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História Libidinosa de Portugal- Joaquim Vieira

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Ficha Técnica 
Título original: História Libidinosa de Portugal 
Autor: Joaquim Vieira 
Capa: Rui Rosa 
Revisão: Pedro Prostes da Fonseca 
ISBN: 9789896607128 
 
OFICINA DO LIVRO 
Uma editora do grupo LeYa 
Rua Cidade de Córdova, n.º 2 
2610-038 Alfragide – Portugal 
Tel. (+351) 21 427 22 00 
Fax. (+351) 21 427 22 01 
 
© 2019, Joaquim Vieira 
e Oficina do Livro – Sociedade Editorial, Lda. 
Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor 
www.oficinadolivro.leya.com 
www.leya.com
http://www.oficinadolivro.leya.com/
http://www.leya.com/
Joaquim Vieira 
História Libidinosa 
de Portugal 
Sexo e poder, da fundação aos nossos dias 
INTRODUÇÃO: 
O SEXO TAMBÉM FAZ GIRAR O MUNDO 
 
 
 
 
«Foi esta afeição de ambos tão grande, que tudo o que se depois
seguiu […] de aqui houve seu primeiro começo. […] Usando o
Conde [Andeiro] já há tempos daquela grande maldade […],
dormindo com a mulher do seu Senhor, […] não soou isto assim
tão ligeiramente nas orelhas dos grandes senhores e fidalgos que
lhes não gerasse grande e assinalado desejo de vingar a desonra
del Rei dom Fernando.» 
Fernão Lopes, Crónica de El-Rei Dom Fernando 
e Crónica de El-Rei Dom João I, sobre o episódio na 
origem da II Dinastia, a dos Descobrimentos 
 
 
Cuida este livro da influência do sexo na História de Portugal. Poderá o
leitor desprevenido achar o tema especulativo ou mesmo sensacionalista,
mas o assunto é mais sério do que à primeira vista se pensará, como
concluí ao efetuar uma retrospetiva histórica do nosso país para um outro
livro publicado há escassos anos. Retive a ideia e expu-la mais tarde ao
Francisco Camacho, editor da LeYa, que a levou para a Oficina do Livro,
pelo que muito grato lhe fico pela sua adoção, nestas páginas
concretizada. 
Os laços de sangue são particularmente relevantes em monarquia,
regime em que Portugal viveu quase oito séculos – o equivalente a 85 por
cento da duração da nossa história – e ao qual reis e rainhas têm por
obrigação fornecer filhos legítimos e capacitados para usar a coroa.
Contudo, numa sociedade patriarcal, onde um homem, nobre, além do
mais, e depois, muitas vezes, monarca (ou aspirante a sê-lo), podia dispor
de mulheres a seu bel-prazer, proliferavam herdeiros tanto dentro como
fora do casamento, que complicavam as contas à sucessão. Daí advieram
ambições, invejas, conflitos, assassínios, guerras civis e até combates
entre nações que contribuíram para definir o país que somos hoje. Na
tormenta, foram envolvidas vastas tropas mandadas lutar pelas partes em
confronto, com um saldo de muitas vítimas (tanto militares como civis), as
quais nem sequer tinham opinião sobre as disputas em causa, muito menos
convicção para combater por elas. Para já não falar dos extraordinários
custos que tudo isso acarretou para o erário. 
E situações houve em que a própria existência de Portugal esteve em
risco, sendo o país salvo apenas porque, in illo tempore, o sexo
extravasou, providencialmente, para lá dos limites matrimoniais. Pelo
meio, houve também práticas incestuosas e pedófilas, porque as razões de
Estado assim aconselhavam e deviam ser obedecidas. 
Com o advento da República, a contribuição da libido para o curso da
História deixou de ser determinante, mas mesmo assim houve, por parte
de alguns detentores do poder, episódios de atração sexual menos
conformes às normas sociais dominantes, e por isso dignos de registo,
tanto mais que, em certas circunstâncias, poderão ter tido implicações nos
negócios públicos. 
O que aqui se descreve é pois uma panorâmica global da nossa história
sob o ponto de vista lúbrico, dos muitos momentos em que amor e sexo se
confundiram com os assuntos de Estado, ou, não se misturando, daí
podendo na mesma ter havido consequências para a comunidade. Que as
houve quase sempre, como poderá o leitor verificar. 
Dado tratar-se sobretudo de um trabalho de síntese e divulgação, não se
indicarão notas de rodapé, mas no fim apresentar-se-á a bibliografia que
serviu de base ao volume, acrescentada de outras sugestões para quem
quiser saber mais. 
PARTE 1 
FUNDANDO UMA NAÇÃO 
UM PAÍS NASCIDO DE BASTARDIA 
Ainda estava Portugal no ovo e já a voluptuosidade dominava os
acontecimentos que lhe dariam origem. É que o país nasceu da concessão,
pelo rei Afonso VI de Castela e Leão, do Condado Portucalense à sua filha
bastarda D. Teresa – a mais nova das duas raparigas que, entre 1078 e
1080, gerou da sua amante Ximena Muñoz, entre o primeiro e o segundo
dos cinco casamentos do monarca – e ao seu marido, D. Henrique, um
nobre oriundo da Borgonha (França). Afonso VI não tivera filhos do
primeiro casamento, pelo que não hesitou em reconhecer as duas bastardas
e atribuir-lhes estatuto e tratamento régio, como aliás era costume, na
Idade Média, os reis fazerem com muita da sua descendência dita
ilegítima. 
O bispo Pelágio, de Oviedo, tratou de registar que D. Ximena Muñoz
era «nobilíssima» e «descendente da realeza», concedendo por isso a
Afonso VI a tranquilizadora caução da Igreja Católica – a religião tutelar
dos reinos cristãos da Europa, cuja dogmática fazia lei – quanto aos
privilégios concedidos a ambas as suas filhas naturais. 
O Condado Portucalense – região do litoral ocidental da Península
Ibérica situada, grosso modo, entre os rios Lima e Vouga (depois alargada
a entre o Minho e o Mondego), pertencente aos domínios de Leão e
Castela – foi o dote de casamento de D. Teresa e D. Henrique, celebrado
em 1096. Mas a doação consistiu também no reconhecimento dos êxitos
militares conseguidos pelo borgonhês ao lado de Afonso VI em batalhas
contra os mouros que então ocupavam ainda a metade meridional da
Península – e daí a elevação simultânea do genro real ao título de conde
(combater as forças islâmicas, dentro do espírito das Cruzadas que
estavam então no início, era aliás o pretexto para a presença de D.
Henrique em paragens tão afastadas da sua terra natal). 
Como filha bastarda, e para mais mulher, D. Teresa teria escassas
probabilidades de suceder ao pai no trono de Castela e Leão, pelo que a
concessão do Condado Portucalense era a prova material possível do afeto
que o rei tinha por ela. Talvez Afonso VI tenha previsto que o seu único
descendente varão chegado à adolescência, Sancho Alfónsez, apesar de –
ao que tudo indica – também bastardo, filho de uma amante, Zaida, que se
presume árabe e que terá sido convertida ao cristianismo com o nome
Isabel, pudesse herdar-lhe a coroa, para o que o legitimou como filho
(havendo até quem garanta que o monarca acabou por casar com a
concubina). Mas o rapaz morreu pelos 15 anos na batalha de Uclés (1108),
na qual os almorávidas derrotaram os cristãos, e ao rei apenas restou a
hipótese de deixar o trono à mais velha das suas filhas legítimas, D.
Urraca, que se casara primeiro com outro nobre da Borgonha, D.
Raimundo (primo de D. Henrique), e, depois de enviuvar, com o rei
Afonso I de Aragão. 
Da sua parte, já depois da morte do marido, D. Teresa não deixou os
seus créditos por mãos alheias, revindicando, à frente do Condado
Portucalense (que antes de ser concedido a D. Henrique estivera sob a
alçada de D. Raimundo, juntamente com a Galiza) o estatuto de rainha (e
o respetivo reconhecimento papal) com o qual assinaria os documentos
oficiais. Mas seria o seu filho, D. Afonso Henriques, a transformar o
condado em reino de Portugal e proclamar-se seu primeiro soberano – um
Estado que nunca existiria não fora a atividade extramatrimonial do avô
materno. 
Afonso VI 
© Alamy/Fotobanco
DE QUEM ERA 
FILHO D. AFONSO HENRIQUES? 
De D. Afonso Henriques sabe-se que nasceu em 1109, segundo alguns
em Guimarães, para outros em Viseu, que seria o quinto dos seis filhos de
D. Henrique e de D. Teresa (e seu segundo varão, tendo o primeiro
morrido na infância) e que tinha apenas 2 anos quando o conde borgonhês
morreu, em Astorga (Leão), em maio de 1112. 
Mas a autenticidade da sua filiação sempre foi um mistério nunca
resolvido. Está por confirmar, na verdade, se o primeiro rei de Portugal foi
defacto gerado por D. Henrique e D. Teresa, posto que o bebé, quase
desde o nascimento, ficou longe da vista de ambos, sendo criado por Egas
Moniz de Ribadouro, um dos mais ilustres nobres do Condado
Portucalense. Nos tempos medievais, era prática usual os soberanos
entregarem recém-nascidos a famílias aristocratas para garantir a sua
formação (mais ainda se a criança fosse bastarda). Mas espanta a avidez
com que D. Egas Moniz quis apropriar-se do infante, pelo que descreveu
mais tarde o cronista João Soares Coelho, seu trineto (em Crónica de
Portugal de 1419), referindo-se ao nascimento de D. Afonso Henriques
(texto adaptado ao português moderno): «Depois de o conde D. Henrique
casar com a sua mulher dona Teresa, […] ela emprenhou de um filho. E,
estando prenha, D. Egas Moniz, que com ele viera da sua terra e a quem
ele fizera muitas mercês, foi ter com ele e disse: “Senhor, peço-vos por
favor que qualquer coisa que vossa mulher, a rainha dona Teresa, parir,
seja homem ou mulher, mo deis e eu o criarei”. E o conde outorgou-lho.» 
A narrativa sofre de uma incongruência, porque o autor parece ignorar
que D. Afonso Henriques não seria o primeiro filho do casal. Maior
contradição virá a seguir, depois de Soares Coelho garantir que o bebé
teria nascido com as pernas subdesenvolvidas: «Quando D. Egas Moniz
soube que a rainha parira, cavalgou muito rápido até Guimarães, onde
estava o conde, e pediu-lhe por favor que lhe desse o filho que lhe nascera
para o ter de criar, como lhe prometera, e o conde disse-lhe que não
assumisse tal encargo, porque o filho que Deus lhe dera, pelos seus
pecados, nascera tolheito [mencionando-se noutro ponto que “tinha as
pernas encolheitas”], perante o que todos diziam que nunca se curaria nem
chegaria a homem.» Outro cronista um pouco mais tardio, Duarte Galvão,
confirmará que o menino nasceu «grande e formoso, que não podia mais
ser», mas que tinha umas «pernas tão encolheitas que, ao parecer de
mestres e de todos, julgarão que nunca poderia ser são delas». 
