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MUSEU DA VIDA/ CASA DE OSWALDO CRUZ / FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ CASA DA CIÊNCIA / UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FUNDAÇÃO CECIERJ MUSEU DE ASTRONOMIA E CIÊNCIAS AFINS INSTITUTO DE PESQUISA JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIVULGAÇÃO E POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA Felipe Carrelli Sá Silva Planeta Perdido: um docugame para a divulgação de astronomia. Rio de Janeiro março/2019 Felipe Carrelli Sá Silva Planeta Perdido: um docugame para a divulgação de astronomia. Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência, do Museu da Vida/ Casa de Oswaldo Cruz/ Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial à obtenção do título de especialista em Divulgação e Popularização da Ciência. Orientador(a): Dra. Patrícia Figueiró Spinelli e Me. Wagner Barbosa de Oliveira Rio de Janeiro março/2019 Carrelli, Felipe Sá Silva. Planeta Perdido: um docugame para divulgação de astronomia, P / Felipe Carrelli Sá Silva. — 2019. nº.f. : il. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência) – Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz. Museu da Vida; Universidade Federal do Rio de Janeiro. Casa da Ciência; Fundação CECIERJ; Museu de Astronomia e Ciências Afins; Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ano da defesa. Orientador: Dra. Patrícia Figueiró Spinelli e Me. Wagner Barbosa de Oliveira 1. Divulgação cientifica. 2. Documentário interativo. 3. Astronomia. 4. Jogos eletrônicos. I. Planeta Perdido: um docugame para divulgação de astronomia. ERRATA Referência da dissertação em questão. Folha Linha Onde se lê Leia-se Felipe Carrelli Sá Silva Planeta Perdido: um docugame para a divulgação de astronomia. Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência, do Museu da Vida/ Casa de Oswaldo Cruz/ Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial à obtenção do título de especialista em Divulgação e Popularização da Ciência. Orientador(a): Dra. Patrícia Figueiró Spinelli e Me. Wagner Barbosa de Oliveira Aprovado em: ___/___/____. Banca Examinadora ________________________________________________________ Nome do Membro 1, titulação, instituição a que pertence e assinatura ________________________________________________________ Nome do Membro 2, titulação, instituição a que pertence e assinatura Dedico esse trabalho à minha mãe, ao meu pai e à minha irmã. AGRADECIMENTOS À Leila pela inspiração, carinho, compreensão e paciência: te amo. À minha mãe Fátima e ao meu pai Álvaro por todo exemplo e suporte, sempre. À minha irmã Ligia por criar e dar voz ao personagem Gangão. Aos integrantes do projeto GalileoMobile por terem me proporcionado o primeiro contato com divulgação de astronomia: Jorge, Nuno, Mayte, Phill e Sandra. Aos orientadores Patrícia Figueiró Spinelli e Wagner Barbosa de Oliveira. Aos professores do curso de especialização: Angelina Pereira, Alexandre Werneck, Beatriz Schwenck, Carla Almeida, Carla Gruzman, Cristina Araripe, Denise Studart, Diego Vaz Bevilaqua, Fabio Castro Gouveia, Frederico Peres, Luis Amorim, Marina Ramalho, Ozias Soares, Sonia Mano. Aos organizadores e colaboradores da Mostra Bug: André Paz, Aline Frederico, Ar- nau Gifreu, Claudia Mendes, Julia Salles, Júlio Braga (Jardim Digital), Octavio Car- valho e Sandra Gaudenzi. À Anne Leite, Caroline, Paul, Melissa e Loloano por sugestões valiosas. Aos amigos Danilo, Florência, Geislor, Julia, Isabel, Mari, Meghie, Pavi, Pati, Renata, Satheesh e Tobias. E também à minha afilhada recém-nascida Gravity. Aos amigos do curso de especialização: Ana Clara, Arlindo, Camila, Cristina, Eduar- do, Igor, Joselí, Jéssica, Livia, Natália, Raquel, Rosângela, Silmar e Suzi. Ao universo, por todos esses incríveis encontros improváveis. Busquem conhecimento. (BILU, E.T., 2010) RESUMO CARRELLI, Felipe. Planeta Perdido: um docugame para a divulgação de astrono- mia. 2019. 00f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência) – Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz. Mu- seu da Vida; Universidade Federal do Rio de Janeiro. Casa da Ciência; Fundação CECIERJ; Museu de Astronomia e Ciências Afins; Instituto de Pesquisa Jardim Bo- tânico do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ano da defesa. O presente trabalho propõe estudar como o documentário, apresentado num formato interativo, pode ser utilizado para a divulgação de assuntos científicos, em especial de astronomia. Para isso realizamos o protótipo de um docugame, híbrido entre do- cumentário multimídia e jogo interativo, em que, com a ajuda de três personagens, o usuário faz uma viagem lúdica pelo Sistema Solar em busca do Planeta Perdido, aprendendo sobre conceitos de astronomia ao longo do caminho. O jogo foi testado e está disponível em http://www.mast.br/docugames-planeta-perdido/planeta- perdido/index.html#ABERTURA . Para analisar as potencialidades do documentá- rio interativo na divulgação científica, o autor do presente trabalho pretende se de- bruçar no modelo de engajamento público proposto por Brossard e Lewenstein (2010) a fim de traçar um paralelo com o modo de interatividade participativo sugeri- do por Gaudenzi (2013). Palavras-chave: Divulgação científica, documentário interativo, astronomia, jogos eletrônicos. ABSTRACT CARRELLI, Felipe. Lost Planeta: a docugame for astronomy outreach. 2019. 00f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Divulgação e Popularização da Ciência) – Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz. Museu da Vida; Uni- versidade Federal do Rio de Janeiro. Casa da Ciência; Fundação CECIERJ; Museu de Astronomia e Ciências Afins; Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Ja- neiro. Rio de Janeiro: ano da defesa. The present work proposes to study how documentary, presented in an interactive format, can be used for subjects of science communication, especially astronomy. In order to do this, we created a prototype of a docugame, a hybrid between multimedia documentary and interactive game, in which, with help of three characters, the user makes a journey through the Solar System in the search of the Lost Planet, learning about astronomy concepts throughout the way. The game has been tested and is available at http://www.mast.br/docugames-planeta- perdido/planeta-perdido/index.html#ABERTURA. In order to analyze the potential of interactive documentary in scientific dissemination, the author of this paper intends to look at the model of public engagement proposed by Brossard and Lewenstein (2010) in order to draw a parallel with the participatory mode of interactivity suggested by Gaudenzi (2013). Keywords: Science communication, interactive documentary, astronomy, electro- nic games. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 1 Rascunho da jornada do usuário ........................................ 46 Imagem 2 Jornada do usuário digitalizada .......................................... 46 Imagem 3 Jornada do usuário do protótipo final ................................. 47 Imagem 4 Interator usa o microscópio para ter mais informações ..... 48 Imagem 5 Parte do protótipo de papel ................................................ 48 Imagem6 Fotos dos personagens na sequência introdução .............. 49 Imagem 7 Ligia e Gangão ................................................................... 50 Imagem 8 Fotografia original e recortada ........................................... 54 Imagem 9 Abertura de Planeta Perdido .............................................. 57 Imagem 10 Menu inicial de Planeta Perdido ......................................... 58 Imagem 11 Regras são apresentadas ao jogador no Novo Jogo ......... 58 Imagem 12 Itens podem ser clicados na sequência Introdução ........... 59 Imagem 13 Informações sobre o Planeta 9 na sequência Introdução .. 60 Imagem 14 Usuário começando sua viagem na sequência Login ........ 60 Imagem 15 Usuário observa a sequência Terra .................................... 61 Imagem 16 Personagem Enrro sendo clicada na Estação Espacial ..... 62 Imagem 17 Mapa com bifurcações na sequência Lixo Espacial ........... 63 Imagem 18 Usuário ganhando um novo item na sequência Lua .......... 64 Imagem 19 Imagem 20 Printscreen do site Blackyard Worlds ................................. Crianças jogam Planeta Perdido no Mast .......................... 65 66 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CALTECH CC DOCS ESA I-DOCS !F LAB MAST NASA California Institute of Technology Creative Commons Documentários Agência Espacial Europeia Documentários Interativos Interactive Factual Lab Museu de Astronomia e Ciências Afins National Aeronautics and Space Administration NPR RPG National Public Radio Role-Playing Game WEBDOC Webdocumentário 1 INTRODUÇÃO ........................................................................ 15 2 JUSTIFICATIVA ...................................................................... 20 3 OBJETIVOS ............................................................................ 25 4 DOCUGAME: PERSPECTIVAS PARA A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA ............................................................................ 26 4.1 O JOGO COMO FERRAMENTA LÚDICA PARA A EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL .................................................. 26 4.2 O DOCUMENTÁRIO INTERATIVO E O DOCUGAME ........... 29 4.3 MODELO DE ENGAJAMENTO PÚBLICO x MODO DE INTERATIVIDADE PARTICIPATIVO ....................................... 