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www.un i su l . b r S o cio lo g ia ju ríd ica Sociologia jurídica Universidade do Sul de Santa Catarina Sociologia jurídica Este livro apresenta as relações existentes entre sociedade e Direito, tendo como pressuposto o fato de que o Direito situa-se dentro da sociedade, e não acima dela. Nesta perspectiva, os temas tratados em cada capítulo pretendem reconectar Direito e sociedade, reproduzindo o percurso histórico da construção epistemológica da Ciência Jurídica. Universidade do Sul de Santa Catarina UnisulVirtual Palhoça, 2013 Sociologia Jurídica Livro didático Designer instrucional Luiz Henrique Queriquelli Maria Terezinha da Silva do Sacramento UnisulVirtual Palhoça, 2013 Sociologia Jurídica Livro Didático Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul Copyright © UnisulVirtual 2013 Professora conteudista Maria Terezinha da Silva do Sacramento Designer instrucional Luiz Henrique Queriquelli ISBN 978-85-7817-607-5 Projeto gráfico e capa Equipe UnisulVirtual Diagramador(a) Daiana Ferreira Cassanego Revisor(a) Amaline Boulos Issa Mussi Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. 340.2 S12 Sacramento, Maria Terezinha da Silva do Sociologia jurídica : livro didático / Maria Terezinha da Silva do Sacramento ; design instrucional Luiz Henrique Queriquelli. – Palhoça : UnisulVirtual, 2013. 112 p. : il. ; 28 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7817-607-5 1. Sociologia jurídica. I. Queriquelli, Luiz Henrique. II. Título. Sumário Introdução | 7 Capítulo 1 Abordagem sociológica do sistema jurídico | 9 Capítulo 2 Definições sociológicas do Direito | 23 Capítulo 3 Estado, poder e controle social e segurança | 57 Capítulo 4 Criminologia e antropologia | 85 Considerações Finais | 103 Referências | 105 Sobre a Professora Conteudista | 111 7 Introdução Este livro pretende levá‑lo/a a refletir sobre a sociedade e sobre o Direito. O pressuposto é que o Direito situa‑se dentro da sociedade, e não acima dela. Nesta perspectiva, os temas tratados em cada capítulo pretendem reconectar Direito e sociedade, reproduzindo o percurso histórico da construção epistemológica da Ciência Jurídica. A abordagem sociológica do Direito representa a oportunidade de revelar os muitos atalhos que marcaram o surgimento do Direito. Há, porém, dois pontos que unem sociedade e Direito: a busca incansável da ordem e a certeza de ser o homem um ser gregário por natureza. Em qualquer civilização ou realidade social, o operador do Direito é um agente da sua cultura. Seria, então, correto pensar o Direito como uma singularidade da razão científica? A resposta a esta questão é assegurada pela presente abordagem sociológica do sistema jurídico, a identificação dos pontos de conexão entre Sociologia Jurídica e Ciência Jurídica, e, consequentemente, a diferenciação do monismo e pluralismo jurídico. Boa leitura! Prof.ª Maria Terezinha da Silva do Sacramento 9 Seções de estudo Habilidades Capítulo 1 Abordagem sociológica do sistema jurídico Identificar e relacionar a origem da Sociologia Jurídica como processo interpretativo do Direito e extrair dos movimentos e das Escolas do Direito e da Sociologia, conclusões e fundamentos para julgar o melhor método de aplicação do Direito. Seção 1: A origem histórica do Direito Seção 2: As principais escolas do Direito 10 Capítulo 1 Seção 1 A origem histórica do Direito Quando se tenta reproduzir a história do Direito a partir da modernidade até os dias atuais, há um risco iminente de se reter a lógica do Direito na política. Esse risco decorre de uma relação com o poder, dentro da qual o efeito coercitivo da norma acaba diluindo a função e o efeito da razão humana na busca incessante da ordem. A abordagem sociológica não se satisfaz com a explicação positivista e evolucionista do Direito. (FREUND, 1987, p. 78). Esta é uma afirmação de Max Weber, considerado um dos mais importantes clássicos, juntamente com Hans Kelsen, na discussão da temática jurídica moderna. Weber sustenta sua crítica ao positivismo e às doutrinas evolucionistas, combatendo as pretensões generalistas de extrair leis de processos de interação mecânica para explicar o progresso; e, por conta desse progresso, a personalidade coletiva. Esta suposição colocaria à margem da razão aquelas instituições ou tipos de sociedades que divergem da forma paradigmática do progresso na cultura ocidental. Até onde nos é permitido conhecer, os estudos arqueológicos indicam que o controle social e as leis estiveram diretamente associados à evolução do homem. (HOEBEL; FROST, 1976, p. 302‑318). As fontes místicas, como a adivinhação e a maldição condicional, foram as formas mais comuns praticadas pelos povos primitivos. A frase “Se o que eu digo não for verdade, então possa o sobrenatural me destruir”, segundo Hoebel e Frost (1976), sempre aparece num processo de julgamento. O juízo de Deus foi uma prática no Ocidente até a Idade Média, e, com algumas variações, em toda a Ásia, Indonésia e África. Aí, o juízo de Deus, incluindo o envenenamento do réu, não constitui prática rara. Entre outros povos, o réu podia beber uma bebida envenenada durante o julgamento. O vômito, ou não, era decisivo para levar o réu à morte. Na história do Direito escrito, foi na região situada entre os rios Tigres e Eufrates que se encontraram os primeiros documentos em escritas cuneiformes. Nestes documentos, o Direito estava também ligado à noção de sagrado: o Código de Ur‑Nammu, as Leis de Eshnunna, as leis Lipti‑Ishtar e o Código de Hamurábi. (PALMA, 2011, p. 31‑35). Nossa primeira tarefa é desvendar, a trajetória do Direito no pensamento jurídico, tentando identificar, de um lado, como as escolas apresentam a sua compreensão da origem do Direito, e, ainda, como o conhecimento jurídico, em sua evolução histórica, contribui para o aperfeiçoamento da justiça. Sociologia Jurídica 11 Seção 2 As principais escolas do Direito Se examinarmos, no percurso das ideias, a discussão em torno do Direito, é possível perceber que o pensamento jurídico traduz o modelo de racionalidade em cada época, assim como as condições sociais existentes. Quanto mais nos aproximamos da modernidade, mais centrais as preocupações com as fontes da ordem. Impõe‑se, neste tópico, desviar dos paradigmas dogmáticos para alcançar uma linguagem metajurídica que permanece subjacente ao esquema dialógico das escolas. 2.1 Escola jusnaturalista Conhecido também como Direito natural, o jusnaturalismo chegou a nós pela teoria do contrato social. Mas a teoria do Direito natural, para muitos dos estudiosos, começa pelo pensamento político grego, com Heráclito, Sócrates Platão entre outros, cabendo o lugar de destaque a Aristóteles. (NAY, 2007, p. 49‑50). Sua reflexão sobre a natureza humana apresenta uma teoria organicista da sociedade, inspirada numa concepção de ordem espontânea, por analogia ao organismo vivo. O homem, na sua concepção, é um animal político zoon politikon. A pólis seria uma extensão da natureza, por um desejo natural do homem de viver em comunidade. Segundo esta concepção, a evolução consiste na constituição e adequação de novos agrupamentos ordenados por necessidades que variam com o tempo e a capacidade destes de prover ao homem as condições morais e materiais de subsistência. Platão afirmou que a justiça ideal seria reservada aos deuses e que os homens deveriam imitá‑los incessantemente. Já, no livro As Leis, ao deslocar seu eixo temático para a cidade, a ordem nas relações políticas ganha outra preocupação, agora com o equilíbrio, ou seja, a justa medida. Contudo, tanto Platãoquanto Aristóteles não veem oposição entre os dois conceitos, e sim complementaridade. Tanto é que, imbuídos dessa convicção, orientam a filosofia a buscar um código moral ditado pela natureza. (MORRAL, 2000, p. 30). As preocupações de Platão com a justiça colocam a vida moral acima do poder. O ideal da vida é a realização de um bem espiritual. Assim, o sentido da educação só se materializa na sabedoria. Educar o corpo é frear os impulsos e moderar os apetites irracionais. É possível verificar que o pensamento grego toma a natureza como ente ordenado. Na cosmologia grega, a ordem é tão natural como o é o homem. Neste contexto, os valores humanos devem ser estáveis, porque é deles que a razão se alimenta. 12 Capítulo 1 Quando se consulta qualquer obra do pensamento político antigo, pode‑se verificar que toda forma de organização social se sustenta na trilogia: Deus, Natureza e Lei. Na Idade Média, Santo Tomás de Aquino segue preconizando a ordem como originária de Deus, em sua Summa Theologiae (Suma Teológica). Seguindo o mesmo paradigma evolutivo, definiu a lei eterna, à qual tudo estaria subordinado. A lei natural diz respeito a todos os seres que, ao abrigo da natureza, realizam sua função vital: proteger‑se e reproduzir‑se. Nesta inclui‑se o homem, para quem não basta o instinto da sobrevivência e da procriação. Na lei da natureza, inscrevem‑se padrões de conduta racionalmente desejáveis para todos os seres humanos. Por exemplo, fazer o bem e recusar o mal. A lei humana ou lei positiva segue o imperativo da razão prática, mas sem modificar os imperativos da lei natural. A lei positiva faz a adaptação do homem ao seu tempo histórico ou circunstâncias, mas não pode desobedecer às premissas da lei natural, caso contrário estas seriam consideradas injustas. Em resumo, as leis naturais não são aquelas que encontramos nos códigos, mas, os valores determinantes dos princípios e das obrigações, os quais criam a ordem social e estabelecem padrões de conduta em sociedade. 