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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa

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Cultura e Memória na
LITERATURA PORTUGUESA
Hélder Garmes
José Carlos Siqueira
2009
Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/A, 
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IESDE Brasil S.A. 
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© 2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização 
por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
G233 Garmes, Hélder; Siqueira, José Carlos / Cultura e Memória 
na Literatura Portuguesa. / Hélder Garmes; José Carlos
Siqueira — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.
200 p.
ISBN: 978-85-387-0784-4
1. Literatura Portuguesa – História e crítica. 2. Movimentos 
literários. 3. Portugal – História. I. Título.
CDD 869.09
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.
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Professor de Literatura Portuguesa. Possui pós-doutorado pela École des Hautes 
Études en Sciences Sociales (EHESS), na França, e é doutor em Letras pela Univer-
sidade de São Paulo (USP).
Hélder Garmes
Professor de pós-graduação em Teoria Literária. Mestre em Estudos Comparados 
de Literaturas (USP). Bacharel em Linguística (USP).
José Carlos Siqueira
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Sumário
Inês de Castro na Literatura Portuguesa .......................... 13
O tema de Inês .......................................................................................................................... 13
A história ...................................................................................................................................... 14
O mito ........................................................................................................................................... 18
Inês de Castro pelos cronistas ............................................................................................. 19
O “teatro” do julgamento de Inês ........................................................................................ 21
Inês de Castro na epopeia classicista ................................................................................ 24
Inês de Castro no Arcadismo ................................................................................................ 26
Inês de Castro em nossos dias .............................................................................................. 27
O império português .............................................................. 35
Origens do império ultramarino português ................................................................... 35
O apogeu do império no século XV e XVI ......................................................................... 38
A crônica real e os relatos de viagem ................................................................................. 41
Os Lusíadas e a perenidade do império ............................................................................. 42
O império luso-brasileiro ........................................................................................................ 44
O neo-colonialismo .................................................................................................................. 45
O fim do império........................................................................................................................ 48
A gênese do mito de D. Sebastião ..................................... 57
As profecias que antecedem o mito ................................................................................... 57
O mito ............................................................................................................................................ 59
O sentido do mito na cultura portuguesa ........................................................................ 63
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O sebastianismo na Literatura Portuguesa ..................... 73
O tema ........................................................................................................................................... 73
O sebastianismo na contemporaneidade ........................................................................ 86
Saudade e saudosismo na Literatura Portuguesa ........ 95
A saudade .................................................................................................................................... 95
A saudade simbolista de António Nobre ........................................................................100
Saudade e saudosismo no século XX ...............................................................................102
A saudade em Florbela Espanca ........................................................................................107
Precursores do Modernismo ...............................................................................................109
O anticlericalismo na Literatura Portuguesa ................119
O anticlericalismo ....................................................................................................................119
O anticlericalismo em Portugal ..........................................................................................122
O anticlericalismo na Literatura Portuguesa: os primórdios ...................................124
O anticlericalismo de Gil Vicente .......................................................................................128
O anticlericalismo radical de Eça de Queirós ................................................................130
O anticlericalismo contemporâneo de Saramago .......................................................135
O Mar Português na literatura ...........................................145
O Mar Português ......................................................................................................................145
A mesma história de outro ponto de vista .....................................................................147
A primeira literatura do Mar Português ..........................................................................149
O maior poeta do Mar Português: Luís Vaz de Camões .............................................151
O Camões modernista: Fernando Pessoa .......................................................................155
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Escrita e reinvenção literária 
da história de Portugal .........................................................163
Literatura e história .................................................................................................................163
A crônica real ............................................................................................................................163
A literatura romântica e uma nova concepção de história .....................................166
A reinvenção literária da história .......................................................................................169
Gabarito .....................................................................................181
Referências ................................................................................189
Anotações .................................................................................197
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Apresentação
A literatura é um fenômeno cultural multifacetado e complexo. A própria defi-
nição e a descrição da literatura esbarram em uma série de problemas teóricos, 
conceituais de difícil solução. O que dizer então do ensino desse fenômeno trans-
formado em disciplina acadêmica? A exposição convencional em ordem crono-
lógica e organizada em escolas estéticas tem sido a forma preferencial no ensino 
moderno, e certamente ela possui qualidades inquestionáveis: possibilita a visu-
alização do desenvolvimento e das transformações que obras e autores sofrem 
ao longo do tempo, fornece balizas conceituais e estéticas para a apreciação dos 
textos, permite o necessário paralelo com o desenvolvimento histórico e social 
das culturas em que as obras se inserem e por aí em diante.
Mas, nesse modelo de apresentação também se perdem alguns aspectos como, 
por exemplo, o rico diálogo entre autores de diferentes épocas e escolas, as pe-
culiaridades de obras e artistas muitas vezes perdidas pela redução aos princípios 
de uma escola literária e, ainda, o interessante jogo que se cria quando um tema 
é retomado por diversas gerações, sendo redefinido conforme os interesses cul-
turais e artísticos se modificam. 
É nesse último aspecto que se inserem os propósitos do presente livro, Cultura 
e Memória na Literatura Portuguesa. A literatura de Portugal, cujos princípios re-
montam ao século XII, é pródiga na criação e manutenção de temas literários que, 
cultivados por seus escritores (e por vezes extrapolando as fronteiras lusas, como 
veremos), são responsáveis pela preservação de uma riquíssima memória histó-
rica e cultural. O cultivo literário faz com que tais temas continuem vivos na so-
ciedade portuguesa (na verdade, nos países lusófonos), tornando-se assim uma 
fonte dinâmica de reflexão e de crítica para os leitores e para a sociedade como 
um todo.
Não sendo factível – nem talvez funcional – abordar todos os possíveis temas 
que os diversos períodos abordaram e preservaram, escolhemos aqueles que nos 
pareceram mais importantes ou que se apresentaram como mais produtivos na 
Literatura Portuguesa. Dessa forma, propomos ao leitor uma instigante viagem 
pelos desdobramentos literários dos seguintes temas:
o mito de Inês de Castro; �
o império português; �
a gênese do mito de D. Sebastião; �
o sebastianismo de Fernando Pessoa; �
saudade e saudosismo; �
anticlericalismo na cultura portuguesa; �
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o mar português; e �
escrita e reinvenção literária da história de Portugal. �
Em cada um desses itens, apresentaremos o tema em si, sua gênese histórica, cul-
tural e artística, e colocaremos lado a lado alguns dos autores mais significativos 
da Literatura Portuguesa que deram sua contribuição ao assunto. Manteremos a 
ordem cronológica na apresentação de autores e obras, mas o foco sempre recai-
rá no tema em pauta e na forma como o diálogo transtemporal se deu entre esses 
escritores. Uma última parte será ainda destinada aos autores contemporâneos 
ou mais próximos ao tempo presente, buscando mostrar assim como esses oito 
grandes temas continuam ainda vivos e estimulantes para artistas e leitores.
Desejamos que este estudo seja não apenas proveitoso em termos acadêmicos 
como ainda muito saboroso e estimulante aos nossos leitores.
Hélder Garmes
José Carlos Siqueira
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Inês de Castro na Literatura Portuguesa
O tema de Inês 
Na Europa, durante o século XVI, uma importante e poderosa parce-
la das casas reais e de aristocratas governantes descendia de uma rainha 
portuguesa. Netos e bisnetos dessa mulher ocupavam tronos, dirigindo 
impérios e principados. Um grande cronista e poeta da época, o portu-
guês Garcia de Resende (1470-1536), chegou mesmo a dedicar um poema 
a essa insigne linhagem:
Os principais reis de Espanha,
de Portugal e Castela,
e imperador de Alemanha,
olhai, que honra tamanha,
que todos descendem dela,
Rei de Nápoles, também
Duque de Borgonha, a quem
toda França medo havia,
e em campo el-rei vencia,
todos estes dela vém. (GARCIA DE RESENDE apud SENA, 1963, p. 273) 
Mas, uma tão importante genealogia aristocrática não deveria ser vista 
como surpreendente durante o século de ouro de Portugal, momento das 
grandes navegações e descobertas, pois nesse período o país ibérico era 
uma potência dentro do continente. Além do mais, os casamentos entre 
as mais diversas e distantes casas reais era algo por demais corriqueiro, 
servindo de instrumento da política internacional e do jogo do poder. 
Acontece que essa monarca portuguesa possuía algumas peculiaridades 
capazes de comover poetas e historiadores, e transformar sua descendên-
cia em um verdadeiro milagre dinástico.
Para começar, ela não era portuguesa, mas sim da Galícia, uma região ao 
norte de Portugal, subordinada à Espanha. Em segundo lugar, sua origem 
era controversa, pois nascera filha bastarda (concebida fora do casamento) 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
de um importante aristocrata galego. Terceiro, morrera muito jovem, aos 30 anos 
de idade, brutalmente executada (degolada) após a sentença de um tribunal 
movido por intrigas palacianas. E, por fim, e mais incrível, fora declarada rainha 
depois de morta, alguns anos após a sua execução.
Eis aí, em linhas muito sumárias, a trágica vida de D. Inês de Castro, que “depois 
de morta foi rainha”, nas palavras de Luís de Camões (1525-1580). Mas isso não 
é tudo: por trás do que já foi relatado, há também uma história de amor que 
marcou a literatura e as artes de Portugal e de toda a Europa. Uma história 
que desempenhou um importante papel na modelagem do espírito português, 
de sua identidade nacional, em um processo em que ao fato histórico foram 
sendo agregados detalhes, situações e desdobramentos criados por artistas e 
pela imaginação popular, constituindo assim um mito que acabou maior e mais 
interessante que a personagem histórica propriamente dita. Para entender esse 
processo, devemos conhecer a história e a formação do mito de Inês de Castro. 
