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ANTONIO EUCLIDES VEGA DE PITOMBEIRA E NOGUEIRA HOLANDA
ESTRATÉGIAS
DE LEITURA
ACESSE AQUI ESTE
MATERIAL DIGITAL!
Coordenador(a) de Conteúdo
Deise Stolf Krieser
Projeto Gráfico e Capa
Arthur Cantareli Silva
Editoração
Ellen Jeane
Daiane Victória Maass
Lavígnia Santos
Isabella Santos Magalhães
Design Educacional
Vanessa Tiburcio
Curadoria
Maíra Vanessa
Revisão Textual
Ariane Fabreti
Ilustração
Welington Vainer S. Oliveira
Geison Odlevati Ferreira
Realidade Aumentada
Davi Bloedorn
Fotos
Shutterstock
Impresso por:
Bibliotecária: Leila Regina do Nascimento - CRB- 9/1722.
Ficha catalográfica elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Núcleo de Educação a Distância. HOLANDA, Antonio Euclides Vega de
Pitombeira e Nogueira.
Estratégias De Leitura/ Antonio Euclides Vega de Pitombeira e
Nogueira. - Florianópolis, SC: Arqué, 2023.
196 p.
ISBN papel 978-65-6083-142-1
ISBN digital 978-65-6083-137-7
“Graduação - EaD”.
1. Estratégias 2. De Leitura 3. EaD. I. Título.
CDD - 371.396
EXPEDIENTE
Centro Universitário Leonardo da Vinci.C397
FICHA CATALOGRÁFICA
LEE27
RECURSOS DE IMERSÃO
Utilizado para temas, assuntos
ou conceitos avançados, levando
ao aprofundamento do que
está sendo trabalhado naquele
momento do texto.
APROFUNDANDO
Utilizado para aprofundar o
conhecimento em conteúdos
relevantes utilizando uma
linguagem audiovisual.
Disponibilizado por meio de QR-
code.
Professores especialistas e
convidados, ampliando as
discussões sobre os temas
por meio de fantásticos
podcasts.
PLAY NO CONHECIMENTO
Utilizado para agregar
um conteúdo externo.
Utilizando o QR-code você
poderá acessar links de
vídeos, artigos, sites, etc.
Acrescentando muito
aprendizado em toda a sua trajetória.
EU INDICO
Este item corresponde a uma
proposta de reflexão que pode
ser apresentada por meio de uma
frase, um trecho breve ou uma
pergunta.
PENSANDO JUNTOS
Utilizado para desmistificar
pontos que possam gerar
confusão sobre o tema. Após o
texto trazer a explicação, essa
interlocução pode trazer pontos
adicionais que contribuam para
que o estudante não fique com
dúvidas sobre o tema.
ZOOM NO CONHECIMENTO
Uma dose extra de
conhecimento é sempre
bem-vinda. Aqui você terá
indicações de filmes que se
conectam com o tema do
conteúdo.
INDICAÇÃO DE FILME
Uma dose extra de
conhecimento é sempre
bem-vinda. Aqui você terá
indicações de livros que
agregarão muito na sua vida
profissional.
INDICAÇÃO DE LIVROEM FOCO
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U N I D A D E 3
LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL 142
O ENSINO DA LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR 160
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DA LEITURA 180
7U N I D A D E 1
CONCEPÇÕES DE LEITURA 8
LEITURA E PROCESSAMENTO DO TEXTO 34
ESTRATÉGIAS SOCIOCOGNITIVAS DE LEITURA 58
77U N I D A D E 2
ETAPAS DE LEITURA 78
LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE TEXTO 98
TIPOLOGIAS E GÊNEROS TEXTUAIS 118
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SUMÁRIO
UNIDADE 1
MINHAS METAS
CONCEPÇÕES DE LEITURA
Refletir sobre o que é a leitura.
Compreender a importância da leitura nas nossas vidas.
Analisar como a leitura nos afeta cotidianamente.
Refletir sobre o processo de leitura.
Elaborar uma análise das interpretações e das formas de leitura e conhecimento de um
texto, destacando as concepções teóricas da decodificação e compreensão e da leitura
crítica.
Refletir sobre as possibilidades interpretativas de ampliação cognitiva e de compreensão
crítica que se abrem para um leitor, uma vez que ele conhece as concepções possíveis da
leitura e seus aspectos práticos e teóricos.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 1
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INICIE SUA JORNADA
Que o termo “leitura” é de amplo sentido, não é um segredo para ninguém. Isso
significa que ele pode ser usado no sentido denotativo, significando decodificar
um texto, geralmente escrito. Contudo, o termo, muitas vezes, é usado como
metáfora para compreender o que está aparente, mas não é evidente.
Em seu artigo “Sobre a Leitura”, Simone Weil (1946) explica esta habilidade
pela metáfora da capacidade de o capitão “ler” o mar para conduzir seu barco.