2.2 Escola contratualista ou racionalista A escola racionalista, também conhecida como escola positivista, contra a qual combateu a escola histórica do Direito, é algumas vezes confundida com o positivismo sociológico de Augusto Comte. Este último, na primeira metade do século XIX, publicou diversas obras, pelas quais desenvolveu, numa sequência lógica, a lei dos três estados e a classificação das ciências como um processo evolutivo que marca a passagem da idade teológica para a idade metafísica e, desta, para a idade positiva. A ordem social, segundo o pensador, segue um processo evolutivo que se revela pela inteligência humana. Entretanto um olhar atento ao movimento racionalista na história verificará que a Escola Positivista se identifica com o monismo que predominou na teoria contratualista do século XVII e XVIII, iniciada por Thomas Hobbes na Inglaterra. Em O cidadão (HOBBES, 2002 [1651]) e, depois, em O Leviatã (HOBBES, 2003 [1651]), o pensador inglês dá início a uma exposição sistemática sobre o estado de natureza, onde imperaria o reino da irracionalidade, “a guerra de todos contra todos”, para chegar à conclusão que o homem seria incapaz de Figura 1.1 – Trilogia do pensamento político antigo Deus Natureza Lei Fonte: Elaboração do autor (2013). Sociologia Jurídica 13 se auto‑organizar. Nessa exposição, o mundo de Hobbes é desprovido de ordem, dominado pelo caos e pelo conflito, até a fundação do Estado. Do ponto de vista político, Hobbes inaugura, no dizer de Duso (2006, p. 111), uma nova ciência, a qual seria tão somente uma estratégia política racionalista para o estabelecimento da paz. O cenário desta construção racionalista da ordem política e jurídica seria o contrato social. Identificada como um movimento de oposição ao Direito natural, Hobbes funda uma concepção de representação política, amparada na força legítima do pacto social. Na interpretação de Weber, Hobbes precisaria de um corpo de indivíduos que formasse uma coletividade para servir de base de constituição da autoridade. É esta autoridade que, uma vez incorporada na pessoa pública, se impõe de cima a todos os que estão submetidos à lei. Na interpretação de Weber, a dogmática jurídica faz parte da composição desse tipo complexo de dominação que envolve o aparato político, administrativo e legal, denominada pelo autor como racional legal. Hans Kelsen, de acordo com Norberto Bobbio (2004, p. 340), é um dos maiores teóricos do Estado moderno e, no meio jurídico internacional, é considerado o principal representante do positivismo ou dogmatismo jurídico. Filho de pais judeus, Hans Kelsen nasceu na cidade de Praga (Boêmia austríaca), integrante do Império Austro‑húngaro, em 11 de outubro de 1881. Ingressou na Universidade de Viena e, sob a influência de Otto Weininger, iniciou seus estudos em ciência jurídica. Em 1905, por força do antissemitismo que se expandia até a Universidade de Viena, converteu‑se ao catolicismo e, no ano seguinte, completava o seu doutorado, obtendo o título de doutor. Em 1908, conseguiu uma bolsa de estudos, seguindo, então, para Heidelberg, onde se dedicou ao livro intitulado Principais Problemas da Teoria Geral do Estado. Por problemas financeiros, teve que retornar a Viena, deixando sua obra incompleta. As primeiras tentativas de profissionalização não foram tão fáceis. Prestou concurso para uma vaga de professor na Universidade de Viena, mais tarde passou a trabalhar em um escritório de advocacia, mas logo o abandonou, para se dedicar às funções junto ao secretariado do Kaiser‑Jubilaums‑Ausstellung. Talvez esta fosse a maior oportunidade de alçar voo rumo ao reconhecimento e à consagração internacional. Em 1912, tornou‑se editor da Revista Austríaca de Figura 1.2 ‑ Hans Kelsen (1881‑1973) Fonte: LABORATORIO HANS KELSEN (2013). 14 Capítulo 1 Direito Público. Embora tivesse que interromper suas atividades durante a Primeira Guerra Mundial, prestou serviços militares. Para alguns dos seus intérpretes, isso teria contribuído para ampliar os conhecimentos e experiência que viriam consolidar a sua concepção do Direito e a convergência deste com o Estado. Em 1918, foi efetivado no cargo de professor da Faculdade de Direito da Universidade de Viena. Daí em diante, seu nome e experiência acadêmica consagraram a sua biografia como pai do dogmatismo jurídico. Trabalhou na elaboração da Constituição da República, a qual criou a primeira Corte Constitucional da história do Direito. No ano seguinte, publicou um trabalho onde comentava a Constituição da República Austro‑alemã e, no mesmo ano, tornava‑se catedrático da Universidade de Viena. Em 1º de outubro de 1920, entrava em vigor a Constituição Austro‑alemã e, com ela, a consagração internacional de Hans Kelsen. Em 1930, atuou como professor na Universidade de Colônia, e, em 1940, mudou‑se para os Estados Unidos, onde, na Universidade de Harvard, atuou como conferencista. De 1942 a 1945, foi professor de Ciência Política na Universidade da Califórnia. Publicou sua segunda obra de consagrado valor em 1944: trata‑se da Teoria Pura do Direito. O controle concentrado de constitucionalidade é o mais importante legado do autor. Para Kelsen, o que tem valor é apenas o conteúdo normativo. A sanção é consequência normativa da violação de um preceito primário. O Direito é a única fonte da ordem social. Com isso, ele nega qualquer possibilidade de a Sociologia do Direito se constituir como uma ciência fora do universo do fenômeno jurídico. Contrariando qualquer outra fonte de ordenamento não jurídico, Kelsen não admite qualquer tipo de ordenamento que não seja coativo. O Direito como sistema normativo se realiza, segundo a concepção racionalista de Kelsen, mediante o exercício máximo do poder: oEstado. Na interpretação de Norberto Bobbio, para Kelsen o Estado não existe fora do ordenamento jurídico, na medida em que concebe o poder a partir do Direito. Dessa interpretação, é possível concluir que o caráter imutável do Direito decorre da convergência com o homem artificial de Hobbes (1971 [1666], p. 55 apud BRANCO, 2009, p. 52) “It is not Wisdom, but authority that makes the Law” (não é a sabedoria, mas a autoridade, que faz a lei). Equivale dizer que, ao conceber a monopolização estatal da norma, Kelsen está se referindo à razão expressa na força e na lei de onde derivaria o poder. A lógica desta submissão é a mesma que faz resultar a sociedade como um corpo civil (artificial body, artificial man) que não admite outra subordinação a não ser ao Estado. (PONCCININI, 2005, p. 123‑124). Numa interpretação das teorias positivistas, Sabadell (2002. p. 37) comenta que, no pensamento jurídico, as teorias do Direito positivo estão centradas na sua aplicação. Equivale dizer que a interpretação do Direito fica restrita aos tribunais. Sociologia Jurídica 15 2.3 Escola histórica do Direito A Escola Histórica do Direito foi fundada na Alemanha, no século XIX, como um movimento de oposição ao racionalismo iluminista dos séculos XVII e XVIII. Para alguns dos seus intérpretes, essa reação incluiu uma forte rejeição à Revolução Francesa e à ocupação napoleônica. (LOWY, 2000, p. 66). É consenso que a Escola Histórica do Direito foi fortemente influenciada pelo romantismo alemão, tendo a sua frente Gustav Hugo (1764‑1844), mas coube ao jurista alemão Friedrich Carl von Savigny (1779‑1861) o título de fundador da Escola Histórica do Direito. Savigny veio de uma família cuja tradição estava ligada ao nome do castelo Savigny, localizado nas proximidades de Charmes, no vale do rio Mosela. Entrou para a Universidade de Marburg em 1795, onde se formou em Direito, e, na mesma universidade, foi admitido como Privatdozent, ensinando Direito Penal e Direito Romano. Em 1803, publicou seu primeiro trabalho, o qual se tornaria um famoso tratado: Das Recht des Besitzes (Tratado da Posse). Seu livro teve uma enorme aceitação na Europa. Seu empenho na pesquisa das fontes sobre o Direito Romano ganhava publicidade e o reconhecimento viria, de imediato, do governo bávaro, com a nomeação para o cargo de professor de Direito Civil romano em Landshut. Em 1810, já ocupava o cargo de professor de Direito Romano na nova Universidade de Berlim. Ali recebeu a incumbência de criar um tribunal extraordinário, competente para emitir opiniões aos casos encaminhados a ele por outros tribunais ordinários. O que tornou Savigny uma figura notável no meio jurídico alemão e em toda a Europa foi o seu projeto, considerado um empreendimento filosófico‑jurídico. Opôs‑se ao racionalismo iluminista e se destacou no combate: a. à ideia do contrato social, recusando‑se a aceitar o Direito como fruto da vontade dos homens. b. ao positivismo e, nesse combate, valorizou outras fontes do Direito contra o centralismo constitucionalista do positivismo. c. ao esquecimento do Direito Romano, resgatando a identidade cultural das cidades e das doutrinas eclesiásticas. d. à desvalorização dos costumes locais e a tradição. Recuperou o sentimento e a sensibilidade no tratamento do Direito como a identidade de cada povo. Figura 1.3 ‑ Friedrich Carl von Savigny (1779‑1861) Fonte: GAEDDAL (2006). 