A funesta circunstância não parece ter incomodado o voluntarioso
nobre, que assumiu a criança – relata o descendente – como se fora seu
filho: «E D. Egas Moniz, quando ouviu isto, pesou-lhe muito e disse:
“Senhor, temo bem que isso aconteceu pelos meus pecados, mas, já que a
Deus aprouve ser isso minha ventura, dai-mo como esteja e eu o criarei.”
E o conde […] acabou por lho dar. E, quando Egas Moniz viu tão bela
criatura mas assim tolheita, teve uma grande dor, mas […] tomou o moço
e fê-lo criar tão bem e tão honradamente como faria se fosse são.» 
A questão é que, mais de uma década depois, D. Egas Moniz (ou talvez
o seu irmão D. Ermígio Moniz, na hipótese apresentada como mais
plausível por um dos mais recentes biógrafos de D. Afonso Henriques, o
historiador José Mattoso) entregou a D. Teresa um robusto adolescente
integralmente saudável, sem qualquer traço de raquitismo nos membros
inferiores, pelo que – conhecendo o estado das ciências médicas à época –
podemos questionar se se tratava do mesmo menino que D. Henrique dera
para cuidar. «As deduções em volta deste boato são bastante
significativas», concluirá Agustina Bessa-Luís, que também estudou a
vida do nosso primeiro monarca: «Dá para pensar que Egas Moniz o fez
substituir por um dos seus próprios filhos ou filho dalgum rico-homem
[membro do estrato superior da nobreza] de pendão e caldeira, como se
dizia.» 
A admitir a tese suscitada pela escritora, aquele que ficou conhecido por
D. Afonso Henriques poderia afinal não ser filho nem de D. Henrique nem
de D. Teresa. Mas a hipótese não tem sido admitida pela esmagadora
maioria dos historiadores, que, como Mattoso, nem sequer a ela se
referem. Outros interpretam a crónica de Soares Coelho como uma
tentativa de valorizar o papel histórico do seu antepassado, que por isso
mesmo ficou conhecido como o Aio, ao mesmo tempo que forneceria
também a justificação para uma muito propalada intervenção divina na
vida do primeiro rei português, já que – reza a mesma crónica – D. Afonso
Henriques ter-se-ia curado do seu mal de infância devido a um milagre
operado enquanto estava à guarda de D. Egas Moniz. Ou seja, por aqui se
provaria que a fundação de Portugal seria um desígnio já de há muito
traçado pelos santos protetores, quiçá mesmo por Deus. 
UMA RAINHA COM DOIS AMANTES IRMÃOS 
Pelas regras do tempo, após enviuvar, D. Teresa deveria assegurar a
regência do Condado Portucalense enquanto D. Afonso Henriques não
atingia a idade para o governar. Mas a condessa, esquecendo a condição
de filha natural, tinha mais ambição: intitulando-se rainha, quis alargar os
seus domínios a toda a Galiza, entrando em conflito com a sua meia-irmã
D. Urraca, que entretanto já havia herdado a coroa do pai (falecido no
mesmo ano em que nascera D. Afonso Henriques). 
Para tal, a bastarda estabeleceu uma aliança com a poderosa família
galega Peres de Trava, que passava tanto pela confluência de interesses
como pelo leito conjugal. Logo após enviuvar, D. Teresa criou uma
relação afetiva com Bermudo Peres de Trava, para pouco tempo depois,
em 1120, se juntar ao seu irmão, o conde Fernão Peres de Trava, o mais
poderoso nobre da Galiza, enquanto D. Bermudo casava com a filha mais
velha da condessa, D. Urraca Henriques (nascida uns quatro anos antes de
D. Afonso Henriques). Esta promiscuidade afetiva era repudiada pela
Igreja, que considerava incestuoso o casamento com algum familiar de
alguém com quem já se tivesse tido uma relação conjugal, pelo que, à luz
do direito canónico, existiria mesmo – sublinhará José Mattoso – um
quadro de duplo incesto. Se houve ou não matrimónio registado de D.
Teresa com Fernão Peres de Trava, não se sabe, mas assinalou um cronista
que o casal manteve «um casamento sem Deus e sem direito». 
Armado cavaleiro em 1125, com 16 anos, D. Afonso Henriques
perceberá que a mãe poderia não querer transmitir-lhe o poder, tendo de
lutar para o conquistar. Muitos fidalgos do Condado Portucalense (entre
eles os Moniz de Ribadouro), escandalizados com a vida conjugal de D.
Teresa e com a influência de Fernão Peres de Trava na governação do
território, acabam por abandonar a corte e instigar o jovem à revolta,
entregando-lhe os seus exércitos. D. Afonso Henriques lidera assim as
tropas que na batalha de São Mamede, junto ao castelo de Guimarães, a 24
de junho de 1128, derrotam as forças da mãe e de Fernão Peres de Trava,
obrigando o casal, depois de colocado a ferros durante um curto período
de tempo, a retirar-se, com as duas filhas de ambos, para a Galiza (onde a
condessa morre dois anos mais tarde). 
Pode dizer-se que São Mamede é o ato fundador do nosso país, posto
que assegura a independência ao Condado Portucalense, sob a liderança
de D. Afonso Henriques, que só mais tarde se proclamará rei de Portugal.
É um Estado que resulta da contenda entre um filho e uma mãe – se é que
realmente ambos partilhavam do mesmo sangue. 
A FAVORITA DO REI FUNDADOR 
Nas famílias reais, em particular entre príncipes e monarcas, os
casamentos eram – como se sabe – determinados não por qualquer opção
sentimental mas por imperativo diplomático: escolhia-se o cônjuge em
função dos ganhos que a aliança matrimonial pudesse trazer para a corte
ou para o Estado. Muitas vezes, os nubentes nem tinham uma palavra a
pronunciar sobre o assunto: o matrimónio decidia-se pelo rei (em caso de
infantes) ou pelos conselheiros, e podia estar previsto já desde a infância
dos esposos, sendo por norma concretizado ainda durante a sua
adolescência. 
Infantes e reis – desde que do sexo masculino – podiam no entanto
desenvolver lances amorosos com namoradas, amantes ou concubinas,
sabendo-se de antemão que, quando o tema era nupcial, tudo isso ficava à
porta do paço real. 
Não espanta assim que o grande amor da vida de D. Afonso Henriques
não tivesse sido a infanta galesa com quem se consorciou, D. Mafalda de
Saboia, sobrinha da rainha Adelaide de França, consorte do rei Luís VII.
Casaram em 1146, tinha ele já 37 anos e ela à volta de 20, e para o
monarcao interesse desta ligação poderia ter que ver com a necessidade
de obter o reconhecimento papal do reino de Portugal, dadas as ligações
familiares da noiva. É que, na Europa medieval arreigadamente cristã, um
Estado só tinha existência jurídica após legitimação feita por Roma, e essa
consagração ainda faltava. 
A autêntica paixão de D. Afonso Henriques terá sido D. Châmoa
Gomes, uma sobrinha (pelo lado materno) de Fernão Peres de Trava (o
último homem da sua mãe), que aliás já fora casada com um D. Paio
Soares da Maia, com quem tivera três filhos, tendo entretanto enviuvado e
tido ainda um filho natural de um amante. 
O rei viveu maritalmente com D. Châmoa Gomes pelo menos de 1138 a
1145, ou seja, quase até à véspera do seu casamento. Mais do que isso:
tiveram, por volta de 1140, um filho, Fernando Afonso, que terá sido a
menina dos olhos do rei fundador, não só o reconhecendo como
integrando-o na corte, onde surgiu pela primeira vez aos 19 anos. Era o
primogénito de D. Afonso Henriques, que o mantinha a seu lado, criando
em alguns a ideia de que até poderia vir a ser o seu sucessor. 
Mas as regras eram categóricas: o herdeiro teria de resultar de
casamento, e casamento foi coisa que não terá havido entre D. Afonso
Henriques e D. Châmoa Gomes (embora haja quem sustente que a relação
entre ambos correspondeu a um autêntico matrimónio medieval, se bem
que nenhum documento o prove – o qual, a existir, seria bem embaraçoso
para a monarquia portuguesa). E o herdeiro surgiu um ano após o enlace
com D. Mafalda de Saboia, a 5 de março de 1147, com o nascimento de D.
Henrique Afonso, que com cerca de 3 anos já estava a representar o pai
num conselho em Toledo. 
Contudo, em época de peste e morbidez, era uma lotaria a chegada de
qualquer criança à idade adulta, mesmo sendo filha de monarcas. D.
Henrique Afonso não viveu além dos 8 anos, mas à data da sua morte já o
casal real havia produzido outro varão, D. Martinho, nome que na verdade
não soava a rei – pois não estava previsto que o fosse –, e assim que o
desditoso irmão faleceu foi expeditamente alterado para D. Sancho, tinha
ele pouco mais de um ano (e possuindo como ama na corte, onde foi
criado, a segunda mulher e viúva de Egas Moniz, D. Teresa Afonso). 
Mas, se não podia outorgar a coroa ao filho mais velho, D. Afonso
Henriques soube compensá-lo devidamente, nomeando-o seu alferes-mor
a partir de 1169 (cargo que antes dera ao primogénito de D. Châmoa
Gomes, Pedro Pais da Maia). Ao alferes-mor do rei (ou do reino), o posto
da mais elevada patente militar, competia empunhar a bandeira régia no
campo de batalha, sendo por inerência comandante-chefe do Exército (ou
antes, vice-comandante, uma vez que o chefe máximo das tropas era
sempre o monarca). 
Dos 11 filhos que D. Afonso Henriques teve, três outros foram também
bastardos, incluindo mais um varão, D. Pedro Afonso, nascido por volta
de 1130 de mãe desconhecida (que há quem julgue ter sido outra cortesã,
D. Elvira Gualter). Do mesmo modo que D. Fernando Afonso, também a
este o rei reconheceu como filho, e também a ele nomearia como alferes-
mor, cargo que ocupava quando o pai morreu, em 1185, aos 76 anos. 
Da mesma Elvira Gualter (embora as fontes, mais uma vez, não sejam
unânimes) terão nascido as duas filhas naturais do monarca, D. Teresa
Afonso e D. Urraca Afonso – não se sabe se quando ainda era casado ou
se já depois de enviuvar. D. Urraca foi a única, entre os seus filhos
bastardos, que D. Afonso Henriques tratou de casar, com o rico-homem
Pedro Afonso Viegas de Lumiares, neto de Egas Moniz pelo lado paterno.
Como dote, deu à filha a vila de Avô – prática medieval da realeza, que
dispunha de povoados e circunscrições como seus domínios privados. 
Grosseiro de modos, D. Afonso Henriques não teria pejo em atirar-se
publicamente a outras mulheres, e pelo menos um desses episódios foi
sintetizado pelo historiador José Mattoso, ao mencionar um registo escrito
em que «o rei surge a tentar seduzir, sem qualquer recato, a mulher de D.
Gonçalo de Sousa, seu mordomo-mor [responsável pela coordenação
governativa, cargo equivalente ao que seria hoje o de primeiro-ministro]». 