A história 
Inês de Castro nasceu na Galícia, como 
já foi dito, entre 1320 e 1325, filha natural 
de Pedro Fernandes de Castro, um alto fun-
cionário do trono espanhol e também de 
ascendência bastarda (como se vê, era algo 
recorrente na aristocracia da época). Apesar 
da bastardia, Inês cresceu no seio de uma 
família nobre e rica, e na juventude tornou-
se dama de companhia de sua prima, D. 
Constança Manuel, uma nobre espanhola 
de uma importante família. Tão importan-
te que Constança tornou-se a esposa de D. 
Pedro, príncipe herdeiro do trono portu-
guês, e aqui entra um personagem funda-
mental dessa história.
O infante D. Pedro era filho de Afonso IV – um notável monarca dos primór-
dios da história portuguesa – e ao conhecer a bela Inês, que era dama de com-
panhia de sua esposa, apaixonou-se perdidamente. Como era de se esperar, o 
príncipe foi correspondido pela nobre galega e eles se tornaram amantes. Seu 
relacionamento amoroso era tão intenso e aberto que provocou a desaprovação 
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D. Inês de Castro.
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Inês de Castro na Literatura Portuguesa
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da corte. Quando Constança concebeu seu primeiro filho com D. Pedro, convi-
dou Inês para ser a madrinha, pois pelas leis canônicas a relaçãocarnal entre pais 
e madrinhas era considerada incestuosa. Parece que a artimanha não funcionou 
muito bem, já que para afastar os amantes o rei Afonso decidiu expulsar Inês da 
corte e exilá-la em um castelo próximo da fronteira com a Espanha.
Mesmo separados, Pedro e Inês continuaram se comunicando e mantiveram 
aceso o forte sentimento que os ligava. Foi quando uma fatalidade permitiu o 
retorno de Inês e a continuação de seu caso amoroso com o príncipe: ao ter 
seu terceiro filho (Fernando, que se tornaria o rei português após a morte de D. 
Pedro), Constança morreu. Viúvo, o herdeiro do trono de Portugal sentiu-se livre 
para manter Inês a seu lado, até com a possibilidade de torná-la sua esposa.
No entanto, o rei, os fidalgos da corte e a opinião pública da época não pen-
savam da mesma forma. A fim de evitar conflitos, Pedro levou Inês para Coimbra, 
onde fixou residência em um belo palacete, o Paço de Santa Clara, construído 
pela avó de Pedro, D. Isabel, a Rainha Santa. Essa decisão de D. Pedro foi conside-
rada uma provocação. O escândalo que a situação causava era crescente, com a 
desaprovação tanto da nobreza quanto do povo em geral.
No entanto, essa febre de moralidade e bons costumes que se abatera sobre o 
país tinha um fundo político inconfessável: mesmo sendo filha ilegítima, Inês per-
tencia a uma família poderosa na Espanha, os Castros, e seus irmãos haviam também 
conquistado o afeto e a confiança de D. Pedro. Afirma-se que tais irmãos teriam con-
vencido Pedro a se casar com Inês e, em razão de o pai da moça ser da linhagem real 
espanhola, exigir o trono da Espanha, unificando assim os dois países.
A ideia repugnava o rei Afonso e a maioria da nobreza, que viam em seme-
lhantes conluios a possibilidade de Portugal submergir dentro da Espanha, per-
dendo sua autonomia e a identidade. Os espanhóis construíam na época um 
poderoso reino, de grande força militar e sentimento de unidade. Não seria Por-
tugal a anexar a Espanha, e sim o contrário.
Procurando fazer o filho se afastar de Inês e, por tabela, de seus insidiosos 
irmãos, o rei tentou convencer D. Pedro a se casar de novo com uma aristocra-
ta da família real, mas a tática não funcionou. O esperto Pedro se esquivou da 
sugestão alegando que permanecia enlutado e não havia ainda esquecido a 
“amada” Constança – era o que dizia o príncipe.
Em meio a esse embate, nossa Inês teve nada menos que quatro filhinhos 
com D. Pedro. O primeiro morreu ainda pequeno, mas os outros cresciam muito 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
saudáveis. Já o legítimo herdeiro do trono lusitano, o infante Fernando, cujo nas-
cimento levara Constança à morte, mostrava-se doentio e frágil, trazendo gran-
des incertezas sobre seu futuro e o do país, principalmente para o avô Afonso. 
Tudo isso somado fez com que o rei, influenciado por conselheiros da corte, 
decidisse cortar o mal pela raiz: durante uma ausência de D. Pedro, que saíra para 
caçar – um de seus hobbies favoritos –, o rei promoveu um julgamento sumário 
em Montemor-o-Velho, vila próxima a Coimbra, e sentenciou Inês à morte por 
traição. A execução foi realizada imediatamente, e a bela Inês, por volta dos 30 
anos, com três filhos ainda crianças, foi barbaramente degolada em 7 de janeiro 
de 1355.
É claro que o príncipe reagiu com violência àquele crime bárbaro e covarde: 
D. Pedro rompeu relações com o rei, seu pai, e iniciou uma verdadeira guerra 
civil. As hostilidades se prolongaram por dois anos, cessando apenas graças à in-
tervenção e a diplomacia da rainha Beatriz de Castela, mãe de Pedro. Apesar de 
ser um bom motivo para a guerra, considera-se que na verdade a morte de Inês 
foi apenas um pretexto para o confronto com o rei Afonso. E, de fato, o acordo 
obtido pela mediação da rainha mãe concedeu a Pedro poderes que o tornaram, 
na prática, o verdadeiro governante do país.
Mas, no fim das contas, tal acordo não foi levado a cabo, pois logo em seguida 
ao pacto o rei Afonso IV morreu, a 28 de maio de 1357, com certeza muito preo-
cupado com o destino de Portugal, do filho e de seu neto. 
E a história não para aí: depois de coroado, D. Pedro I determinou a punição 
dos nobres que haviam aconselhado o falecido rei a executar Inês. Pero Coelho, 
Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco, reconhecidamente responsáveis pela 
morte de Inês, não ficaram esperando para ver o que aconteceria e fugiram para 
a Espanha. O nosso bom Pedro não teve dúvidas: arquitetou com o monarca 
espanhol uma troca de desafetos e conseguiu que os fidalgos portugueses lhe 
fossem entregues. No entanto, só Pero Coelho e Álvaro Gonçalves foram presos, 
pois o mais esperto, Diogo Lopes, conseguiu escapar dos captores espanhóis 
disfarçando-se como mendigo e fugindo para a França.
A punição dos dois conselheiros foi de uma crueldade sem precedentes: em 
1361, depois de torturados para que delatassem outros participantes da exe-
cução de Inês, os dois tiveram o coração arrancado ainda em vida: Pero Coelho 
através do peito, e Álvaro Gonçalves pelas costas – o rei não “acreditava” que 
tivesse coração quem pudesse ter participado daquele odioso crime. 
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Inês de Castro na Literatura Portuguesa
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Por fim, o gentil rei Pedro I fez uma revelação bombástica à corte: ele havia 
se casado oficialmente com D. Inês de Castro. Ou seja, uma das grandes preo-
cupações de seu pai, motivo inclusive de ter optado pela morte de Inês, havia 
acontecido em segredo, na região de Coimbra. É verdade que Pedro não se lem-
brava nem do mês em que isso acontecera, mas ele mandou chamar o bispo da 
Guarda, na época deão do mesmo local, e mais um de seus criados para compro-
varem a história. O bispo confirmou que havia ministrado a cerimônia, e o criado, 
que presenciou o casamento. Mas, por uma dessas comuns amnésias coletivas, 
nenhum dos dois lembrava também quando fora... De qualquer forma, era uma 
reparação que o novo rei fazia à ultrajada D. Inês e a prova de um amor que nem 
a morte nem o tempo conseguiam apagar.
Dessa forma, Inês era oficialmente declarada rainha, e seus filhos, legitimados, 
podendo inclusive aspirar ao trono, caso por algum motivo o frágil infante Fer-
nando faltasse ao país. Seria possível pensar que tal reparação estava na lógica 
da vingança que o rei já havia desencadeado com o flagelo dos conselheiros: de 
certo modo, Portugal como um todo estaria pagando pela mesquinha desapro-
vação ao romance do príncipe e sua amante galega, bem como pelo alívio cole-
tivo sentido com a sua morte. Mas, pode-se acrescentar a essa satisfação pessoal 
alguns objetivos políticos – no futuro, os descendentes de Inês poderiam se arro-
gar ao trono espanhol, quem sabe realizando a temida união dos dois países.
O casamento foi então postumamente oficializado e o rei mandou confec-
cionar dois magníficos túmulos no mosteiro de Alcobaça. No primeiro, foram 
depositados os restos mortais de Inês, enquanto o segundo aguardaria o corpo 
de Pedro. Assim, a eternidade uniria os dois amantes que as convenções sociais, 
as intrigas cortesãs e a fúria paterna haviam se esforçado tanto para manter se-
parados em vida. Não se pode esquecer também que a magnificência desses tú-
mulos serviria ainda como símbolo oficial do casamento deles, um conveniente 
testemunho da legitimidade de seu matrimônio e de seus descendentes.