34 4.4 DOCS INTERATIVOS NA DIVULGAÇÃO DA CIÊNCIA ......... 38 5 DESENVOLVENDO O PRODUTO ......................................... 41 5.1 METODOLOGIA ..................................................................... 41 5.2 AUDIÊNCIA, PERSONA E IMPACTO ..................................... 43 5.3 JORNADA/FLUXO DO USUÁRIO E PROTÓTIPO PAPEL .... 45 5.4 PERSONAGENS, EQUIPE E ROTEIRO ................................ 49 5.5 DESIGN e ILUSTRAÇÕES ..................................................... 53 5.6 IMAGENS DE ARQUIVO E PRODUÇÃO DE IMAGENS ........ 54 5.7 TRILHA SONORA ................................................................... 55 5.8 EDIÇÃO, FINALIZAÇÃO E SOFTWARES UTILIZADOS ........ 55 6 APRESENTAÇÃO DO PRODUTO ......................................... 57 6.1 ITINERÁRIO DO DOCUGAME PLANETA PERDIDO ............. 57 6.2 TESTANDO A JOGABILIDADE DO PLANETA PERDIDO ..... 65 7 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................... REFERÊNCIAS ....................................................................... 70 72 15 1. INTRODUÇÃO Em novembro de 2009, foi determinada a desapropriação de 13 fazendas no município de Corguinho no Mato Grosso do Sul. O território foi cedido a des- cendentes de quilombolas, que o reivindicavam desde 1998. Parte dos proprietá- rios, porém, rejeitou a indenização determinada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Dentre eles estava Urandir Fernandes de Olivei- ra, presidente da Associação do Projeto Portal, que em janeiro de 2010, entrou com recurso na Justiça Federal pedindo a reintegração de 625 hectares dadas aos quilombolas. (KAZ, 2011a). Em outubro de 2010, alheio a tudo isso, o autor desta monografia termina- va o bacharelado em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos. Compartilhava com outros amigos uma casa no centro da cidade, conhecida co- mo República Cremosita. Estávamos sentados na sala, cansados de jogar video- game, quando meu amigo ligou a televisão. Era final de domingo, então nossa expectativa de encontrar algo na TV aberta era, digamos, duvidosa. Ele foi “zape- ando” os canais até que uma imagem nos chamou a atenção. O canal era Re- cord, o programa Domingo Espetacular. Assistimos. A matéria, de 21 minutos, entrevistava, entre outros “especialistas”, o ufó- logo Urandir Fernandes de Oliveira. Urandir alegava ser o interlocutor de um ex- traterrestre (E.T.) chamado Bilu, com quem afirmava conversar desde os 13 anos. De acordo com o ufólogo, o E.T. tinha 4.011 anos, era natural da constelação de Pégaso e resolveu morar em nada mais nada menos que Corguinho, município no interior de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Lá, Bilu fazia aparições aos sócios do Projeto Portal, grupo que estudava aparições alienígenas. Além disso, a reportagem mostrava que o dono da fazenda utilizara parte do terreno para cons- truir uma vila com 70 casas projetadas por E.T.s. O momento clímax foi quando a equipe registrou imagens do “suposto alienígena”. A cena era bizarra com uma imagem escura e de baixa qualidade. Agachado no meio do mato escondido atrás de um arbusto, quando perguntado pelo repórter qual era sua mensagem para a Terra, Bilu fala, com uma voz fina, e em bom português: “Apenas, que... busquem conhecimento”. Foi assim que conheci o E.T. Bilu. 16 O vídeo da reportagem seria visto milhares de vezes no YouTube1, figu- rando entre um dos assuntos mais comentados do Twitter. (JIMENEZ, 2011). A ascensão de Bilu foi meteórica e ele logo virou tema do programa Conexão Re- pórter (SBT), CQC (Band), Superpop (RedeTV!) e do documentário The Test of the Shell narrado pelo estadonidense Robert Clotworthly do History Channel. Além disso, o “E.T. brasileiro” ganhou um site2 e um tabloide virtual3 (Jornal do Bilu) em que opina sobre terremotos, comida orgânica e teletransporte. Durante uma entrevista à Folha de São Paulo (KAZ, 2011b), no dia 26 de junho de 2011, Urandir afirmou que manteve sigilo sobre o caso até 2009, quando apresentou Bilu aos frequentadores do Projeto Portal. A quebra do sigilo deu-se, coincidentemente, no mesmo ano do decreto presidencial que desapropriava sua fazenda. Perguntado se as aparições de Bilu haviam valorizado o terreno, Urandir afirmou que “Você não faz ideia. Quando cheguei, em 1998, o hectare custava R$ 250. Hoje, está em R$ 5 mil, e isso tem a ver com o Bilu". O Projeto Portal chegou a ter 2.000 associados e recebia 3.700 visitantes ao ano. A arrecadação mensal girava entre R$ 15 mil e R$ 50 mil. Depois de que seu recurso na Justiça Federal foi indeferido, Urandir con- cordou com a ordem de desapropriação, desde que a indenização fosse reavalia- da para 20 vezes mais. Enquanto isso, o juiz da 6ª Vara Cívil do Foro de São Paulo, José Antônio Lavoura Haicki, determinou que a TV Record prestasse es- clarecimentos pela exibição da reportagem sobre o E.T. Bilu. (JIMENEZ, 2011). Oito anos após o episódio na Record, já durante o desenvolvimento desse trabalho de conclusão de curso, deparamos com a seguinte manchete “Deputa- dos de MS homenageiam ufólogo do E.T. Bilu após pesquisa dizer que Terra não é redonda”. (CÁCERES e CUNHA, 2018). Em solenidade no plenário, Urandir recebeu moção de congratulação da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul pelas pesquisas nas áreas de matemática, física quântica, astronomia, geolo- gia, biologia, geografia e paleontologia. A homenagem foi proposta pelo presiden- te do Legislativo,Junior Mochi (MDB) e pelo deputado Paulo Siufi (MDB), sendo aprovada por unanimidade. (NASSAR, 2018). 1 https://www.youtube.com/watch?v=-ANx41sZNIQ Acesso em 1 de março de 2019. 2 O site www.biluoetbrasileiro.com.br Acesso em 1 de março de 2019 (fora do ar). 3 https://www.blogdobilu.com.br/2011/01/jornal-do-bilu-1-edicao-em-busca-do.html Acesso em 1 de março de 2019. 17 Em seu mais novo trabalho, Urandir apresentava um documentário afir- mando ter provas de que a Terra não é redonda, mas sim convexa. Além disso, garantia que “A descoberta é fenomenal. Além da parte médica, em relação ao câncer, descobrimos coisas muito interessantes que vai nos ajudar a salvar vi- das”. (CÁCERES e CUNHA, 2018). Urandir, que já chegou a ter problemas com a polícia sob suspeitas de curandeirismo, charlatanismo e estelionato, agora mira sua pesquisa na cura do câncer. A reportagem e seus consequentes desdobramentos exemplificam como a divulgação da pseudociência associada a mídia de massa sensacionalista pode ter consequências devastadoras: uma matéria sobre um inofensivo E.T. pode vir a ser um grave problema de saúde pública. Infelizmente esse tipo de reportagem não é um caso isolado. A temática extraterrestre é amplamente explorada por canais como History Channel e Disco- very Channel, destinados a apresentação de documentários, séries e programas educativos sobre conteúdos de teor histórico e científico. Uma rápida pesquisa no Google revela uma quantidade de programas e séries sobre o assunto: “Contato Extraterrestre”, “Arquivos Extraterrestre”, “De carona com os óvnis”, “Os caçadores de óvnis” (History Channel); “Semana da Invasão Extraterrestre”, “Mistérios Extraterrestres” (Discovery Channel). Esses programas se utilizam da estética documental (entrevista com “es- pecialistas”, voz over, imagens de arquivo, simulações) para atrair a atenção do espectador através da credibilidade atribuída à linguagem do documentário. A palavra documentário traz em si o valor de documento. Estudar, entender e criar experimentações para questionar esse valor de verdade atribuído à lingua- gem do documentário foi para mim a principal motivação de ingressar no curso de Imagem e Som. Evidenciar ao público o mecanismo da linguagem documental passou a ser uma abordagem estética em meus filmes. Já como documentarista, o autor deste presente trabalho atuou em diver- sos documentários que abordavam em sua temática a divulgação científica, per- cebendo que o audiovisual tinha uma importante contribuição com a área. Isso despertou neste autor o interesse em aprofundar os conhecimentos na divulgação das ciências e o fruto da junção desses dois campos é a presente monografia. Estre trabalho se propõe a estudar como o documentário, apresentado num formato interativo, pode ser utilizado para a divulgação de assuntos científicos, 18 em especial de astronomia. O objetivo é realizar um protótipo de um docugame, híbrido entre documentário multimídia e jogo interativo. Com a ajuda de três per- sonagens, o usuário faz uma viagem lúdica pelo Sistema Solar em busca do Pla- neta Perdido, aprendendo sobre conceitos de astronomia ao longo do caminho. O protótipo apresentado como produto, e intitulado Planeta Perdido, tem como intuito provocar a motivação intrínseca do público infantil a partir de concei- tos e descobertas da área recentes, despertando a curiosidade no usuário, para que se sinta inspirado, confiante e que tenha um novo sentimento em relação a ciência, a fim de que este público busque, inclusive, auxiliar a construção do co- nhecimento deste campo. Para isso dividimos o trabalho em duas partes, uma teórica e outra prática, que serão apresentados ao longo desta monografia. Nos capítulos 2 e 3 expomos as justificativas que levaram a realizar esse produto juntamente com seus objetivos. Além disso, justifica-se o porquê da esco- lha da astronomia como tema desse projeto. No capítulo 4, apresentamos os refe- renciais teóricos utilizados para a elaboração do produto desenvolvido, trazendo autores que discutem a importância do jogo como ferramenta lúdica na educação