O mesmo acontece quando o jornalista esportivo diz que o atacante da seleção
soube ler perfeitamente o espaço antes de chutar a gol. Em ambos os casos, o
termo “leitura” refere-se à habilidade, ora do capitão, ora do jogador, de decifrar
o comportamento de uma coisa por meio de sinais, ou seja, trata-se de decodifi-
car sinais para retirar um sentido do mundo que se lê. Percebe-se, portanto, que
os sentidos metafóricos acompanham o sentido principal: ler alguma coisa é
desvendar-lhe o significado.
De fato, a habilidade de decodificar um texto, se pararmos para pensar bem,
parece algo surpreendente. Afinal, um conjunto de letras em uma tábua, papel,
areia ou tela não deveriam significar nada, mas nos transportam para um mundo
além da nossa realidade. Talvez um relato pessoal possa esclarecer melhor. Acabei
de ser pai, então, a paternidade bem como enxergar o mundo pelos olhos de um
pequeno bebê tem aberto meus olhos para como tudo parece, de repente, uma
descoberta. Não faz muito tempo, o bebê daqui de casa começou a introdução ali-
mentar. Para quem já viu este processo de aprendizagem, sabe que é uma loucura,
comida por todo rosto, banana no cabelo e sujeira por toda parte. Não poderia
ser diferente, mas observe: o aprendizado do pequeno navegante é o treinamento
de uma habilidade.
Da mesma forma que um bebê “sabe” comer desde que nasce, ele também tem
um conhecimento inato e imanente sobre as estruturas e princípios subjacentes
que permitem a aquisição e o uso da linguagem. Do mesmo modo que comer é
uma habilidade motora e sensorial que o bebê conquistará, aprender uma lin-
guagem também é uma habilidade cujo potencial inato pode ser desenvolvido
para a aquisição do uso de uma língua.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
Segundo o gerativismo proposto por Chomsky (2015), a consciência linguís-
tica é um aspecto racional de consciência no qual o ser humano se mostra capaz
de refletir sobre os processos da linguagem. Significa que, para o ser humano, não
se trata apenas de desenvolver sinais que comuniquem uma informação, mas
de poder refletir a respeito do processo de funcionamento da linguagem. Esta
reflexão linguística dá-se sobre o resultado de processos comunicacionais que uti-
lizam habilidades inatas ao equipamento cognitivo dos indivíduos. O gerativismo
propõe que a espécie humana possui uma predisposição biológica à linguagem
e chega mesmo a argumentar que há uma gramática universal pré-programada
que, por sua vez, seria a base para as línguas.
Assim, a consciência linguística envolve a reflexão e o entendimento cons-
ciente da linguagem, mas a capacidade de estabelecer a linguagem é inata ao ser
humano. A linguagem é um conhecimento que vem pelo mundo.
Quando uma avó recebe a mensagem da filha dizendo que nasceu sua neta,
não importa muito que a receptora esteja com fome ou com calor, por um mo-
mento, sua realidade se desconstrói para dar lugar a um novo espaço, contido
apenas naquelas palavras e no que elas não contêm. “Como será minha neti-
nha, será que estão bem?…”. A leitura, esse
decifrar de símbolos aleatórios capaz de
nos transportar da nossa realidade, sendo
mesmo capaz de reconstruí-la, ou recriá-la,
não é um processo simples, e compreender
como se dá esse processo será nosso ob-
jetivo, mais adiante. Contudo estar ciente
desseprocesso serve como conhecimento
enriquecedor e fornece uma ferramenta
de observação de processos pelos quais
passamos. Entender as maneiras como a
leitura se processa permite que, então, con-
sigamos melhorar essa habilidade.
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VAMOS RECORDAR?
A leitura relaciona-se necessariamente com os símbolos
que a compõem. Em português, usamos o alfabeto latino,
mas a história do alfabeto é mais complexa do que isso.
Para compreender um pouco mais a história destes sistemas
de linguagem, convido você a assistir à história do alfabeto,
pela Khan Academia.
DESENVOLVA SEU POTENCIAL
Várias são as questões que podemos levantar sobre a leitura enquanto processo
cognitivo. Sócrates, o filósofo grego, por exemplo, opunha-se à escrita (e, de certa
forma, à leitura, pois uma forma que acompanha a outra) por entender que é um
processo o qual danifica a memória (PLATÃO, 1973). Esta reflexão socrática
permanece, em certa medida, ainda hoje, embora menos voltada à questão da
memória e mais ao processo cognitivo que a leitura permite. Por exemplo, um
ponto inicial importante é saber qual a natureza da leitura ou como são criados
os significados nessa atividade. A isso chamamos de concepções de leituras, isto
é, como se entende o processo de leitura em sua forma básica. Deste tema trata-
remos agora, observando:
a) Quais as características das diferentes formas de conceber o processo de
leitura.
b) Quais as funcionalidades e diferenças entre as concepções de leitura.
Ler textos é o aprendizado de decifrar os signos que representam e (re)constroem
uma realidade escondida além das nossas percepções. Observemos, contudo, que
ler é mais do que decodificar os signos do texto. Conforme Coscarelli e Novais
(2010, [s. p.]), a leitura é um processo complexo, “um sistema dinâmico, aberto,
auto-organizado e não-linear”, isso porque não se faz a leitura apenas da deco-
dificação do texto. Na verdade, a leitura é um processo cognitivo, sociocultural
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
e crítico cuja capacidade racional completa sentidos, mas que, além do texto
presente, preenche o significados a partir de relações socioculturais e de um pen-
samento crítico.