O translado do corpo de Inês foi feito com toda a pompa e circunstância de-
vidas a uma rainha. Por todo o trajeto de Coimbra (onde a dama fora sepultada) 
a Alcobaça, a nobreza, o clero e o povo saudaram o féretro como se fosse a uma 
monarca viva, e as cerimônias fúnebres passaram à memória dos portugueses 
em virtude de sua suntuosidade e grandeza.
E lá se encontram eles ainda, símbolos de um amor capaz de derrotar a própria 
morte, ou ao menos de o tentar,oriundos de uma época cuja distância temporal 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
a transforma em um cenário de contos de fada: Em um reino distante, havia um 
rei, um valente príncipe e uma linda princesa...
O mito 
A história que acabamos de narrar tem base em documentos e relatos histó-
ricos, mas diversos de seus detalhes são difíceis de comprovar com toda a exa-
tidão. Queremos dizer com isso que mesmo o fato histórico está contaminado 
de incertezas, fruto da deficiente documentação, dos métodos pouco confiáveis 
dos registros e crônicas, além do que muitas das possíveis fontes para esses 
eventos se perderam no decorrer do tempo.
No fundo, a própria História se encontra algo mitificada – um processo normal 
em qualquer cultura e que abre margem para que o mito se fortaleça e se expan-
da. No caso de Pedro e Inês, logo depois de suas mortes, o imaginário popu-
lar foi acrescentando detalhes maravilhosos aos acontecimentos. Em Coimbra, 
passou-se a acreditar que Inês fora morta em sua própria casa, o famoso Paço de 
Santa Clara. Junto a esse palácio havia jardins, bosques e duas fontes. Em uma 
dessas fontes, depois chamada de Fonte das Lágrimas, existem raríssimas algas 
vermelhas, que a imaginação do povo relaciona com o sangue derramado da 
bela Inês. A outra, a Fonte dos Amores, teve seu nome dado por Camões em Os 
Lusíadas, em um trecho (III, 135) dedicado a Inês de Castro:
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram. (CAMÕES, 1997, p. 110)
E aqui entram em cena os poetas e artistas que, ao se apropriarem da história, 
foram recriando os fatos, dando ênfase a alguns aspectos e obscurecendo outros. 
Eles fizeram com que a memória desse sublime amor não fosse perdida, mas 
também provocaram novos sentidos e funções que os fatos em si não possuíam. 
Fernando Pessoa sintetiza de forma perfeita esse processo de mitificação:
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre. (PESSOA, 1983, p. 6)
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Inês de Castro na Literatura Portuguesa
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Nesses versos, Pessoa está se referindo ao mito de fundação de Lisboa, atri-
buída ao herói grego Ulisses, que teria construído a cidade durante sua viagem 
de retorno da guerra de Troia. Mas, a ideia serve para qualquer mito: um valor ou 
sentimento fundamental à realidade humana é fecundado pela lenda, que passa 
a valer mais do que a própria realidade histórica. Tratando-se do mito de Inês 
de Castro, pode-se dizer que um dos valores que está sendo fecundado é a ideia 
de superação da morte pela força do amor. Mas, não só isso: há também a ideia da 
saudade, que faz com que o passado não morra, ou que se mantenha pulsante e 
decisivo no presente e no futuro. 
Seria esse intenso sentimento que levara D. Pedro a sua vingança tão cruel e 
à construção dos túmulos majestosos, capazes de vencer o tempo e perdurar no 
futuro. Presente e futuro determinados por um passado a que a saudade susten-
ta e dá poder – a saudade portuguesa.
Para dar um exemplo da ação dos poetas nesse sentido, vejamos a famosa 
cena da coroação da rainha morta. Com base no dado histórico do cortejo do 
cadáver de Inês para Alcobaça – uma das formas encontradas por D. Pedro para 
declarar Inês rainha depois de morta –, diversos escritores desenvolveram a fan-
tástica cena em que o corpo morto de Inês era assentado sobre o trono portu-
guês e uma cerimônia de coroamento tinha lugar. Em seguida, para escárnio 
da nobreza e do clero presentes, estes teriam sido obrigados a beijar a mão da 
rainha morta. A força imagética e tétrica dessa cena é inquestionável. Eis aí uma 
amostra do esforço humano em vencer a morte e negar as fronteiras entre o 
passado e o presente, um tema mitológico.
Inês de Castro pelos cronistas 
Os primeiros relatos do drama de Inês de Castro foram feitos por cronistas. 
Seria valioso entender esse tipo de escritor que participa tanto da literatura 
quanto da historiografia, e que no caso português tem ainda um pé na Idade 
Média e outro na Moderna. 
Os historiadores da língua portuguesa datam o início de nosso idioma no 
século XII, sendo que os primeiros textos em português que sobreviveram até 
nosso dias são poemas. Na prosa, os primeiros escritos em português são os 
sempre citados romances de cavalaria e as crônicas. Estas últimas apresentam 
um duplo interesse: são documentos históricos – importantes fontes primárias 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
para o conhecimento do passado – e verdadeiros ensaios de estilo e expressão 
na língua lusitana. A crônica dessa época pode então ser definida como o relato 
cronológico da vida de reis e nobres, de fatos relevantes desses personagens, 
descrição de batalhas, de eventos diplomáticos etc.
Em Portugal, uma das primeiras crônicas foi redigida ou organizada pelo 
conde D. Pedro Afonso (1287-1354). Ele era filho do conhecido monarca D. Dinis 
(1261-1325), o Rei Trovador e, puxando ao pai, foi também poeta e responsável 
por uma crônica intitulada “O livro do conde D. Pedro” que, entre outras coisas, 
conta a história do mundo, começando por Adão e Eva, e chegando à reconquis-
ta da Espanha pelos cristãos.
Já a história de Inês é registrada pela primeira vez por meio da pena de Fernão 
Lopes (1380-1460). A importância da obra e das atividades intelectuais desen-
volvidas por esse homem pode ser medida pelo fato de que a história da Litera-
tura Portuguesa define como data do início do Humanismo em Portugal a sua 
nomeação como guarda-mor da Torre do Tombo (uma espécie de bibliotecário 
chefe da documentação oficial do país). O Humanismo é a corrente cultural e li-
terária que, em terras portuguesas, vai de 1418 a 1527, substituindo a era do 
Trovadorismo. O próprio nome já denuncia que o foco dessa corrente de pensa-
mento é o homem, visto agora como centro do universo, dotado de faculdades 
que o diferenciam no mundo animal, principalmente a razão, e o elevam à posi-
ção de ser supremo da natureza e seu virtual senhor. 
Fernão Lopes é considerado o “pai da História” em 
Portugal. Ele já pode ser considerado “moderno” por 
haver promovido uma historiografia baseada em do-
cumentos e não mais fundamentada na tradição oral. 
O que não o impede de imprimir em seus relatos uma 
forte carga dramática e de intenso dinamismo narrati-
vo. Em seus textos surge o povo em suas multifacetadas 
manifestações, atingindo o protagonismo em algumas 
ocasiões. Seu estilo é bastante coloquial e direto, por 
vezes o narrador chegando a dialogar com o leitor.
Boa parte da produção de Fernão Lopes se perdeu, havendo sobrevivido 
entre outras obras a Crônica d’el-rei D. Pedro I, na qual se registram algumas das 
passagens da história de D. Inês de Castro. Um dos trechos mais impactantes 
está no capítulo XXXI e relata o suplício e a execução de dois dos conselheiros 
que participaram da morte de Inês:
D
om
ín
io
 p
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o.
A Crônica de Fernão Lopes.
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Inês de Castro na Literatura Portuguesa
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A Portugal foram trazidos Álvaro Gonçalves e Pero Coelho, e chegaram a Santarém, onde el-rei 
era. El-rei, com prazer de sua vinda, porém mal magoado porque Diogo Lopes fugira, os saiu 
fora a receber, e, sanha cruel, sem piedade os fez por sua mão meter a tormento, querendo que 
lhe confessassem quais foram na morte de Dona Inês culpados, e que era que seu padre tratava 
contra ele, quando andavam desavindos por azo da morte dela. E nenhum deles respondeu a 
tais perguntascoisa que a el-rei prouvesse.
E el-rei, com queixume, dizem que deu um açoite no rosto a Pero Coelho, e ele se soltou 
então contra el-rei em desonestas e feias palavras, chamando-lhe traidor, à fé perjuro, algoz 
e carniceiro dos homens. E el-rei, dizendo que lhe trouxessem cebola, vinagre, e azeite para o 
coelho, enfadou-se deles, e mandou-os matar.