não-formal e contribuições do campo do documentário interativo para elucidar como essas novas mídias podem contribuir para a popularização da ciência. Por fim, propomos uma reflexão teórica sugerindo um paralelo entre o modelo de en- gajamento público da divulgação científica e o modos de interatividade participati- vo do documentário interativo. Na segunda etapa, apresentamos o produto através dos materiais e méto- dos que utilizei para o desenvolvimento do protótipo do docugame Planeta Perdi- do. Nessa parte, é estabelecida a audiência desejada e descrita a experiência do usuário ao jogar o docugame através dos conceitos de jornada do usuário e fluxo do usuário. Também é detalhado os processos de criação dos personagens e da pesquisa de referências para a produção artística audiovisual. Por fim, descreve- mos o desenvolvimento do roteiro sonoro, o processo de edição, finalização, equipe técnica envolvida e softwares utilizados. Ao final desse trabalho, é relatado o teste de jogabilidade realizado, dispo- nibilizamos o link do protótipo para visualização on-line e apresentamos algumas considerações finais. Espera-se que essa monografia colabore para estabelecer relações possí- veis entre as duas áreas do conhecimento abordadas. Além disso, desejamos que 19 o protótipo do docugame Planeta Perdido, apresentado como produto dessa mo- nografia, contribua ao diálogo entre documentário interativo e divulgação científi- ca, e que os erros e acertos descritos nas considerações finais sirvam como refe- rência para futuros projetos com a mesma temática. 20 2. JUSTIFICATIVA Nos últimos anos presenciamos um grande avanço nas práticas e aplica- ções das novas tecnologias. Para Castells (2002) estamos testemunhando um ponto de descontinuidade histórica, causado pela emergência de um novo para- digma tecnológico organizado em torno de novas tecnologias da informação. Se- gundo o autor, isso possibilitou que a própria informação se tornasse produto do processo produtivo, gerando uma nova forma de economia que surgiu em escala global. A esse processo, Castells (2002) deu o nome de sociedade informacional global e em rede. O surgimento das tecnologias digitais significou também uma ruptura nos conceitos de cultura, arte, filosofia e modos de vida. Em seu livro Máquinas de Imagem, Santos (2015) afirma que nessa nova lógica tudo o que está a nossa volta, inclusive nosso corpo, é transformado em uma mídia tecnológica. Do mesmo modo, a ciência e tecnologia também foram afetadas nesse no- vo contexto, “passando a constituir-se em bens mercantis, ao mesmo tempo dis- ponibilizados e protegidos no mercado global” (ALBAGLI, 1996, p. 396). Conse- quentemente, a forma de fazer divulgação científica também foi impactada. Essa nova sociedade informacional global e em rede (CASTELLS, 2002) possibilitou um amplo acesso à internet, tornando possível à população (princi- palmente dos centros urbanos, mas não somente) um maior alcance aos conhe- cimentos científicos recentes através das redes sociais, blogs, sites, revistas onli- ne e canais de vídeo. Ao mesmo tempo, podemos constatar que esse acesso à informação trou- xe consigo uma grande disseminação de informações científicas que não são apresentadas de forma correta, dificultando a divulgação do conhecimento cientí- fico adequado ao público. Para Albagli (1996, p. 396), portanto, “torna-se crucial o modo pelo qual a sociedade percebe a atividade científica e absorve seus resul- tados, bem como os tipos e canais de informação científica a que tem acesso”. Por outro lado, muito antes do advento da internet, quando os irmãosLu- mièré aperfeiçoaram o cinetoscópio em 1895 de Thomas Edison e inventaram o aparelho cinematográfico, acreditavam que fosse apenas um instrumento científi- co sem futuro comercial (AUGUSTE E LOUIS LUMIÈRE, 2019). Foi somente com 21 os filmes de George Méliès que o cinema passou a ser utilizado para o entreteni- mento. (ORICHHIO, 2015). Em paralelo a ascensão do cinema de ficção proposto pela estética de Mé- liès uma nova forma de se fazer cinema se estabelecia com o documentário Nan- nok do Norte (1922) do diretor Robert Flaherty. Nesses primeiros documentários, lugares e culturas exóticas eram os principais temas abordados. De lá para cá diferentes escolas e estilos de documentários foram criados, com autores buscando adaptar a estética documental a seu contexto social, políti- co e tecnológico. Teóricos e realizadores resignificaram e aprimoraram o gênero, experimentando a linguagem e borrando as fronteiras entre o cinema de ficção e o cinema documental. Com a popularização da televisão, o jornalismo absorveu a estética docu- mental, principalmente o gênero cinema direto, que se originou entre 1958 e 1962 nos Estados Unidos. No cinema direto ou documentário observativo, a câmera e a equipe tem uma presença discreta ou invisível ao espectador. Por esse motivo, essa forma de fazer documentário ficou conhecida como “mosca na parede”. (SIDER, 2014). A junção entre o documentário e a divulgação científica foi uma conse- quência desse processo. Podemos citar o programa Cosmos: A Personal Voyage (1980) apresentado por Carl Sagan como uma das séries de divulgação científica mais significativa de sua época (KRAMER, 2014), influenciando “toda uma gera- ção de jovens cientistas.” (SOUZA, 2006, p.11). No Brasil, tivemos algumas expe- riências bem sucedidas como o programa Olhando para o Céu (1994), da TV Cul- tura em 1994 apresentado por Walmir Cardoso. Por outro lado, a televisão continua, de maneira geral, utilizando os mes- mos recursos estéticos da década de 60 como a voz over (conhecida como voz de Deus, em que um narrador explica ao espectador o que acontece na narrativa) e entrevista com especialistas que abordam a realidade de forma imparcial e neu- tra. Em outras palavras, continuam usando o modelo de déficit para se comunicar com o público. A radical transformação no contexto midiático, também reconfigurou a pro- dução, divulgação e recepção das mais diversas mídias e seus gêneros narrati- vos. Na ultima década, documentários interativos se estabeleceram como um no- 22 vo campo de prática dentro da narrativa não-ficcional (ASTON; GAUDENZI; ROSE, 2017). A ideia de se trabalhar com documentário interativo na divulgação científica advém da necessidade de explorar uma linguagem com maior potencial de comu- nicação entre as amplas audiências e os cientistas. Medeiros (2015, p. 2) aponta que os documentaristas “encontraram na multimidialidade e interatividade possibi- litadas pela digitalização, ferramentas para contar suas histórias, compondo o que aqui vamos chamar de documentário interativo”. A interatividade é um elemento diferencial nessa nova forma de contar his- tórias. Esse autor acredita que a interatividade pode ser utilizada a favor da divul- gação das ciências por possibilitar uma maior participação do usuário no processo narrativo, deixando o participante escolher, criar e interagir com o conteúdo. Para analisar as potencialidades do documentário interativo na divulgação científica, o autor do presente trabalho pretende debruçar no modelo de engaja- mento público proposto por Brossard e Lewenstein (2010) a fim de traçar um pa- ralelo com o modo de interatividade participativo sugerido por Gaudenzi (2013). Assim como a divulgação científica, a área do documentário interativo é muito recente. Paz e Salles (2015, p. 157), em seu ensaio sobre as primeiras aproximações narrativas interativas não ficcionais e digitais no Brasil, apontam que ainda não se estabeleceram redes sólidas de realizadores e críticos do campo. Segundo os autores, Faz-se necessário não só um trabalho de comunicação entre os principais atores deste campo (realizadores, pesquisadores, críticos e público), como de divulgação das referências internacionais, tanto no sentido das obras, processos produtivos, procedimentos e estratégias, como das discussões e propostas estéticas. Portanto, o protótipo apresentado como produto nessa pesquisa monográfica pretende se inserir dentro da produção nacional de documentários interativos e contribuir na criação de um ecossistema fértil para o desenvolvimento da área no Brasil. Além disso, o presente trabalho pretende entender como o docugame pode ser utilizado na divulgação da astronomia para o público infantil. Segundo Bóo (2000), a abordagem das ciências nos primeiros anos surge como uma forma de desenvolver atitudes (curiosidade), competências, 23 (comprovação), o questionamento e a comparação. Para Peixoto e Curval (2015) a astronomia é um tema que desperta a curiosidade dos jovens devido ao contato cotidiano que esta efetua com os fenômenos associados. A astronomia, ainda, tem sido um tema inspirador para pessoas criativas em diferentes campos e esta presente na cultura popular moderna, letras de músicas, programas de televisão, peças de teatro, poesia e filmes. A escolha da astronomia como tema para esse protótipo se deve por diversos fatores. O primeiro motivo é de ordem pessoal. Ao longo da trajetória desse autor como documentarista, tive a oportunidade de dirigir o longa metragem Ano-Luz, acompanhando o grupo GalileoMobile durante cinco semanas durante o projeto Brasil-Bolívia, Astronomia na Amazônia (BraBo)4, em que se realizaram atividades de divulgação de ciências em comunidades do norte da Bolívia e norte do Brasil. Durante essa experiência vivenciei como a beleza e o mistério da astronomia causam fascínio e curiosidade nas crianças e jovens. Olhar para céu e observar as estrelas é uma atividade cultural comum a diferentes povos e portanto pode ser utilizada como uma ferramenta de integração. O segundo motivo é a possibilidade de levar ao público as fascinantes descobertas recentes do campo e mostrar ao público que ele também pode colaborar com as descobertas importantes da ciência. Para isso, por meio do docugame, pretende-se levar o público a uma viagem pelo Sistema Solar em busca do planeta perdido. Esse planeta é uma referência aos estudos que pesquisadores da California Institute of Technology (Caltech) estão realizando, em que encontraram evidências matemáticas sugerindo que pode haver um "Planeta 9", ou nono planeta, nos confins do Sistema Solar. Este hipotético planeta teria o tamanho de Netuno e circularia nosso Sol em uma órbita altamente alongada muito além de Plutão, podendo levar entre 10.000 e 20.000 anos terrestres para fazer uma órbita completa ao redor do Sol. O objeto poderia ter uma massa cerca de 10 vezes a da Terra e orbitar cerca de 20 vezes mais longe do Sol em média do que Netuno. (BATYGIN, e BROWN, 2016). Não seria a primeira vez que astrônomos detectam a presença de um planeta por meio de deduções matemáticas, já que Netuno foi descoberto a partir das perturbações da órbita de Urano. 