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LLPT_TopicosdeLiteraturaPortuguesa_impresso-6

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Constança, mostrava-se doentio e frágil, trazendo grandes incertezas sobre seu futuro e 
o do país, principalmente para o avô Afonso.
Tudo isso somado, fez com que o rei, influenciado por conselheiros da corte, 
decidisse cortar o mal pela raiz. Durante a ausência de D. Pedro, que saíra para caçar — 
um de seus hobbies favoritos —, o rei promove um julgamento sumário em Montemor-
o-Velho, vila próxima a Coimbra, e sentencia Inês à morte por traição. A execução é 
realizada imediatamente, e a bela Inês, por volta dos trinta anos, com três filhos ainda 
crianças, é barbaramente degolada em 7 de janeiro de 1355.
É claro que o príncipe reagiu com violência àquele crime bárbaro e covarde. Ele 
rompe com o rei, seu pai, e inicia uma verdadeira guerra civil. As hostilidades se 
prolongam por dois anos, cessando apenas graças à intervenção e diplomacia da rainha 
Beatriz de Castela, mãe de Pedro. Apesar de ter um bom motivo para a guerra, na 
verdade se considera que a morte de Inês tenha sido apenas um pretexto para o 
confronto com o rei Afonso. E, de fato, o acordo obtido pela mediação da rainha mãe 
concedeu poderes a Pedro que o tornaram na prática o verdadeiro governante do país.
No fim das contas, tal acordo não foi levado a cabo, pois, logo em seguida ao pacto, 
o rei Afonso IV morria, a 28 de maio de 1357, com certeza muito preocupado com o 
destino de Portugal, do filho e de seu neto.
A história não para aí. Depois de coroado, D. Pedro I determina a punição dos 
nobres que haviam aconselhado o falecido rei a executar Inês. Pero Coelho, Álvaro 
Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco, reconhecidamente responsáveis pela morte de Inês, 
não ficaram esperando para ver o que aconteceria e fugiram para a Espanha. O nosso 
bom Pedro não teve dúvidas: arquitetou com o monarca espanhol uma troca de 
desafetos e conseguiu que os fidalgos portugueses lhe fossem entregues. No entanto, só 
Pero Coelho e Álvaro Gonçalves foram presos, pois o mais esperto, Diogo Lopes, 
conseguiu escapar dos captores espanhóis, se disfarçando em mendigo e fugindo para a 
França.
A punição dos dois conselheiros foi de uma crueldade sem precedentes. Em 1361, 
depois de torturados para que delatassem outros participantes da execução de Inês, os 
dois tiveram o coração arrancado ainda em vida: Pero Coelho através do peito, e Álvaro 
Gonçalves pelas costas — o rei não “acreditava” que tivesse coração quem pudesse ter 
participado daquele odioso crime. 
Por fim, o gentil rei Pedro I fez uma revelação bombástica à corte: ele havia se 
casado oficialmente com D. Inês de Castro. Ou seja, uma das grandes preocupações de 
seu pai, motivo inclusive de ter optado pela morte de Inês, havia acontecido em segredo, 
lá na região de Coimbra. É verdade que Pedro não se lembrava nem do mês em que isso 
acontecera, mas ele mandou chamar o bispo da Guarda, na época deão do mesmo local, 
e mais um de seus criados para comprovarem a história. O bispo confirmou que havia 
ministrado a cerimônia, e o criado, que presenciou o casamento. Mas por uma dessas 
comuns amnésias coletivas, nenhum dos dois lembrava também quando fora... De 
qualquer forma, era uma reparação que o novo rei fazia a ultrajada D. Inês e a prova de 
um amor que nem a morte nem o tempo conseguiam apagar.
Dessa forma, Inês era oficialmente declarada rainha e seus filhos, legitimados, 
podendo inclusive aspirar ao trono, caso o frágil infante Fernando por algum motivo 
faltasse ao país. Seria possível pensar que tal reparação estava na lógica da vingança que 
o rei já havia desencadeado com o flagelo dos conselheiros: de certo modo, Portugal 
como um todo estaria pagando pela mesquinha desaprovação ao romance do príncipe e 
sua amante galega, bem como pelo alívio coletivo sentido com a sua morte. Mas pode-se 
acrescentar a essa satisfação pessoal alguns objetivos políticos. Os descendentes de Inês 
poderiam no futuro se arrogar ao trono espanhol, quem sabe realizando a temida união 
dos dois países.
O casamento foi então postumamente oficializado, e o rei mandou confeccionar 
dois magníficos túmulos no mosteiro de Alcobaça. No primeiro foram depositados os 
restos mortais de Inês, enquanto que o segundo aguardaria o corpo de Pedro. Assim, a 
eternidade uniria os dois amantes que as convenções sociais, as intrigas cortesãs e a 
fúria paterna haviam se esforçado tanto para manter separados em vida. Não se pode 
esquecer também que a magnificência desses túmulos serviria ainda como símbolo 
oficial do casamento deles, um conveniente testemunho da legitimidade de seu 
matrimônio e de seus descendentes.
O translado do corpo de Inês foi feito com toda a pompa e circunstância devidas a 
uma rainha. Por todo o trajeto de Coimbra (onde a dama fora primeiro sepultada) a 
Alcobaça, a nobreza, o clero e o povo saudaram o féretro como se fosse a uma monarca 
viva, e as cerimônias fúnebres passaram à memória dos portugueses em virtude de sua 
suntuosidade e grandeza.
E lá se encontram eles ainda, símbolos de um amor capaz de derrotar a própria 
morte, ou ao menos de o tentar, oriundos de uma época cuja distância temporal a 
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