A maneira de sua morte, sendo dita pelo miúdo, seria mui estranha e crua de contar, cá 
mandou tirar o coração pelos peitos a Pero Coelho, e a Álvaro Gonçalves pelas espáduas. E 
quais palavras houve e aquele que lho tirava, que tal ofício havia pouco em costume, seria 
bem dorida cousa de ouvir. Enfim, mandou-os queimar. E tudo feito ante os paços onde ele 
pousava, de guisa que comendo olhava quanto mandava fazer. (LOPES, 2009. Adaptado) 
Há nesse registro um jogo entre um ambiente de tortura e uma situação do-
méstica. Lopes intercala um pedido banal de temperos feito pelo rei em meio 
a tormentos, injúrias e muita dor, brincando com a palavra coelho, que tanto é 
a carne que come o rei quanto é o nome do torturado – Pero Coelho. Com isso 
ele prepara o desfecho da cena, revelando que a execução foi apreciada pelo 
monarca durante sua refeição, como em um piquenique se acompanha um jogo 
ou uma brincadeira. O cronista enfatiza assim o grau de crueldade e desprezo 
pela vida humana demonstrado por D. Pedro. É importante notar ainda que a 
forma de execução dos dois conselheiros não é atestada pelo cronista, ou seja, 
não havia documentos que comprovassem essa informação, sendo portanto 
algo que foi transmitido por via oral: “dita pelo miúdo”. Posteriormente, a tradi-
ção ainda acrescentou que o rei mordeu um dos corações arrancados, em uma 
espécie de antropofagia à moda europeia.
O “teatro” do julgamento de Inês
O primeiro texto puramente literário em que comparece a tragédia de Inês 
e Pedro é de autoria de Garcia de Resende (1470-1536), “Trovas à morte de Inês 
de Castro”, do qual já citamos um trecho. Nesse poema, destaca-se a súplica que 
Inês teria feito ao rei Afonso IV para que poupasse a sua vida e, assim, a orfanda-
de de seus filhos. O rei se sensibiliza com as lágrimas da mulher, mas incitado por 
um de seus oficiais, acaba permitindo a execução de Inês.
Aqui já nos encontramos em um momento de transição entre o Humanis-
mo, de que Fernão Lopes foi o grande nome na crônica, e o Classicismo (1527-
1580). O poeta e cronista Resende ainda é catalogado pelos estudos literários 
no Humanismo, mas sua obra já preparava as condições para o surgimento dos 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
escritores classicistas. O Cancioneiro Geral, em que foram publicadas as Trovas, é 
uma coletânea da produção poética do Humanismo e, portanto, uma síntese da 
literatura do período.
O Classicismo propriamente não foi um rompimento com o Humanismo e sim 
uma espécie de radicalização. A fim de se livrar definitivamente dos princípios e do 
pensamento medievais, os artistas da nova escola retomaram os valores clássicos, 
ou seja, a estética e as formas artísticas da Antiguidade, especificamente do perío-
do clássico da Grécia e de Roma.
No teatro, a tragédia de concepção greco-romana dominou por completo 
as produções dramatúrgicas, e um dos principais nomes portugueses desse 
gênero foi Antônio Ferreira (1528-1569), cuja obra-prima, por sinal, leva o nome 
de Castro. Segundo a estudiosa Maria L. Machado de Sousa, essa peça é a primei-
ra tragédia europeia com tema moderno, ou seja, na qual os personagens não 
são nem deuses nem heróis da Antiguidade, mas figuras históricas recentes (cf. 
SOUSA, 1984, p. 12). 
Ferreira é ainda avaliado por críticos como António José Saraiva e Oscar Lopes 
como o mais íntegro representante da escola clássica em seu país (SARAIVA; 
LOPES, 2005, p. 255), havendo realizado com essa tragédia uma brilhante inte-
gração entre um tema moderno e a estética clássica. Sem dúvida, o dramaturgo 
português retomou a ideia da defesa de Inês que está nas Trovas de Garcia de 
Resende e ampliou-a no quarto ato de sua peça na forma de um julgamento em 
que comparecem ainda dois dos conselheiros reais no papel de promotores.
Na tragédia clássica, o destino tem papel central, pois determina o fim dos 
personagens independentemente de suas vontades e de seus esforços para im-
pedir tal sina – esforços que fatalmente só os conduzem ainda com mais firmeza 
para a sua destruição (um bom exemplo seria Édipo Rei, de Sófocles). No caso de 
Castro, o destino é encarnado pelas razões de Estado, suficientes para condenar 
alguém inocente e obliterar a consciência dos juízes.
A bela Inês questiona o rei Afonso IV – no papel de juiz – sobre seu crime (ato 
IV, cena I):
CASTRO: Ouve minha razão, minha inocência./ Culpa é, senhor, guardar amor constante/ A 
quem mo tem? se por amor me matas,/ Que farás ao inimigo? amei teu filho,/ Não o matei. 
Amor amor merece;/ Estas são minhas culpas: estas queres/ Com morte castigar? Em que a 
mereço?
[...]
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CASTRO [ainda se dirigindo ao rei]: Dou tua consciência em minha prova./ Se os olhos de teu 
filho se enganaram/ Com o que viram em mim, que culpa tenho?/ Paguei-lhe aquele amor 
com outro amor,/ Fraqueza costumada em todo estado. / Se contra Deus pequei, contra ti não. 
(FERREIRA, 1996, p. 148 -149)
A infeliz mulher ainda acrescenta que a injustiça não seria apenas contra ela, 
mas atingiria também o filho do rei, que ama Inês, e seus netos, que cresceriam 
órfãos. Nesse momento, o rei juiz cede às súplicas e se retira de cena convencido 
da injustiça que seria a morte de Inês. Mas, na cena seguinte, a sós com dois con-
selheiros, é confrontado com as razões de Estado (ato IV, cena III):
PACHECO: ...não te esqueças/ Da tenção tão fundada, que te trouxe.
REI: Não pôde o meu espírito consentir/ Em crueza tamanha.
PACHECO: Mor crueza./ Fazes agora ao Reino: agora fazes/ [...] A que vieste?/ A pôr em mor 
perigo teu estado? [...]
REI: Não vejo culpa, que mereça pena.
PACHECO: Inda hoje a viste, quem ta esconde agora?
REI: Mais quero perdoar, que ser injusto.
COELHO: Injusto é quem perdoa a pena justa.
REI: Peque antes nesse extremo, que em crueza.
COELHO: Não se consente o Rei pecar em nada.
REI: Sou homem.
COELHO: Porém Rei.
REI: O Rei perdoa.
PACHECO: Nem sempre perdoar é piedade.
REI: Eu vejo ua inocente, mãe de uns filhos/ De meu filho, que mato juntamente.
COELHO: Mas dás vida a teu filho, salvas-lhe a alma,/ Pacificas teu Reino: a ti seguras./ Restitui-nos 
honra, paz, descanso./ Destróis a traidores; cortas quanto/ Sobre ti, e teu neto se tecia... (FERREIRA, 
1996, p. 151) 
Pela segunda vez o rei sucumbe aos argumentos dos acusadores. E agora, 
para evitar novo confronto com Inês, ele dá a sentença definitiva – na verdade, 
transfere aos outros a decisão (ato IV, cena II):
REI: Eu não mando, nem veto. Deus o julgue./ Vós outros o fazei, se vos parece/ Justiça, assim 
matar quem não tem culpa. (FERREIRA, 1996, p. 152)
Os conselheiros aceitam a incumbência e matam a pobre Inês. 
Na peça de Ferreira, o rei enfrenta um terrível dilema: ser um juiz imparcial 
e impessoal, julgar única e exclusivamente a verdade do crime, ou um chefe de 
Estado, responsável pelo bem geral e o futuro da nação. Ele cede à lógica das 
razões de Estado, esse destino implacável, mas carrega, apesar disso, sua res-
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
ponsabilidade na decisão, uma situação que já indica traços de modernidade se 
instaurando no modelo clássico.
Inês de Castro na epopeia classicista 
Ainda no Classicismo, mas agora no gênero epopeia (poema longo, narrativo, 
em que se relatamos feitos do herói de uma determinada coletividade), vamos 
encontrar, em meados do século XVI, Luís Vaz de Camões compondo Os Lusía-
das. Ele insere o episódio de Inês de Castro no Canto III de seu poema épico. 
Conforme lemos ali, durante a travessia rumo à Índia, a armada de Vasco da 
Gama chega a Melinde (cidade que hoje pertence ao Quênia, na África), cujo rei 
solicita ao almirante que conte a história de Portugal. Nos cantos III, IV e V, o Gama 
narra a história das duas primeiras dinastias portuguesas, chegando até o início da 
viagem. O relato de Inês ocupa 17 estrofes do terceiro canto, nas quais a rainha, 
depois de morta, é apresentada como vítima da inexorabilidade do Amor.
Os Lusíadas (III, 119)
Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano. (CAMÕES, 1997, p. 106)
A ideia da responsabilidade do Amor pela morte de Inês já se encontrava em 
Garcia de Resende e António Ferreira (“Já morreu Dona Inês, matou-a Amor”, ato 
IV, cena II – FERREIRA, 1996, p. 153). Em Camões, ele é apresentado como o deus 
Amor (Eros, na tradição grega), um senhor “áspero e tirano”, cuja força escravi-
za os corações. Ele não se satisfaz apenas com as lágrimas dos amantes, pois 
também deseja seu sangue como oferenda em seus altares. 
No entanto, a grande contribuição de Camões ao mito de Inês foi a cria-
ção de um contexto lírico no qual a história passaria então a ser contada. Até 
ali, peças e poemas se concentravam na narrativa dos eventos e nos discursos 
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de defesa e acusação. O bardo português vai dar formas e cores ao ambien-
te (Coimbra), antropomorfizar a Natureza – isto é, dar formas e características 
humanas à Natureza –, trazer perfumes e múltiplas sensações aos episódios e 
conclamar figurantes a sofrerem e chorarem pelos amores de Inês e Pedro.
Os Lusíadas
III, 120
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas. 