4 O detalhamento do projeto pode ser encontrado na página do GalileoMobile: http://www.galileo- mobile.org/galileomobile-expeditions/galileomobile-brabo2014. Acesso em 18 de março de 2019. 24 Porém, as observações ainda não conseguiram comprovar a existência de um novo planeta em nosso Sistema Solar. Por isso, a NASA tem convidado o público a ajudar na procura por este planeta através de uma plataforma de ciência cidadã, o site Backyardworlds.org. Ao final da narrativa lúdica apresentada nessa fictícia viagem espacial, o link para o site do projeto Backyard Worlds será disponibilizado para que opúblico possa ajudar na procura com dados científicos desse planeta. 25 3. OBJETIVOS O objetivo desse trabalho é desenvolver um protótipo de um documentário interativo, a ser apresentado na forma de jogo, sobre astronomia para o público infantil. Os objetivos específicos são: - Fomentar a reflexão teórica sobre as potencialidades da utilização do do- cumentário interativo na divulgação científica; - Despertar a curiosidade dos usuários sobre o tema através da divulgação das recentes descobertas sobre o Sistema Solar, Planeta 9 e Ciências Espaciais; - Estimular os usuários ao uso de plataformas de ciência cidadã para que participem da busca pelo Planeta 9 e auxiliar na construção dos conhecimentos do campo da astronomia; 26 4. DOCUGAME: PERSPECTIVAS PARA A DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA 4.1 O jogo como ferramenta lúdica para educação não-formal Huizinga (1971, p. 16) resume as principais características do jogo como sendo "uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não séria’ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total”. A ressignificação de conceitos é um processo recorrente ao longo da história humana, sendo essa mutação influenciada por transformações econômicas, culturais e sociais. O conceito de jogo não é diferente. Segundo Duflo (1999, p.12) durante muito tempo “o jogo era posto ao lado do divertimento e assimilado por isso às coisas que não têm verdadeiramente importância e às quais não devemos dar muita atenção”. Ariès (1981) aponta que ao longo do século XIV os jogos começaram a ocupar espaço nas atividades humanas: esportes cavalheirescos como a caçada por exemplo. Ariès (1981) lembra que mais a frente, no começo do século XVII na França de Louis XIII, o jogo estabelece uma ligação com a cerimônia religiosa católica, mas com o tempo, perde seu simbolismo religioso para tornar-se profano. Ariès (1981) afirma que ao longo dos séculos XVII e XVIII se adota uma atitude mais moderna em relação aos jogos, diferente do que ocorria até então. Conforme Duflo (1999, p. 82) essa mudança de paradigma é importante porque “também testemunha uma nova atitude para a infância: o desejo de salvaguardar sua moralidade e também de educá-la”. Atualmente, o brincar é visto como um estímulo para a aprendizagem. Piaget (1967, p. 32) afirma que o jogo “não pode ser visto apenas como divertimento ou brincadeira para desgastar energia, pois ele favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral”. Para Vygotsk (1984) a brincadeira é fundamental no desenvolvimento da criança, que se utiliza das interações sociais para acessar informações de forma privilegiada, aprendendo a regular seu comportamento pelas reações do outro através do jogo e, consequentemente, reproduz essas aquisições no futuro em seu nível básico de ação real e moralidade. De acordo com Chateau (1967, p. 14) o jogo é um artifício que prepara a 27 criança para a vida adulta, pois “é pelo jogo e pelo brinquedo que crescem a alma e a inteligência. […] Uma criança que não sabe brincar, uma miniatura de velho, será um adulto que não saberá pensar.”. Trabalhos mais recentes discutem sobre a importância da utilização do jogo como ferramenta lúdica no processo de aprendizado e formação de alunos em sala de aula. Celso Antunes (2000) afirma que o jogo ajuda o aluno a fazer novas descobertas, desenvolver sua personalidade e auxilia o professor a conduzir, estimular e avaliar o processo de aprendizagem. Com a implementação dos jogos na escola surge o conceito de jogos educativos. Para Lerner (1994) esse tipo de jogo tem potencial de reforçar as informações e habilidades previamente ensinadas em sala de aula, podendo desenvolver e aperfeiçoar conceitos de diversas áreas do conhecimento. Percebe-se então que a utilização do jogo nas escolas começa a ser uma ferramenta não só aceita, mas até mesmo esperada, nas práticas dos professores. Como exemplo, podemos citar o livro Ciência Lúdica: Brincando e Aprendendo com Jogos Sobre Ciências, desenvolvido em outubro de 2008 no Colégio Estadual da Bahia, em Salvador, durante o evento de mesmo nome do livro e que constituiu-se em um espaço para apresentações de cerca de 101 estudantes e mais de 45 jogos com conteúdo de ciências para o público em geral e escolar. Segundo Lira-da-Silva (2008, p. 7) o livro “vem preencher uma lacuna no ensino das ciências de maneira lúdica, divertida e apaixonante.” O otimismo dos autores acima a respeito do potencial educativo do jogo é também compartilhado por esse trabalho. No entanto, acredito, como Chaves e Barros (2008, p. 1), que o jogo por si só não vai resolver os problemas atuais do ensino mas juntamente com um conjunto de ações “ser um fator motivacional e enriquecedor; poderá aproximar a escola e o próprio professor do cotidiano do estudante, proporcionar uma comunicação mais eficiente e dinâmica”. Entretanto, exigir uma nova especialização aos já sobrecarregados professores é alimentar o paradoxo muito bem sintetizado por Deacon e Parker (2002, p. 105) [...] a reação padrão ao fracasso educacional consiste em fornecer mais educação, de forma que a educação se torna o remédio para seus próprios males. Entretanto, as anomalias surgem, proliferam e são reforçadas, ao invés de serem superadas, como a educação proclama. 28 Na mesma linha, Camargo (2012) trata da insuportabilidade do cotidiano escolar, de suas tragédias e de suas consequências para a vida dos professores. Portanto, a fim de evitar a transferência de responsabilidade aos já desgastados professores, este trabalho vai trilhar seus caminhos nas periféricas, mas não me- nos importantes, estradas da educação não-formal. Segundo Libâneo (2010) a educação formal apresenta uma forma estrutu- rada, sistemática e planejada intencionalmente, não se limitando a educação es- colar, mas também a outras formas de educação desde que estejam presentes esses três atributos. A educação não-formal, por sua vez, apresentaria um caráter intencional mas com baixo grau de estruturação e sistematização. Entre outros, o autor cita como exemplo de educação não-formal os movimentos sociais organi- zados, atividades de animação cultural e os equipamentos urbanos culturais e de lazer (museus, cinemas, praças, áreas de recreação). Nesses espaços de educação não-formal a brincadeira não é só permitida, mas incentivada, afinal brincar é um modo de aprender. Para Jenkins (2009, p. 185) “Numa cultura de caçadores, as crianças brincam com arco e flecha. Na sociedade da informação, elas brincam com informação.” Com o avanço das novas tecnologias os jogos foram migrando para novos suportes até alcançarem uma posição muito importante na vida de jovens e adultos no século XXI, se consolidando como a indústria de entretenimento mais rentável do mundo, ultrapassando o cinema e a indústria fonográfica. Segundo Harada (2018), somando todos os dispositivos e plataformas, a indústria de jogos lucrou US$ 91 bilhões em 2016. Por isso, o jogo deixou de ser considerado uma brincadeira e passou a ser levado a sério. Para Raessens (2006, p. 52), “É importante estudar jogos de computador (incluindo jogos de arcade, consoles e videogames portáteis) agora porque, como a televisão e a música, eles se tornaram um fenômeno de grande importância cultural.”5 Assim, surgem os jogos educativos ou jogos sérios. De acordo com Raessens (2006) os jogos sérios são projetados e usados com o propósito de abordar as questões mais prementes do nosso tempo e de ter consequências na vida real. Os jogos passam a representar espaços interessantes, e às vezes traiçoeiros, para “brincar” de democracia e cidadania, ao que Jenkins(2010, p. 5 Tradução do autor. 