida no projeto da capela (1430) para a família Pazzi, sendo estes proeminentes em Florença. Brunelleschi combinou colunas, pilastras e arcos plenos de maneira inédita na história da Arquitetura. As pilastras – meias colunas embutidas na parede – remetem às colunas sem ter, de fato, uma função estrutural: a intenção é plástica, de marcar o ritmo clássico das colunas e arcadas. Embora a sua inspira- ção tenha sido a arte romana, a capela não guarda semelhanças com os templos clássi- cos, tampouco com as igrejas góticas. Uma grande mudança humanista, na ar- quitetura de igrejas a partir do Renascimen- to, foi a primazia das formas geométricas como quadrados e círculos. Formas estas que levavam a uma mudança de paradig- ma, modificando profundamente o padrão formal que havia se estabelecido desde as basílicas cristãs: a transição entre formas cruciformes para esquemas de planta cen- tralizada, como se vê na Capela Pazzi. Figura 6 Fonte: iStock/Getty Images Veja mais sobre a Capela Pazzi em: https://youtu.be/zoNsvcZy8Dg. Ex pl or Além de Brunelleschi, existiram muitos outros destaques da arquitetura renas- centista, vejamos mais alguns exemplos: Donato Bramante (1444-1512) foi o maior arquiteto do chamado Alto Renasci- mento. Em Milão, Bramante foi cada vez mais envolvido com o humanismo e com as inovações artísticas de seu tempo, sendo muito influenciado pelas experimen- tações de Leonardo da Vinci que, entre outras coisas, esboçou também projetos complexos de templos de planta central. Bramante foi para Roma em 1499 e lá, inspirado pelos monumentos da Roma Antiga, passou a se interessar pelas questões construtivas, pela harmonia e simpli- cidade. Foi nessa época que assumiu o projeto de uma pequena capela de plano central, o Tempietto de São Pedro de Montorio, talvez o mais importante edifício renascentista dessa fase. Trata-se de uma releitura de um templo romano circular, apoiado em três degraus, onde cada coluna dórica tem a sua pilastra correspon- dente na parede do edifício, cuja cela, mais alta do que a colunata, é coberta com uma cúpula semiesférica. 17 UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico A Basílica de São Pedro, considerada a mais sagrada de todas as igrejas e ainda hoje uma das maiores construções humanas, levou mais de cem anos para ser concluída e empregou diversos arquitetos, como Michelangelo, entre os mais renomados do período. Figura 7 – Vista da fachada da Basílica de São Pedro Fonte: iStock/Getty Images Bramante foi o responsável pela concepção da planta original, em formato de cruz com plano central. Essa configuração do espaço foi surpreendente, conside- rando-se que a concepção de igreja tradicionalmente esteve vinculada a um âmbito longitudinal. “Com o Papa adotando esse símbolo de mundanismo em sua própria igreja, o espírito do humanismo havia realmente penetrado no mais interior da fortaleza da resistência cristã” (PEVSNER, 2002, p. 206). Importante! Que Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (Caprese, 6 de março de 1475 – Roma, 18 de fevereiro de 1564), conhecido simplesmente como Michelangelo, foi pintor, escultor, poeta e arquiteto italiano, considerado um dos maiores criadores da história da arte do Ocidente? Você Sabia? Palladio foi, sem dúvida, o mais importante arquiteto da geração que seguiu a de Bramante – e pode-se afirmar sem pudor que seja um dos arquitetos mais influentes ao longo dos séculos, cujo estilo pessoal inspirou um movimento chamado de palladianismo, principalmente no século XVIII. A obra de Palladio tem relevância em duas frentes: por um lado, sua contribuição teórica, por meio de seu importante tratado intitulado I quattro libri dell’Architettura – Os quatro livros da Arquitetura –, publicado em 1570. Esse tratado foi reimpresso diversas vezes e figura como uma das mais importantes 18 19 referências que dão base à Arquitetura do neoclassicismo, em anos posteriores e em países tão diversos quanto a Inglaterra e os Estados Unidos, prestando homenagem a Vitruvius, atualizando seus pensamentos e afirmando que “[...] os romanos ainda não foram superados nas construções posteriores a eles [...]” (PALLADIO apud MARTON; WUNDRAM; PAPE, 2008, p. 6). Por outro lado, a sua prática também foi extremamente relevante, especialmente as grandes sedes de fazenda ao redor de Vicenza, chamadas de ville; e imponentes casas urbanas, os palazzi. Ville, em italiano, é o plural de casa de campo ou fazenda – o singular é villa. Quanto aos imponentes edifícios urbanos em que moravam as famílias abastadas, tratam-se dos palazzi – plural –, cujo singular é palazzo. Ex pl or Ao contrário dos outros arquitetos do Renascimento – sempre primariamente pintores, ou escultores, ou mesmo intelectuais –, Palladio considerava a Arquitetura a sua profissão e grande paixão, de modo que era amplo conhecedor de todos os aspectos do processo projetual e construtivo. A mais famosa villa projetada por Palladio é a Villa Capra, conhecida também como La Rotonda (1550-1554). Erigida nos arredores de Vicenza, a casa se destaca pela sua simetria absoluta e pelas quatro fachadas rigorosamente idênticas. Figura 8 – Villa Capra, conhecida também como La Rotonda (1550-1554), Vicenza, Itália Fonte: Wikimedia Commons Ao contrário da maior parte das residências de campo projetadas por Palladio, a Villa Capra não é prática – foi projetada para ser “ [...] um refúgio da vida agitada da cidade para um cavalheiro rico que dispunha de tempo para ir até lá ler, beber vinhos e contemplar a vista dos quatro lados da casa” (GLANCEY, 2007, p. 77). 