III, 135
As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
III, 134
Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lacivas maltratada
Da minina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co a doce vida. (CAMÕES, 
1997, p. 107-110)
Esse episódio forma com outras passagens do poema um conjunto de versos 
dedicados aos infortúnios do amor. Muitos comentaristas consideram que tal 
obsessão pelo assunto revela um viés autobiográfico de Camões, cuja vida fora 
atribulada por diversas paixões frustradas, uma característica que traz assim 
maior encanto e curiosidade à epopeia camoniana.
Talvez seja o momento de se comentar que a história de Inês de Castro não 
se restringe ao repertório literário português. Na verdade, o mito de Pedro e Inês 
foi incorporado pela Europa e também pelas Américas. Para ficarmos apenas em 
alguns nomes mais conhecidos, citemos Victor Hugo (1802-1885), Ezra Pound 
(1885-1972) e o poeta brasileiro, nosso contemporâneo, Ivan Junqueira. Há ainda 
peças de balé e uma importante composição operística de Carl Maria von Weber 
(1786-1826), além de outras óperas de diversos autores. Parte do interesse de-
monstrado por esses países e seus artistas em relação à infausta Inês se deve ao 
Canto III de Os Lusíadas. O trecho camoniano da história de Inês é um dos mais 
apreciados e traduzidos por todo o mundo.
Para se ter uma ideia da difusão e do interesse suscitado por esse episódio, pode-
mos citar a tradução para o alemão por Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), desta-
cado filósofo do Iluminismo. Para poder ler Os Lusíadas no original, Fichte aprendeu 
português e, a partir daí, procedeu a uma preciosa tradução dessa parte do poema 
de Camões, respeitando tanto a métrica quanto o esquema rímico do original. 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
Inês de Castro no Arcadismo 
Nos séculos seguintes, o modelo camoniano continuou servindo de inspira-
ção em Portugal. Durante o Arcadismo, de 1756 a 1825, isso foi ainda mais sen-
tido, pois essa foi uma corrente literária que recuperou muitos dos princípios do 
Classicismo, que foram contrariados ou abolidos durante o Barroco (1580-1756). 
O poeta mais significativo do Arcadismo português foi Manuel Maria de Barbosa 
du Bocage, uma figura que até mesmo em sua biografia procurou imitar a vida 
de Camões. Não seria surpresa, portanto, se Bocage tivesse dedicado algumas 
de suas composições ao mito de Inês de Castro, como de fato aconteceu.
Sobre esse tema, a composição mais importante do poeta árcade é “Cantata 
à morte de Inês de Castro”. A forma cantata se divide em duas partes: um longo 
recitativo em que se narra um episódio solene ou galante, e uma ária, um poema 
mais curto e ritmado, adequado para ser cantado. Logo na abertura do poema, 
Bocage presta sua homenagem a Camões colocando como epígrafe exatamente 
dois versos de Os Lusíadas (IIII, 135): “As filhas do Mondego a morte escura/ Longo 
tempo chorando memoraram” (CAMÕES, 1997, p. 110). A citação tem também 
uma função estrutural, pois a ária no fim da cantata seria os lamentos entoados 
pelas “filhas do Mondego” (neste caso, as ninfas saídas do rio que cruza Coimbra 
e corre próximo ao Paço de Santa Clara, onde morava Inês):
Toldam-se os ares,
Murcham-se as flores:
Morrei, amores,
Que Inês morreu.
Mísero esposo,
Desata o pranto,
Que o teu encanto
Já não é teu.
Sua alma pura
Nos céus se encerra:
Triste da terra
Porque a perdeu!
Contra a cruel
Raiva ferina,
Face divina
Não lhe valeu.
Tem roto o seio
Tesouro oculto;
Bárbaro insulto
Se lhe atreveu.
De dor e espanto
No carro de ouro
O Númen louro
Desfaleceu.
Aves sinistras
Aqui piaram,
Lobos uivaram,
O chão tremeu.
Toldam-se os ares,
Murcham-se as flores:
Morrei, amores,
Que Inês morreu. (BOCAGE, 1972, p. 125) 
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No poema de Bocage fica patente que a intenção do autor foi ampliar o as-
pecto lírico, inflacionando o que Camões já havia feito em sua epopeia. Por isso, 
na cantata desaparece o julgamento de Inês, sua defesa, os apelos pelos filhos 
pequenos, ou seja, as características dramáticas que os poetas iniciais haviam 
privilegiado. Aqui, Bocage está interessado na interioridade da bela Inês, em 
seus sonhos, nos seus profundos anseios e sentimentos. Os algozes surgem de 
súbito no recitativo, despertando a mulher de seu devaneio, e em completa 
mudez cumprem sua macabra tarefa: “Vós, brutos assassinos,/ No peito lhe en-
terrais os ímpios ferros./ Cai nas sombras da morte/ A vítima de amor, lavada em 
sangue” (BOCAGE, 1972, p. 123).
D. Pedro também não comparece como personagem no poema. Ele apenas 
é lembrado em seus versos pela amante e pelas ninfas. Por isso, sua dor e con-
sequente vingança também estão ausentes. Inês impera sozinha e soberana 
na cantata, e todos os figurantes servem apenas para indicar sua centralidade. 
Dessa forma, Bocage faz de Inês uma alegoria do Amor (o sentimento ideal), cuja 
existência na terra transfigura a existência humana, mas cuja própria existência 
está sempre sob a ameaça do ódio e da violência dos que representam os inte-
resses materiais e mundanos.
Inês de Castro em nossos dias
Até o século XIX, o amor desmedido,a injustiça flagrante, a saudade sem 
tréguas, o coroamento depois da morte, a perenidade do amor, o anseio pela 
eternidade etc. foram se revezando entre as ênfases que as diversas produções 
e escolas literárias dedicaram à história da rainha depois de morta. Mas, no final 
dos oitocentos, outros aspectos passaram a ser focalizados e facetas inesperadas 
surgiram de dentro de uma história que se suporia haver esgotado todas as pos-
sibilidades de surpreender.
Já havíamos dito no começo deste estudo que a formação do mito de Inês 
de Castro de certa forma lastreou a construção da identidade portuguesa, da 
autoimagem e personalidade da nacionalidade lusitana. Nesse sentido, o mito 
inesiano como que deu corpo e forma à “saudade portuguesa” e gerou atributos 
a tal sentimento identitário: esforço de vencer a morte, almejar a eternidade, 
entre outros. A partir das vanguardas do início dos novecentos, vamos assistir a 
alguns artistas procurando desconstruir o mito de Inês para de alguma maneira 
tocar, analisar e, quem saber questionar o núcleo da imagem do ser português.
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
Um dos exemplos mais bem realizados dessa possível desconstrução está 
no romance Adivinhas de Pedro e Inês (1983), da escritora portuguesa Agustina 
Bessa-Luís, nascida em 1922 e ainda viva. Trata-se de um dos talentos literários 
mais profícuos de Portugal. Sua produção – que inclui romances, peças teatrais, 
ensaios e biografias – demonstra uma instigante preocupação com aspectos his-
tóricos e sociais da cultura de seu país.
Nas Adivinhas, um narrador de estatuto bem peculiar para um romance reali-
za uma espécie de inquérito sobre a “verdade histórica” do episódio real de Inês 
de Castro. Como tal verdade se encontra vedada ao conhecimento objetivo, 
tanto pela falta de documentação e testemunhos fiéis quanto pela desconfiança 
sobre métodos e critérios da História enquanto disciplina científica, a narrativa 
vai tentando preencher as lacunas e inconsistências do relato conhecido, formu-
lando assim uma outra possibilidade de configuração da própria história.
Narrador e leitor se unem em um empreendimento ao mesmo tempo crítico e 
criativo, procurando extrair das brechas da história e do questionamento do mito 
produzido pela literatura anterior uma outra história, talvez um novo mito, capaz 
de representar mais adequadamente a sociedade presente. É assim que do livro de 
Bessa-Luís surge uma outra imagem de 
Inês: não mais a indefesa amante, alie-
nada das demandas políticas e intrigas 
palacianas, mas uma mulher arrojada, 
cuja ambição pelo poder pôs em xeque 
o status quo português: 
Era preciso destruí-la e, se possível, 
substituí-la pelo mito. [...] Ao exaltar o amor 
de Pedro e Inês nesse quadro romântico da 
obra tumular de Alcobaça, dá-se-lhe uma 
satisfação simbólica, tornando-o assim 
inofensivo para a sociedade. (BESSA-LUÍS, 
1983, p. 158)
Dessa forma, a historiografia oficial 
e o mito primevo estariam mancomu-
nados no mesmo sentido de reduzir 
a personagem real de Inês à de uma 
moça gentil e indefesa, apontando 
assim para o papel social que as mu-
lheres portuguesas deveriam aceitar e 
imitar na patriarcal sociedade lusitana. 
Quanta diferença, não?
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O túmulo de Inês de Castro.
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Inês de Castro na Literatura Portuguesa
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Já 20 anos antes da publicação de Adivinhas, o escritor Herberto Helder lan-
çava um livro de contos intitulado Os Passos em Volta (1963). Nele, o conto “Te-
orema” retomava nossa conhecida história sob um prisma ainda mais inusita-
do. Herberto Helder, nascido em Funchal, Ilha da Madeira, em 1930, é um dos 
mais celebrados poetas vivos em Portugal, dono de uma escrita hermética e ao 
mesmo tempo desafiadora. Em “Teorema”, o protagonista (personagem princi-
pal) e narrador é Pero Coelho, um dos assassinos de Inês. A ação decorre duran-
te a execução de Pero Coelho, a qual assume os aspectos de uma missa negra. 