29 331) complementa afirmando que o que aprendemos por meio da cultura popular pode ser aplicado ao ativismo político, à educação ou ao trabalho: Essas habilidades estão sendo aplicadas primeiro à cultura popular por várias razões: por um lado, porque os riscos são baixos; por outro, por- que brincar com a cultura popular é muito mais divertido do que brincar com questões mais sérias. É importante destacar que quando Jenkins se refere a cultura popular, ele se refere a cultura pop estadunidense, citando obras como Star Wars, Harry Potter e Matrix. Para Jenkins (2010), esses universos da cultura popular são muito importantes no processo de aprendizado, pois permite ao público considerar estruturas alternativas porque o envolvimento do espectador não tem o mesmo peso de nossas escolhas na urna eleitoral, possibilitando ao público uma maior disposição de sair de enclaves ideológicos. No entanto Jenkins (2010, p. 332) faz uma ressalva: “Não tenho a intenção de apresentar a cultura popular ou as comunidades de fãs como uma panaceia para todos os males da democracia americana”. 4.2 O documentário interativo e o docugame. A busca pela documentação do real é uma experiência inesgotável. “Ao contrário da ficção, o documentário estabelece asserções ou preposições sobre o mundo histórico. São duas tradições narrativas distintas, embora muitas vezes se misturem” (RAMOS, 2008, p. 22). O documentário tem como matéria bruta a realidade e por isso muitas vezes é considerado como verdade. No entanto, quando estudamos mais a fundo a estética documental vemos o quanto essa forma narrativa é complexa e contraditória. O documentário Nanook do Norte (FLAHERTY, 1922) é considerado o primeiro documentário e o primeiro filme etnográfico. (RONY, 1996, p. 300). O filme de Robert Flaherty retrata as atividades diárias da família de Nanook, um grupo de Inuits de Québec, em sua luta pela sobrevivência no Ártico. Em uma das sequencias, Flaherty registra os Inuits utilizando arpões para caçar morsas, apesar do fato de que aquela comunidade já não utilizasse dessas técnicas tradicionais apresentadas no filme. 30 Rony (1996) cita ainda outras contradições que o filme apresenta. Allakariallak era o verdadeiro nome de Nanook, e foi trocado para se adequar melhor ao espectador branco6. "Era um filme para pessoas brancas, somente os costumes Inuits deviam ser mostrados. Era proibido ver ferramentas de homens brancos. Flaherty queria apenas objetos Inuit”. (RONY, 1996, p. 320). Nichols (2007, p. 30) define Nanook do Norte como “uma ficção sobre o tipo de povos e culturas que alguém como Flaherty deseja encontrar no mundo”. Desde o primeiro documentário fica evidente portanto que entre a realidade e o espectador existe a intermediação do diretor. As diversas opções de abordagem, estética e narrativas dependem da subjetividade do documentarista (ou daqueles que encomendam o material documental). Portanto, o documentário apresenta uma tese ao espectador através de uma plataforma audiovisual linear com começo, meio e fim. A história do documentário tem sido de adaptação e mudança, pois os do- cumentaristas foram se apropriando das novas tecnologias ao longo dos anos. Nesse contexto, com a popularização da internet, uma nova forma de se fazer e distribuir a estética documental surgiu: o documentário interativo. A interatividade expande ainda mais o leque de possibilidades narrativas. Se antes os filmes estavam limitados a uma narrativa linear, agora um infinito de possibilidades narrativas pode ser atingida com o documentário interativo. Na úl- tima década, os documentários interativos se estabeleceram como um novo cam- po de prática dentro da narrativa não-ficcional. Por ser um conceito muito recente, o documentário interativo carece ainda de uma definição permanente e robusta do que seria esse novo gênero narrativo. Portanto, nesse trabalho vou utilizar o termo I-Docs (ASTON; GAUDENZI; ROSE, 2017). Tendo uma visão ampla do documentário interativo como qualquer trabalho que se relaciona com o real, para as autoras o termo I-Doc inclui “projetos descritos como web-docs, documentários transmídia, jogos sérios, mídia comunitária interativa, docugames, realidade virtual de não ficção, literatura virtual e performances ao vivo". (ASTON; GAUDENZI; ROSE, 2017, p. 16). As autoras analisam as práticas criativas, propósitos e ética que estão por 6 Índios e não índios seria mais adequado, mas mantemos a terminologia utilizada por Charles Nayoumealuk, cujo pai era amigo de Allakariallak, durante a entrevista no documentário Nanook Revisited, dirigido por Claude Massot em 1988. 31 trás dessa nova forma narrativa e traz a contribuição de especialistas, estudos de caso e entrevistas com figuras importantes no campo. Organizado em torno de três temas, os textos debatem sobre os processos de co-criação, a metodologia e os novos horizontes possíveis dessa nova forma narrativa. Para os realizadores e teóricos, no I-Doc o processo é muito mais interessante que o produto final em si, onde os realizadores exploram como a mídia interativa pode ser utilizada para desenvolver um sentido de cidadania. A ideia é fazer documentários com parceiros e comunidades ao invés de fazer documentários sobre eles. Por isso, os I-Docs são baseados na audiência, demandando uma nova metodologia de criação, produção e distribuição. Diferentemente dos documentários lineares tradicionais, os I-Docs dependem do usuário para que a narrativa se desenvolva e portanto requerem um forte poder de sedução e engajamento para que o usuário acompanhe a história até o final. Ao descrever as diferenças entre documentário convencional e documentário interativo Gaudenzi (2013, p. 32) indica que Se o documentário linear exige uma participação cognitiva de seus es- pectadores (o ato de interpretação), o documentário interativo acrescenta a demanda de participação física (decisões que se traduzem em um ato físico como clicar, mover, falar, comentar, etc...).7 Ao invés da distante tela branca do cinema a relação do público acontece através de uma interface interativa, transformando o espectador em interator (PAZ, 2017, p. 84 grifo nosso). Com isso, a propriedade da produção da narrativa se torna comunitária, pertencendo ao autor, usuário e ambiente. A narrativa seria construída na relação entre esses elementos. Para Paz (2017, p. 84), o papel do interator “trouxe para os documentários interativos novas possibilidades para o exercício das funções sociais”. Nash (2014) vai além e afirma que a intersecção comum entre documentários lineares e os documentários interativos existe justamente pelo exercício dessa função social, e não pela estética ou práticas de produção. Segundo Corner (2002) e Renov (1993), as três funções sociais do documentário são: Registrar, revelar ou preser- var; Engajamento cívico; Persuasão. Assim, o engajamento do usuário é um elemento fundamental nesse tipo 7 Tradução do autor. 32 de narrativa, porque é preciso que o interator se sinta parte da história do começo ao fim, para que não perca interesse e abandone a experiência na metade. O avanço da tecnologia e a sofisticação das simulações possibilitaram com que os videogames alcançassem novos patamares, criando um grande potencial também para o futuro da experiência documental (BRITAIN, 2009, p. 12). Um tipo de I-Doc, o docugame é um hibrido entre documentário e jogo, se encaixando na definição de jogos sérios ou serious games. Ao contrário da maioria dos videogames, essas simulações se concentram em educação, treinamento ou política, e têm um propósito além do entretenimento. [...] O fato dessesdocugames imergirem os jogadores na realidade do jogo, oferecendo-lhes todos os tipos de possibilidades para participar, por exemplo, em fazer escolhas com implicações morais, transforma o jogo em uma experiência interativa significativa.8 (RAESSENS, 2006, p. 215 - 216). Realizado em 2008 pela companhia Honkytonk Film e lançado pelo jornal francês Le Monde, Journey to the end of Coal (BOLLENDORFF; SÉGRÉTIN, 2008) foi um dos primeiros projetos oficialmente denominado como documentário interativo (ASTON; GAUDENZI; ROSE, 2017). Nesse docugame, o interator assume o papel de um jornalista que investiga as condições dos mineradores de carvão na China. A narrativa começa em uma estação de trem em Pequim onde o interator viaja até Datong para visitar as maiores minas de carvão da região. Journey to the End of Coal segue a estrutura narrativa de um livro-jogo, também conhecidos como aventura solo. Tratam-se de livros de RPG que fizeram muito sucesso na década de 80, trazidos ao Brasil pela editora Marques Saraiva em 1985. Um livro-jogo é uma obra de ficção que permite que o leitor participe da história, fazendo escolhas. Segundo Shimit (2008, p. 53) no livro-jogo o jogador é apresentado ao cenário, a uma situação problema e deve tomar decisões pelo personagem [...] Há diversos caminho e finais que o jogador pode percorrer e encontrar, transformando assim o livro em uma espécie de caleidoscópio de histórias, o qual o leitor tem a cada vez a possibilidade de uma nova história [...] Assim, a representação pode alterar o resultado do jogo e faz parte de sua lógica. Da mesma forma, ao longo do caminho de Journey to the End of Coal o interator toma decisões para onde deve seguir, com quem conversar e quais perguntas são feitas aos entrevistados. Esses encontros com os personagens 8 Tradução do autor 33 locais acontecem em primeira pessoa e são apresentados em forma de vídeo ou foto e são acompanhados da voz do entrevistado. A cada personagem, podemos escolher as perguntas que são apresentadas em texto. Essa é uma