16 Capítulo 1 Para alguns intérpretes (HERKENHOFF, 1977, p. 41; ALBUQUERQUE, 2008, p. 19), a Escola Histórica engloba duas linhas: a dogmática e a evolutiva. A primeira, filiada a Savigny e seus seguidores Eichhorn e Henry Maine, defende a não vinculação exclusiva do intérprete à letra da lei, mas a inclusão na sistemática jurídica, da interpretação da lei em acordo com todo o ordenamento jurídico. A linhagem evolutiva, seguindo os teóricos Saleilles e Köhler, preconiza uma interpretação a posteriori do sentido da lei, e acrescenta uma função criadora do Direito. A partir daí, o intérprete deve compreender não apenas a intenção do legislador (a mens legis) mas transpor aquela intenção para o momento ou época da aplicação da lei. Cavalieri Filho (2010, p. 22) lembra que, pela primeira vez, ao combater a concepção prevalecente da existência de um Direito natural, permanente e imutável, o movimento antirracionalista, impulsionado pela Escola Histórica do Direito, desloca o eixo da preocupação do que deveria ser o Direito, para a preocupação de saber como o Direito se forma na sociedade. Por sua vez, o evolucionismo se volta para a sociedade ao negar que o Direito seja produto exclusivo da história, de Deus ou da razão. Mais adiante, veremos que, à semelhança do que Durkheim havia proferido em seu livro As Regras do Método Sociológico, a norma moral assim como o Direito formam a consciência coletiva dos povos (Volks geist). Na concepção evolucionista, essa consciência nada mais é do que a construção gradual e paulatina do Direito pelas tradições e costumes. Ao contrário de um Direito imutável, permanente, nos postulados da Escola Histórica do Direito ele se configuraria entre o conjunto dos elementos da cultura – à medida que as relações sociais se tornam mais complexas, o Direito vai‑se readequando por força das necessidades e usos e costumes dos povos. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 22). As posições favoráveis a essa escola são muitas, mas o ponto favorável mais destacado é o mérito do movimento antirracionalista de recuperar o caráter social dos fenômenos jurídicos. Em vez de ser na letra da lei, é na vida social que o operador do Direito vai buscar os fundamentos do Direito. 2.4 Escola da livre pesquisa científica Considerada uma das matrizes histórico‑teórica da Sociologia do Direito de Eugen Ehrlich, a Escola da Livre Pesquisa Científica contribuiu para ampliar o movimento para além da influência da filosofia alemã. François Gény estudou Direito em Nancy, França, de 1878 a 1887. Logo que concluiu seus estudos, tornou‑se professor de Direito Romano em Algier, de 1888‑1889. Ensinou Direito Civil e Direito Internacional na Universidade de Dijon (1890‑1900). Sociologia Jurídica 17 Introduziu a noção de livre pesquisa científica para a interpretação da lei positiva. Para Gény, a lei é uma importante fonte do Direito, mas não a única. Não sendo suficiente, ante as lacunas da lei o jurista deve apoiar‑se em outras fontes, como os costumes, as jurisprudência e as doutrinas. Uma das mais fortes influências sobre a Escola do Direito Livre é a proposição de caráter metodológico possivelmente inspirada no movimento positivista da França, em que Gény atribui ao operador do Direito a competência de criar normas para solucionar os conflitos. Essa competência seria adquirida pela livre investigação científica do Direito, pautada na realidade social. Para alguns intérpretes (ALBUQUERQUE, 2008), esse método ou técnica, como denominam alguns dos seus intérpretes, permite uma conciliação entre o dispositivo da lei e o trabalho científico do operador do Direito. Em que consiste essa técnica? Extrair da realidade social os elementos que definiriam a convivência humana, com base na tradição do povo, nos fatores econômicos e nas condições históricas de cada povo. Para muitos dos intérpretes, o Direito foi desdobrado em duas fontes: dados e construído. O Direito dado corresponde às fontes originárias da convivência entre os homens. Essas fontes guardam semelhanças com as da Escola Histórica do Direito. São as tradições, os valores de um povo e os fatores econômicos que representam as condições históricas de cada sociedade. Já o Direito construído corresponderia às normas construídas pelo jurista na sua concepção metodológica. Portanto a Livre Pesquisa Científica é o âmbito do Direitoconstruído. Nele, o operador do Direito deve buscar o material real, ou seja, aquela dimensão da vida social que independe da vontade do legislador, mas que, na lide do jurista, se interpõe entre a lei e as motivações e conduta das pessoas na sua convivência em sociedade. O que se pode notar nesta leitura do Direito proposta por Géni é que, embora não negando o Direito positivo, ele interpõe à concepção racionalista do Direito, uma outra concepção de racionalidade com base na realidade concreta da convivência humana. Assim, a realidade – e não o dever ser somente – ganha um status normativo de Direito, independente da vontade do legislador. Muito próximo das preocupações de Montesquieu, Saint Simon e de Comte, Gény toma a moral e os fatores econômicos como elementos das regras do Direito, o que denota uma identidade com o raciocínio positivista, na tradição francesa. Coelho (1979, p. 249) destaca quatro categorias componentes dessas regras do Direito: Figura 1.4 ‑ François Gény (1861‑1959) Fonte: Freysselinard (2009). 18 Capítulo 1 1. Dados reais ou naturais: Fazem parte da realidade física e psicológica que estão relacionadas com o clima e as tradições religiosas. 2. Dados históricos: Traduzem os fatos físicos e psicológicos manifestos nos hábitos e na indumentária de um povo. 3. Dados racionais: São os valores de um povo, de onde se extraem os fundamentos da justiça como o caráter sagrado da vida humana. 4. Dados ideais: Constituem os princípios jurídicos dedutíveis da realidade social como contextualização histórica e material da moral numa dada sociedade e em dada época. Da análise de Coelho, deduz‑se que Gény dá um passo qualitativo em relação aos seus predecessores, com destino a uma Sociologia – enquanto física social – identificada com os postulados de uma ciência da sociedade que pretendia o mesmo status da ciência, cujo objeto de estudo é a física, a química e a fisiologia. Adotar‑se‑ia o mesmo sistema intelectual que havia inspirado a economia política da época de Jean Baptiste Say, Saint‑Simon e Comte, cuja pressuposição seria estabelecer leis invariáveis entre sociedade e natureza. Equivale dizer que a ciência da sociedade participaria do mesmo sistema das ciências naturais. (LÖWI, 2009, p. 27). Géni, seguindo o raciocínio positivista da época, vai definir uma hierarquia que ele chama de dados em três níveis: 1. Dados absolutamente gerais: Diz respeito a um valor intrínseco e indiscutível, porque, além de abstrato, não permite a discussão pelo grupo. Por exemplo, o bem está acima do mal e, por isso, deve ser realizado. 2. Dados relativamente gerais: Diz respeito a fatos concretos, podendo ser passíveis de contestação. Por exemplo, a vida humana pode ser um valor axiológico por outro discutível. Um dos exemplos é a eutanásia e o aborto. Um grupo de pessoas pode ser a favor, e, outro, contra. 3. Dados mais precisos: São aqueles que, por sua concretude no plano da existência humana, são contingentes como a própria vida, podendo, por isso, ser debatidos. Nos dias atuais, o aborto é aceitável em muitas sociedades. Esses dados são originários, imutáveis, gerais e independentes da vontade do legislador. O conjunto de normas construídas pelo jurista a partir desses dados é que constitui a tarefa da Livre Pesquisa Científica. Trata‑se do âmbito do Direito construído. É no construído, segundo a interpretação de Albuquerque, que François Géni articula a função sociológica como uma técnica jurídica sobreposta a outras técnicas como a legislativa, doutrinária e gramatical. Sociologia Jurídica 19 2.5 Escola sociológica do Direito Embora a Sociologia do Direito apareça muitas vezes associada a Herbert Spencer e sua obra, Principles of Sociology, ao positivismo de Augusto Comte e à Émile Durkheim (ROSA,2009), é no desdobramento epistemológico da Ciência do Direito que encontramos a origem da Escola Sociológica do Direito. A razão disso é que, como se pode notar, o Direito surge como uma ciência autônoma mas incapaz de se desvencilhar do seu objeto de estudo: o homem e sua vida em sociedade. Até mesmo Hans Kelsen, em Teoria Pura do Direito (KELSEN, 2009, p. 68), para quem o fenômeno jurídico é um sistema de normas válidas, reconheceu que as “normas morais prescrevem uma conduta do homem em face de si mesmo” e que “o Direito e a moral constituem diferentes espécies de sistema de normas”. Esta questão ocupa grande parte do livro Economia e Sociedade, de Weber. (WEBER, 1999, p. 3‑85). Parece inequívoca a conclusão de que os movimentos nascidos do diálogo entre as diversas escolas e o positivismo jurídico contribuíram para a fundação da Sociologia Jurídica. É consenso na literatura ter sido Eugen Ehrlich o fundador da Sociologia do Direito. Contudo este mérito deve ser compartilhado entre outros juristas: Friedrich Carl von Savigny, François Géni e Hermann Kantorowicz. Certamente o Movimento do Direito Vivo e o Movimento do Direito Livre vão encontrar um ambiente intelectual propício ao embate das vertentes positivistas. A receptividade do meio jurídico é o outro fator que não pode ser isolado da evolução e da revolta antiformalista. 2.5.1 Movimento do direito vivo Considerado o fundador da Sociologia do Direito, Eugen Ehrlich tornou‑se uma referência obrigatória na literatura, por ser o primeiro crítico do positivismo jurídico a escrever um livro intitulado Grundiegung der Soziologie des Rechts (Fundamentos da Sociologia do Direito). (EHRLICH, 1986). O Direito Vivo representa a maior expressão dos movimentos que concorreram contra o positivismo jurídico. Nascido na cidade de Czernowtz, capital da província de Bukovina, na Áustria, Ehrlich estudou Direito em Viena, tendo ocupado em 1897 a cadeira de professor de Direito Romano na universidade de sua cidade natal. Faleceu em 1922. Os princípios sociojurídicos de Eugen Ehrlich serviram de pilares de sustentação do Movimento do Direito Livre. O método da sua Sociologia Jurídica se baseia no predomínio da decisão judicial sobre as normas. Uma das contribuições de Ehrlich no conjunto dos movimentos que marcaram o percurso da Ciência do Direito foi, para Claudio Souto, o combate ao tecnicismo, que privilegiou as doutrinas em detrimento da realidade social. (SOUTO; SOUTO, 1997). 