Quando o rei Pedro I devora o coração do condenado, este passa a existir dentro 
do monarca: “Irei crescendo na minha morte, irei crescendo dentro do rei que 
comeu o meu coração.” (HELDER, 1975, p. 121)
Na verdade, ao contrário da descrição feita pela tradição, não há ódio entre 
os dois e seus atos parecem constituir um ritual religioso. O próprio executado 
assim explica a fantástica situação em que se encontrava:
Fui condenado por ser um dos assassinos da sua amante favorita, D. Inês. Alguém quis defender-
-me, dizendo que eu era um patriota. Que desejava salvar o Reino da influência espanhola. 
Tolice. Não me interessa o Reino. Matei-a para salvar o amor do rei. D. Pedro sabe-o. (HELDER, 
1975, p. 117-118) 
A lógica de Pero Coelho é implacável: caso ele não tivesse cometido aquele 
horrendo assassinato, todos os envolvidos seriam inevitavelmente esquecidos 
e o sublime amor de Pedro e Inês da mesma forma submergiria no silêncio. Do 
modo como aconteceu, os participantes daquela tragédia seriam imortalizados 
e, por meio da literatura, suas vidas poderiam ser oferecidas a cada era como 
alimento eucarístico: “O povo só terá de receber-nos como alimento, de geração 
em geração” (HELDER, 1975, p. 121), da mesma forma que Pedro comia o coração 
do narrador assassino.
No fim das contas, a verdadeira heroína da história é a poesia, sendo que os 
desfechos trágicos ou desditosos são apenas motivações para que a palavra po-
ética possa exercer o seu papel de eternizar tudo aquilo que toca. 
O fato é que Inês de Castro hoje designa um volumoso conjunto de textos 
que trata das temáticas do amor, da morte, da saudade, da identidade portugue-
sa, do mito, da mulher, entre outros, contando com grandes nomes da literatura 
portuguesa e de outras literaturas e artes que têm como referência a tradição 
europeia. Fica, portanto, o convite àqueles que se sensibilizaram com o episó-
dio da que foi rainha depois de morta, e com as possibilidades críticas que sua 
releitura ou reescritura ainda permite, que leiam na íntegra os textos que foram 
analisados e procurem os outros muitos autores que se aventuram nesse tema.
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Como foi trasladada Dona Ignez para o mosteiro 
de Alcobaça, e da morte del rei Dom Pedro 
(LOPES, 2009. Adaptado)
Porque semelhante amor, qual el-rei Dom Pedro houve a Dona Inês, rara-
mente é achado em alguma pessoa, porém disseram os antigos que nenhum 
é tão verdadeiramente achado, como aquele cuja morte não tira da memória 
o grande espaço do tempo. E se algum disser que muitos foram já, que tanto 
e mais que ele amaram, assim como Adriana, e Dido, e outras que não nomea-
mos, segundo se lê em suas epístolas, responde-se que não falamos em amores 
compostos, os quais alguns autores abastados de eloquência, e florescentes em 
bem ditar, ordenaram segundo lhes prouve, dizendo em nome de tais pessoas 
razões que nunca nenhuma delas cuidou; mas falamos daqueles amores que se 
contam e leem nas histórias, que seu fundamento têm sobre verdade.
Esse verdadeiro amor houve el-rei Dom Pedro a Dona Inês, como se dela 
namorou sendo casado e ainda infante, de guisa que, pero dela no começo 
perdesse vista e fala, sendo alongado, como ouvistes, que é o principal azo 
de se perder o amor, nunca cessava de lhe enviar recados, como em seu 
lugar tendes ouvido. Quanto depois trabalhou pela haver, e o que fez por 
sua morte, e quais justiças naqueles que nela foram culpados, indo contra 
seu juramento, bem é testemunho do que nós dizemos.
E sendo lembrado de lhe honrar seus ossos, pois lhe já mais fazer não 
podia, mandou fazer um moimento de alva pedra, todo mui sutilmente 
obrado,pondo elevada sobre a campa de cima a imagem dela, com coroa 
na cabeça, como se fora rainha. E este moimento mandou pôr no mosteiro 
de Alcobaça, não à entrada, onde jazem os reis, mas dentro na igreja, à mão 
direita, cerca da capela-mor.
E fez trazer o seu corpo do mosteiro de Santa Clara de Coimbra, onde 
jazia, o mais honradamente que se fazer pode, cá ela vinha em umas andas, 
Texto complementar
No último capítulo da Chronica de el-rei D. Pedro I, Fernão Lopes descreve a 
cerimônia de translado dos restos mortais de Inês de Castro e o fim do reinado 
do rei D. Pedro.
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Inês de Castro na Literatura Portuguesa
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muito bem corrigidas para tal tempo, as quais traziam grandes cavaleiros, 
acompanhadas de grandes fidalgos, e muita outra gente, e donas, e donze-
las e muita clerezia.
Pelo caminho estavam muitos homens com círios nas mãos, de tal guisa orde-
nados, que sempre o seu corpo foi, por todo o caminho, por entre círios acesos; e 
assim chegaram até ao dito mosteiro, que eram dali 17 léguas, onde com muitas 
missas e grande solenidade foi posto seu corpo naquele moimento. E foi esta a 
mais honrada trasladação que até aquele tempo em Portugal fora vista.
Semelhavelmente mandou el-rei fazer outro tal moimento, e também 
obrado, para si, e fê-lo pôr cerca do seu dela, para quando acontecesse de 
morrer o deitarem nele.
E estando el-rei em Estremoz, adoeceu de sua postremeira dor, e jazen-
do doente, lembrou-se como, depois da morte de Álvaro Gonçalves e Pero 
Coelho, ele fora certo que Diogo Lopes Pacheco não fora em culpa da morte 
de Dona Inês, e perdoou-lhe todo queixume que dele havia, e mandou que 
lhe entregassem todos seus bens: e assim o fez depois el-rei Dom Fernando, 
seu filho, que lhos mandou entregar todos, e lhe alçou a sentença, que el-rei 
seu padre contra ele passara, quanto com direito pode.
E mandou el-rei em seu testamento, que lhe tivessem em cada um ano, 
para sempre, no dito mosteiro, seis capelães que cantassem por ele cada dia 
uma missa oficiada, e saírem sobre ela com cruz e água benta. E el-rei Dom 
Fernando, seu filho, por se isto melhor cumprir, e se cantarem as ditas missas, 
deu depois ao dito mosteiro, em doação por sempre, o lugar que chamam as 
Paredes, termo de Leiria, com todas as rendas e senhorio que nele havia.
E deixou el-rei Dom Pedro, em seu testamento, certos legados, a saber: à 
infante Dona Beatriz, sua filha, para casamento, cem mil libras; e ao infante 
Dom João, seu filho, vinte mil libras; e ao infante Dom Diniz, outras vinte mil; 
e assim a outras pessoas.
E morreu el-rei Dom Pedro uma segunda-feira de madrugada, 18 dias de 
janeiro da era de 1405 anos, havendo dez anos e sete meses e vinte dias, que 
reinava, e 47 anos e nove meses e oito dias de sua idade. E mandou-se levar 
àquele mosteiro que dissemos, e lançar em seu moimento, que está junto 
com o de Dona Ignez.
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
E porquanto o infante Dom Fernando, seu primogênito filho, não era 
então aí, foi el-rei detido e não levado logo, até que o infante veio; e à quarta-
-feira foi posto no moimento.
E diziam as gentes, que tais dez anos nunca houve em Portugal, como 
estes que reinara el-rei Dom Pedro.
Dicas de estudo
Para que o estudante possa completar as informações sobre a apropriação da 
história de Inês de Castro pela literatura e outras artes, sugerimos duas obras.
Sobre a literatura portuguesa:
SOUSA, Maria Leonor Machado de. Inês de Castro na Literatura Portuguesa. 
Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1984.
Sobre a literatura europeia:
SOUSA, Maria Leonor Machado de. Inês de Castro: um tema português na 
Europa. Lisboa: Edições 70, 1987.
Estudos literários
1. Por trás da execução de Inês de Castro, pode-se detectar várias possíveis “ra-
zões de Estado” que teriam levado o rei Afonso IV a se decidir pela morte da 
dama galega. Comente as principais.
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Inês de Castro na Literatura Portuguesa
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2. De que forma o mito de Inês de Castro ajudou a construir a identidade por-
tuguesa?
3. Além da grande qualidade artística do episódio de Inês de Castro em Os Lu-
síadas, de Camões, qual o papel que seus versos exerceram na literatura por-
tuguesa e na cultura ocidental?
 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
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O império português
Origens do império ultramarino português 
As tropas cristãs finalmente chegaram a Ourique. Era noite. Acamparam 
e tentaram descansar. Sabiam que iriam enfrentar um grande contingente 
de mouros na manhã seguinte, mouros que tinham vindo de Sevilha e de 
Badajoz, juntando-se aos que já ali estavam, oriundos de Évora, de Beja, 
de Elvas.