forma de engajar o interator na narrativa, passando a impressão de que nós estamos tomando decisões. Entretanto, a limitação desse tipo de interação é evidente: o interator só pode fazer as perguntas pré-determinadas pelos realizadores. Outro exemplo de docugame é Bugarach: Surviving the Apocalypse (DURALL; SUNYER; CAMERON, 2016). Bugarach conta a história da pequena vila de mesmo nome, ao norte dos Pirineus franceses, o único lugar que, de acordo com a antiga civilização maia, sobreviveria ao fim do mundo previsto para o dia 21 de Dezembro de 2012. O interator avança na história e sobrevive ao apocalipse se cumprir algumas tarefas, conhecendo os moradores, obtendo objetos e explorando a região em busca de pistas sobre a origem da enigmática previsão. As escolhas do usuário, bem como as estações do ano e suas mudanças climáticas, são fatores que alteram a forma como a história é revelada. Vemos portanto que uma das estratégias que o docugame utiliza para o engajamento de seu público é inserir o interator como parte da narrativa, tornando-o personagem da história - mesma artimanha utilizada pelos livro-jogos citados anteriormente. Raessens (2006, p. 223) salienta que os docugames precisam ter esse um certo grau de entretenimento para ser efetivo Um dos maiores desafios do design de jogos é justamente essa difícil tarefa de criar satisfação: incluir harmoniosamente esse ‘pacto de comunicação documentarizado’ em jogos de computador e, assim, ir além do fato e da ficção.9 Ao jogar Bugarach, o interator percebe que os limites entre o real e a ficção começam a serem borrados. E a indústria do entretenimento está começando a ver o potencial dessa novo tipo de narrativa interativa. Em 28 de dezembro de 2018 a provedora global de filmes e séries de televisão via streaming Netflix lançou o vídeo interativo BLACK MIRROR: Bandersnatch (SLADE, 2018). A ficção interativa faz parte da série Black Mirror e utiliza os mesmos recursos do docugame para contar a história do jovem programador Stefan Butler que sonha em criar um jogo de videogame baseando- 9 Tradução do autor 34 se no livro-jogo Bandersnatch, do escritor Jerome F. Davis. (REYNOLDS, 2018). Esses exemplos dão um panorama sobre o estado da arte das obras interativas, além de demonstrar como as fronteiras entre a ficção e o documentário estão cada vez mais entrelaçadas. E esse é justamente o caso do protótipo proposto como produto desse trabalho. O docugame Planeta Perdido conta a história de três personagens que fazem uma viagem pelo Sistema Solar em busca do Planeta 9. Apesar da história central ser uma ficção, todas as informações e elementos apresentados no docugame são baseados em pesquisas científicas. Por esse motivo acreditamos que esse produto se enquadra na categoria de docugame. Porém, é importante ressaltar que por se tratar de uma proposta lúdica, algumas licenças poéticas serão utilizadas, como por exemplo o fato dos personagens utilizarem uma nave espacial para viajar até planetas distantes do Sistema Solar. Contudo, não criaremos explicações pseudocientíficas para dar credibilidade a narrativa, deixando o interator criar suas próprias explicações e eventualmente até mesmo colocar em cheque a impossibilidade de tal viagem. 4.3 Modelo de engajamento público x Modo de interatividade participativo A divulgação da ciência é um campo de saberes que existe há muito tem- po, contudo somente há poucos anos tem se consolidado como uma área de pesquisa acadêmica. Trabalhos recentes buscam relacionar os estudos teóricos com as iniciativas práticas, na tentativa de criar modelos conceituais que possam ser implementados sistematicamente em práticas de divulgação científica. Um tipo de enquadramento foi descrito por Brossard e Lewenstein (2010). Para os autores, existem quatro tipos diferentes de métodos de abordagem na divulgação científica: modelo de déficit (transmissão linear de informação entre especialistas para o público), modelo contextual (leva em consideração as peculi- aridades sociais e psicológicas da audiência), modelo de conhecimento leigo (em que os conhecimentos do público são também levados em consideração) e mode- lo de engajamento público (concentrando em questões políticas envolvendo co- nhecimento científico). O saber científico possui uma grande legitimidade em detrimento aos saberes não acadêmicos. Essa legitimidade do saber acadêmico frente ao senso 35 comum leva, muitas vezes, vários projetos de divulgação científica a adotar o modelo de déficit, que parte do princípio que o outro, não cientista, nada sabe e nada tem a acrescentar aos saberes que serão transmitidos. Segundo Nichols (2007), os documentários lineares podem se dividir em seis modos distintos: poético, expositivo, observativo, participativo, reflexivo e performático. Da mesma forma, Gaudenzi (2013, p. 38) busca categorizar os documentários interativos em modos de interatividade, definindo-os como conversacional, hipertextual, participativo e experimental. A autora propõe esses modos de interação (...) para determinar as maneiras pelas quais os autores de interatividade posicionam seus usuários e usaram a tecnologia para abordar uma determinado realidade, gerando um tipo específico de ação através do documentário interativo.10 Aqui cabe fazer uma rápida reflexão e traçar um paralelo entre os enqua- dramentos de Brossard/Lewenstein e os modelos de Gaudenzi. Ao fazer um estudo de caso a fim de enquadrar os modelos teóricos pro- postos a atividades práticas de divulgação cientifica, Brossard e Lewenstein (2010) analisaram, entre outras iniciativas, o documentário A Question of Genes, exibido na televisão aberta em 1997. Os autoreschegam a conclusão que o me- lhor enquadramento para o documentário analisado seria o modelo de conheci- mento leigo. Ainda assim, ponderaram afirmando que o projeto também apresen- tava as informações científicas necessárias para que a audiência fosse capaz de entender os estudos abordados no filme, e portanto poderíamos atribuir elemen- tos do modelo de déficit ao documentário. Como apontado no capítulo anterior, a estética documental tem sido modi- ficada ao longo dos anos. Contudo, de maneira geral, podemos observar que mui- tos documentários lineares produzidos pelas televisões ainda se utilizam da esté- tica documental tradicional em que se parte do pressuposto de que o espectador não conhece sobre um determinado assunto e então precisa ser educado. Essa educação geralmente é feita através de um narrador invisível e oni- presente que explica ao espectador o que está acontecendo na imagem através da chamada “Voz Over” (ou Voz de Deus: onipresente e aparece quando você 10 Tradução do autor. 36 menos espera). Em outros casos, o narrador se coloca dentro da mise-en-scène (sua fala passa a ser denominada “Voz Off”), mas mantém a postura de detentor do conhecimento e da verdade pré-estabelecida. Essa verdade é geralmente re- forçada pelas entrevistas com especialistas no assunto e com imagens de arqui- vo/documentos históricos que contribuam para a credibilidade do documentário. O autor da presente monografia entende que essa forma narrativa docu- mental se aproxima muito ao modelo de déficit descrito por Brossard e Lewens- tein. Entretanto, é importante destacar que nem todo documentário linear neces- sariamente se enquadra ao modelo de déficit. Um documentário linear pode insti- gar o espectador a participar de forma cognitiva, interpretando os significados da imagem e convidando o espectador a completar as lacunas deixadas pelo autor. Da mesma forma, um documentário interativo não será obrigatoriamente partici- pativo, tudo vai depender da relação estabelecida entre autor e interator. Jenkins (2009) afirma que com a internet e as mídias sociais o público ganhou força, passando a ter maior interação e participação nos processos de produção e distribuição, alterando a relação de poder entre o público consumidor e os produtores de conteúdo. Entretanto, faz uma distinção entre interatividade e participação, palavras que muitas vezes são utilizadas indistintamente, mas que, para o autor, assumem significados diferentes A interatividade refere-se ao modo como as novas tecnologias foram planejadas para responder ao feedback do consumidor. […] As restrições da interatividade são tecnológicas. Em quase todos os casos, o que se pode fazer num ambiente interativo é determinado previamente pelo designer. […] A participação, por outro lado, é moldada pelos protocolos culturais e sociais. […] A participação é mais ilimitada, menos controlada pelos produtores de mídia e mais controlada pelos consumidores de mídia. (JENKINS, 2009, p. 197). Jenkins (2009, p. 198) alerta que esse é o motivo pelo qual os conteúdos de mídia tem sido constantemente apropriados pelos consumidores, muitas vezes de maneira não autorizada e não prevista originalmente pelos produtores. E conclui que “no futuro, produtores de mídia terão de se ajustar às exigências de participação do consumidor, ou correrão o risco de perder seus consumidores mais ativos e entusiasmados para alguma outra atração de mídia mais tolerante.” Portanto, vemos que as oportunidades de colaboração entre autor e interator aumentam. Gaudenzi (2013, p. 56) enquadra esse tipo de documentário 37 interativo como modo participativo. Segundo a autora “O autor decide sobre as ferramentas e regras e estabelece a primeira camada de tijolos, mas há espaço para colaboração e expansão. A função do usuário é exploradora e configurativa”. Para Paz (2017, p. 86), nas obras documentais de conteúdo participativo