D. Afonso Henriques 
© Album/Fotobanco
O PRIMOGÉNITO ENVENENADO 
Ficando limitado nas suas capacidades físicas após o «incidente de
Badajoz» – um grave ferimento numa perna sofrido durante uma
fracassada tentativa de conquistar esta cidade ao reino de Leão, em 1169
–, D. Afonso Henriques transmitiu algumas funções de liderança a D.
Sancho, que armou cavaleiro no ano seguinte e acabou por se tornar
regente de Portugal (em parceria com a sua irmã D. Teresa Afonso) até à
morte do pai. Embora não haja notícia de que D. Fernando Afonso tenha
disputado a sucessão com o descendente legítimo do primeiro rei – apesar
de ter podido sentir algum ascendente sobre o meio-irmão, 15 anos mais
novo e com quem sempre convivera na corte –, o facto é que deixou de ser
alferes-mor em 1173 e o seu nome desapareceu então dos documentos
oficiais. 
Desconhece-se se este afastamento foi ou não voluntário, mas sabe-se
que o ex-alferes-mor viajou pela Europa, onde frequentou diversas cortes,
e que entraria para a Ordem dos Hospitalários (ou Ordem de Malta), uma
das organizações militares criadas para sustentar o esforço das Cruzadas, a
qual possuía funções de apoio humanitário a peregrinos e combatentes
cristãos. O primeiro filho de D. Afonso Henriques participou na Quarta
Cruzada (1202-1204), subiu na hierarquia peninsular dos Hospitalários e
acabou por se tornar grão-mestre da Ordem (o seu líder máximo) de 1203
a 1206, quando se demitiu por divergências com os outros cavaleiros,
regressando a Portugal meses depois, já D. Sancho I era rei havia mais de
duas décadas. 
Especula-se que este retorno pudesse ter que ver com a circunstância de
então se encontrar periclitante a saúde do monarca; e como o herdeiro
legítimo, o príncipe D. Afonso, era tido por um infante doente, talvez D.
Fernando Afonso, em função da sua filiação, entrevisse ainda a
possibilidade de vir a conquistar o trono. Mas se a ambição existia, ela foi
afogada a 20 de fevereiro de 1207, quando o primogénito de D. Afonso
Henriques morreu presumivelmente envenenado em Évora ou em
Santarém (onde foi sepultado), dizem os cronistas hospitalários que «por
gente sua» (da própria Ordem, talvez cavaleiros da cidade alentejana), não
se descartando que os assassinos fossem partidários do rei (e serem meios-
irmãos não importava, já que, em tempos medievais, os laços de sangue
não obstavam às mais vis agressões entre familiares por muito chegados
que fossem – assim ditassem os interesses em disputa). Nesse caso, terá
sido o primeiro dos muitos conflitos que em Portugal, ao longo dos
tempos, foram opondo filhos legítimos de reis a bastardos seus meios-
irmãos. 
Ao contrário do primeiro rebento da prole afonsina, D. Pedro Afonso
conservou sempre a lealdade a D. Sancho I, mantendo-se até no cargo de
alferes-mor depois da coroação do herdeiro de D. Afonso Henriques. Terá
aliás ajudado o meio-irmão na conquista (efémera) de Silves aos mouros
em 1189 (aproveitando a passagem por Portugal dos combatentes da
Terceira Cruzada), e o monarca recompensaria essa fidelidade ao nomeá-
lo seu testamenteiro. Na fase final da sua vida, dedicou-se à atividade
monástica no Mosteiro de Alcobaça. 
Dos bastardos de D. Afonso Henriques, acabou por apenas D. Urraca
lhe dar netos, resultando do seu matrimónio três filhos que não tiveram
futura influência histórica. Por conveniência de Estado, um ano e meio
após casar-se, já com o irmão no trono, entregou a D. Sancho I a vila de
Avô, dado o seu relevo estratégico, em troca do senhorio de Aveiro, que
tinha um reduzido valor no sistema de defesa nacional. Depois de ter sido
a 1.ª senhora de Avô, tornou-se assim na 1.ª senhora de Aveiro. Em 1216,
ela e o marido doaram ao Mosteiro de Tarouca mil moios de sal (13 100
litros) extraído das salinas do seu novo senhorio. 
A «FEITICEIRA» RIBEIRINHA, PAIXÃO RÉGIA 
D. Sancho I casou em 1174, finda a adolescência, comuma infanta
aragonesa, D. Dulce, seis anos mais nova. Ao contrário do pai,
cognominado o Conquistador, o segundo rei de Portugal ficou conhecido
como o Povoador, por ter dado prioridade à consolidação territorial do
reino e não à sua expansão. Mas até na sua vida privada fez jus a esse
cognome, vindo a gerar duas dezenas de filhos, entre os quais nove
bastardos. 
Antes do seu matrimónio, o futuro rei, segundo alguns investigadores,
terá tido de uma mulher da nobreza portuguesa, Maria Moniz de Ribeira,
um filho, Pedro Moniz, que viveu até à idade adulta, tendo casado e
deixado descendência. D. Maria Moniz seria irmã de Martim Moniz, o
herói que, segundo a lenda (não confirmada pela historiografia), se
sacrificou atravessado na porta entreaberta do castelo de Lisboa para que
D. Afonso Henriques conquistasse a cidade aos mouros em 1147. A outro
irmão dessa possível amante precoce, D. Paio Moniz de Ribeira, D.
Sancho I ofereceria anos mais tarde, de 1199 a 1202, o lugar de alferes-
mor do reino. 
Duas outras ligações extramatrimoniais suas, também com fidalgas,
foram mais determinantes, tendo provavelmente coincidido ainda em
tempo de vida da rainha D. Dulce, que morreu em 1198, ou mesmo logo
depois de o monarca enviuvar. 
Com Maria Aires de Fornelos, filha do cavaleiro Aires Nunes de
Fornelos, teve dois filhos, que reconheceria no seu testamento: Martim
Sanches e Urraca Sanches. O varão, tido por um cronista posterior como
«de grandes e elevados espíritos», viria a ser o mais destacado dos
bastardos de D. Sancho, com relevante protagonismo público. Quanto à
mãe, assim que terminou a relação com ela, o rei tratou de lhe arranjar um
marido: D. Gil Vasques de Soverosa, um dos ricos-homens mais
destacados da região de Além-Douro (futura Trás-os-Montes). 
Mas a grande paixão de D. Sancho I – e a sua mais célebre amante – foi
Maria Pais Ribeira, a Ribeirinha, filha de Paio Moniz de Ribeira (e
portanto sobrinha dos irmãos Maria Moniz e Martim Moniz), que o rei
terá conhecido na Guarda ou em Coimbra no período em que o pai era seu
alferes-mor. 
Rezarão as crónicas que a Ribeirinha era uma «mulher fidalga, de
grande formosura», também descrita como «branca de pele, de fulvos
cabelos, bonita, sedutora», capaz de atrair não apenas o rei mas outros
fidalgos da corte. D. Sancho I ter-lhe-á mesmo dedicado uma «cantiga de
amigo», texto pioneiro da língua galaico-portuguesa: «Ai eu coitada/
Como vivo em grande desejo/ Por meu amigo que tarda e não vejo!/
Muito me tarda/ O meu amigo na Guarda.» 
Era comum, no entanto, a barregã acompanhar o soberano, já viúvo, nas
suas frequentes deslocações – tanto mais que à época não se havia
estabelecido ainda uma capital do reino. O monarca assumiu assim a
ligação com a ruiva amante, o que teve foros de escândalo, com o bispo de
Coimbra, indignado, a requerer a D. Sancho I que expulsasse a Ribeirinha
do paço para que o clérigo nele pudesse entrar e o papa Inocêncio III a
admoestar o rei por causa da «feiticeira que todos os dias consultava». 
O visado não se deixou intimidar, tendo vivido maritalmente com a
concubina durante pelo menos a sua última década de vida. Dessa relação,
conjugal para todos os efeitos, nasceram seis filhos naturais, três rapazes e
três raparigas, todos reconhecidos pelo pai e, como era hábito, entregues a
famílias nobres para serem criados. No seu testamento, assinado em
Lamego em 1209, D. Sancho I fez a doação de Vila do Conde à amante e
aos filhos de ambos: «Eu Sancho, pela graça de Deus Rei de Portugal, dou
e firmemente concedo aos meus filhos e filhas que tenho de D. Maria Pais
a Vila do Conde que fica situada junto à foz do rio Ave. E concedemos
firmemente que a tomem como sua, por direito hereditário, para sempre.
É-lhes lícito a ela, aos filhos e descendentes para fazer dela sempre o que
quiserem como sua própria herança.» 
Para além dos varões, uma das filhas do casal, D. Teresa Sanches, foi
particularmente bem tratada pelo pai, que lhe garantiria um excelente
casamento com o filho de uma relevante família nobre, D. Afonso Teles
de Meneses, 2.º senhor de Meneses e 1.º de Albuquerque, tendo para o
efeito deixado um dote de 7000 morabitinos. 
Falecido em março de 1211, D. Sancho I foi acompanhado até à
sepultura pela Ribeirinha. No regresso do funeral, que teve lugar em
Coimbra, D. Maria Pais foi sequestrada pelo nobre Gomes Lourenço de
Alvarenga, um dos homens que a cobiçavam (depois de por ela se
apaixonar justamente ao vê-la no paço da cidade do Mondego) e que terá
sentido o terreno livre com o desaparecimento do monarca. Mesmo assim,
o raptor temeu a influência da família da Ribeirinha e resolveu fugir com
ela para Leão. 
Entrou a diplomacia em campo: D. Afonso II, o primogénito de D.
Sancho I e D. Dulce e por isso seu legítimo sucessor, não apreciou a
violência sobre a madrasta e pediu ao rei Fernando II de Leão (casado
com uma irmã legítima de D. Sancho I, a infanta D. Urraca Afonso, a mais
velha das filhas de D. Afonso Henriques, com nome igual ao da sua
bastarda) que interviesse para pôr cobro à situação. O monarca lionês
convocou Gomes Lourenço à sua presença, para lhe exigir explicações.
Perante a esquiva do português, desconfiado do que lhe pudesse acontecer,
a Ribeirinha conseguiu persuadi-lo a comparecerem ambos, convencendo-
o de que, afinal, ela até consentia no rapto e na relação com ele. Mas, na
audiência, a mulher lançou-se aos pés de Fernando II para denunciar o
sequestro e a violação de que fora vítima e pedir-lhe o castigo de Gomes
Lourenço, a que o rei logo acedeu, mandando executá-lo. 
A astúcia bem feminina com que a Ribeirinha se desembaraçou da sua
provação aumentou ainda mais a lenda já criada à sua volta como amante
de D. Sancho I. Ao regressar a Portugal, casou com outro dos seus
admiradores, o nobre galego D. João Fernandes de Lima, de quem teve
três filhos. 