As armas estavam todas preparadas: lanças, alfanges, adagas, todas de-
vidamente afiadas. Os cavalos dos mouros estavam descansados e bem 
alimentados. Já os cavalos das tropas portuguesas estavam exaustos, 
assim como exaustos estavam os próprios soldados de Cristo e entre eles, 
seu líder, Afonso Henriques. Este, circunspeto, afastado de seus soldados, 
rezava para que tudo corresse bem no dia seguinte, ainda que soubesse de 
sua flagrante inferioridade numérica. Foi quando lhe apareceu um velho 
com barba e cabelos brancos. Sem entender de onde surgira aquela figura, 
Afonso Henriques perguntou-lhe:
— Quem tu és?
— Venho da parte de Jesus Cristo Nosso Senhor. Quando ouvires tocar 
os sinos da ermida onde vivo, deves sair do acampamento sozinho. 
Dito isso, o velho desapareceu como por encanto.
Nas primeiras luzes do amanhecer, Afonso Henriques ouviu sinos toca-
rem e, como o velho mandara, saiu sem testemunhas do acampamento. 
Só, em meio à mata, teve uma esplêndida visão. Surgiu-lhe a figura de 
Cristo, rodeado de nuvens e anjos. 
— Afonso, meu filho – disse Cristo –, confia em tua vitória amanhã. Ex-
pulsa o infiel e leva alegria ao nosso povo. Amanhã, Afonso, serás rei.
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
Em seguida, a visão se desfez no ar. Logo se seguiu a terrível batalha e a pe-
quena tropa de Afonso Henriques venceu de forma inacreditável um imenso 
exército de mouros.
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O Milagre de Ourique, 1793. Domingos Sequeira.
Eis um dos mitos de origem de Portugal. A batalha acima descrita marca o 
nascimento daquele novo reino. É evidente que o único aspecto historicamente 
plausível é a vitória do rei Afonso Henriques. O restante, por sinal, passou a ser 
integrado à narrativa da batalha, em várias versões diferentes, apenas no século 
XIV. Todavia, hoje integra o imaginário acerca da origem de Portugal.
Vencida a batalha de Ourique contra os mouros em 1139, é somente com o 
Tratado de Zamora, em 1143, que se pode falar em reino de Portugal. Assim, o 
reino português surge no século XII, tendo Afonso Henriques (1109-1185) por 
seu primeiro rei. 
Afonso era filho de Henrique de Borgonha (1066-1112), que ajudara Afonso 
VI (1039-1109), rei de Leão e Castela, a conquistar a Galícia. Em gratidão, o rei 
deu ao pai de Afonso Henriques o Condado Portucalense (que correspondia 
mais ou menos ao que hoje é o norte de Portugal) com a condição de lhe pres-
tar vassalagem – isto é, fidelidade e tributos previstos no sistema feudal. Além 
disso, também lhe ofereceu em casamento D. Tareja de Leão (1080-1130), sua 
filha ilegítima.
O Condado Portucalense prestou vassalagem a D. Afonso VI até a morte de 
Henriquede Borgonha. Depois disso, seu filho Afonso Henriques decidiu opor-se 
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O império português
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à sua mãe D. Tareja e fazer-se rei. Tornou o condado um reino independente de 
Leão e Castela e continuou a combater os mouros, que ainda ocupavam boa 
parte da Península Ibérica. A batalha de Ourique, acima descrita misticamente, 
ocorreu em meio a esse processo. Após ser fundado o reino de Portugal, ainda 
aconteceram muitas batalhas contra os mouros, sendo que os portugueses con-
quistaram o que hoje é o sul do país só no século seguinte. 
Quanto ao nome Portugal, vale lembrar que Portucale era o nome da provín-
cia romana fundada onde hoje é a cidade do Porto. O nome de Condado Por-
tucalense só surgiu no século IX e a designação Portugal, como vimos, com a 
fundação do reino. Em meados do século XIII, portanto, a unidade territorial por-
tuguesa já estava definida. Foi nesse momento que começou a se dar na Europa 
a passagem da sociedade medieval para o Estado moderno, isto é, a centraliza-
ção do poder em torno da figura do rei e o esvaziamento do poder da nobreza, 
dos senhores feudais e do clero. Portugal é considerado por muitos historiadores 
como o primeiro Estado moderno da Europa – o que vale dizer que é o primeiro 
Estado moderno.
Ainda no século XIII, vale destacar a ação do rei D. Dinis (1261-1325) que, 
além de ser um grande trovador, criou a Universidade de Coimbra, primeira ins-
tituição dessa natureza em Portugal, e decretou o português como língua oficial 
dos documentos do reino. Lembremos que até ali as línguas empregadas em 
Portugal eram o português (ou proto-português, como querem alguns), o latim, 
o galego-português, o moçárabe-lusitano e o árabe hispânico, sendo o latim a 
língua oficial dos documentos. O que D. Dinis fez foi, portanto, institucionalizar 
formal e politicamente a língua portuguesa. Além disso, tomou diversas medi-
das de cunho administrativo e econômico que muito beneficiaram o reino. 
A dinastia de Afonso Henriques, a de Borgonha, é apenas a primeira daquele 
reino, extinguindo-se em 1385, após um golpe de Estado contra o reinado de 
Beatriz de Portugal (1372-1410). 
A nova dinastia, a de Avis, patrocinou os grandes descobrimentos. O pri-
meiro rei da nova dinastia, D. João (1357-1433), governou de 1385 a 1433 e 
promoveu a descoberta das ilhas de Porto Santo, Madeira e Açores, passando 
a colonizar estas duas últimas. Promoveu ainda viagens para as Ilhas Canárias 
e foi sob seu reinado que os portugueses tomam Ceuta (1415), sua primeira 
possessão africana. 
O rei seguinte, D. Duarte (1391-1438), esteve no trono apenas de 1433 a 
1438. Foi autor de textos famosos da Literatura Portuguesa, como “A arte de 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
bem cavalgar toda a cela” e “O leal conselheiro”, e também investiu na expansão 
marítima, em especial na costa africana. 
É desse período a suposta Escola de Sagres, que desenvolvera técnicas sofis-
ticadas de navegação. Todavia, a tal escola de fato não existiu com esse nome. 
O infante D. Henrique (1394-1460), irmão de D. Duarte, instalou-se em Sagres 
quando retornou da conquista de Ceuta e ali reuniu um grupo de especialistas 
ligados à navegação e criou o que então se designava de Tercena Naval, isto é, 
um arsenal de marinha, que mais tarde na historiografia recebeu o codinome de 
Escola de Sagres. 
Os reis D. Afonso V (1432-1481) e D. João II (1455-1495) deram continuidade 
à política de expansão marítima e à colonização. Merece destaque D. João II, 
que governou de 1481 a 1495, pois entre seus navegadores está, por exemplo, 
Bartolomeu Dias (1450-1500), que percorreu toda a costa atlântica africana e 
conseguiu dobrar o Cabo da Boa-Esperança, chegando até o Oceano Índico. 
Foi isso que possibilitou a Vasco da Gama (1469-1524), já sob o reino de D. 
Manuel (1495-1521), chegar até Goa, na costa indiana, em 1498. Foram os go-
vernos de D. Manuel e de D. João III (1502-1557) que viveram o apogeu do 
período dos descobrimentos. 
O apogeu do império no século XV e XVI
Com D. Manuel, o comércio português na costa da África e da Ásia cresceu 
vertiginosamente. Sendo os primeiros a conseguirem negociar com os reinos 
do Oriente sem ter que pagar o alto custo da rota por terra através do Oriente 
Médio, e podendo transportar muita mercadoria com baixo custo por conta dos 
avanços da engenharia de navegação, no início do século XVI os portugueses 
se transformaram nos grandes fornecedores de especiarias e produtos orientais 
para a Europa. Nessa altura, o Brasil não era nada atrativo, pois apenas iniciava o 
ciclo do pau-brasil. 
A corte de D. Manuel foi rica e suntuosa. Com a contratação de artistas euro-
peus de várias modalidades, chegou a se criar um estilo arquitetônico que levou 
o nome do rei: o estilo manuelino, espécie de gótico em que predominam os 
motivos náuticos e marítimos. 
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O império português
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 Fachada do mosteiro dos Jerônimos.
O ápice dessa suntuosidade foi a embaixada que se enviou ao papa Leão X 
(1475-1521), com presentes de toda a sorte como, por exemplo, um elefante 
amestrado e um rinoceronte indiano. 
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O rinoceronte conforme gravura da época.
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
Também a corte de seu filho D. João III foi bastante luxuosa e cultivou forte-
mente as artes. Destaca-se pela presença de vários escritores, a começar pelo 
dramaturgo Gil Vicente (1465-1536), que representou sua primeira peça, Auto 
da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro, em 1502, no quarto da rainha Maria de 
Aragão (1482-1517), quando do nascimento do seu primogênito D. João. Como 
o reinado de D. João III foi de 1521 a 1557, dele participaram Garcia de Resende 
(1470?-1536), Sá de Miranda (1481-1558), Bernardim Ribeiro (1482?-1552?), João 
de Barros (1496-1570), Luis Vaz de Camões (1524-1580), entre diversos outros 
escritores hoje canônicos da Literatura Portuguesa. 