A mobilização dos participantes entra como um componente fundamental desses projetos. Para viabilizar a criação do conteúdo, o processo produ- tivo precisa criar uma comunidade de participantes ou engajar participan- tes de um comunidade pré-existente. O conteúdo da narrativa desses documentários interativos requer, em grande medida, a existência de ou- tras ações de engajamento no processo produtivo. Um exemplo de documentário interativo participativo é The Quipu Project (COURT; LERNER, 2015). Para contar a história de 272.000 mulheres e 21.000 homens que foram afetadas pelo programa de esterilização forçada que ocorreu na década de 90 no Peru, o projeto transmídia criou múltiplas plataformas para finalmente dar voz a essa comunidade. Por ser um tema muito sensível, o projeto disponibilizou uma linha telefônica gratuita para que as pessoas pudessem ligar e fazer sua denúncia11. Pela plataforma online é possível ouvir os relatos, enviar mensagens de apoio às vítimas, fazer doações e pressionar a justiça através de abaixo- assinados. O projeto teve a colaboração de milhares de pessoas, venceu diversos prêmios e obteve repercussão da mídia internacional. Segundo Sandra Tabares- Duque, produtora executiva do projeto, The Quipu Project Este tema se tornou uma das prioridades políticas no Peru e nas duas úl- timas eleições presidenciais, a questão da esterilização forçadas tem si- do fundamental para eleger o presidente do país. Não podemos afirmar que fomos diretamente responsáveis por isso com o projeto Quipu, mas certamente ajudamos a atrair atenção e compreensão no nível das deci- sões e políticas. (COLLINS-ADAMNS; JUNG RIM, 2017). The Quipu Project é um exemplo de como o modo de interatividade participativo do documentário interativo proposto por Gaudenzi (2013) dialoga com a proposta do modelo de engajamento público da divulgação científica sugerido por Brossard e Lewenstein (2010). Da mesma maneira, é urgente que o campo da divulgação científica se aproprie dessas novas mídias, criando conteúdos interativos que proporcionem a 11 https://interactive.quipu-project.com/#/en/quipu/intro Acesso em 38 participação do público. O presente trabalho vem ao encontro desta ideia, pois propõe entender como o documentário interativo pode ser utilizado na divulgação das ciências de maneira participativa, em que a troca do conhecimento não ocorra apenas em uma via. 4.4 Docs interativos na divulgação da ciência. Durante a pesquisa desse trabalho, não foi encontrada nenhuma referência de docugames direcionados para a divulgação de astronomia. Portanto, esse trabalho pode ser inédito nesse sentido. Porém, nos deparamos com alguns trabalhos que utilizaram a astronomia como tema em seus jogos. Entre eles, podemos citar o trabalho de Francis (2006) que utiliza jogos de RPG e o conceito de livro-jogo para ensinar astronomia em sala de aula. Outro exemplo é o trabalho de Barringer et al. (2018) que faz um estudo sobre o projeto ASTRO 001V da Penn State Department of Astronomy & Astrophysics. ASTRO 001V apresenta o material do curso através de uma história de ficção científica interativa em que o jogador é um estudante da Universidade de Marte. Segundo os autores o projeto “não é um jogo por si só. Em vez disso, é um ambiente de classe virtual que contém elementos gamificados”. Cabe destacar que os cursos intitulados ASTRO 001, em universidades americanas, referem-se a disciplinas introdutórias de astronomia, oferecidos as mais diversas faculdades, de física, engenharias, biologia, educação e até medicina. Com relação a trabalhos que se apropriaram do documentário interativo na divulgação científica, encontramos alguns exemplos que valem ser citados. BrHouillard, é um documentário interativo desenvolvido em Lorraine, na França, com objetivo de discutir junto à populaçãolocal quais seriam as conse- quências econômicas e ambientais sobre a possível extração de gás de carvão na região. Outro exemplo é o webdoc Ilha Grande: cada praia, uma ilha; cada ilha, uma história, que utiliza o modo de interatividade hipertextual para difundir uma tecnologia social voltada para apoiar iniciativas de turismo de base comunitária na proximidade de áreas protegidas. Por último, Amazônia, produzido pela revista Pesquisa Fapesp, apresenta uma compilação de reportagens, vídeos, fotografias e podcasts sobre a região, abrangendo distintas áreas do conhecimento. 39 A busca pela intersecção entre a divulgação científica e participação do público ocorre nos projetos de ciência cidadã. Nessas iniciativas, não-cientistas contribuem para a pesquisa científica através de aplicativos de celular ou páginas web, que possibilitam ao público coletar dados sobre assuntos variados como quantidade de precipitação de chuva (mPing), documentação de espécies selva- gens (Project Noah) ou efeitos da poluição luminosa na saúde (Loss of the Night). No campo específico da astronomia existem vários projetos de ciência ci- dadã, em que astrônomos amadores podem ajudar na busca por exoplanetas ou captar imagem de cometas que passam próximo da Terra.12 Um bom exemplo é o projeto Hands-On Universe (HOU), criado pelo astrônomo Carl Pennypacker da Universidade da Califórnia em Berkeley na década de 1990. A missão do HOU é treinar os professores no uso de ferramentas e re- cursos modernos para o ensino de ciências e envolver os estudantes em projetos científicos internacionais. Também pretendemos promover pro- jetos científicos interativos entre os países do HOU e envolver educado- res e estudantes em uma cooperação verdadeiramente global. Sem fron- teiras ou fronteiras. (HOU, 2014). Da mesma forma, Backyard Worlds é um projeto de ciência cidadã que convida o público a ajudar na procura pelo Planeta 9. Através do site Backyardworlds.org, o internauta pode procurar novos objetos nas bordas do Sis- tema Solar, distinguindo objetos celestes reais de artefatos de imagem, ou detec- ções espúrias, pela forma como eles se movimentam. Na plataforma a explicação do projeto sugere que: No Backyard Worlds: Planet 9, estamos usando a tecnologia moderna para tornar a busca um pouco mais divertida. Você vai trabalhar com a nossa equipe de cientistas, um grupo de astrofísicos da NASA [...] e você vai se juntar a cientistas cidadãos em todo o mundo. [...] Esperamos que você faça uma grande descoberta!13 Para tanto, cada participante recebe uma sequência com quatro fotografias do céu, tiradas em anos diferentes, e deve procurar padrões iguais em cada uma das imagens. Quando encontra esses objetos de interesse, o participante deve selecionar com uma ferramenta de marcação e enviar a descoberta para os pes- 12 https://www.skyandtelescope.com/get-involved/pro-am-collaboration/ Acesso em 20 de março de 2019. 13 https://www.zooniverse.org/projects/marckuchner/backyard-worlds-planet-9/about/research / Acesso em 21 de março de 2019, tradução do autor. 40 quisadores fazerem a verificação. Os objetos reais que o público pode encontrar vão desde anãs marrons até o hipotético Planeta 9. Em nosso protótipo do docugame apresentado como produto, ao final da busca lúdica apresentada nessa hipotética viagem espacial fictícia, o link para o site do projeto Backyard Worlds será disponibilizado para que o público possa ajudar na procura real do planeta perdido. 41 5. DESENVOLVENDO O PRODUTO 5.1 Metodologia A metodologia para se criar um documentário interativo ainda está em fase experimental tanto na teoria como na prática. Por isso, este processo criativo foi baseado no trabalho de Aston, Gaudenzi e Rose (2017) que apresentam um re- sumo dessas práticas criativas, fins e ética que estão por trás dessas formas emergentes de se fazer documentário. Além disso, busquei em palestras, oficinas práticas e laboratórios a melhor maneira de desenvolver o protótipo do docugame. Durante a pesquisa para a realização desse trabalho, tive a oportunidade de participar da Mostra BUG que ocorreu no Centro Cultural Oi Futuro entre 14 de agosto e 9 de setembro de 2018. Ao longo do evento, visualizei cerca de 50 obras imersivas e interativas, duas projeções interativas e uma instalação, conhecendo referências internacionais e nacionais. Paralelamente à Mostra, participei da Conferência BUG Lab, que contou com palestras e debates com professores, pesquisadores e realizadores atuantes em universidades brasileiras e de Nova York, Massachussets, Montreal, Londres, Barcelona, Medellin e Valparaíso. Além disso, fui selecionado para participar de três oficinas: (1) StoryHackers: criação de narrativa em realidade virtual; (2) Diretrizes para realização de projetos interativos e transmídia; e (3) LAB de desenvolvimento de projetos interativos, imersivos e transmídia. Portanto, esse trabalho adota parte da metodologia proposta por Arnau Gi- freu, pesquisador e diretor no campo audiovisual e multimídia, aprendida durante a oficina “Diretrizes para realização de projetos interativos e transmídia”14 e parte dos métodos apresentados no “Laboratório de desenvolvimento de projetos inte- rativos, imersivos e transmídia” por Sandra Gaudenzi, especialista mundial em narrativas interativas, André Paz, coordenador e editor do Bug404, e Julia Salles, diretora e produtora na área de mídia interativa e imersiva. Em sua oficina, Arnau Gifreu analisou um conjunto de projetos de gêneros e formatos do campo interativo e transmídia não-ficcional, especificamente em quatro áreas: documentário, jornalismo, educação e museus. Segundo ele, se os 14 http://bug404.net/oficinas/ Acesso em 22 de março de 2019. 