UM SOBERANO EM GUERRA CONTRA AS IRMÃS 
O testamento feito em Lamego por D. Sancho I em 1209 acabou por
favorecer a cizânia entre a descendência, devido à doação de largas
parcelas de território às suas filhas legítimas D. Teresa, D. Sancha e D.
Constança, o que D. Afonso II não aceitou, porque punham em causa o
seu projeto de centralização do poder régio. Muitos outros senhores
feudais, aliás, comungavam das aspirações das três irmãs, por também
ambicionarem a autonomia que lhes garantia o poder absoluto sobre os
seus domínios. A favor das três filhas de D. Sancho I, estavam ainda dois
seus irmãos legítimos, os infantes D. Pedro e D. Fernando, que
abandonaram o reino em conflito fraternal com o monarca. D. Pedro
instalou-se em Leão, onde já se encontrava refugiada a sua irmã D. Teresa,
e a partir daí concretizou uma série de incursões sobre a região fronteiriça,
chegando a conquistar algumas praças transmontanas, embora acabasse
derrotado. Quanto a D. Fernando, foi para a Flandres numa viagem sem
regresso. 
As irmãs pediram ajuda ao rei de Leão (e Galiza), Afonso IX, seu primo
(por ser filho de D. Urraca Afonso e Fernando II), que por essa razão
chegou a entrar em território português em 1212, acompanhado dos
infantes D. Teresa e D. Pedro, ato que repetiria sete anos depois. Mas a
ameaça mais perigosa para D. Afonso II foi do seu meio-irmão Martim
Sanches, que logo no início do reinado se exilou na corte de Leão,
declarando-se vassalo de Afonso IX e passando a comandar o governo
militar da Galiza na qualidade de adiantado régio (representante da
autoridade no rei) na região. Tendo recebido de Afonso IX diversas
tenências (fortificações atribuídas ao delegado real) na fronteira, interveio
a partir daí em território português a favor das meias-irmãs na disputa com
D. Afonso II, assim como do arcebispo de Braga, D. Estêvão Soares da
Silva, que liderava o partido senhorial na luta contra o centralismo régio. 
Afonso II 
© Album/Fotobanco
 
Uma expedição de homens ao serviço de D. Afonso II fez uma
devastadora incursão à tenência de Limia, de Martim Sanches, que porém
estava ausente, exigindo ele depois ao meio-irmão satisfações pelo agravoe uma indemnização. Perante o mutismo do rei português, o filho de
Maria Aires de Fornelos, em 1220, reuniu tropas e invadiu a província de
Entre-Douro-e-Minho, derrotando forças de D. Afonso II em Ponte de
Lima. O monarca, que se retirara antes do confronto, deixando que os
fidalgos seus apoiantes combatessem o meio-irmão, recuou para as
margens do Ave, em Santo Tirso, mas na verdade só se sentiu em
segurança ao recolher-se a sul do Douro, em Gaia. Ao mesmo tempo, os
galegos de Martim Sanches saqueavam a província à guisa de reparação
pela expedição a Limia, acabando por regressar às suas terras. 
O bastardo de D. Sancho I ganhou assim a reputação de notável
cavaleiro, capaz de derrotar diversos senhores feudais – incluindo o seu
padrasto, Gil Vasques de Soverosa – que combatiam por D. Afonso II. A
humilhação a que sujeitou o rei de Portugal abriu-lhe caminho ao lugar de
alferes-mor de Leão, tendo-lhe Afonso IX atribuído quatro condados,
incluindo o de Trastâmara (noroeste da Galiza), de que foi o primeiro
titular e que muita influência teria na história do país vizinho. Embora
tivesse casado, não se lhe conhece qualquer tipo de descendência. 
De débil saúde e anafado (valendo-lhe o cognome de o Gordo), D.
Afonso II movimentava-se com dificuldade, pelo que não teria grande
propensão para dirigir exércitos em combate. Essas caraterísticas podem
ter dado dele uma imagem de debilidade, propensa a facilitar as lutas pelo
poder sob a sua coroa. Tinha 26 anos quando sucedeu ao pai, e era então já
casado com uma filha de Afonso VIII de Castela, D. Urraca, que lhe deu
três filhos varões, dois dos quais, D. Sancho, o primogénito, e D. Afonso,
viriam a assumir relevante protagonismo histórico. Morreu aos 38 anos,
em 1223, três anos depois da rainha. 
Para não fugir à regra, D. Afonso II deixou pelo menos dois filhos
naturais, João Afonso e Pedro Afonso, que não terão produzido
descendência. Uma das suas amantes ter-se-á chamado Mor Martins de
Riba de Vizela, oriunda de uma destacada família fidalga, que se casaria
depois com o nobre cavaleiro Pôncio Afonso de Baião e que, após
enviuvar, em 1237, ingressaria no Mosteiro de Arouca, do qual viria a ser
abadessa. Existe também referência a uma Teresa Martins como possível
barregã. Contudo, não se sabe de que mulher ou mulheres foram filhos os
dois varões. 
Ao contrário da prática do pai, D. Afonso II não fez o reconhecimento
explícito dos bastardos em testamento e não lhes deixou tão vasto
património, ciente porventura das ambições e dos problemas que tal
generosidade poderia suscitar. Mencionou apenas os «filhos e filhas que
tenho de outras mulheres», sem apontar nomes (ou sequer número) e
atribuindo a cada 500 maravedis, que ficariam à guarda do prior do
Hospital até esses descendentes atingirem a maioridade. 
DOIS REIS IRMÃOS MAS INIMIGOS 
O primogénito de D. Afonso II sucedeu-lhe naturalmente, aos 14 anos
incompletos, como D. Sancho II. Recusou-se a obedecer à consagrada
norma do matrimónio diplomático, escolhendo antes para esposa (e
rainha) D. Mécia Lopes de Haro, já viúva (embora sem descendência),
filha de um dos mais destacados nobres lioneses e senhor de Biscaia, Lope
Díaz de Haro, e neta, por via bastarda da mãe, de Afonso IX de Leão e de
uma sua barregã. 
O casamento (cuja data se desconhece, mas que se presume ter-se
realizado em 1241 ou logo depois) foi recebido com desagrado pela
aristocracia nacional e por grande parte dos conselheiros régios, dada a
sua inutilidade política e a inferioridade do estatuto genealógico de D.
Mécia, para mais viúva e de ascendência bastarda. 
D. Sancho II, que não cultivava boas relações com a Igreja, acabou
posto em causa pela conjugação de interesses do clero e da nobreza. Da
intriga que o atingiu foi protagonista o seu próprio irmão, D. Afonso, que
estava instalado em França, onde casara com a condessa de Bolonha,
Matilde de Dammartin, uns 15 anos mais velha e viúva de um bastardo do
rei Filipe Augusto (Filipe II), Filipe Hurepel (não se excluindo que ela o
pudesse ter assassinado após apaixonar-se por outro homem). Tornado
assim duque de Bolonha por via matrimonial, porventura ambicionando
conquistar a coroa portuguesa (tanto mais que D. Mécia ainda não havia
dado qualquer herdeiro a D. Sancho II), D. Afonso denunciou junto da
Santa Sé o casamento do irmão. O papa Inocêncio IV atendeu a
reclamação e ordenou ao rei português a anulação do matrimónio,
invocando a circunstância de os cônjuges serem parentes em quarto grau
(uma vez que o avô materno de D. Mécia fora dado à luz por D. Urraca de
Portugal, filha de D. Afonso Henriques). Tratava-se de um mero pretexto
para agir contra o rei, porque noutros casamentos senhoriais a Igreja
aceitava tal grau de consanguinidade, aliás frequente. 
D. Sancho II 
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D. Sancho II não quis, porém, repudiar a esposa, e em julho de 1245,
através de duas bulas papais, uma dirigida aos prelados e outra aos nobres,
o rei português era excomungado (prática aliás frequente à época por parte
de Roma), o que equivalia a uma destituição. Para conservar o poder,
pediu ajuda a D. Afonso, desconhecendo que o irmão mais novo
conspirava contra ele junto do clero. 
Clarificadas as posições, inicia-se nesse ano uma guerra civil que opõe
os setores leais a cada um dos desavindos filhos legítimos de D. Sancho I,
arrastando o conde de Bolonha a maior parte dos fidalgos. Mais isolado
fica D. Sancho II quando, no verão do ano seguinte, o nobre Raimundo
Viegas de Portocarreiro, possivelmente acompanhado de cavaleiros afetos
a D. Afonso, rapta D. Mécia dos aposentos régios em Coimbra e leva-a
para Ourém. Havia que evitar o aparecimento de descendência legítima do
rei, e este era o expediente mais direto. 
É um estranho sequestro, que Alexandre Herculano (secundado por José
Mattoso) garantirá só ter sido possível com a cumplicidade da própria
rainha, já que de outro modo, a operação clandestina, ela não teria
escapado à vigilância do marido e da sua guarda. Se preciso fosse, D.
Mécia gozava da legitimidade papal para assim proceder, pelo que não
teria de se preocupar com a sua eventual conivência no suposto rapto, mas
a posteridade desconhece quais os verdadeiros sentimentos com que viveu
o rocambolesco episódio. O marido cercou o castelo de Ourém, mas, num
óbvio sinal da sua debilidade bélica, não conseguiu resgatá-la. Aliás,
nunca mais a veria. 
No conflito, também ganhou proeminência pelo menos um dos filhos de
D. Sancho I e da Ribeirinha, os quais só no reinado do sobrinho atingiram
a idade adulta. Tratou-se de D. Rodrigo Sanches, que uma crónica
posterior classificou como «grande cortesão, insigne nas armas,
semelhante a Rolando, amável para todos, gracioso e de conversação
alegre, folgado de rir e de falar, evitando o incesto [sic], verdadeiro nas
promessas, severo para com os inimigos mas pacífico, humilde, de rara
bondade e sem engano». Senhor de várias tenências, embora temporárias
(como Viseu, Évora, Pinhel e Trancoso, entre outras), apoiou o outro
sobrinho, tornando-se num dos chefes do partido senhorial que lutava
contra o rei. Nessa função, acabou por falecer no confronto inaugural da
guerra civil, a Lide de Gaia, em que as forças fiéis ao monarca,
comandadas por Martim Gil de Soverosa (filho de Maria Aires de
Fornelos e do seu marido), derrotaram os apaniguados do conde de
Bolonha, dos quais o bastardo de D. Sancho I era um dos dois chefes. 
D. Rodrigo Sanches não chegara a casar, mas teve um filho natural de
uma mulher nobre, Constança Afonso de Cambra (já viúva, filha dos
senhores de Cambra), o qual viria a ser frade franciscano. Já o seu irmão
mais novo Gil Sanches (único varão da Ribeirinha e de D. Sancho I a
atingir com ele a idade adulta) desinteressou-se das lutas pelo poder, tendo
sido trovador e, para um cronista, «o clérigo mais honrado de Espanha»
(pese embora viver amantizado com uma D. Maria Garcia de Sousa, de
quem não teve filhos). 
A morte do tio pouco fez para favorecer a posição de D. Sancho II.