20 Capítulo 1 É importante perceber que a Sociologia do Direito de Eugen Ehrlich nasce num contexto em que a crítica ao positivismo jurídico tornava‑se mais acirrada. O jurista estudou, em Bukovina, diversos grupos étnicos, analisando seus costumes e seus estilos de vida próprios. Observou que, apesar de todos os grupos étnicos respeitarem as normas gerais do país hospedeiro, dentro dos seus grupos étnicos praticavam seus costumes, seguiam e respeitavam suas leis na convivência interna dos grupos. Esse estudo serviu de laboratório antropológico para a sua observação. A partir daí, extraiu os principais postulados do método do Direito Vivo. Pôde deduzir da maneira como funcionava a interação entre as normas jurídicas e as regras internas dos grupos étnicos, que os princípios técnicos só valem para uma sociedade homogênea onde a norma somente é válida para aqueles que se identificam com ela. Contra o positivismo jurídico, defendeu os Fundamentos da Sociologia do Direito com a publicação em 1912, afirmando que a lei é um fenômeno social e, em consequência desse fato, a Ciência do Direito seria uma ciência social. Sua crítica ao positivismo jurídico incidia sobre a jurisprudência. Um saber que, segundo Ehrlich, se esgota na teoria prática do Direito, um conjunto de conhecimentos, cuja prerrogativa de ciência propriamente dita do Direito está limitada a, apenas, o que está disposto na lei. Para Ehrlich, a realidade é mais complexa do que a letra morta da lei. Daí insurgir‑se contra o dogmatismo jurídicode Hans Kelsen com o Direito Vivo, conforme denominou o objeto de estudo da sua Sociologia do Direito. A ideia do Direito Vivo é, para o autor, o que alimenta a sociedade. São fontes do Direito que motivam e definem a vida em sociedade. Portanto, de acordo com o que postula a Sociologia de Eugen Ehrlich, o Direito não se funda nas proposições jurídicas, mas na lógica da vida social. Esta lógica aparece nos códigos de conduta, nos costumes, no comércio, nos contratos de casamento, nos contratos de crédito, nos testamentos, nos direitos sucessórios, nos estatutos de associações, e não apenas no parágrafo do código. A norma consuetudinária constitui para o autor a fonte originária do Direito como regra do agir humano. Ehrlich situa com destaque o sistema de regras na sociedade, reivindicando o trabalho investigativo, por acreditar que essa realidade vai muito além do conhecimento na jurisprudência e na doutrina. Anteriormente, quando afirmamos que o Movimento do Direito Livre sucedeu outros movimentos no percurso da História do Direito, fez‑se referência ao ambiente intelectual propício do século XIX contra o racionalismo iluminista. A discussão em torno do modelo de cientificidade que nasce da ideologia liberal‑individualista e tecnoformal já demonstrava sinais de esgotamento. Sociologia Jurídica 21 Embora reunindo diversas correntes doutrinárias, estes movimentos têm em comum a crítica ao formalismo tecnicista do Direito. 2.5.2 Movimento do direito livre O Movimento do Direito Livre surge em 1906, na Alemanha, com Hermann Kantorowicz, ano em que publica A luta pela Ciência do Direito. Eugen Ehrlich esteve ao lado de Hermann Kantorowicz na fundação deste Movimento. Jurista, natural da Posnânia, na antiga Polônia alemã, Kantorowicz é referenciado como um dos mais notáveis líderes do movimento do Direito Livre. Em 1906, com o pseudônimo de Gnaeus Flavius, editou um manifesto intitulado Der Kamp um die Rechtswissenschaft (A luta pela Ciência do Direito). Se François Gény, por meio do movimento da Livre Pesquisa Científica, abalou a certeza da dogmática jurídica, o Movimento do Direito Livre vai dar um passo decisivo na emancipação da ciência do Direto identificada, agora e radicalmente, com a sociedade. Ao partir da crença de que, na lei, há tantas lacunas quanto palavras, Kantorowicz está reiterando o que Gény e Ehrlich vinham afirmando, ao admitir que o juiz deva ou possa prescindir da lei quando a solução por ela não levar em conta o que é, ou não, justo; ou quando não houver compatibilidade entre o que estabelece a lei e a resolução do conflito. A interpretação de Albuquerque leva a concluir que, segundo os postulados do Movimento do Direito Livre (ALBUQUERQUE, 2008, p. 24‑25), caberia ao magistrado decidir segundo sua convicção sobre o dispositivo da lei quando aplicável ao fato concreto. Caso o magistrado venha a se sentir incapaz de formular a sua convicção, a alternativa é inspirar‑se no Direito Livre. Há duas linhas de pensamento filiadas a esse movimento: uma, moderada, identificada por alguns analistas ao pensamento de Ehrlich – que defende a criação de norma pelo magistrado quando ocorrer lacuna no ordenamento jurídico; e a segunda, considerada mais radical, identificada com a postura de Kantorowicz, – que vai propugnar a autonomia e competência do magistrado na criação da norma quando considerá‑la injusta. O que se pode concluir da abordagem de Löwi (2009, p. 30) sobre o contexto histórico alemão é que os movimentos aqui analisados não representam uma atividade exclusiva do Direito. Os economistas foram “os primeiros a proclamar que as leis sociais são tão necessárias como as leis físicas”. Com isso, também propugnaram a autonomia das leis do mercado, identificada com a lógica e Figura 1.5 ‑ Hermann Kantorowicz (1877‑1940) Fonte: Meyer‑Pritzl (2013). 22 Capítulo 1 dinâmica da sociedade. Da mesma forma, o Movimento do Direito Livre reivindicava a autonomia do saber jurídico, refutando a exclusividade do Legislativo na produção de leis. (ALBUQUERQUE, 2008, p. 26). Ehrlich e Kantorowicz não estiveram imunes a críticas. Na discussão que Weber trava em Economia e Sociedade em torno da Sociologia Jurídica, seu ponto de divergência – que abrangeu outras áreas do conhecimento além do Direito, está na refutação de que o conhecimento possa ser uma reprodução, ou então, uma cópia fiel da realidade. Aqui se trava uma disputa entre conhecimento e método. 23 Seções de estudo Habilidades Capítulo 2 Definições sociológicas do Direito Detectar e contextualizar as contradições nos argumentos que motivaram as divergências internas na história epistemológica da ciência jurídica. Utilizar o raciocínio jurídico com argumento sociológico, aproximando o Direito da realidade social. Seção 1: O contexto histórico do surgimento da Sociologia Seção 2: Os fundadores da Sociologia 24 Capítulo 2 Seção 1 O contexto histórico do surgimento da Sociologia O surgimento da Sociologia como ciência da sociedade está associado à conjunção de diversos fatores: o declínio da estrutura feudal, o surgimento da classe burguesa, a mudança do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. Tudo isso relacionado às Revoluções Industrial e Científica do Século XVII. Dentro desse contexto, nasce o Estado moderno, amparado sobre duas forças: política e jurídica. Não foram apenas as mudanças que trouxeram a desestabilização da política e da economia feudal. As novas tecnologias se refletiram em todas as esferas da vida social, provocando mudanças profundas nas instituições, nas relações sociais, na cultura e na vida política de toda a Europa, com impacto em grande parte do mundo. As transformações na economia se fizeram sentir de maneira mais problemática na urbanização das cidades europeias, pela saída das famílias das zonas rurais para as cidades. É preciso lembrar que, até a segunda metade do século XVIII, o mundo era, em grande parte, rural. De acordo com Hobsbawm (2004, p. 23‑189), na Rússia e na Escandinávia, a população era quase, na sua totalidade (90 a 97%), rural. Observa que, mesmo naqueles países onde as cidades se desenvolveram a partir de forte atividade comercial, como nas cidades italianas, por exemplo, predominava a atividade e o estilo de vida do campo. Mesmo na Inglaterra, a população urbana ultrapassou a rural somente em 1851 (2004, p. 41‑43). Além do aumento populacional, a mobilidade foi um fator que afetou profundamente o modo de exercer a sociabilidade. Os meios de transporte, pelo tamanho dos povoados, permitiam o fácil deslocamento a pé para as igrejas e praças. Já, com a migração para as cidades, sucumbiu o desejo de celebração dos cultos e das conversas entre vizinhos ante o sacrifício do deslocamento a grandes distâncias. Para se ter a dimensão dos conflitos: as garantias da propriedade privada na Inglaterra reconheceram o Direito de cercamento das terras abertas (enclosures) pelos proprietários, intensificando não apenas o êxodo rural como a oferta de mão de obra e, por consequência, a proletarização do trabalho. As condições degradantes de moradia e de trabalho agravavam as condições de saúde da população, multiplicando, assim, os problemas sociais em quase todas as cidades. Além disso, o preconceito das classes urbanizadas contra a população rural se refletia no desprezo dos eruditos pelos “analfabetos e ignorantes” do campo. Conta‑se que as comédias alemãs ridicularizavam as pequenas populações rurais, como “caipiras da roça”. Sociologia Jurídica 25 A demarcação entre a população rural e o modo de vida burguês, identificado com a erudição, se fazia sentir não apenas no erguimento das muralhas, mas na aparência. Entretanto era a população do campo quem produzia oalimento que ia para as mesas dos burgueses. A classe média era constituída, na maior parte, de negociantes de trigo, gado e o beneficiamento dos insumos agrícolas. Outro