19 UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico O Urbanismo A imagem do mundo – imago mundi – e suas formas urbanas – imago urbis – do Renascimento é baseada no que os arquitetos compreendiam do texto de Vitruvius e das ruínas das urbes romanas. Assim, a tratadística renascentista teve íntima relação com a utopia urbana, a cidade “ideal”, a qual deveria, no discurso renascentista, ser subordinada à ordem e disciplina geométrica e ter um caráter unitário e racional. No entanto, embora na arquitetura houvesse ainda alguns fragmentos de monu- mentos romanos nos quais os arquitetos renascentistas podiam se basear, a imago urbis já era mais difícil de se formar, visto que todos os exemplos de cidades roma- nas já tinham sido transformados ao longo do tempo e, portanto, perdidos. Em realidade, segundo Lamas (2000, p. 168), o urbanismo absorve lentamente as mudanças estéticas e espaciais, desenvolvendo-se apenas em termos teóricos, desde a concepção da cidade ideal, até tratados que discorriam acerca de desenho das cidades. A busca pela cidade ideal do Renascimento foi uma criação intelectual, que não se realizou – salvo em alguns raros exemplos de cidades primordialmente militares –, porém, ditou as bases para o desenvolvimento do projeto urbano nos séculos que se seguiram. Tal cidade renascentista é uma utopia, definida por Pereira (2010, p. 67) como uma visão unificada da cidade como espaço, mas também como o lugar em que se desenvolve uma estrutura política e social idealizada. Esse modelo independe de um lugar, tempo ou acontecimento específico – é um padrão idealizado que pode- ria se aplicar em qualquer ponto do Planeta, em qualquer época na história. A cidade renascentista é uma condição idealizada, como é o caso da famosa Utopia, obra do renascentista Thomas Morus, publicada em 1516, em que descre- ve uma sociedade ideal que se desenvolveria em uma ilha.Diferente da forma retangular ou quadrada que se estabeleceu na tradição clássica do desenho urbano grego e romano, a cidade regular do Renascimento tendeu à forma circular – geralmente uma planta em forma de círculo ou octógono. O interior variava de autor para autor: alguns propuseram o traçado tradicional em forma de tabuleiro de damas, enquanto outros seguiam o raciocínio de dispor as vias internas também de modo radiocêntrico. 20 21 Figura 9 – Sforzinda, a cidade ideal imaginada por Filarete, em 1465 Fonte: Wikimedia Commons O motivo da maior parte dessas ideias jamais ter saído do papel se dá porque a maior parte das cidades eram antigas, fundadas a partir da Idade Média ou mesmo anteriormente. Foram poucos os centros urbanos que surgiram do zero. Entre as raras expe- riências práticas e realizadas, podemos destacar a Cidade de Palmanova, que foi fundada em 1593 em função de necessidades militares. Figura 10 – Vista aérea da Cidade de Palmanova hoje Fonte: historiablog.org 21 UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico Figura 13 – Planta de Palmanova, Itália, por Scamozzi Fonte: Wikimedia Commons O uso da perspectiva visa criar uma hierarquia nos elementos urbanos por meio do destaque dado aos considerados mais importantes, tais como edifícios singulares e monumentos, colocando-os no ponto focal de uma perspectiva. Assim, ruas e avenidas são retilíneas, enquanto que as linhas dos edifícios em torno e o ritmo dos elementos repetitivos – como colunatas e aberturas – intensificariam esse efeito da perspectiva, dirigindo nosso olhar para o elemento principal. Tal ferramenta ainda é muito utilizada para enfatizar monumentos ao fim de vias ou no centro de praças, como é o caso, por exemplo, do Obelisco do Ibirapuera, em São Paulo. Considerações Finais Vimos nesta Unidade a contextualização do Renascimento e sua influência na Arquitetura. Essas contribuições foram intensificadas no período barroco, em que o desenho urbano teve um avanço significativo. Na Arquitetura, seguindo o caminho iniciado por arquitetos maneiristas como Michelangelo, veremos a lenta desestruturação da ordem e placidez da arquitetura clássica renascentista. Lentamente, as regras compositivas rígidas foram desafiadas e o espaço facilmente legível se deformou, criando jogos de luz e sombra, brincando com as escalas e constituindo uma atmosfera de instabilidade emocional, típica do período sócio-político que o produz. 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Estética e História da Arte https://goo.gl/7GG4yw História Moderna https://goo.gl/1i7XeX Vídeos Filosofia do Renascimento https://youtu.be/bnk1FLOS_LQ A Cúpula de Brunelleschi https://youtu.be/C83OKYj5GEw 23 UNIDADE Arquitetura no Renascimento: A Volta do Clássico Referências ARGAN, G. C. História da Arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1998. BARBOSA, R. F. Explorando as villas de Palladio: uma leitura contemporânea sobre composição arquitetônica. 2005. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2005. GLANCEY, J. A história da Arquitetura. São Paulo: Loyola, 2007. GOMBRICH, E. H. História da Arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008. LAMAS, J. M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. MARTON, P.; WUNDRAM, M.; PAPE, T. Palladio – obra arquitectónica completa. Köln: Taschen, 2008. MIGUEL, J. M. C. Brunelleschi: o caçador de tesouros. Portal Vitruvius – Arquitextos, set. 2003. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/ arq040/arq040_02.asp>. Acesso em: 17 jan. 2018. PEREIRA, J. R. A. Introdução à história da Arquitetura – das origens ao século XXI. Porto Alegre, RS: Bookman, 2010. PEVSNER, N. Panorama da Arquitetura ocidental. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. PROENÇA, G. A história da Arte. São Paulo: Ática, 2000. 24
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