Desprovido de apoios eclesiaise senhoriais, e apesar de contar com o
contributo do príncipe Afonso de Castela (primogénito de Fernando III),
que entrou com tropas em Portugal para o ajudar, o rei compreendeu que
travava um combate estéril, e em 1247 retirou-se para o exílio no país
vizinho, acompanhando o futuro Afonso X de Leão e Castela no regresso
a casa. Dava assim por finda a guerra fratricida e abria o caminho do trono
de Portugal ao conde de Bolonha, que, no entanto, ficaria como regente do
reino até à morte do irmão, a 30 de janeiro do ano seguinte em Toledo, só
então sendo coroado, como D. Afonso III. 
Afonso II 
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O MONARCA BÍGAMO 
Logo que regressou ao seu país, depois de 15 anos em França, D.
Afonso III agiu como se jamais fosse casado com a condessa de Bolonha,
da qual não ficou qualquer sinal de que alguma vez tivesse sido rainha de
Portugal ou sequer estado em solo nacional. Era como se o seu
matrimónio gaulês tivesse apenas servido para ganhar aquele sedutor
título de nobreza (e o cognome com que passaria à História, o Bolonhês),
e ao deixar a corte de acolhimento deixava também por lá a esposa, com
quem, aliás, nem chegara a produzir descendência. Uma vez rei, era outro
o contexto, implicando também um diferente enquadramento nupcial. 
Desprezando o facto de já ser casado, o rei, que ficou conhecido por
conquistar em definitivo o Algarve aos mouros, tratou de procurar noiva
pouco depois de ascender ao trono, acabando a escolha por recair numa
menina de 9 anos, D. Beatriz, filha natural de Afonso X de Leão e Castela
e da sua amante D. Maria Guillén de Guzmán, senhora de Alcocer. Os
esponsais tiveram lugar em Chaves a 20 de maio de 1253, tinha a bastarda
11 anos (desde logo começando a ser tratada por rainha de Portugal), e o
casamento ficou para quando ela atingisse os 14, considerados à época,
para o efeito, maioridade. No acordo antenupcial, firmado entre os dois
reis, estavam previstos os direitos da coroa portuguesa sobre as terras
algarvias (embora apenas depois de nascer um primogénito ao futuro casal
régio). 
Ao mesmo tempo, D. Afonso III repudiava D. Matilde sob o pretexto de
ela não lhe dar sucessor – o que seria difícil perante a ausência do homem
no leito conjugal. A condessa de Bolonha, mulher com longa experiência
de vida (e, para alguns, também pouco escrupulosa), não se deixou ficar e
fez queixa junto da Santa Sé contra o segundo casamento do marido,
alegando não só adultério como bigamia – e exigindo tanto a separação do
infiel cônjuge como a devolução do dote. 
O papa Alexandre IV foi sensível aos argumentos de D. Matilde, e em
1255 decretou pesadas sanções contra Portugal e o seu monarca: não só
um interdito (suspensão eclesiástica) sobre o país, como a excomunhão de
D. Afonso III. Três anos depois, o pontífice condenou o rei português por
adultério e exigiu-lhe a restituição do dote à condessa de Bolonha. O que
não impediu o casamento de D. Afonso III com D. Beatriz, que terá tido
lugar em Guimarães ou Chaves a 15 de maio de 1258. A quem o censurou
pelo ato, respondeu com inteiro pragmatismo – segundo uma crónica
escrita pouco depois –, que «se noutro dia achasse outra mulher que lhe
desse outra tanta terra no reino para o acrescentar, logo casaria com ela». 
A questão acabou por ser resolvida pelo falecimento de D. Matilde
também em 1258, aos 56 anos, o que levou ao processo de anulação dos
castigos papais dirigidos a Portugal. Desaparecido Alexandre IV três anos
mais tarde, o seu sucessor, papa Urbano IV, por bula de 19 de junho de
1263, legitimou não só o casamento de D. Afonso III com D. Beatriz
(permitindo o prosseguimento da «conjugalis copula») como os três filhos
já nascidos ao casal (dos sete que teriam): D. Branca, D. Dinis (o
primogénito e por isso legítimo sucessor) e D. Afonso. 
Ao seu segundo varão legítimo – o primeiro a nascer depois de os
bispos portugueses, em maio de 1262, terem tomado a iniciativa de
solicitar a Roma a legitimação do casamento do rei com D. Beatriz –, D.
Afonso III doaria o senhorio de Portalegre, acompanhado das regalias
correspondentes: terras, casa e dinheiro. Era a primeira vez que um rei
português concedia tais vantagens patrimoniais a um secundogénito,
fortalecendo-o de tal modo (por razões desconhecidas) que o infante D.
Afonso poderá mesmo vir a ter a ambição de rivalizar com o primogénito. 
D. Beatriz de Gusmão 
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AS MÚLTIPLAS AMANTES DE D. AFONSO III 
Ao contrário do reinado de D. Sancho II, de quem não se conhece
qualquer relação sexual fora do casamento, a libido regressou em força à
corte com o irmão e sucessor. O fim da guerra de conquista dirigida contra
os mouros tornou o ambiente mais distendido, e a nobreza podia dedicar-
se a serões de convívio que incluíam jogos de sedução. 
As sessões trovadorescas tornaram-se comuns no paço, com a afluência
frequente de grupos de jograis de que faziam parte as chamadas
soldadeiras (jogralesas cujo nome resultava de receberem um soldo por
cada atuação), mulheres que cantavam, dançavam e muitas vezes
satisfaziam os instintos sexuais masculinos – razão pela qual lhes era
imposto um prazo máximo de permanência de três dias em cada palácio. 
Data de então o início de uma tradição nacional de poesia erótica e
satírica cuja licenciosidade era não só tolerada como até apreciada pelos
próprios monarcas. Exemplo de um dos melhores autores da época foi o
de Martim Soares, «que trovou melhor do que todos que trovaram e assim
foi julgado entre os outros trovadores», segundo um escrito coevo. Martim
Soares compôs e cantou uma trova dedicada a D. Maria Garcia de Sousa,
a barregã do também trovador D. Gil Sanches, mas uma das mais
significativas amostras da sua produção poética nesse registo intitulou-se
«Joguete direito (espécie de escárnio)», «cantiga» que dedicou à esposa de
um Pero Rodrigues Gongelete, acusada de enganar o marido: 
 
Pero Rodrigues, da vossa mulher, 
Não acrediteis no mal que vos digam. 
Tenho eu a certeza que muito vos quer. 
Quem tal não disser quer fazer intriga. 
Sabei que outro dia quando eu a fodia, 
enquanto gozava, pelo que dizia, 
muito me mostrava que era vossa amiga. 
 
Se vos deu o céu tal mulher tão leal, 
que vos não agaste qualquer picardia, 
pois mente quem dela vos for dizer mal: 
Sabei que lhe ouvi jurar outro dia 
que vos estimava mais do que a ninguém; 
e para mostrar quanto vos quer bem, 
fodendo comigo assim me dizia. 
 
D. Afonso III terá apreciado este relaxamento dos costumes, tanto mais
que se pode dizer que colecionou amantes, ficando-lhe conhecidas pelo
menos uma dezena de barregãs. Começou, logo após ter sido coroado, por
D. Urraca Abril de Lumiares, viúva de João Martins Chora de Riba de
Vizela, que era neta da bastarda Urraca Afonso, filha de D. Afonso
Henriques e D. Elvira Gualter, e por essa via ainda prima do novo rei. Ao
mesmo tempo, o monarca relacionava-se com Teresa Mendes de Sousa,
filha do seu vassalo Mem Garcia de Sousa, e com ambas se terá mantido
até ao seu matrimónio com D. Beatriz. 
Mas as suas aventuras sentimentais continuaram mesmo depois de casar
pela segunda vez. Como com D. Aldonça Anes da Maia, filha de João
Martins da Maia e de Teresa Peres de Bragança. Assim como com Elvira
Esteves (presume-se que de mais baixa condição social), Marinha Peres de
Enxara ou Teresa Fernandes de Seabra – esta casada com Martim Martins
Dade, alcaide de Santarém e privado (confidente) do próprio D. Afonso III
–, ou ainda Sancha Fernandes Delgadilha, que um livro de linhagens
compilado por volta de 1270 designará por «mula d’el rei». 
Com quase todas, num ato de reconhecimento dos seus afetos, o
monarca foi generoso, doando-lhes significativo património em terras e
povoados, conforme registado nos respetivos contratos de concessão,
documentos públicos, segundo José Mattoso, «confirmados pelos
membros da cúria régia e pelos bispos do reino», numa prova inequívoca
de que «toda a corte se regozijava com a virilidade do rei». 
A Urraca Abril de Lumiares, por exemplo, fez o monarca, a 12 de
outubro de 1256,uma doação em Penafiel de Sousa, onde ela, por via
familiar, já possuía vastos bens. A Teresa Mendes de Sousa, concedeu, a 4
de abril do mesmo ano, entre outras mercês, a herdade de Souto de
Rebordães. Aldonça Anes da Maia recebeu das suas mãos, a 24 de janeiro
de 1261, as herdades de Zadões, no termo (ou limite) da Maia e de
Gondomar. Teresa Fernandes de Seabra foi regiamente distinguida, a 9 de
abril de 1268, com a concessão das vilas de Mortágua e de Ferreiros. 
Pelas doações que D. Afonso III fez a Guiomar Afonso Gata (a aldeia
de Codesseiro, na Guarda, a 26 de dezembro de 1254) e a Sancha Lopes
de Baião (as terras de Tendais, Fontes, Tabuadelo e Crastelo, a 31 de
agosto de 1256), admite-se que também elas foram suas amantes. 
O Bolonhês teve ainda uma paixão pela moura Madragana Ben
Aloandro, filha do último alcaide do período muçulmano de Faro, o
moçárabe Aloandro Ben Bakr, o qual, segundo um cronista do século XVII,
«tinha esta filha dotada de grande formosura», que o monarca terá
conhecido em 1250 durante a campanha para a conquista do Algarve. 
Estas mulheres deram pelo menos nove filhos bastardos a D. Afonso III
(identificados também pelas doações que o pai lhes fez), embora, dada a
profusão de amantes régias, nem sempre se saiba quem foi filho de quem.
Aos varões, ele tratou de os deixar confortáveis com a doação em
testamento de 1000 libras para cada, enquanto para as raparigas procurou
sobretudo arranjar bons matrimónios. Dado gozarem do estatuto de filhas
de rei (embora ilegítimas), era para ele fácil casá-las com membros de
famílias nobres e poderosas – o que tinha também uma função
instrumental, já que, desse modo, D. Afonso III passava a poder contar
com o apoio dos respetivos clãs (nem sempre a ele afetos) na consolidação
do seu poder. 
De mãe ou mães desconhecidas, teve o monarca dois futuros cavaleiros
da Ordem do Hospital, D. Fernando Afonso e D. Gil Afonso (sendo este o
mais jovem dos bastardos conhecidos de D. Afonso III, e que teve um
filho natural, Lourenço Gil, também freire da mesma ordem), assim como
D. Rodrigo Afonso, nascido antes de 1258, que em 1271 receberia do pai
herdades em Santarém, Guimarães e noutras localidades. 