estrato social, componente da classe burguesa, era constituído de profissionais como advogados e tabeliães. Este estrato crescia pelas demandas na intermediação dos interesses e litígios entre o patrimônio dos nobres, a propriedade da terra e as atividades de crédito, pelo crescimento dos empréstimos aos empresários mercantis que exploravam outras atividades, como a dos tecelões, mais tarde o comércio de produtos têxteis. Com a evolução das relações capitalistas de produção, não demorou muito para que os problemas sociais se avolumassem: prostituição, homicídios, suicídios, alcoolismo entre tantos outros problemas que culminariam com as revoltas da população e os protestos dos trabalhadores nas fábricas. Em tese, os ideais de uma sociedade livre eram identificados com o racionalismo progressista de uma ordem social fortemente amarrada aos interesses econômicos da burguesia. Contudo o desenvolvimento industrial foi, sem dúvida, o propulsor da interação da pesquisa científica com a tecnologia. As demandas de novas tecnologias e da produção em maior escala estenderam‑se para outros campos do conhecimento, intensificando as realizações experimentais. E é nesse processo que a Sociologia se desenvolve, associadamente à necessidade de construir a sua identidade com os postulados científicos, e será apenas no século XIX que ela se volta para as explicações dos fenômenos sociais. Se analisarmos as premissas metodológicas do positivismo sociológico, ver‑se‑á que, dentro do debate epistemológico, a priorização do conhecimento científico deu‑se em decorrência do esgotamento do conhecimento abstrato e dos valores tradicionais. Nesse contexto, ganharam mais importância as premissas da neutralidade valorativa, o que vai orientar, segundo a interpretação de alguns sociólogos (LÖWY, 2009, p. 20), o paradigma evolucionista. Não é sem razão que a teoria crítica marca o surgimento da análise de uma sociedade que era comprometida com o conhecimento científico, mas desvinculada, num primeiro momento, da realidade histórico‑social das classes sociais. No decorrer do século XIX, as contracorrentes vão formular hipóteses sobre a dinâmica da sociedade em sua relação com a economia, a política, o Direito, entre outras esferas da vida social, de maneira empiricamente controlável e verificável em sua variação temporal e local. 26 Capítulo 2 1.1 Os precursores da Sociologia Quando examinamos a história do pensamento político, percebe‑se que o interesse pela explicação da realidade social surge ainda na Grécia, numa época em que a Sociologia não havia se constituído como uma ciência formal. Não são poucos os estudos que remontam aos filósofos gregos Sócrates, Platão e Aristóteles, passando de São Tomás de Aquino aos pensadores iluministas, na tentativa de buscar explicações para os fenômenos sociológicos. Entretanto como bem observa Machado Neto (2007, p. 72), é no Século XIX, com Augusto Comte e, marcadamente, com as preocupações metodológicas de Émile Durkheim e de Weber, que a Sociologia se constitui como Ciência da Sociedade. A questão aqui me parece convergir para a análise de Raymond Aron (1982, p. 21‑34) quando introduz a obra de Montesquieu, L’Esprit des Lois (O Espírito das leis), como a primeira etapa do pensamento sociológico. O autor contra‑argumenta os que classificam a obra de Montesquieu como política quando afirma que a relação entre regime político e sociedade é estabelecida, em primeiro lugar e de modo explícito, na tomada de consciência da dimensão da sociedade. Segundo Montesquieu, cada um dos três tipos de governo corresponde a certa dimensão da sociedade. A análise de Aron permite compreender o duplo sentido da classificação da obra de Montesquieu no pensamento político: de um lado, ele chama a atenção para a sociedade que constituiria o centro do Espírito das Leis, como a base teórica principal de onde Montesquieu traçaria os critérios para a elaboração das formas de governo. Do outro, Aron fornece, por consequência, um quadro mais abrangente do objeto sociológico, quanto às preocupações de Montesquieu de resolver a relação entre liberdade e poder, um problema obstinado da sociedade da sua época, para o qual ele procura explicações no fenômeno das leis. Como observa LÖWY (2004, p. 21‑22), a ideia de leis naturais sugere uma digressão dos fatos que haviam marcado a vida social, sobretudo das instituições, tornando‑se uma forma recorrente de combate à ordem social feudal. Saint‑Simon, por exemplo, reconhecido por Durkheim como antecessor de Comte, defendeu a concepção de leis como forças na sociedade, atuando como novos vetores da coesão social. Os intérpretes de Saint‑Simon, como François Perroux, afirmavam a seus seguidores que “nos tempos modernos era necessário buscar explicações para a nova realidade social”. (LUKE, 1977, p. 29‑37). O conjunto de mudanças que aconteceram no século XIX sem dúvida propiciou, como se pode deduzir, a receptividade da Sociologia como uma área especializada do conhecimento. Nossa intenção, daqui para frente, é fazer uma incursão pelas escolas sociológicas, tentando mostrar quais são as implicações metodológicas da teoria sociológica e como ela completa a técnica jurídica. Sociologia Jurídica 27 Seção 2 Os fundadores da Sociologia 2.1 Augusto Comte Considerado, por consenso, o fundador da Sociologia, Augusto Comte nasceu em 1798, em Montpellier, França. Desde muito jovem, já demonstrava uma grande capacidade literária e matemática. Aos dezesseis anos, ingressou na Escola Politécnica de Paris, no curso de Medicina. Logo se envolveu com um movimento de protesto estudantil e, em consequência disso, a Escola Politécnica foi fechada, e Comte, expulso. Retorna em uma breve temporada a Montpellier, sua terra natal, mas retoma, em pouco tempo, seus estudos agora voltados para a atividade política. Torna‑se conhecido no meio intelectual francês e logo é atraído para o circulo de Saint‑Simon, vindo, mais tarde, a ser convidado para ser seu secretário. No decorrer do período em que atuou com Saint‑Simon, Comte escreveu seu trabalho Plano das Operações Científicas Necessárias para a Reorganização da Sociedade. Para Lukes (1977, p. 38), foi esta obra que deu consistência ao pensamento de Saint‑Simon. Comte conduz seus estudos para a sociedade, buscando um modelo teórico que ele definiu como uma nova consciência da realidade social. Essa consciência seria a científica. Comte queria tornar a realidade inteligível, anulando a subjetividade na explicação dos fatos. Ele desenvolveu um método explicativo da realidade social, rigoroso, que exigia a produção do conhecimento somente nas condições em que os fenômenos podem ser observáveis, postulando que o método positivista da Sociologia deveria ser amparado na observação, na comparação e na experimentação. A intenção de Comte era fornecer um método que viesse a ter aplicação nos diversos estudos do comportamento humano e da sociedade. A Lei dos Três Estágios tornou‑se a obra de referência da Sociologia. Nesta obra, Comte mostra que, para responder aos impulsos mais elementares de compreender os fenômenos da natureza e do seu papel no mundo, a humanidade teria passado por três estágios: o teológico, o metafísico e o positivo. No primeiro estágio, o teológico, a humanidade explicava os fenômenos como ato e vontade dos seres espirituais. Deus estava no centro do mundo e tudo a ele era atribuído. No segundo Figura 2.1 ‑ Auguste Comte (1798‑1857) Fonte: Maelstrom (2005). 28 Capítulo 2 estágio, o metafísico, a sociedade passa a ser vista como algo natural e já não confia plenamente nas explicaçõesde que a sociedade teria resultado de causas sobrenaturais. No estágio positivo, Comte associa as descobertas e as conquistas que o homem europeu havia alcançado no século XVIII com os avanços da Física e da Química, que ele denominou de as primeiras ciências positivas, tentando incluir a Sociologia, que ele denominou, num primeiro momento, de Física Social. Comte seguiu explicando o progresso da humanidade a partir das leis invariáveis dos três estágios. 2.1.1 O Direito e o Positivismo de Comte Tem sido frequente a associação entre o positivismo jurídico de Hans Kelsen com o positivismo de Augusto Comte. No entanto essa associação tem sido negada e seu equívoco advertido. De qualquer modo, é inegável a contribuição de Comte ao apresentar o estudo das leis do desenvolvimento histórico, introduzindo dois elementos na concepção da sociedade: a estática e a dinâmica. Comparando a sociedade a um organismo, Comte vai tomar como ponto de partida que não se pode compreender o funcionamento de um órgão sem identificar a sua função no conjunto: no corpo. Por analogia, toma o Estado e a política como órgãos; e o corpo, a sociedade. Nessa conjunção dinâmica dos órgãos em relação ao funcionamento do todo, Comte vai alcançar a compreensão dos laços de solidariedade recíprocos, o que equivale pensar a função de cada instituição por analogia com a relação do órgão e o corpo, e, nesta relação, a interdependência como um processo cuja dinâmica baseia‑se essencialmente na reciprocidade. É aqui que Comte extrai o fundamento da ordem. Na interpretação de Aron (1982, p. 71‑104), a estática social de Comte traz à luz a ordem social de toda a sociedade humana; e, a dinâmica, o processo que retraça as mudanças ou variações que se alternam ao longo do tempo. A religião seria, em resumo, a primeira fonte de unidade social, por exigir o reconhecimento de todos os indivíduos, para que possa realizar a unidade. A fonte da unidade, ao mesmo tempo em que se recria, se desloca como uma necessidade determinante da ordem social. É nesse processo que Comte explica o Direito