[…] a discursivização ou textualização do mundo por meio da
linguagem não consiste em um simples processo de elaboração de
informações, mas num processo de (re)construção do próprio real.
Os objetos do discurso não se confundem com a realidade extralin-
guística, mas (re)constroem-na no próprio processo de interação: a
realidade é construída, mantida e alterada não somente pela forma
como nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma como,
sócio cognitivamente, interagimos com ele (KOCH, 2014, p. 62).
A leitura é um processo complexo e, portanto, apresenta diversas formas de ex-
plicação, as quais chamaremos de concepções de leitura. À primeira vista, es-
sas concepções apresentam visões contraditórias sobre o processo de leitura.
Inicialmente, encontramos quem explique a leitura como uma forma de deci-
fração, decodificação de símbolos. Na outra ponta, encontramos autores como
Koch (2014), ou Cassany (2006), que apresentam a leitura como um processo
com fundamentação no plano sociolinguístico. Ao mesmo tempo, estes dois
autores, cada um a seu modo, observam que o texto tem se modificado com o
advento da comunicação digital. Koch (2014), a qual estuda a linguística textual
e suas formas de interação, também focou sua atenção ao advento do hipertexto
e como ele modificou a forma de lidar com o conteúdo textual. Cassany (2006),
partindo da pedagogia da leitura, também nota como o processo de ler e de
compreender o texto modifica-se à medida que a formação e o conteúdo digital
tornam-se ubíquos.
Além disso, pelo fato de a leitura ser tão variada quanto são as possibilidade
de textos que se apresentam para os leitores, há concepções que dizem respeito a
relações transacionais entre leitor e texto, relações de decodificação, leituras lite-
rárias e percepções mais críticas, que avançam sobre as relações sociolinguísticas.
Embora não explique a habilidade de leitura enquanto depreensão, com-
preensão e construção de significado, a concepção como um processo de deci-
fração de uma série de símbolos arbitrários em uma mensagem significativa é
um ponto inicial para compreendermos esse processo.
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Observamos que a linguagem pode apresentar possibilidades como observar,
reservar, reproduzir e imaginar, porque não sabemos, exatamente, o que o texto
nos disse, e ele é capaz de significar algo novo, antigo, trazer uma memória, ensi-
nar um conteúdo novo ou, simplesmente, ser um nome de rua. Cada uma dessas
possibilidades e outras revelam como a linguagem serve para um sem-número de
formas e coisas. A comunicação é uma infinitude, e ler (ou decifrar a informação)
dá-se de muitas formas. Não à toa, a leitura, enquanto forma de decifrar a reali-
dade por meio de signos, foi, por muito tempo, considerado algo mágico. Assim
eram entendidas as capacidades leituras no Antigo Egito e mesmo no Medievo
Europeu. A palavra era mágica — ou sagrada — e conseguir compreendê-la era
uma forma de poder.
O mais evidente sobre a leitura é que se trata de uma decifração. Trata-se de
uma decodificação de um texto, o qual é um conjunto de símbolos que transmi-
tem significado quando ordenados.
O texto é, na verdade, uma construção cognitiva multimodal, isto é, embora a
primeira imagem que temos para a palavra “texto” seja de um conjunto escrito,
o texto é, concretamente, uma tessitura de ideias, ou seja, trata-se de uma
sequência estruturada e organizada de ideias. Um texto pode ter diferentes
formas e ser composto de diversas maneiras, por exemplo, pode ser um tex-
to escrito, um conjunto imagético, uma forma sonora ou um conjunto gestu-
al. Também o texto tem várias finalidades, como: informar, persuadir, entreter
ou descrever. Em todo caso, para ser considerado um texto, é necessário que
haja coesão e coerência entre as unidades utilizadas e a mensagem transmitida
deve ter sentido completo e compreensível para o leitor.
APROFUNDANDO
Essa primeira concepção de leitura — a decodificação — descreve o processo de
atribuir um significado a um conjunto organizado de símbolos de um código.
Parece simples, mas não é.
Se olharmos a Figura 1, os símbolos chineses parecem um código que nós, a
menos que sejamos letrados em mandarim, somos incapazes de entender.
Já na Figura 2, vemos um texto em alfabeto latino, mas que não é português.
Apesar disso, é possível uma pessoa alfabetizada apenas em português conseguir
interpretar o que está escrito ali.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
Figura 1 - Caractere chinês
Descrição da Imagem: a figura mostra um ideograma, em mandarim, na cor vermelha sobre fundo branco. Abaixo
do ideograma, há um texto em preto em contendo três palavras: “Love/Amor/Amour”.
Figura 2 - Bolo Je t’aime: bolo “Eu te amo” / Fonte: Wikimedia Commons (2016, on-line).