Madragana, que no seio cristão viria a ser conhecida por Mor Afonso,
deu ao rei pelo menos um filho, D. Martim Afonso, com a alcunha de o
Chichorro, que além da verba testamental igual para todos, recebeu
tenências em zonas tão variadas como Chaves, Ribavouga, Montemor-o-
Velho e Elvas, terras do termo de Torres Vedras (que vendeu ao pai) e
todas as herdades e outras possessões que haviam sido doadas ao irmão
Rodrigo Afonso, quando este morreu jovem, em 1272. 
O Chichorro casou com Inês Lourenço de Valadares, filha de D.
Lourenço Soares de Valadares e Maria Mendes (esta uma «incestuosa
fidalga» para um cronista, porque tivera relações amorosas com o seu
irmão, Gonçalo Mendes), tendo do matrimónio produzido descendência. 
À moura encantada de Faro foi também atribuída uma filha de D.
Afonso III, D. Urraca Afonso, se bem que haja quem sustente ter sido
outra a mãe. O pai viria a casar esta bastarda em maio de 1265, em
primeiras núpcias, com Pero Anes Gago de Riba de Vizela, filho do
matrimónio de João Martins Chora com Urraca Abril de Lumiares, a
antiga amante do rei (a qual, se não lhe deu bastardos, forneceu-lhe assim
pelo menos um genro, evidenciando, para José Mattoso, a «efetiva
promiscuidade» da corte), e depois, cerca de 1290, com o rico-homem
João Mendes de Briteiros – maridos, em ambos os casos, oriundos de
famílias do círculo real. 
Outra bastarda do rei, Leonor Afonso, casou também duas vezes,
primeiro com Estêvão Anes de Sousa, tenente de Chaves, recebendo como
dote a vila de Pedrógão, e, depois de enviuvar, com um tio paterno do
primeiro marido, o já sexagenário conde Gonçalo Garcia de Sousa, da
poderosa casa de Sousa, trovador, senhor de Neiva e alferes-mor do reino,
doando então o monarca à filha a localidade de Santo Estêvão de
Ribalima, no âmbito de um contrato nupcial em que o noivo concedia
metade da herança à noiva «pela compra do seu corpo» (expressão
corrente à época nos acordos de cessões patrimoniais de nobres às suas
cônjuges ou amantes). Este enlace, dada a relação de parentesco entre os
dois maridos de Leonor Afonso, contrariava as normas da Igreja, mas –
escreverá José Mattoso – «as regras canónicas dos impedimentos
matrimoniais não preocupavam excessivamente os membros da corte» de
D. Afonso III. 
De Marinha Peres de Enxara, o Bolonhês teve também um filho natural,
D. Afonso Dinis, cuja mãe foi identificada numa doação que o rei fez ao
varão em 1278. Criado pelo clérigo Martim Pedro, o bastardo casou com
uma bisneta da já lendária Ribeirinha, D. Maria Peres Ribeira, principal
herdeira das importantes casas de Aboim e Sousa, tendo tido com ela
cinco filhos. 
Há também quem coloque na lista dos bastardos de D. Afonso III um D.
Henrique Afonso, que terá morrido em cruzada na Palestina, mas a sua
existência não está comprovada, pese embora um epitáfio («inverosímil e
suspeitoso», segundo António Caetano de Sousa, autor da História
Genealógica da Casa Real Portuguesa) situado no Mosteiro de Santa
Clara em Santarém (fundado aliás por outro bastardo, o Chichorro): «Aqui
jaz o Infante D. Henrique Afonso, filho d’ El-Rei D. Afonso III e sua
mulher a Infanta D. Inês.» A verdade é que este nome não aparece no
testamento do monarca (se bem que também pudesse ter morrido antes do
pai). 
Mulher que se cruzasse por via ilegítima com a vida de um rei, fosse sua
barregã ou sua bastarda, caso o próprio não lhe arranjasse matrimónio
materialmente confortável, era quase certo que acabaria num convento. A
tradição foi inaugurada por uma das filhas naturais de D. Sancho I e da
Ribeirinha, D. Constança Sanches (de nome igual ao da sua meia-irmã
legítima), que viveu no Mosteiro das Donas, das cónegas de Santa Cruz de
Coimbra, apesar do vasto património que herdara da mãe em virtude das
doações do amante, como as metades de Vila do Conde, Aveleda,
Pousadela, Parada e Maçãs de Dona Maria – por ela deixado aliás em
testamento à sua sobrinha-neta infanta D. Sancha, filha legítima de D.
Afonso III. 
A barregã do Bolonhês Teresa Mendes de Sousa viria a professar no
Mosteiro de Lorvão, de que se tornou abadessa em 1271. Fala-se de uma
segunda bastarda do rei também chamada Urraca Afonso, que se recolheu
igualmente ao mesmo mosteiro, onde, rezam as crónicas, «permaneceu até
à morte no estado de donzela», aí falecendo a 4 de novembro de 1281.
Uma filha de D. Afonso III com Elvira Esteves, a primeira descendente do
monarca a ter o nome de Leonor Afonso, foi freira até ao fim da vida no
Mosteiro de Santa Clara, em Santarém, com o nome religioso de Helena
de Santo António, rejeitando ser abadessa da instituição, como lhe
permitia o seu estatuto régio, mas apenas enfermeira. 
Debilitado pela gota, que condicionaria o seu quotidiano, o Bolonhês
apenas deixou de satisfazer a obsessão por novas amantes a partir de 1270,
vindo a falecer nove anos mais tarde. 
D. DINIS, FILHO LEGÍTIMO OU BASTARDO? 
Quando morreu D. Afonso III, tinha D. Dinis, o primogénito (nascido a
9 de outubro de 1261), 17 anos, e para se afirmar no trono de que foi o
herdeiro natural teve de enfrentar as aspirações do seu irmão legítimo, D.
Afonso, sustentado este no vasto património que o pai lhe doara, já que
era senhor de Portalegre, Castelo de Vide, Arronches, Marvão e Lourinhã. 
O pretexto para o conflito era, mais uma vez, de ordem sexual. O
infante D. Afonso acusava o irmão de ser filho bastardo do pai de ambos,
porque quando D. Dinis nasceu ainda estaria válido o casamento do
Bolonhês com D. Matilde – pelo que o rei cometera adultério com a
própria mãe deles –, ao passo que quando surgiu o secundogénito já os
bispos portugueses haviam solicitado a Roma a legitimação do enlace de
D. Afonso III com D. Beatriz de Castela. Por essa razão, seria ele o
legítimo herdeiro da coroa. 
A rainha-mãe, que assegurou a regência do reino logo após a morte do
marido, esperariacontinuar nessa função por mais algum tempo, mas D.
Dinis reclamou o poder ao fim de escassos meses. Apesar de uma
tentativa de intervenção do pai, Afonso X, que quis encontrar-se em
Badajoz com o jovem rei português para resolver o conflito com a mãe –
onde porém deparou com a falta de comparência do neto –, D. Beatriz,
despeitada, acabou por regressar a Castela, passando a apoiar as
pretensões do filho mais novo. 
Em 1281, o infante deu início aos planos para cercar de muralhas o seu
senhorio de Castelo de Vide, o que o irmão tomou por afronta, já que
constituía uma rebeldia contra o poder régio. As forças de D. Dinis
reagiram de imediato, cercando a possessão de D. Afonso e levando-o a
retirar-se para Castela, acolhido à companhia do monarca seu avô e da
mãe. 
Seis anos mais tarde, voltou a recrudescer o antagonismo entre os
irmãos, depois de D. Afonso começar a dar acolhimento e proteção nos
seus senhorios, quase todos fronteiriços, a fidalgos do país vizinho
desafetos ao novo rei de Castela, Sancho IV (secundogénito de Afonso X,
que em testamento deixara o trono ao filho do primogénito, por entretanto
este ter falecido, tendo-se Sancho apropriado dele). O monarca castelhano
reclamou junto de D. Dinis e este viu-se obrigado a cercar o irmão em
Arronches, com ajuda do próprio Sancho IV, refugiando-se D. Afonso de
novo em Castela. 
Por essa ocasião, já D. Dinis havia casado por procuração, a 24 de abril
de 1281, com a princesa D. Isabel de Aragão, uma década mais nova
(tinha ela então 11 anos, conhecendo o noivo em Trancoso apenas no ano
seguinte), filha de Pedro III, o Grande, e da sua esposa, D. Constança. A
jovem rainha logrou a reconciliação do marido com o cunhado, celebrada
a 14 de janeiro de 1288, implicando a cedência por D. Afonso ao irmão do
castelo de Arronches em troca de Armamar (que, ficando no interior do
país, já não permitia circulação direta com Castela) e de determinada
verba a pagar todos os anos. 
O que não obstou a que em 1299 estalasse mais um conflito armado
entre os dois irmãos, com D. Dinis a cercar Portalegre entre abril e
outubro, acabando D. Afonso outra vez no exílio do outro lado da
fronteira, a partir do ano seguinte. Porém, por volta de 1306, o infante
regressou a Portugal depois de em Castela ter sido acusado de assassinar a
esposa, D. Violante Manuel. 
Como a sua mulher era sobrinha de Afonso X de Castela e D. Afonso
seu neto materno, o casamento nunca fora validado pela Igreja, por violar
as normas matrimoniais canónicas, e por essa razão o vasto património do
infante não poderia ser herdado pelos cinco filhos do casal, correndo até
ele o risco de o perder a favor da coroa portuguesa. De qualquer modo, D.
Afonso sempre reclamou a inocência na morte de D. Violante Manuel,
explicando que fora levada pela doença. O assunto, pela sua delicadeza,
teve para o rei português algumas implicações diplomáticas, mas acabou
esquecido com o tempo. E, fixando-se em Castelo de Vide e assegurando a
herança para os filhos, D. Afonso permaneceu em Portugal sem mais
atritos com o irmão, até falecer em 1312. 
A PROMISCUIDADE AMOROSA DO REI 
Os historiadores aventam que não terá sido feliz o matrimónio de D.
Dinis com D. Isabel, porquanto, sendo ambos férteis, só produziram dois
filhos – D. Constança, que viria a ser rainha de Castela, tendo casado com
Fernando IV, e D. Afonso, o legítimo herdeiro do trono –, muito abaixo
das médias régias da época. O que indicia um parco relacionamento físico
entre ambos. 
O rei – também vocacionado para a arte lírica – era contudo enérgico
fisicamente e atraído pelo sexo oposto, admitindo-se que talvez fosse
Isabel de Aragão a achar menos interessante a intimidade dos corpos.
Assim, enquanto a rainha, dotada do imenso património que o marido lhe
doou, se dedicava a obras caritativas (a elas associando o seu legado
histórico, conhecida que veio a ser como Rainha Santa), D. Dinis
entregava-se a amores mais ou menos furtivos – fazendo jus, de resto, ao
espírito da poesia trovadoresca que tanto contribuiu para desenvolver.