positivo, em sua relação entre estática e dinâmica, como princípios que justificam a coexistência e a sucessão; e, necessariamente, o progresso como o desenvolvimento da ordem. Sociologia Jurídica 29 2.2 Émile Durkheim Na linha de sucessão de Comte, Émile Durkheim é considerado o mais notável estudioso da sociedade. Não é raro ser considerado o pai da Sociologia, por ter consolidado, através da investigação científica, os fenômenos sociais. Émile Durkheim nasceu em Epinal, região de Lorraine, na França, em 1858, numa família de ascendência judaica. Estudou filosofia na Escola Normal Superior de Paris. Passou boa parte da sua vida em meio a um turbulento período da história da França. Prestou concurso para ensinar filosofia, sendo nomeado, em 1882, como docente em Sens e Saint‑Quentin. Em 1885, licencia‑se naquelas instituições para estudar ciências sociais em Paris e, depois, na Alemanha, com Wundt, onde permanece até 1886. Em 1887, é nomeado professor da Universidade de Bordeaux, na Sorbonne, para ministrar o primeiro curso de Sociologia nas universidades francesas. O tema principal de suas aulas era os laços sociais que ligavam o homem à sua sociedade. Em 1896, funda L’Année Sociologique, um jornal que orientava o pensamento e a pesquisa sociológica na França. Para muitos dos seus intérpretes, o ambiente político da França na III República teve influência na seleção dos temas que ele elegeu para seus estudos. Esse tempo foi marcado por vários acontecimentos: além das disputas franco‑alemãs e da derrota francesa, como foi o caso de Lorraine, sua cidade natal, outros temas tornaram‑se preocupações mais imediatas: o endividamento do país pela guerra e as medidas deliberadas pelo poder público, uma delas, a lei Naquet, que instituiu o divórcio na França em meio a um acirrado debate entre parlamentares que perdurou de 1882 até 84, e a instituição da educação laica pelo Ministro da Instrução Pública, Jules Ferry, em 1882. A nova decisão tornava a escola obrigatória e gratuita dos 6 aos 13 anos e proibia o ensino de religião nas escolas. No lugar da religião, era ensinado o dever patriótico. Este fato, segundo comentário de José Albertino Rodrigues (1984, p. 8‑9), levaria à declaração de Alfred Fouilé, escritor francês, em uma publicação de 1900: uma das grandes preocupações de Durkheim é “a dissolução das crenças morais”. O próprio Durkheim diagnosticou na vida social da época uma crise ou vazio moral da III República. Uma das suas maiores preocupações era o enfraquecimento das instituições tradicionais de educação: ele defendeu, obstinadamente, que a educação seria uma função essencialmente social. Sua preocupação com o método sociológico, Figura 2.2 ‑ Émile Durkheim (1858‑1917) Fonte: Burton (2011). 30 Capítulo 2 portanto, não esteve alheio a essa questão. Numa de suas obras mais antigas, Da Divisão Social do Trabalho, Durkheim diverge da base contratualista do utilitarismo inglês, argumentando que a vida em sociedade – tomando a ordem como inerente a ela – não poderia ser explicada em termos de interesses individuais. As fontes da ordem seriam externas à vontade dos indivíduos, e sua função seria criar e manter a solidariedade. A explicação para a solidariedade, Durkheim vai buscá‑la nas formas mais primitivas de organização social. Ali ele descobre que o sentimento do grupo seria propriamente as crenças religiosas e a solidariedade, um fenômeno explicável pelo respeito à hierarquia e pela divisão social do trabalho. Com isso ele mostra que as ideias ou categorias do pensamento têm uma origem social. Como ele explica as mudanças sociais da sua época? Pela mudança de um estágio mecânico, caracterizado por uma solidariedade com baixa diferenciação funcional, para uma solidariedade com mais complexa diferenciação funcional. Esta ele chamou de solidariedade orgânica, onde a solidariedade estaria expressa nos códigos legais e nas formas de ordenamento jurídico hoje conhecidos. É possível perceber que o seu compromisso com o positivismo de Comte vai além dos postulados deterministas das leis dos três estágios. Em sua aula inaugural do curso de Ciências Sociais em Bordeaux, no ano de 1887, evocou a necessidade de se aplicar o método sociológico para se ter a compreensão do objeto de estudo da Sociologia: o fato social. E denominou como método, a observação e a experimentação indireta ou método comparativo, afirmando que, a partir disso, pode‑se rejeitar ou confirmar as teorias. Na sua preocupação de delimitar o objeto sociológico, distinguiu os elementos especificamente sociais dos psicológicos e biológicos. Definiu quatro critérios que, segundo sua concepção, constituem tarefas obrigatórias do sociólogo estudar. Em grandes lindas, são os que seguem. (CASTRO; DIAS, 1992, p. 28‑96). Em toda sociedade, existem ideias e sentimentos comuns, compartilhados pelos membros da sociedade e transmitidos de geração para geração, garantindo a unidade da vida coletiva. É o caso das lendas populares, das tradições religiosas, das crenças políticas, da linguagem etc., que não são de ordem psicológica individual. Em toda sociedade, as práticas compartilhadas pela universalidade dos cidadãos ultrapassam a vontade do indivíduo, visam à prática e têm o caráter de ser obrigatórias. Têm um caráter de anterioridade, o que obriga os cidadãos a se conformarem a elas. Sociologia Jurídica 31 Algumas dessas máximas têm uma força de tal modo obrigatória que a sociedade impede, por meio de medidas precisas, que elas sejam infringidas. Não deixa por conta da opinião pública a responsabilidade de zelar pelo respeito a elas, mas atribui essa responsabilidade aos representantes especialmente autorizados,mediante a aplicação de fórmulas jurídicas. Os fenômenos econômicos são fenômenos sociais e, para a sua compreensão, é preciso que renuncie a pretensão de uma ciência autônoma. No seu livro As Regras do Método Sociológico, Durkheim separa o positivismo da filosofia e constrói uma ciência empírica voltada para a compreensão da realidade social. Isso implicou a concepção do fato social como coisa (DURKHEIM, 1977, p. XX‑XXI), algo que exerce uma coerção sobre o indivíduo. Durkheim chamou‑o de representações mentais, que nada mais são do que imagens da realidade empírica. O que é o fato social? A obra As Regras do Método Sociológico, publicada em 1895, é considerada a primeira de caráter metodológico. Nela Durkheim estabelece os critérios para uma investigação científica e explicação sociológica. Embora, cronologicamente, tenha sido Division du Travail Social (Divisão do Trabalho Social) um trabalho de pesquisa anterior a esse, Durkheim testou os princípios metodológicos e, a partir dele, diversos outros trabalhos de investigação foram realizados. Em a definição dos fatos sociais, Durkheim apresenta os primeiros delineamentos do método sociológico: “Antes de indagar qual é o método que convém ao estudo dos fatos sociais, é necessário saber que fatos podem ser assim chamados.” (DURKHEIM, 1977, p. XX). Na verdade, há em toda sociedade um grupo determinado de fenômenos com caracteres nítidos, que se distingue daqueles estudados pelas outras ciências da natureza. Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo ou de cidadão, quando me desincumbo de encargos que contraí, pratico deveres que estão definidos fora de mim e de meus atos, no Direito e nos costumes. Mesmo estando de acordo com sentimentos que me são próprios, sentindo‑lhes interiormente a realidade, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu quem os criou, mas recebi‑os através da educação. (DURKHEIM, 1977, p. XX‑XXI). 32 Capítulo 2 Durkheim está referindo‑se à maneira característica de toda sociedade exprimir‑se simbolicamente em seus costumes e suas instituições. São formas simbólicas, segundo ele, porque devem ser entendidas como construção do coletivo. Equivale dizer que esses deveres se impõem a cada um de nós, porque não dependem da vontade individual de exercê‑los, ou não. Começa‑se a perceber que Durkheim está tratando o comportamento do indivíduo a partir da obrigação de cumprir normas. Quando se trata da conduta do indivíduo, definido por ele como resultado de fontes coercitivas de normas, o fato social tem a função de garantir a ordem. Portanto as obrigações, as leis, os costumes têm, na concepção de Durkheim, existência externa e, por isso, muitas vezes o indivíduo é constrangido pelos costumes e pelos códigos legalmente estabelecidos. Além do estabelecimento das premissas de uma teoria sociológica do conhecimento, Durkheim dedicou seus estudos a diversos fenômenos sociais que, até então, eram diagnosticados como doença ou transtornos psicológicos. Em estudos sobre o suicídio e o homicídio, concluiu que, na passagem da forma mecânica para a orgânica, haveria uma quebra da ordem social. Associando os recursos do método quantitativo, ele mostra, em O Suicídio, dois aspectos dessa conclusão: o primeiro é que o método estatístico pode revelar outra realidade e desestabilizar certas convicções, como a que explicava o suicídio como causas individuais ou psicológicas. O segundo aspecto é que, na passagem da forma mecânica para a orgânica, a divisão social do trabalho não produziria os elementos necessários para a solidariedade, havendo uma ruptura da ordem social que chamou de anomia. Nesse processo de transformações, as formas de relacionamento sofreriam mutações para um modelo de relações sociais individualizadas, dificultando a integração social. O apego demasiado ao ego resultaria no fortalecimento do individualismo, tornando as relações sociais instáveis e frágeis, e mais frequentemente surgiriam os conflitos sociais e toda uma gama de distúrbios como suicídio, criminalidade, etc. Concluiu, das pesquisas que realizou, haver tendência para o suicídio altruístico nas sociedades organizadas pelo tipo de solidariedade mecânica e, nas sociedades onde o tipo de solidariedade é orgânico, o suicídio tenderia a ser egoístico. Durkheim aplicou o mesmo método estatístico, como pode ser conferido em a Divisão Social do Trabalho (DURKHEIM, 1999, p. 127‑150), a diversos outros fenômenos sociais, como o divórcio, a delinquência e Sociologia Jurídica 33 problemas econômicos. Na pesquisa comparativa, constatou que os índices ocorrentes nos tipos mecânicos e orgânicos apresentavam uma variação das taxas, na mesma proporção que havia verificado no suicídio. A influência de Durkheim na pesquisa sociológica perdura até os dias atuais. Após sua morte em 1917, o sociólogo Marcel Mauss, seu sobrinho, levou adiante sua obra, agregando outros elementos que deram mais sustentação teórico‑metodológica ao fato social de Durkheim. Entre as contribuições está a noção de fato social total. Com essa noção, a abordagem sociológica dos fenômenos sociais permite ampliar a compreensão das diferenças, que se pode resumir no seguinte trecho da Introdução à obra de Marcel Mauss (1974, p. 15): “estudo do concreto que, por isso, é do completo”, afirmando a necessidade de perceber sobre os comportamentos dos seres humanos “não é a oração ou o Direito, mas o melanésio de tal ou qual ilha, Roma, Atenas”. 