Descrição da Imagem: fotografia colorida de um bolo vermelho em formato de coração com macarrons brancos na
sua lateral e no topo. Na face superior do bolo, há um macarron branco, um morango, uma framboesa, um mirtilo
e algumas groselhas, além de círculos de chocolate branco e um coração de chocolate negro incrustado com os
dizeres “Je t’aime” em branco. Os dizeres significam “Eu te amo”, em francês.
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Figura 3 - Frase “Eu te amo”
Descrição da Imagem: ilustração com o texto “Eu te amo” escrito em letras pretas e estilo cursivo sobre fundo
branco.
As três imagens revelam como a leitura começa pela decodificação dos símbo-
los. Decodificar é conseguir interpretar, dentro do conjunto arbitrário de signos,
um sentido que está para além deles, esta é a primeira forma de leitura. Parece
simples, talvez pareça, para alguns, que essa seja, inclusive, a própria definição de
leitura: encontrar um texto, ler, perceber um conteúdo, perceber o que está dito
ali e, portanto, terminar a tarefa de decodificá-lo.
VOCÊSABE RESPONDER?
Você já reparou que é preciso estar em um estado de distração particularmente
forte para conseguirmos passar, sem notar, por um texto escrito? Por exemplo,
você já conseguiu não processar a informação textual contida nos anúncios
publicitários que pululam nas cidades?
Para termos ideia de como o processo de decodificação se torna intrínseco, quase
inerente a nós, enquanto leitores, podemos observar que a capacidade leitora, uma
vez adquirida, é quase impossível de ser desligada. Este primeiro passo da leitura,
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
quando a compreensão do que está sendo dito ou escrito é aprendida, trata-se da
transformação de um conjunto de símbolos em um significado.
As imagens anteriores revelam como o letramento é um fenômeno que se
torna enraizado. Na Figura 1, pictograma chinês é algo tão arbitrário quanto uma
imagem aleatória para aqueles que não conhecem o idioma. Já nas Figuras 2 e 3,
expressas, respectivamente, em francês e em português, revelam-se não apenas
muito mais fáceis de serem compreendidas como, na verdade, são quase impos-
síveis de serem ignoradas. Suponha que uma pessoa letrada tenha conseguido
decodificar segunda imagem. Ela perceberia que a mensagem era “eu te amo”.
Isso é tão verdade que, para o símbolo chinês, o qual não compreendemos, ele
é totalmente desconhecido. Ou seja, após o letramento, adquirimos uma habili-
dade muito difícil de desligar, mas que não é uma habilidade tão evidente assim.
Tanto que, uma vez que mudamos de idioma ou mudamos de sistema pictórico
simbólico para sistema simbólico, a forma de compreensão desaparece.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cul-
tura (Unesco), o letramento não é uma habilidade a qual se adquire em um mo-
mento da vida, ou um ato isolado de aquisição de conhecimento. Trata-se, na
verdade, de um “continuum de aprendizagem e proficiência em leitura, escrita
e uso de números” (WHAT..., 2023, on-line) que se estende por toda a vida. Isso
parece evidente quando temos em mente que, mais do que decodificar os si-
gnos de um texto, o letramento é a habilidade de compreender e fazer uso hábil
da linguagem em suas diversas formas. Além disso, ele também engloba os
aspetos sociais da linguagem, seja como capacidade de leitura e interpretação
crítica dos textos, seja para participar na sociedade ativamente.
Fonte: adaptado de Meta... (2023, on-line)
APROFUNDANDO
Decodificar um texto é, verdadeiramente, uma atividade complexa, mas é apenas
um dos momentos da leitura. Proponho começarmos
pelo aspecto da decodificação do texto. A primeira
mágica que acontece com o texto é: uma vez que você
esteja familiarizado(a) com as letras, a habilidade de
ler torna-se muito difícil de ignorar.
Decodificar um texto
é, verdadeiramente,
uma atividade
complexa
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A leitura é uma aquisição que, uma vez conquistada, torna-se parte de quem
nós somos. Você se torna uma pessoa capaz de ler, um leitor, o que não é igual a
estar com frio. Essa mudança de estado subjetivo, um grau a mais adquirido, é,
de certa forma, tão profunda, que elaboramos rituais de passagem. Quando fui
alfabetizado, tornei-me um “doutor do ABC”. Na minha escola, teve até diploma
e baile.
A capacidade leitora torna-se algo tão intrínseco a nós que ela pode causar
sofrimento. Tanto assim que uma questão pouco debatida, mas cujos efeitos po-
dem ser vistos em algumas cidades brasileiras, é a questão da poluição visual.
Em 2006, a cidade de São Paulo implementou uma lei coibindo o tamanho
das publicidades e fachadas, com o intuito não apenas de melhorar o visual ur-
bano, mas também de diminuir a exposição da população a uma quantidade
enorme de informação. Imagino que você, como eu, canse-se com muitas leituras,
o que é provocado pela poluição visual. Como a leitura é uma decodificação e,
portanto, um processo cognitivo racional, ela gera cansaço mental. A diminuição
de informação permite que as pessoas tenham melhor qualidade de vida.
Podemos ler a partir do momento que aprendemos a ler, mas isso não é ver-
dade e, também, não lemos de maneira igual. Na verdade, não lemos de maneira
igual e não temos a mesma habilidade de ler.