Registou um dos seus biógrafos, José Augusto Pizarro, que o monarca
«foi bastante dado aos prazeres da carne», vocação temporã, já que, nas
palavras de um cronista, «foi el Rei Dom Dinis sendo mancebo mui dado
a mulheres, e segundo parece não conversou poucas». 
Ainda antes de casar (ou logo depois, consoante as fontes), D. Dinis
teve dois filhos naturais: D. Fernão Sanches, de mãe desconhecida, e D.
João Afonso, futuro senhor da Lousã, atribuído a uma D. Maria Pires,
«boa dona do Porto» (segundo um relato coevo). O primeiro casou mas
não teve filhos, possuindo, ao falecer, em resultado das doações do pai,
um relevante património (centrado nos paços de Recardães, onde tinha a
sua casa, com cavaleiros vassalos e um clérigo). Quanto ao filho de Maria
Pires, que viria a ser alferes-mor e mordomo-mor de D. Dinis, começou
por receber das mãos do pai a quinta de Montagraço, a que se seguiriam
nos anos seguintes a póvoa de Ervas Tenras, as aldeias de Outeiro de
Miranda, de Vila Verde de Bragança e de Vilarelho, na terra de Vilariça, as
de Cortiços e as Cernadela, na terra da Ledra, as vilas – além da Lousã de
Nuzelos, de Alfândega da Fé, de Arouce, ou de Ázere e (na terra de
Bragança) de Rebordões e ainda os bens reais de Portocarreiro. Casado
com uma fidalga asturiana bisneta de Afonso IX de Leão e Castela, D.
Joana Ponce de León, que lhe deu uma filha (tendo ele tido ainda outra de
uma barregã), era considerado agressivo e prepotente, pelo que não terá
recolhido as mais amplas simpatias. 
De Grácia Anes, «mulher de qualidade, natural de Torres Vedras»,
senhora da Ribeira de Sacavém, proprietária de casas junto à Sé de Lisboa,
teve D. Dinis, uns oito ou dez anos depois de casar, o bastardo D. Pedro
Afonso, que viria a ser também alferes-mor do reino, além de 3.º conde de
Barcelos, mas sobretudo destacada figura da cultura medieval peninsular,
como trovador, cronista e linhagista (tendo sido autor de um famoso Livro
de Linhagens e da Crónica Geral de Espanha de 1344). 
O pai doou-lhe vasto património em Estremoz, Évora Monte, Sintra e
Tavira, e ainda a terra de Gestaçô, assim como a própria vila de Barcelos,
possuindo ele já o respetivo título (o que levou a que ficasse conhecido
por D. Pedro de Barcelos). Mas a extensão da sua riqueza, que seria uma
das maiores em Portugal, contribuindo para o grande poder e influência
que teve, deveu-se também ao primeiro dos seus casamentos, com D.
Branca Pires Portel, herdeira de duas grandes fortunas, do seu avô
materno, D. João Pires Aboim, e, através da mãe, do património da casa
de Sousa. 
Tendo enviuvado com um filho menor, D. Pedro Afonso viria a ter duas
outras relações conjugais (sem descendência), a primeira delas com D.
Maria Ximenes, uma dama vinda de Aragão com D. Isabel, concretizando
o matrimónio com o empenho da própria rainha, que para ele pediu
autorização ao irmão, o rei Jaime II, «por amor de nós e para nos fazerdes
prazer». 
Mas talvez o bastardo preferido de D. Dinis (até mesmo mais do que os
filhos legítimos) fosse D. Afonso Sanches, outro trovador, nascido da sua
amante D. Aldonça Rodrigues de Telha, também poucos anos após o
casamento com Isabel de Aragão. Testemunho desse favoritismo foi o
cargo de mordomo-mor em que o manteve durante pelo menos 11 anos,
assim como as múltiplas doações que lhe fez, entre as quais a vila e terra
de São Fins dos Galegos, o que permitiu a D. Afonso Sanches adquirir
depois metade do castelo de Albuquerque, situado na fonteira com Castela
e de considerável relevo estratégico. O rei obteve-lhe também um
vantajoso casamento na pessoa de D. Teresa Martins Telo de Meneses,
filha mais velha do 1.º conde de Barcelos, João Afonso de Meneses
(trineto de D. Sancho I e da Ribeirinha), e neta, por via bastarda da mãe,
de Sancho IV de Castela, o que o levou a acrescentar o próprio senhorio
de Albuquerque ao seu já volumoso património, acabando mesmo por
ficar na posse da totalidade do respetivo castelo. O pai concedeu-lhe
depois o títulode conde de Albuquerque, altura em que transitou para o
meio-irmão, Pedro Afonso, o condado de Barcelos. 
Até a mãe de Afonso Sanches recebeu do amante diversas propriedades
em Vouga e em Figueiredo de Rei. Mas D. Aldonça Rodrigues, talvez
embriagada pelo seu estatuto de barregã do rei, terá cometido nessas terras
alguns abusos relacionados com a administração da justiça sobre os
habitantes, o que levou D. Dinis a ordenar limitações ao seu poder. 
O monarca teve também bastardas, sendo identificadas pelo menos
duas, curiosamente com o mesmo nome – Maria Afonso: uma, tida de D.
Marinha Gomes (uma «mulher nobre»), viria a casar com um bisneto de
Afonso X de Castela, D. João Afonso de Lacerda, tendo também recebido
diversas doações patrimoniais do pai e sido indigitada pelo meio-irmão
Afonso Sanches como possível herdeira do valioso senhorio de
Albuquerque (o que não se concretizaria, já que o bastardo de D. Dinis
acabaria por ter um filho do seu casamento, João Afonso de
Albuquerque); a outra, filha de mãe desconhecida, professaria como freira
no Mosteiro de Odivelas, fundado aliás pelo próprio pai, acabando os seus
dias em 1320, talvez com apenas 18 anos. As duas Maria Afonso foram
omitidas no Livro de Linhagens pelo meio-irmão D. Pedro de Barcelos,
apesar de aí se referir profusamente a toda a descendência varonil de D.
Dinis. 
Conhece-se ainda o nome de duas concubinas das quais D. Dinis não
terá tido filhos. A D. Branca Lourenço de Valadares, o monarca doou
«pela compra do seu corpo» (consoante estabelecido em contrato) a vila
de Mirandela, assim como as herdades de Gondomar, no termo do Porto, e
a herdade de Cidões, no termo da Maia. Quanto a D. Maria Rodrigues de
Chacim, que era neta de um aio e mordomo-mor de D. Dinis, D. Nuno
Martins de Chacim, e por isso frequentadora da corte, o rei entendeu
conceder-lhe, a 28 de outubro de 1280, o couto de Figueiró. 
A fogosidade sexual de D. Dinis, com as suas permanentes surtidas do
paço (que não seriam do agrado da rainha), tornou-se lendária, tanto mais
que – garantem alguns autores – o rei não discriminava amantes,
abrangendo mouras, ciganas ou qualquer outra etnia. Cedo se originaram
histórias em volta dessas proezas, que, à falta de confirmação, refletem a
fama que nesse domínio o monarca acabou por adquirir. 
Um dos seus antros de prazer seria o próprio Mosteiro de Odivelas,
onde certamente poucas freiras estavam a salvo das investidas régias.
Sendo as suas visitas às religiosas feitas durante a noite, D. Isabel, ao
saber por antecipação de uma dessas incursões, terá aguardado o marido a
meio do percurso de ida, acompanhada por damas da corte com archotes
acesos, dizendo ao rei quando surgiu: «Ide vê-las. Nós alumiamos o vosso
caminho.» E assim teriam nascido os nomes de Lumiar (a meio caminho
do trajeto) e Odivelas. 
Mas em Leiria, a cujo paço o casal real ficou associado, nasceu lenda
idêntica, com a rainha a cortar o passo a D. Dinis – desta feita
acompanhada por um grupo de pajens com tochas na mão – quando ele ia
render homenagem a uma bela camponesa que seduzira, daí nascendo o
nome de uma localidade nos arredores da cidade: Amor. 
E também em Alfama, certo dia, quando o rei estava em casa de uma
moura sua amante, com quem terá protagonizado uma ardente e demorada
paixão: ao aperceber-se de uma intensa claridade na rua, D. Dinis terá
perguntado o que se passava e disseram-lhe ser a escolta enviada pela
rainha para o acompanhar de regresso ao palácio. 
Tudo isso D. Isabel teve de aceitar, mais os bastardos que o rei tornou
sua tutora, sobretudo D. Afonso Sanches, D. Pedro Afonso e D. Fernão
Sanches, que em jovens ele pôs a coabitar com o casal real e dos quais ela
se tornou uma madrasta, zelando pela sua formação. 
Acolher os filhos naturais no paço era aliás prática corrente da coroa
portuguesa: um dos bastardos de D. Afonso III, D. Afonso Dinis, além de
rico-homem da corte, foi mordomo-mor da rainha D. Isabel entre 1315 e
1322. 
UMA GUERRA ENTRE LEGÍTIMO E BASTARDO 
Pese embora a sucessão de D. Dinis recair sobre o seu primogénito
legítimo, o infante D. Afonso desde cedo olhou desconfiado para a grande
acumulação de património empreendida, com o beneplácito régio, pelo
meio-irmão D. Afonso Sanches, dois anos mais velho e com quem
crescera na corte, como se fosse ele o preferido do pai. 
Até a escolha da mulher do bastardo indiciava aos olhos do príncipe um
evidente favoritismo, já que, sendo D. Teresa Martins de Meneses neta de
um rei de Castela, não era de excluir o risco potencial de D. Afonso
Sanches vir a contestar o poder do meio-irmão. Mais ainda: na
distribuição da herança do pai de D. Teresa, 1.º conde de Barcelos, D.
Afonso Sanches foi favorecido em detrimento do cunhado, D. Martim Gil
de Riba de Vizela, o segundo a usar esse título, alferes-mor de 1285 a
1295, que estava casado com a outra herdeira de D. João Afonso de
Meneses. As duas filhas do 1.º conde recorreram à justiça régia para
dirimir o conflito, e passavam já alguns anos sobre a morte de D. João
Afonso de Meneses quando D. Dinis decidiu que D. Martim Gil retinha o
título de conde de Barcelos mas que D. Afonso Sanches recebia a maior
fatia da fortuna deixada pelo sogro de ambos, o que incluía o senhorio e o
castelo de Albuquerque. 
Para o infante D. Afonso, instigado por D. Martim Gil, que clamava por
vingança (e que se exilou em Castela revoltado com a opção do rei),
tratava-se de mais uma prova de que o pai estaria a favorecer D. Afonso
Sanches (fazendo lembrar o tratamento dado por D. Afonso Henriques ao
seu bastardo Fernando Afonso). Aos ouvidos do príncipe, soavam ainda
vozes no mesmo sentido de muitos dos grandes senhores feudais, afetados
pela centralização administrativa imposta pelo monarca, limitadora dos
seus direitos e regalias, os quais terão convencido D. Afonso de que o pai
ambicionava ver o bastardo a suceder-lhe no trono, o que seria um sinal
claro da desordem e da injustiça existentes no reino. 