42 autores quiserem realmente criar documentário interativos vão precisar se desa- pegar da lógica linear e começar a pensar de maneira multimídia. Gifreu apontou que a primeira etapa de um projeto interativo é estabelecer a apresentação curta do projeto. Para isso devemos definir o título, a storyline, a sinopse, o tratamento, o teaser, o plano financeiro e a equipe. Segundo ele o título é o DNA do projeto. Uma palavra chave, curto, semân- tico, memorável e, não menos importante, traduzível para o inglês. Por isso, subs- tituímos o título de Em busca do Planeta Perdido para somente Planeta Perdido. Em seguida, criamos a storyline do projeto. A storyline é uma frase curta, simples e sintética, que descreva sobre o que é o projeto. Cheguei portanto na seguinte storyline: Essa é a história de três amigos que fazem uma viagem pelo Sistema Solar em busca do Planeta Perdido. Mais adiante, desenvolvemos a sinopse do docugame. Nessa etapa aprofunda- mos a storyline, podendo conter meia página. No “Lab de Desenvolvimento de projetos interativos, imersivos e transmí- dia” os participantes, incluindo o autor desta monografia, foram convidados a apresentarem projetos de narrativas interativas, imersivas ou transmídia em dife- rentes estágios. Ao longo da oficina, os participantes desenvolveram seus proje- tos de acordo com a metodologia de referência internacional do laboratório !F LAB (Interactive Factual Lab)15, adaptada para a circunstância brasileira e baseada em princípios de User Centered Design (processo no qual o usuário é o foco princi- pal). A oficina contou também com a participação de consultores convidados. A participação no laboratório se dava em equipes de até três integrantes, e portanto pudemos compor nossa própria, convidando a estudante de graduação, Anne Caroline Leite, para participar. Na época Anne era aluna de iniciação cientí- fica no Museu de Astronomia e Ciências Afins onde desenvolviao projeto de pes- quisa “Estudo para modelagem de aplicativos de popularização da ciência e tec- nologia a partir da gamificação”. Ao longo de três dias de trabalho intenso, desenvolvemos e remodelamos o conceito do docugame Planeta Perdido através de atividades com outros grupos que também traziam seus projetos em diferentes etapas de desenvolvimento. 15 http://www.iflab.net/ Acesso em 21 de março de 2019. 43 Primeiramente preenchemos uma planilha com o que acreditávamos ser o título, storyline, sinopse, audiência, impacto, justificativa, referencias, recursos e financiamento. A cada dia, conforme discutíamos e aperfeiçoávamos o projeto, era solicitado que essa planilha fosse atualizada, mantendo a original para que os grupos pudessem visualizar as diferenças entre a concepção inicial e a final. Ao longo da oficina também preenchemos diferentes canvas”16. Os canvas são planilhas concebidas como exercícios práticos para cada equipe tomar deci- sões sobre seus próprios projetos. No Concept Canvas, respondemos a pergun- tas como: “O que é sua história?”, “Por que é relevante para você, seu usuário e outros?”, “Quem é a sua audiência primária e secundária?”, “O que você quer que seu projeto faça, mude ou permita?”, “Por que deveria ser interativo”, “O que você quer que sua audiência saiba, sinta e faça”. 5.2 Audiência, persona e impacto O segundo dia do “Lab de Desenvolvimento de projetos interativos, imersi- vos e transmídia” foi destinado para que os grupos trabalhassem a fim de estabe- lecer sua audiência de forma mais concisa. Para isso, fomos convidados a criar uma persona. Personas são representações arquetípicas fictícias de seu usuário. De acordo com o guia do !F LAB Para tomar decisões e criar uma interface para o seu projeto, você preci- sa visualizar o seu público. Minha "persona" estaria interessada nisso? Ela iria clicar aqui? [...] As personas ajudam você a ser consistente em como você aborda seu público em termos de estilo, plataforma, tom e in- teração. (GAUDENZI, 2018, p. 10). Para estabelecer nossa persona, primeiro decidimos quem era nosso pú- blico-alvo. Desde o início, o produto foi pensado para o público infantil. De acordo com Martins (2013, p. 15), para esse tipo de audiência, brincar faz parte do pro- cesso de aprendizagem. Segundo a autora Para uma criança, brincar é condição da aprendizagem. Isso quer dizer que os espaços expositivos concebidos, especialmente, para crianças devem ser, fundamentalmente, interativos proporcionando um ambiente lúdico no qual ela possa manipular, observar e experimentar os objetos, estimulando sua curiosidade nata e facilitando seu aprendizado. 16 Os canvas podem ser visualizados no link: http://www.iflab.net/wp-content/uploads/2019/01/The- F-Lab-Field-Guide.pdf Acesso em 21 de março de 2019. 44 De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) são consideradas criança os indivíduos de 0 a 11 anos. Portanto, acreditávamos que o público infanto-juvenil (entre 5 e 11 anos) seria a audiência primária para o Planeta Perdido. Porém, durante o laboratório, consultores específicos foram convidados para dialogar com as equipes de cada projeto. Em uma dessas conversas, Claudia Mendes e Aline Frederico, especialistas em livros interativos voltados para o público infantojuvenil, apontaram que a melhor faixa etária para nosso protótipo seria o público infantil entre 7 e 12 anos, interessado em ciências e com acesso à internet. Segundo elas, durante essa idade as crianças estão em processo de alfabetização, possibilitando a compressão dos textos apresentados durante a narrativa do docugame. É importante destacar que a limitação do tempo não possibilitou a criação de uma persona que se aproximasse com autenticidade do público-alvo. Para isso deve-se realizar entrevistas com pessoas com as características desejadas e então estabelecer a persona com base nesses dados coletados. Assim, estabelecemos que nossa persona é Alice, uma menina, 7 anos, tímida, curiosa, com gosto pela leitura. Criada a persona, o exercício constava em fazer uma entrevista no intuito de entender encontrar “necessidades e frustrações” em torno da tópico abordado (no caso astronomia), a fim de obter novas ideias para o projeto. Então, eu me coloquei no papel da entrevistador e Anne no papel da entrevistada, por ter mais experiência com o público infantil em seu trabalho realizado no Museu de Astronomia e Ciências Afins. Seguindo o roteiro de perguntas, concluímos que, dentro do contexto de nossa história, Alice demonstrava conhecimentos básicos sobre planetas, lua, estrelas, sol, luz, satélite natural da terra. Ela sentia muita curiosidade e encantamento pelo tema de astronomia e gostava de olhar o céu durante a lua cheia e quando ocorrem eclipses (eventos astronômicos). Após definir nossa persona, passamos então a delimitar os impactos desejados pelo projeto. Essa etapa permitia mapear as principais mudanças que seu projeto precisa provocar no usuário para ter êxito, podendo ser pequenas ou grandes mudanças após a experiência. Dessa forma, definimos que antes de jogar Planeta Perdido, Alice conhecia conceitos básicos de astronomia, mas que 45 a palavra ciência remetia a uma coisa chata e difícil que tinha que ser feita na escola, sentindo-se desmotivada, desinteressada, desconfiada e frustrada com relação ao tema. O impacto desejado pelo protótipo é que após a viagem em busca do Planeta Perdido, Alice aprenderia que a astronomia pode ser algo divertido e interessante sem ser difícil. Ela se sentiria inspirada, motivada e confiante com relação a ciência, inclusive a buscar conhecimento sobre astronomia por si só. O processo de discutir e responder a essas perguntas fez com que o conceito do projeto ficasse mais sólido, entendendo quais seriam os desafios e consequente estratégias de abordagem para interagir com a audiência selecionada. 5.3 A jornada/fluxo do usuário e o protótipo de papel O terceiro dia do “Lab de Desenvolvimento de projetos interativos, imersivos e transmídia” destinou-se a construção da jornada do usuário e do fluxo do usuário. A jornada do usuário mapeia o processo de ponta a ponta pelo qual os usuários vão percorrer durante a experiência. Em ordem cronológica, ela mostra como a audiência entra em contato com o projeto e quais são os principais pontos de decisão e o que acontece quando ele termina. Nesse processo, não importam ainda os recursos de interface e mídia, mas sim os principais nós emocionais e decisórios de toda a experiência. Nessa etapa o autor se coloca no papel da persona para pensar qual é a experiência que queremos que nosso usuário tenha, ajudando o autor a definir os caminhos mais eficientes, envolventes e intuitivos para o usuário percorrer durante a narrativa. Para isso, realizamos uma lista enumerando as etapas da jornada, sempre nos perguntando quais seriam os elementos motivadores que fariam o usuário permanecer na narrativa e ao mesmo tempo pensar sobre quais poderiam ser os elementos que o fariam desistir. A fim de uma melhor visualização, desenhamos a jornada do usuário em uma cartolina (imagem 1), fazendo conexões entre as sequências e propondo bifurcações. Também dividimos a narrativa em zonas. Cada zona teria missões a serem completadas para que o usuário pudesse passar para a próxima zona, criando assim desafios para aumentar o engajamento do interator. 46 Imagem 1: Rascunho da jornada do usuário. Fonte: O autor. Após o laboratório, o rascunho em cartolina ilustrando a jornada do usuário foi recriado e aperfeiçoado no Klynt, um software de edição e publicação interativo (imagem 2). Imagem 2: Jornada
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