É importante lembrar que, nas artes e nas ciências, esse foi o momento do 
Renascimento. A vida e o conhecimento começavam a se laicizar, isto é, começa-
vam a deixar de se pautar exclusivamente pelo calendário e os saberes religiosos, 
passando a se orientar por atividades não rituais e conhecimentos pragmáticos, 
que hoje chamamos de conhecimentos de base científica. Segundo os historiado-
res da literatura António José Saraiva e Oscar Lopes:
O desenvolvimento do capitalismo comercial e de toda uma cultura ligada à sua experiência põe 
em causa a síntese doutrinária lentamente elaborada pelo clero das universidades nos séculos 
imediatamente anteriores, e um dos efeitos dessa situação é o alargamento da curiosidade 
a outros aspectos do patrimônio cultural antigo em que, contrariamente à Escolástica, se 
dignificassem as atividades civis, o saber prático ou especulativo sem diretrizes teológicas, o 
lucro e a operosidade mercantil, a inteligência e até o corpo humano, a vida terrena. Pouco a 
pouco o esquema teológico da Criação, Queda e Redenção serve de modelo a este outro: Luzes 
greco-romanas, Trevas “góticas” e monacais, Renascer da cultura antiga. Daqui a designação 
de Renascimento, que aliás só mais tarde se começou a usar explicitamente em relação ao 
Quattrocento (séc. XV italiano) e a uma parte (cuja marcação é problemática) do século XVI 
europeu. (SARAIVA; LOPES, 1979, p. 175)
É verdade que, antes do Renascimento, convencionou-se considerar o perío-
do de Gil Vicente como o do Humanismo, que seria a base do movimento renas-
centista, pois caracterizava-se pela importância dada aoconhecimento empíri-
co e à experiência no processo de conhecimento da realidade, fundamentado 
na crença de que haveria um conjunto de valores morais e estéticos universais 
que seriam válidos para todo ser humano e estariam tanto nas Escrituras e nos 
dogmas da Igreja quanto na cultura profana da Antiguidade. Na prática, estava-
se legitimando e reintroduzindo na ordem do dia o pensamento greco-romano 
de verve não escolástica (um pensamento não teocrático, com outras bases que 
não os dogmas do cristianismo), possibilitando assim o Renascimento. Esse novo 
repertório clássico chegou ao conhecimento dos europeus a partir da tradução 
de textos árabes que eram, por sua vez, traduções de textos clássicos gregos até 
então desconhecidos na Europa. 
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O império português
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A crônica real e os relatos de viagem
Um dos aspectos interessantes da produção literária desse momento é a crô-
nica escrita sobre os reis e os relatos das viagens dos navegantes portugueses. 
Há uma grande massa de textos que retratam de diversos modos e perspecti-
vas o período dos descobrimentos. Entre diversos outros, podemos citar como 
exemplos:
O Diário d � e Vasco da Gama; 
Cartas � , de Afonso de Albuquerque (1445-1515);
Livro que Dá Relação do que Viu e Ouviu no Oriente � ..., de Duarte Barbosa 
(1492-1521);
Lendas da Índia � , de Gaspar Correia (c.1500-c.1561);
Décadas da Ásia, � de João de Barros;
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses � , de Fer-
não Lopes de Castanheda (1500-1559);
Peregrinação � , de Fernão Mendes Pinto (1509-1583);
Cartas � , do mesmo autor;
Crônica do Príncipe D. João � , de Damião de Góis (1502-1574);
Comentário da Gesta Portugu � esa, de Diogo de Teive (1514?-?).
Apenas pelos títulos dessas obras já podemos constatar que o foco prin-
cipal do período das descobertas estava na Ásia: era a relação comercial e 
marítimo-militar com o Oriente que caracterizou as narrativas elaboradas nas 
cortes de D. Manuel e de D. João III. E isso não aconteceu só com as narrativas, já 
que, como sabemos, Os Lusíadas, obra maior do período, é um poema épico que 
aborda o mesmo tema dos textos acima, centrado na descoberta, por Vasco da 
Gama, do caminho marítimo para as Índias.
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
Os Lusíadas e a perenidade do império
O poema épico Os Lusíadas foi publicado em 1572, oito anos antes de seu autor, 
Luís Vaz de Camões, morrer. Camões havia viajado por toda o Oriente, passado 
pelo Cabo das Tormentas no extremo sul da África, estado em Moçambique, em 
Goa, em Macau, e presenciado toda sorte de riqueza e de miséria. Em meio a essa 
longa viagem, que durou cerca de 14 anos, escreveu seu poema épico no intuito 
de enaltecer as descobertas portuguesas, mas também com a intenção de con-
seguir algum benefício real que lhe auxiliasse na velhice, pois, apesar de fidalgo, 
provinha de uma família sem bens. Segundo alguns historiadores, ele conseguiu 
uma pensão real que não era das mais altas. Morre muito pobre, em 1580.
O seu livro narra em dez cantos, em versos decassílabos heroicos (versos de 
dez sílabas em que o acento recai na sexta e na décima), a viagem da descober-
ta do caminho marítimo para o Oriente realizada por Vasco da Gama. Além da 
viagem do navegador, os versos de Camões narram a origem do reino português 
como, por exemplo, a batalha de Ourique anteriormente descrita:
A matutina luz, serena e fria,
As Estrelas do Polo já apartava,
Quando na Cruz o Filho de Maria,
Amostrando-se a Afonso, o animava.
Ele, adorando Quem lhe aparecia,
Na Fé todo inflamado assi gritava:
- “Aos Infiéis, Senhor, aos Infiéis,
E não a mi, que creio o que podeis!”
Com tal milagre os ânimos da gente
Portuguesa inflamados, levantavam
Por seu Rei natural este excelente
Príncipe, que do peito tanto amavam;
E diante do exército potente
Dos imigos, gritando, o céu tocavam,
Dizendo em alta voz: - “Real, real,
Por Afonso, alto Rei de Portugal!” (CAMÕES, 1997, p. 88)
Camões também enaltece o surgimento da dinastia de Avis e depois todos os 
governadores da Índia Portuguesa. Enfim, o poema é um longo louvor a todas as 
descobertas e feitos marítimos portugueses. 
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O império português
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Camões perdeu o olho direito lutando em Marrocos.
Em outro nível da narrativa, divino e alegórico, há um concílio de deuses 
em que é discutido o direito de os portugueses alcançarem ou não os seus 
objetivos. Nessa disputa, temos de um lado Netuno (deus dos mares) e Baco 
(deus do vinho e da orgia) e, de outro, Júpiter (pai dos deuses), Vênus (deusa 
do amor) e Marte (deus da guerra), sendo os primeiros contra os portugueses 
e os últimos, aqueles que os protegem. Alegoricamente, os portugueses estão 
protegidos no amor e na guerra, além da predestinação da glória dada pelo 
próprio deus dos deuses, tendo por oposição apenas a fúria dos mares, o des-
regramento e a indisciplina. 
Além disso, na contramão de todos esses elogios há uma preocupação com 
o perigo que as descobertas representavam para o povo português, que seria 
movido por uma ganância desmedida. Tal crítica à empreitada marítima dos 
portugueses aparece na voz de um ancião, o Velho do Restelo, que ao ver os 
navios da frota de Gama partirem prevê para a pátria um futuro perigoso. 
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Cultura e Memória na Literatura Portuguesa
O Velho do Restelo será sempre retomado na história cultural portuguesa, 
uma vez que o perigo por ele previsto se realizou e a glória do império marítimo 
acabou quase concomitantemente à publicação de Os Lusíadas em 1578, seis 
anos depois de o livro ser impresso, morria o jovem D. Sebastião, então rei de 
Portugal, a quem toda a epopeia tinha sido dedicada. Sem haver herdeiro direto 
e por causa de acordos aristocráticos, a coroa portuguesa acabou nas mãos do 
rei Felipe II, da Espanha. Assim, Portugal perdeu sua autonomia política, o que 
perdurou até 1640, quando um novo arranjo fez com que a coroa voltasse às 
mãos dos portugueses, já sob o reinado de uma nova dinastia – a de Bragança. 
O império luso-brasileiro
Depois desse episódio que pôs fim à proeminência de Portugal em relação ao 
restante dos reinos europeus, o período que se seguiu não teve mais a mesma 
pujança, mas ainda permitiu à corte portuguesa viver com alguma suntuosida-
de. O Brasil foi a fonte de suas grandes riquezas, em especial no século XVIII. 
Ao ciclo do pau-brasil, que começara já no século XVI, seguiu-se o longo ciclo 
da cana-de-açúcar, também iniciado no século XVI e perdurando até o XVIII. Mas, 
o período mais rico foi o do ciclo do ouro, ou o ciclo da mineração, no século 
XVIII, permitindo à corte portuguesa novas extravagâncias. 
Há que se lembrar, entretanto, que na colônia brasileira houve marcante pre-
sença dos jesuítas, que cumpriram forte papel social e cultural. Hoje, quando se 
estuda a literatura colonial brasileira, são incontornáveis as figuras dos padres 
Manuel da Nóbrega (1517-1570), José de Anchieta (1534-1597) e Antônio Vieira 
(1608-1697), para ficar apenas entre os mais famosos.
Na contramão dessa literatura religiosa, temos Gregório de Matos (1636-1696), 
o Boca do Inferno, que assim retratava, por exemplo, a Igreja da Sé, em Salvador:
A nossa Sé da Bahia, 
com ser um mapa de festas,
é um presépio de bestas, 
se não for estrebaria: 
várias bestas cada dia 
vemos, que o sino congrega, 
Caveira mula galega, 
o Deão burrinha parda, 
Pereira besta de albarda, 
tudo para a Sé se agrega. (GUERRA, 1995, p. 220)
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