As relações entre o monarca e o seu sucessor legítimo agravaram-se de
tal modo que acabaram por explodir em guerra civil a partir de 1319,
segundo José Mattoso «fomentada por alguns nobres despeitados e
saudosos dos antigos privilégios feudais – que D. Dinis havia cerceado –,
mas também uma guerra querida por Castela e Aragão, reinos interessados
em enfraquecer Portugal no contexto da Península». 
O conflito dividiu os filhos do monarca: D. Dinis teve naturalmente do
seu lado D. Afonso Sanches, assim como D. João Afonso e D. Fernão
Sanches, enquanto com o infante D. Afonso esteve D. Pedro Afonso, que
era então o mordomo da mulher do legítimo herdeiro do rei – a infanta D.
Beatriz, filha de Sancho IV de Castela –, o que levava o futuro 3.º conde
de Barcelos a considerar-se vassalo do meio-irmão. Pelo seu filho
alinhava também a rainha D. Isabel – que Agustina Bessa-Luís
classificaria como «boa advogada de causas barulhentas e perniciosas» –,
valendo-lhe ser desterrada pelo marido para Alenquer (uma das terras que
ele lhe doara) e impedida de usar as suas rendas. 
Ficou o país dilacerado durante quase cinco anos por este confronto
bélico de pai contra filho, de irmãos contra irmãos. O rei publicaria três
manifestos contra o príncipe, onde o acusava de ingratidão, enquanto este
denunciava que o meio-irmão o mandara envenenar e os seus partidários
assassinavam, em 1321, o bispo de Évora (tomando depois Leiria e
Coimbra). 
No início de 1322, D. Afonso conquistou o castelo de Montemor-o-
Velho, Feira, Gaia e Porto, cercando Guimarães a seguir, enquanto D.
Dinis o atacaria em Coimbra. Mas, sem força para se impor, o rei acabou
por se ver obrigado a assinar, nesse ano em Leiria, tréguas com o filho, a
quem teve de satisfazer duas das suas mais importantes exigências: afastar
D. Afonso Sanches do cargo de mordomo-mor e obrigá-lo ao exílio (em
Albuquerque), compensando-o com 10 000 libras. 
Mesmo assim, os combates prosseguiram por mais dois anos, tendo
terminado em fevereiro de 1324 (meses após uma grande refrega que opôs
as duas partes em Alvalade,nos arredores de Lisboa) com mais um acordo
de paz entre pai e filho – subscrito em Santarém sob os auspícios da rainha
–, pelo qual D. Dinis, recalcitrante, reconhecia que D. Afonso seria o seu
sucessor. 
O monarca morreria menos de um ano depois, em janeiro de 1325, após
um reinado de 46 anos (o mais longo até então em Portugal). Tinha
começado a governação a combater contra o seu irmão, D. Afonso,
terminou-a a combater contra o seu filho, outro D. Afonso. Afastado da
rainha em vida, assim ficaria também depois de morto: sepultado no seu
Mosteiro de Odivelas, o corpo de D. Isabel (falecida 11 anos depois) viria
a repousar no Mosteiro de Santa Clara em Coimbra. 
Sucedeu-lhe o herdeiro natural e legítimo, triunfador da guerra civil,
com o título de D. Afonso IV. 
O MORALISMO DE D. AFONSO IV 
D. Afonso IV não se esqueceu da afronta dos meios-irmãos contra os
quais lutou. Após receber a coroa, continuou a perseguir D. Afonso
Sanches, apesar de ter este aceitado reconhecer a sua realeza. E essa
animosidade prosseguiu mesmo estando o bastardo exilado em Castela,
talvez por não considerar seguras as muralhas do castelo de Albuquerque
ou temer um ataque do rei português. 
Continuando a acusar o outro de traição, o sucessor de D. Dinis
condenou-o ao desterro perpétuo e confiscou-lhe as terras e demais bens,
invocando a suposta tentativa de envenenamento e a pretensão de usurpar
o trono. De nada valeram os protestos de D. Afonso Sanches, que
procurou defender de armas na mão as doações que recebera do pai, até
com incursões sobre território fronteiriço português, a mais importante das
quais em 1326. D. Afonso IV retaliou à mesma maneira, sobretudo na
zona de Albuquerque, onde se mantinham os apoios mais importantes do
meio-irmão, que não conseguiu ir muito longe nas suas tentativas de
invasão. 
Ao fim de três anos de contenda, a intervenção de D. Isabel de Aragão –
então na qualidade de rainha-mãe – e a doença do seu enteado levaram de
novo, em 1328, à assinatura de um tratado de paz, implicando a restituição
ao bastardo de todo o património que lhe havia sido arrestado. No entanto,
só a sua morte, no ano seguinte, aos 40 anos, pôs termo à fúria de D.
Afonso IV para com o rival. Sepultado no Convento de Santa Clara em
Vila do Conde (que fundou nessa localidade de que aliás era senhor), D.
Afonso Sanches deixou um único descendente conhecido, D. João
Afonso, 6.º senhor de Albuquerque, o qual veio a ter um filho legítimo e
quatro bastardos. 
Mais violento acabou por ser o tratamento dado pelo rei a D. João
Afonso, o senhor da Lousã, um dos meios-irmãos que ousaram ficar do
lado de D. Afonso Sanches, e que foi detido pouco após a coroação de D.
Afonso IV. Por esse conluio de bastardos, o monarca condenou o filho de
D. Maria Pires à morte, sob a acusação de traição, em sentença datada de
4 de julho de 1326, embora exprimindo o seu pesar por ser «contra
homem que se chama filho de El-Rei D. Dinis, nosso pai» (mas cujo vasto
património em terras podia ser prejudicial ao exercício do poder régio). D.
João Afonso terá sido de imediato degolado. 
Ao contrário dos antecessores, D. Afonso IV criou pelo menos a
aparência de uma vida sexual convencional, não se lhe conhecendo
mulher para além de D. Beatriz, dois anos mais nova, vinda para Portugal
aos 4 anos, casando com ele aos 16 e tornando-se rainha aos 32. Dela teve
sete filhos, e de entre os quatro varões apenas o terceiro, D. Pedro,
sobreviveu à infância, ficando por isso à frente na linha de sucessão. A sua
filha primogénita, D. Maria (a «formosíssima Maria» mencionada por
Luís de Camões em Os Lusíadas), casou com o rei Afonso XI de Castela,
mas, tornando-se notório que era maltratada pelo marido, o monarca
português, desagradado, atacou terras fronteiriças do reino vizinho, numa
guerra de atrito que só terminou ao fim de quatro anos por intervenção da
própria D. Maria de Portugal, com um tratado de paz assinado em Sevilha
em 1339. 
D. Afonso IV foi até um rei rigorosamente moralista, que quis
desencadear combate aos adultérios masculinos e em particular aos
«homens casados que tiverem barregãs», a alguns dos quais terá mesmo
aplicado a sentença de morte, consagrada em lei por ele promulgada (a
qual, porém, isentava os fidalgos da pena capital, bastando no seu caso a
apreensão de dinheiro ou bens e a expulsão do reino). Também havia
punição para «todo homem ou mulher que alcovitar […] mulher virgem
ou casada ou religiosa ou viúva que viva honestamente, […] que em sua
casa, ou em outra alguma, destas mulheres façam maldade de seus
corpos». No caso de mulher virgem ou viúva, o condenado era obrigado a
casar com ela, se o aceitasse, ou a pagar o seu casamento. Arriscavam
ainda serem açoitados com pregão na sua própria povoação e dela
expulsos para sempre, com perda dos bens, ou até, em caso de
reincidência, a pena de morte. O castigo máximo estava também destinado
a viúvas que vivessem em «pecado» ou «malefício da luxúria», rejeitando
tanto a «castidade» como o matrimónio. Em contrapartida, o marido que
assassinasse a esposa acusada de adultério, mesmo sem a encontrar em
flagrante, era isento de qualquer pena. 
Como justificação para as suas leis repressoras do sexo extraconjugal,
alegou o monarca que tal sistema tencionava «tolher os usos e costumes
que são contra a vontade de Deus e da prol comunal da terra»,
constatando, do seu ponto de vista, a enorme permissividade no reino a
esse respeito. 
Alguns genealogistas defendem contudo que D. Afonso IV terá
prevaricado perante a sua própria legislação, chegando a nascer-lhe sete
anos depois de casar, em 1316, uma filha, de nome D. Maria ou D. Maria
Afonso, gerada no ventre de uma barregã de identidade desconhecida.
Essa bastarda viria a casar com um nobre castelhano bisneto de Afonso X,
D. Fernando Afonso, senhor de Valência de Campos e grão-mestre da
Ordem de Santiago, de que resultaram três filhos, com descendência que
irá dar origem a quatro presidentes da Colômbia. 
Houve ainda vagos rumores, nunca confirmados, de uma outra criança
ilegítima de D. Afonso IV, tida de mais uma bastarda real, D. Violante
Sanches, filha de Sancho IV de Castela e Leão e da portuguesa Maria
Afonso Teles de Meneses (trineta de D. Sancho I e da Ribeirinha), sem
que disso exista qualquer comprovação histórica. 
Afonso IV 
© Alamy/Fotobanco
A TRÁGICA PAIXÃO DE PEDRO E INÊS 
Quem também violaria a legislação de D. Afonso IV sobre práticas
sexuais seria o seu próprio filho e sucessor, D. Pedro. 
Como herdeiro do trono, foi-lhe arranjado matrimónio com uma nobre
castelhana, D. Constança Manuel, filha de um dos mais destacados
senhores do país vizinho, D. João Manuel. Antes, tinha D. Pedro 8 anos,
estivera-lhe prometida outra noiva de além-fronteira, a infanta D. Branca,
filha de um D. Pedro ex-regente de Castela, tio já falecido de Afonso XI,
mas o consórcio não terá chegado a realizar-se porque, uma vez em
Portugal a partir do ano seguinte, a menina, então com 10 anos, foi
julgada incapaz de ter filhos, além de atrasada de espírito, pelo que o
príncipe a repudiou e foi, tempos depois, devolvida à procedência para
passar o resto dos dias num convento em Burgos. Surgirá contudo a teoria
– favorecida pelo facto de a infanta só ter regressado a Castela uma
década depois de chegar a Portugal – de que o casamento teria sido
realizado, embora não consumado. 
Tinha D. Pedro 11 anos, por volta de 1331, quando o nome de D.
Constança Manuel começou a ser aventado para sua esposa nas relações
diplomáticas entre os dois países, embora envolto em grande secretismo,
já que a questão de D. Branca ainda não estava resolvida. Aliás, aos 7
anos, D. Constança Manuel terá mesmo casado com Afonso XI, com o
dobro da idade, num compromisso que chegou a ser ratificado pelas
Cortes castelhanas, mas o matrimónio, nunca consumado, acabou por ser
anulado, já que o rei de Castela repudiou a noiva para, três anos mais
tarde, tomar a mão da filha mais velha de D. Afonso IV. Só então surgiria
o acordo para a união de D. Pedro e D. Constança

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