2.2.1 A sociologia jurídica na teoria e método de Émile Durkheim Nos livros A Divisão Social do Trabalho e As Regras do Método Sociológico, quando classifica as formas de solidariedade e define o fato social, Durkheim faz a seguinte afirmação sobre o princípio da solidariedade, independente de ser do tipo mecânica ou orgânica: “a norma, as obrigações, os contratos, as leis e os costumes são fatos sociais, porque estabelecem, de maneira coercitiva, padrões de conduta cuja função é a solidariedade do grupo e o respeito recíproco dos membros.” (DURKHEIM, 1999, p. 149). Para Durkheim, a solidariedade, expressão da vida em sociedade, é totalmente moral, e, com o mesmo sentido que Kant (2008, p. 37‑45) empregou para distinguir a norma moral da norma positiva, usando a expressão internalidade e externalidade, Durkheim deduz que o “fato interno nos escapa”, mas o fato externo é o que simboliza o interno. Esse símbolo é o Direito. Conclui, ainda, (1999, p. 34) que, “onde existir a solidariedade social”, ela orienta “fortemente” a conduta do homem para viver em permanente contato uns com os outros: “coloca‑os frequentemente em contato, multiplica as ocasiões de se relacionar”. É importante lembrar que, ao analisar a passagem da forma mecânica para a orgânica, Durkheim previu que nem sempre a divisão social do trabalho produziria os elementos necessários para a solidariedade, podendo ocorrer uma ruptura da ordem social, que ele denominou de anomia. Nesta situação, ele demonstrou que as normas entrariam em colapso e a sociedade perderia o controle sobre as ações individuais dos seus membros – em condições de normalidade, elas seriam compartilhadas pelos membros do grupo. Isso levaria a mutações na conduta dos indivíduos, dificultando a integração social, provocando distúrbios como suicídio, criminalidade, etc., que ele demonstrou empiricamente na décima lição Deveres Gerais do Livro Lições de Sociologia, quando analisa o Homicídio. 34 Capítulo 2 Os deveres que os homens têm uns para com os outros porque pertencem a um grupo social determinado, porque fazem parte de uma mesma família, de uma mesma corporação, de um mesmo Estado. Mas há outros que são independentes de qualquer agrupamento particular. Devo respeitar a vida, a propriedade, a honra de meus semelhantes mesmo que não sejam meus parentes nemmeus compatriotas. (DURKHEIM, 2002, p. 153). Durkheim prossegue argumentando em todas as suas obras, que a relação entre a ordem social com os deveres que todos os indivíduos têm uns para com os outros é que garante a organização da sociedade. Isso constitui regra geral da sociedade, a ponto de já estar impresso na consciência de cada um. Neste sentido, Durkheim considerou a tarefa da educação essencial. A sua reação contra a instituição da educação laica na França, em 1882 – que substituiu a religião pelo dever patriótico – ficou demonstrada no que ele classificou como crise ou vazio moral da sociedade da III República. É preciso ter em mente que Durkheim enfatizou estar no íntimo a obrigatoriedade do compromisso de uns com os outros. A educação seria para Durkheim o meio através do qual toda sociedade prepararia “o íntimo dos seus membros” para sua existência como sociedade. Mas essa função da educação que ele considerou desejável, nos países desenvolvidos tendeu a se diversificar e a se especializar. Durkheim alertou para a necessidade de a Sociologia atentar para as tendências sociais. Essa preocupação ele demonstra empiricamente quando compara o significado dos crimes nas sociedades arcaicas e modernas. Mostra que há variações na forma de cada grupo étnico, ou sociedade, atribuir significados a determinadas práticas, o que, para ele, demonstra o maior ou menor valor do qual dependeria a gravidade da pena. Mostra que, na Grécia antiga, o homicídio somente era punido mediante solicitação da família, e esta punição podia se limitar a uma indenização pecuniária. Já, em Roma, na Judeia, o homicídio era considerado um crime público, o que não acontecia para casos em que a vítima não chegasse a óbito. Da mesma forma, o roubo. Mesmo assim, cabia às vítimas buscar a reparação, se quisessem, podendo permitir que o culpado se redimisse mediante uma indenização. Mostra Durkheim que esses atos somente eram responsabilizados civilmente, quando envolvia perdas e danos. Mas não constituíam atos tão graves para justificar a repressão pelo Estado. Ao contrário, Durkheim nos mostra que Os verdadeiros crimes são então aqueles dirigidos contra a ordem familiar, religiosa, política. Tudo o que ameaça a organização política da sociedade, toda falta para com as divindades públicas, que não são mais que expressões simbólicas do Estado, toda violação dos deveres domésticos são punidos [...]. (DURKHEIM, 2002, p. 155). Sociologia Jurídica 35 Que conclusões se pode extrair do estudo de Durkheim? A resposta não é difícil. Devemos lembrar que, em Da Divisão Social do Trabalho, o que é vital para a ordem social é a solidariedade. A ênfase de Durkheim na educação justifica isso. Em Lições de Sociologia, permanece sua preocupação de mostrar o que ameaça a organização da sociedade. Argumenta que, nas sociedades mais antigas, onde o tipo de solidariedade é mecânico, os sentimentos coletivos são mais fortes, porque são as que menos toleram as infrações às regras. Nestes casos, a intolerância, explica ele, se deve a que a razão de ser da norma é a existência e manutenção do grupo, seja ele familiar, político ou religioso. Se, na Grécia antiga, a vítima somente era punida se a família solicitasse, ficando muitas vezes sujeita a reparação parcial pela indenização pecuniária, era porque o dever de punir era da família. Tanto quanto o grupo religioso, a família é um emblema da vida coletiva. Não é o indivíduo o objeto do respeito, mas a instituição família. Neste caso, diz Durkheim, na solidariedade mecânica “a dor do indivíduo comove pouco”. Já, nas sociedades orgânicas, “o grupo já não nos parece ter valor por si mesmo e para si.” (DURKHEIM, 2002, p. 156). Nas sociedades contemporâneas, o Direito do indivíduo é o primeiro a ser reconhecido, o que torna o homicídio uma prática proibida, sob forte ameaça de punição. O valor que, num tipo de solidariedade mecânica, era dirigido à família, aos deuses ou às coisas como a terra, os mananciais de água, etc., é deslocado para o indivíduo, nas sociedades modernas. Esse deslocamento, no entanto, que caracterizou a passagem do Direito natural para o Direito positivo, se contribuiu, de um lado, para a redução do homicídio, por outro não coibiu novas configurações: os roubos, corrupção, abusos contra a criança, espancamentos e diversas formas de fraudes. A principal contribuição de Durkheim para o Direito, considerando a convergência das Escolas Históricas do Direito, a Escola da Livre Pesquisa Científica e a Escola Livre do Direito, é a reconexão da norma com a noção de solidariedade, em cujo fundamento a Sociologia Jurídica encontra a explicação para o caráter coercitivo do Direito na sua proporcionalidade entre delito e sanção. Quando Durkheim se refere à importância do Método no conhecimento sociológico, ele situa o cruzamento da sincronia e da diacronia entre duas ordens, a mecânica e a orgânica, e demonstra que o que dá sentido à ordem social nos dois tipos de organização é a solidariedade. E, nos dois tipos, ele também demonstrou que o Direito Penal é vital, porque, ao proibir, ele qualifica o agente que se opõe à sociedade – o que ele chamou de o órgão da consciência coletiva. Ora, neste caso, a autoridade do Direito fica evidenciada pela proteção contra o enfraquecimento da 36 Capítulo 2 solidariedade. Mas não se pode esquecer que Durkheim observou que nas áreas onde uma ordem findava nem sempre surgia outra imediatamente. Foi neste vácuo que ele identificou o suicídio anômico. Estudos mais recentes mostram a atualidade do método durkheimiano na Sociologia do Direito Internacional. Por volta de 1990 aproximadamente, pesquisas sobre as relações litigiosas envolvendo culturas diferentes mostraram a anomia nas divergências entre as partes pelo conflito de significado. Isto ocorre quando, havendo indivíduos disputando judicialmente Direitos, uma das partes procede de cultura diferente. Na África, por