VOCÊ SABE RESPONDER?
Você sabe o que é um analfabeto funcional?
Analfabeto funcional é a pessoa capaz de decifrar os signos linguísticos que
formam um texto, mas incapaz de efetuar a interpretação mais profunda do texto
que decifra. Imagine alguém que consegue achar um livro pelo nome que está na
lombada, mas é incapaz de compreender ou interpretar o conteúdo.
Decodificar é tirar o significado de um símbolo, mas, conforme pode ser
depreendido das diferentes formas pelas quais o símbolo é capaz de ser com-
preendido, é possível observar que há, pelo menos, dois significados possíveis: um
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
superficial e evidente e outro mais profundo. Portanto, a interpretação do texto
que seja completa e ampla, passa por atingir esta significação profunda.
Voltando um pouco para a nossa questão sobre a decodificação: antes de
tudo, é preciso observar que a decodificação não é um fato dado, tanto preci-
samos aprender a ler como também não lemos de maneira igual. Todos temos
habilidades diferentes de leitura.
Na verdade, a habilidade de leitura é um aprendizado constante em busca de
uma leitura profunda. Contudo não é simples determinar o que é a significação
profunda de um texto, afinal, várias são as características de uma leitura profunda.
O elemento mais evidente é a relação entre os termos, isto é, a maneira como o
significado de um símbolo interfere e altera o significado de outros símbolos.
Figura 4 - Mãe e filha
Descrição da Imagem: fotografia colorida de uma mulher de cabelos pretos na altura do ombro com um vestido
rosa, sentada na cama, e uma menina de cabelos castanhos longos de costas, em pé, na sua frente. A menina
segura, atrás do corpo, um cartão branco com o desenho de um coração vermelho.
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Figura 5 - Casal de namorados
Descrição da Imagem: desenho de um casal em fundo rosa. O homem tem cabelo claro e curto, usa óculos, camisa
social verde, cinto marrom e calça escura. Ele segura vários balões vermelhos com formato de coração, enquanto a
mulher de cabelos loiros e longos, com camiseta regata rosa-escura e saia branca está ao seu lado e lê um cartão
que contém um coração vermelho na face externa.
Quando o filho diz para a mãe “eu te amo”, a interpretação da mensagem dife-
re de quando um namorado diz para a namorada “eu te amo”. Esta diferença
ocorre porque, embora os símbolos da frase sejam os mesmos (sujeito expresso
por pronome pessoal reto, verbo “amar” no presente do indicativo, objeto dire-
to pronominal), a situação modifica o significado dos símbolos envolvidos. Os
elementos mãe e filho transformam completamente o sentido da ação de amar,
se comparados ao namorado e à namorada. Essas relações entre os elementos,
mesmo que textuais, transformam a significação e permitem a decodificação
distinta para duas frases.
Agora que vimos que decifrar o código vai além de interpretar ou formar
palavras e significados a partir de letras, fica clara a importância de interpretar o
texto a partir de suas diversas interações e relações expressas ou subentendidas.
À medida que o texto possui mais elementos, a compreensão dá-se pela supera-
ção da fase de decodificação para uma etapa verdadeiramente de interpretação.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
Para o processo de leitura, é necessário compreender como os elementos
se relacionam e se combinam para produzir um sentido completo. Isso implica
uma habilidade de interpretação que permite ao leitor compreender o significado
subjacente a um texto, considerando as diferentes relações e contextos envolvidos.
A leitura, nesse sentido, é uma atividade ativa, na qual o leitor utiliza seus conhe-
cimentos prévios, sua capacidade de reflexão e de inferência para compreender
o que está sendo dito.Dessa forma, a habilidade de ler e interpretar textos en-
volve a capacidade de compreensão e interpretação e, até mesmo, de criação de
significação. É um processo contínuo e dinâmico, que se desenvolve ao longo da
vida e requer constante aprimoramento. Além disso, é importante observar que
a leitura é uma habilidade de grande poder, a qual deve ser exercida de forma
crítica. O leitor é responsável pelo que depreende do texto, portanto, ele deve
saber analisar criticamente as informações, conseguindo perceber os meandros
dos autores e do texto e sendo sagaz o bastante para desconfiar refletidamente
do que lhe é apresentado.
O conceito da arma de Chekhov
Chekhov é um autor russo que prescreveu, entre suas regras de composição,
o princípio conhecido por “arma de Chekov”. Segundo esse autor, se uma arma
surge em cena, ela deve ser usada em algum momento na ação. Significa que
os elementos composicionais não são aleatórios, mas formam um campo de
significâncias que produz o sentido final do texto. Se a composição é refletida
para os elementos trazerem um significado, o leitor, ao decifrar esse significado,
deve considerar os elementos textuais expostos. Essa forma de composição
produz uma contrapartida: uma concepção de leitura a qual relaciona leitor
e texto a partir dos elementos que compõem o texto. Observemos, contudo,
como esse contexto é mais complexo do que a decifração, pois a forma como
os elementos se relacionam são diversos ao longo do texto.
APROFUNDANDO
Há concepções de leitura que explicam, de maneira mais completa, o processo de
leitura. As relações entre leitor, autor, texto, contexto, variam de maneira tal que
o significado se altera conforme as relações são estabelecidas.
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Saber quem é o autor, qual é o veículo que está publicando aquela informa-
ção, qual é o viés daquele veículo, se o autor está interessado em apresentar uma
opinião, um fato, se está interessado em propor uma controvérsia, fazer uma
polêmica, tudo isso são elementos que determinam o próprio texto.
O nome do autor, por exemplo, nos permite acessar outras formas de comu-
nicação, e o jogo pode determinar se o autor tem um estilo irônico ou se o que
fala é a descrição direta do que ele deseja expor. A leitura, portanto, é determinada,
também, por vários aspectos do binômio leitor-texto, sendo importante que o
leitor consiga identificar esses elementos e compreender como eles interferem
na sua interpretação.
Se a figura do autor influencia a interpretação do texto, é possível argumentar
que tal figura, apenas de maneira imediata, não se trata de um elemento textual,
pois saber quem escreve é um dos primeiros elementos de quase todos os textos.
O outro elemento subjetivo do processo de leitura — o leitor — é menos evidente
como um elemento textual. Contudo perceber quem somos como leitores nos
permite explicar certas interpretações que fazemos dos textos, torna-se, então,
uma relação entre texto e leitor, uma compreensão sobre quem é essa pessoa
a qual está lendo o texto, o que Cassany (2006) chama de concepção de leitura
psicolinguística. A formação do leitor, sua formação intelectual e profissional,
sua vivência, tudo isso determina como o texto é interpretado, compreendido e
decifrado.
VOCÊ SABE RESPONDER?
Você acredita que sua personalidade interfere na maneira como interpreta o
texto?
O conteúdo do texto, portanto, não diz respeito somente às linhas que estão
descritas, mas é determinado, muitas vezes, pela recepção do texto pelo leitor. É
o leitor que dá significado, é preciso perceber isso muito bem. O significado do
texto é determinado pelo autor que o escreveu, que trabalhou e fez uma seleção
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
cuidadosa de signos linguísticos para transmitir uma mensagem, mas também
pelo leitor, o qual decifra signos linguísticos por meio de uma combinação, mui-
tas vezes, em alguma medida, subjetiva, pessoal e psicológica.
A leitura envolve o texto em si, o leitor e o contexto no qual a leitura ocorre.
O leitor traz suas experiências, conhecimentos e expectativas para a leitura e,
por meio da interação entre texto e leitor, o significado do primeiro é construí-
do. Assim, a compreensão do texto é influenciada pela formação do leitor, pelo
seu repertório de conhecimentos e pela sua capacidade de interpretar os signos
linguísticos presentes no texto.
Um exemplo é o de um leitor que encontra no texto uma experiência pessoal.
Como recém-pai, os textos que falam de paternidade ganham um novo significa-
do para mim. O Poema Enjoadinho, de Vinícius de Moraes, é um exemplo basilar
para mim. A primeira vez que o li, achei alguma graça em suas linhas, mas não
me deixei comover pelo seu cotidiano familiar. Agora, como pai, o que era um
retrato prosaico tornou-se um modelo universal. Por fim, é importante destacar
que a interpretação de um texto é subjetiva e pode variar conforme a vivência e
formação do leitor. As diferentes interpretações são possíveis e fazem parte de
uma leitura que vai além da decifração do texto.
Vídeo de montagem de fotos de Vinícius de Moraes com sua
voz recitando o Poema Enjoadinho.
EU INDICO
Quando, hoje, leio o Poema Enjoadinho, de Vinícius de Moraes, a primeira coisa
que penso é quanto de mim está presente naquele poema, quanto das minhas
próprias experiências encontro ali. Há noites sem dormir, a preocupação com
doenças ou acidentes domésticos. Quanto de mim, enquanto pai, posso encontrar
nas palavras de Moraes. A partir desse momento, desta primeira psicologia pes-
soal, volto à leitura crítica e percebo-me, então, um homem naquelas condições,
um pai vivendo em um país do Ocidente no século XXI, passando pelas questões
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trazidas pela contemporaneidade: a preocupação com a comida, a higiene, os
acidentes domésticos, as tomadas, as fraldas, o choro, a preocupação com o vi-
zinho do andar de baixo ou de cima, não fazer festas à noite para não atrapalhar
o sono do bebê.
São preocupações que não se aplicariam à boa parte da humanidade ao longo
de todo o seu tempo. Os hebreus no Monte Sinai, os egípcios do tempo dos faraós,
os europeus da Idade Média, os romanos do império, nenhum desses povos tinha
essa preocupação. Não era possível ter essa preocupação porque não era o mundo
deles, mas é o meu mundo e não só é o meu mundo, como eu percebo-me dentro
desse mundo, hoje, como pai, o que já é uma leitura totalmente diferente do que
eu fazia anteriormente. Essa leitura parte de mim, da minha subjetividade, para
a partir daí tirar o significado do texto.