exemplo, Comaroff e Comaroff (1999, p. 279‑303) detectaram no tráfico de órgãos a apropriação, por parte do mercado internacional de órgãos, das práticas rituais em algumas tribos onde isto não constituía crime. Distorceu‑se, deste modo, o significado ritual para o tráfico de órgãos, uma prática criminosa que teve ampla repercussão no mundo. Geertz (1978, p. 225‑228), na pesquisa que fez sobre o Estado em Bali, chamou atenção para o risco de se considerarem os agentes e as práticas fora do contexto histórico e cultural. Criticando a unilateralidade do conhecimento em culturas diferentes, desmistificou o racionalismo pela interpretação unilateral, classificando‑a como ato de desprezo às crenças e à história local. Esclareceu, ainda, que as interpretações leigas não conseguiam alcançar a alta complexidade simbólica da disputa do poder naquele país, o que não poderia ser reduzido à questão religiosa do islamismo. A referência a Geertz ajuda a entender as preocupações que mobilizaram Friedrich Carl von Savigny, François Géni e Hermann Kantorowicz e Eugen Ehrlich, contra o racionalismo jurídico. Neste ponto, já se pode estabelecer conexão entre a teoria do conhecimento sociológico com o que Durkheim chamou de anomia. Dentro da própria Sociologia, a teoria da comunicação intercultural fez importantes progressos no estudo das interações sociais em anos mais recentes. A esse respeito, a Sociologia do Direito Internacional trouxe à luz diversos problemas e irregularidades que ocorriam nas fronteiras entre países, por não haver normas internacionais legais para a resolução dos conflitos individuais privados. Gessner e Schade (1994, p. 267‑285) observam que, nos casos de alta restrição cultural, o nível do limiar do conflito tende a ser fraco ou “inferior” na medida em que a parte mais fraca (em termos da identidade cultural) acaba optando por estratégiasde persuasão e de prevenção. Isso não significa que o conflito de interesses não exista ou persista. Além disso, os autores chamam atenção para a precariedade do Direito Internacional, ao afirmarem: “Mesmo nos casos em que se aplica o Direito unificado, este não realizou a menor unificação na prática judicial, nos países signatários”. Os juízes domésticos, por exemplo, observam os autores, são considerados incompetentes em assuntos internacionais. Sociologia Jurídica 37 A hipótese formulada pelos autores é que o problema da precariedade do Direito unificado não se deve tanto à falta de normas, mas à orientação dos agentes, os quais acabariam remetendo‑se às leis do seu próprio país, o que colocaria a posição dos agentes em situação anômica. Na Inglaterra, por exemplo, comenta Laraia (2012, p. 55‑65), os advogados criminalistas ingleses se defrontam com casos de agressões e até de assassinatos praticados por pais hindus contra suas filhas, pelo fato de elas não aceitarem a interferência dos pais na escolha dos cônjuges. Observa o autor que esses pais não são ingleses; emigraram da Índia, onde, em grande parte das etnias locais, são os pais os responsáveis pela união conjugal dos seus filhos. A escolha é uma decisão tomada em geral muito cedo, quando a menina nem sempre chegou a alcançar a puberdade. A recusa das filhas é considerada uma ofensa grave, que pode ser punida com medidas extremas. Embora os pais estejam sob o ordenamento e os costumes ingleses, o advogado deve conhecer a cultura do réu. Nesses casos, a Escola da Sociologia Interacionista vem reinterpretando a anomia como um sintoma; e a causa, como estrutura de ação. Neste caso, a norma não perderia a sua vigência, mas ela não teria controle suficiente sobre a conduta de seus membros. Essa hipótese não vai muito além do que Durkheim já havia demonstrado quando comparou o homicídio nas sociedades mecânicas com as sociedades modernas. No caso do pai hindu na Inglaterra, a anomia está no vácuo entre a cultura hindu – onde o valor da solidariedade está na família, e é esta que autoriza a decisão do pai na escolha do cônjuge para a filha, mantendo a obediência da filha sob forte ameaça de punição; e a cultura Inglesa, que é o ambiente onde a filha está sendo educada e socializada, e onde o tipo de solidariedade não está mais na família, mas no Direito do indivíduo, que é o primeiro a ser reconhecido. Neste caso, a intensidade da força se desloca da família para a imposição das normas. No Brasil, diversos estudos têm mostrado os conflitos sociais como anomia, fornecendo dados que confirmam as hipóteses de Gessner e Schade. Estudos recentes sobre as práticas de violência conjugal (RIFIOTIS, 2012, p. 300‑306) revelam que as políticas públicas de combate à impunidade, nos casos de violência contra a mulher, resultaram no amplo acesso à Justiça, porém um dado mais revelador do trabalho de Rifiotis é que as medidas de curto prazo reapropriadas pelas próprias mulheres que procuram as delegacias para apresentarem suas queixas, no curto prazo alteraram a figura do agressor como réu, quando se aproximaram mais dos procedimentos típicos dos mecanismos informais de resolução de conflitos. Disso deduz o autor que a interpretação “criminalizadora” representava uma série de obstáculos à compreensão dos conflitos interpessoais e às possibilidades de neles intervir. E conclui: a judicialização, neste caso, como 38 Capítulo 2 um processo, não se limitou à violência conjugal, mas, ao ampliar o acesso à Justiça, acabaria desvalorizando outras formas de resolução de conflitos. Há nesta análise de Rifiotis convergência com a análise de Gessner e Schade quando estes concluem que não é a falta de norma, mas que, ao se limitar ao texto da lei, o agente do Direito cria a anomia quando não interpreta adequadamente o comportamento dos litigantes e a natureza do conflito incorrendo em problemas de comunicação. Aqui está se referindo a duas lógicas: a lógica social do comportamento grupal e a lógica técnica do Direito. Diversos estudos e pesquisas sociológicas no Brasil, quando apontam o abandono de crianças e adolescentes nos centros urbanos das grandes cidades brasileiras, como a causa da violência e da criminalidade, demonstram convergência com os estudos da sociologia internacional com relação à anomia. Nestes casos, a reinterpretação da anomia pela Escola da Sociologia Interacionista pode ser sugestiva para se avaliar a eficácia do artigo 227 da Constituição Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. Isso vale para a compreensão do comportamento humano frente a outras normas. 2.3 Max Weber Max Weber nasceu em Erfurt, Turíngia na Alemanha, em 1864. Seu pai era jurista e influente político de uma família de comerciantes de linho e proprietária de indústrias têxteis na Alemanha Ocidental. Aos 13 anos, Max Weber já escrevia ensaios históricos e, ainda jovem, criticou Cícero como um “diletante das frases”, classificando‑o como mau político e orador irresponsável. Aos 17 anos, segue para Heidelberg e se matricula no curso de Direito. Estudou, simultaneamente, História, Economia e Filosofia com celebridades da época. Aos 19 anos, teve que prestar um ano de serviço militar, experienciando os problemas das fronteiras germano‑eslavas que já se haviam revelado como uma fronteira cultural. Weber concluiu o curso de Direito e começou a trabalhar nos tribunais de Berlim. Dedicou‑se a uma área específica onde as histórias econômica e jurídica se confundiam. Escreveu sua tese de doutorado em 1889, sobre a história das companhias de comércio da Idade Média. Em 1889, prestava seu segundo exame de Direito, habilitando‑se para o Direito Comercial alemão e romano. Escreveu, em 1891, um tratado que intitulou Instituições Agrárias. Neste trabalho, seus intérpretes teriam identificado, no modesto título, uma brilhante análise sociológica, econômica e cultural da sociedade antiga, tema ao qual ele repetidamente retomava. Figura 2.3 ‑ Max Weber (1864‑1920) Fonte: Löser (2005). Sociologia Jurídica 39 Em 1895, Weber proferiu sua aula inaugural na Universidade com o tema o Estado Nacional e a Política Econômica. Em 1896, sucedeu seus mestres nas cadeiras que haviam ocupado, tornando‑se respeitado pelo brilhante desempenho do trabalho intelectual. Em 1917, foi professor visitante na Universidade de Viena e, em 1919, foi convidado a ocupar a mesma cadeira em Munique. Escreveu diversas obras e realizou inúmeras pesquisas. Em 1918, por problemas de saúde, se afasta da atividade docente, mas continua escrevendo para diversos jornais alemães e colaborando com eles até sua morte em 1920. Durante o período em que esteve licenciado, dedicou‑se ao estudo do método na pesquisa comparativa. Estudou as civilizações chinesa, hindu e judaica. Nutria tão forte interesse pela política, que, na República de Weimar, serviu no comitê de peritos que redigiram a Constituição. Embora tenha reconhecidamente assimilado de Marx a crítica ao capitalismo e à democracia burguesa, defendeu o governo constitucional democrático, como um governo do povo e para o povo. Acreditava que a democracia constitucional seria a única solução para os problemas internos e externos do seu país. Max Weber é considerado, ao lado de Comte e Durkheim, o fundador da Sociologia. Publicou diversas obras, dentre as quais Economia e Sociedade, a qual destinou boa parte ao estudo da Sociologia Jurídica. Suas obras resultaram de pesquisas e, sempre com espírito crítico e analítico, avaliou os contrastes. Comentam seus intérpretes que, em viagens a Nova York, observou a falta de leis e a violência, ao mesmo tempo em que comparava os palácios com as choupanas, a mistura de povos e divisões de classes. Impressionou‑se com as condições precárias
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