Essa leitura psicológica, contudo, ainda não entra na questão do saber tex-
tual. O conhecimento dos diversos gêneros textuais, por exemplo, permite-me
entender que o poema é uma forma literária lírica, cuja interpretação tende a
recair sobre as emoções e os sentimentos e no vigor de uma função comunicativa
poética. Isso significa que o texto, mais do que direcionado a mim ou a um pai
em algum momento do mundo, é um universo em si, voltado para si no que diz
respeito à atenção com a linguagem e com as formas múltiplas de significação.
Como exemplo, podemos pensar na questão da autoria. Na maioria dos textos
referenciais (artigos de jornal, textos acadêmicos etc.), a autoria é um elemento
a ser considerado e analisado dentro do conteúdo do texto. No caso dos textos
literários, a autoria é importante, mas surge, ao lado dela, outra figura — o “eu-lí-
rico” — que substitui e não se confunde com o autor.
A leitura psicológica não diz respeito apenas às experiências diretas, mas
sim à minha condição psicológica, à minha formação, às minhas vivências, à
forma como penso o mundo. O meu mundo psicológico informa-me enquanto
leitor, o que faz cada um ter uma leitura pessoal. Um leitor que vem do Ceará
e conhece a seca no sertão tem uma leitura diferente de um alemão que nunca
conheceu o Nordeste brasileiro. As vivências individuais conduzem a uma res-
significação do texto de forma diferente.
A terceira concepçãode leitura, seguindo o modelo proposto por Cassany
(2006), é a do letramento sociolinguístico. Esta concepção considera o papel
social do leitor ou a sua posição sociolinguística e cultural no ato de decodifica-
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
ção do texto. Um exemplo dessa realidade sociolinguística que interage na forma
como aprendemos a ver o mundo pode ser apresentado pela recente evolução no
combate à violência contra a mulher.
Todo mundo já ouviu aquele ditado: “em briga de marido e mulher…”. Este
ditado, como vários adágios e dizeres populares, revelam, pela sua natureza popu-
lar, a síntese de valores sociais. Contudo os tempos mudam, e mudamos também
nossos valores enquanto sociedade. Em alguns casos, condutas antes aceitáveis
passam a ser vistas pelo que elas são, a aceitação de uma violência. Justamente
para combater esta cumplicidade com a violência, o governo de Estado de São
Paulo (META..., 2021, on-line) promoveu a campanha “Meta a Colher”, a qual
dizia: “O silêncio não pode mais ser uma opção. Em briga de marido e mulher,
se mete a colher, sim!”.
A concepção de leitura sociolinguística vai além do texto para entender o papel
social do que foi escrito, as posições sociais do autor e, também, do leitor. Porque
se o leitor decifra e, portanto, tira significado, ele constrói significado, e essa re-
construção é derivada da posição social dele, ou seja, do leitor.
Aqui está um ponto crucial dessa concepção de leitura: a condição social do lei-
tor é relevante para a forma como ele compreende o texto. Geralmente, é muito
difícil percebermos como a posição social interfere na nossa condição de vida e
forma de ver o mundo, porque estamos inseridos em uma sociedade na qual o
que parece normal, corriqueiro e até natural é, muitas vezes, fruto de estruturas
históricas que, se não são completamente arbitrárias, tampouco são formas de
organização naturais.
Voltando ao Poema Enjoadinho, a posição de um pai do século XX é única
para os pais desse século e do século XXI. A humanidade não pensava da mesma
forma no século XIX, as crianças não eram educadas com os mesmos princípios
no século XVIII, e os bebês medievais não usavam fraldas. Estas questões mui-
to específicas da nossa sociedade parecem normais e naturais porque estamos
inseridos nela.
Não há nada natural em um bebê usar fraldas. É uma escolha estética de con-
veniência de higiene, trata-se de uma consequência da nossa construção social.
A própria língua é uma construção social.
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The Crown
Ano: 2016
Sinopse: nesta série da Netflix, na quarta temporada, é apre-
sentado o papel da princesa Diana e da Família Real Britânica
nos anos 1990.
Comentário: a princesa era, geralmente, considerada uma
pessoa problemática, mesmo quando, muitas vezes, o que ela
queria era ser tratada com respeito e ter suas vontades le-
vadas em consideração. É interessante observar o que, antes,
era uma questão de gênero, cuja mulher era vista como inca-
paz ou problemática, hoje, apresenta uma visão já diferente.
Trata-se de um exemplo de uma leitura sociolinguística.
INDICAÇÃO DE SÉRIE
Quando aconteceu o coroamento do rei da Inglaterra, em 6 de maio de 2023,
houve um debate sobre se ele deveria ser chamado de Charles III ou Carlos III.
Enquanto os sites DW e CNN Portugal usaram a forma traduzida (Carlos III),
os portais de notícia brasileiros preferiram a forma anglicana (Charles III). Há
tratados normativos de ortografia que prescrevem a tradução obrigatória de no-
mes próprios estrangeiros, embora a Academia Brasileira de Letras seja silente
sobre o tema.
Dito isso, vale observar que várias línguas realizam essa tradução, notada-
mente, o espanhol e o francês. Pode-se hipotetizar que os portugueses preferem
a forma traduzida por influência cultural e histórica, além da proximidade com
a cultura hispânica, enquanto os brasileiros preferem manter as formas estran-
geiras por sermos uma nação formada por muitos imigrantes. Então, “Charles”
vira “Carlos”, mas utilizar “Carlos” ou “Charles” é uma escolha sociopolítica. A
interpretação sociolinguística diz respeito ao mundo no qual vivemos e, portanto,
nos permite refletir e ser críticos.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 1
NOVOS DESAFIOS
O conhecimento das concepções de leitura pode auxiliar profissionais a me-
lhorarem, de várias maneiras, sua habilidade de compreensão do mundo, de si
e de seu papel profissional e social. Aqui estão algumas formas pelas quais esse
conhecimento pode ser útil.
O primeiro enriquecimento que esse conhecimento proporcional é a melhora
na compreensão de textos técnicos, cuja interpretação torna-se mais eficiente por
meio da identificação das informações mais importantes do conteúdo, além de
ajudar em construir conexões relevantes e compreensão do contexto geral.
Obviamente que, se as concepções de leitura auxiliam na leitura de um con-
teúdo técnico, também são de muita ajuda na hora das pesquisas de conteúdo e
na busca por diversas fontes. Conhecer as fontes, determinar suas pertinências
e acuidades bem como detectar seus vieses são conhecimentos relevantes para
os profissionais.
Além de ser imprescindível para a aquisição de conhecimento, as concep-
ções de leitura têm papel relevante na produção e difusão de conhecimento. Por
certo que escrita e leitura estão intimamente conectadas, o que explica porque
bons leitores tendem a ser bons escritores; afinal, um aprendizado que se ganha
a partir do momento no qual se melhora a capacidade leitora incorpora soluções
redatoras à própria comunicação do indivíduo. Dessa forma, um bom leitor ad-
quire a capacidade de expressar ideias de forma clara, organizada e persuasiva,
adaptando o estilo de escrita ao público-alvo e utilizando estratégias eficazes de
argumentação.
O enriquecimento da qualidade leitora também aumenta a capacidade re-
lacional e comunicacional. Profissionais com boa capacidade leitora podem ter
mais empatia por seus clientes e colegas, já que essa capacidade facilita a com-
preensão dos desafios e necessidades dos clientes. Isso permite uma comunicação
mais eficaz e a habilidade de fornecer suporte adequado e soluções personali-
zadas.
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O hábito de leitura também permite o contínuo aprimoramento, pois a língua
escrita é a principal forma de difusão e reserva de conhecimento acumulado. Ler
educa e ensina, e nos permite aprender sempre algo novo. Para profissionais que
desejam enriquecer seu conhecimento, ler permite aprimorar suas habilidades
e conhecimentos, explorar novas abordagens e ideias bem como acompanhar
as tendências e mudanças no mercado. Esse aprendizado, além de tudo, ocorre
por meio de um pensamento crítico, como análise, avaliação e interpretação dos
diversos cenários apresentados, permitindo a esses profissionais tomar decisões
fundamentadas e solucionar desafios em suas áreas de atuação.
Dessa forma, o conhecimento das concepções de leitura pode ser um recur-
so valioso a profissionais, ajudando-os a aprimorar suas habilidades de leitura,
escrita, pesquisa, comunicação e pensamento crítico, além de promover o desen-
volvimento profissional contínuo e a melhor compreensão sobre seus clientes.
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VAMOS PRATICAR
1. Leia o trecho, a seguir:
“CAPÍTULO PRIMEIRO/COISAS FUTURAS!
Era a primeira vez que as duas iam ao Morro do Castelo. Começaram de subir pelo lado da
rua do Carmo. Muita gente há no Rio de Janeiro que nunca lá foi, muita haverá morrido,
muita mais nascerá e morrerá sem lá pôr os pés. Nem todos podem dizer que conhecem
uma cidade inteira. Um velho inglês, que aliás andara terras e terras, confiava-me há
muitos anos, em Londres, que de Londres só conhecia bem o seu clube e era o que lhe
bastava da metrópole e do mundo. Natividade e Perpétua conheciam outras partes, além
de Botafogo, mas o Morro do Castelo, por mais que ouvissem falar dele e da cabocla que
lá reinava em 1871, era-lhes tão estranho e remoto como o clube. O íngreme, o desigual,
o mal calçado daladeira mortificavam os pés às duas pobres donas. Não obstante, con-
tinuavam a subir, como se fosse penitência, devagarinho, cara no chão, véu para baixo.
A manhã trazia certo movimento; mulheres, homens, crianças que desciam ou subiam,
lavadeiras e soldados, algum empregado, algum lojista, algum padre, todos olhavam es-
pantados para elas, que aliás vestiam com grande simplicidade; mas há um donaire que
se não perde, e não era vulgar naquelas alturas. A mesma lentidão do andar, comparada
à rapidez das outras pessoas, fazia desconfiar que era a primeira vez que ali iam. Uma
crioula perguntou a um sargento: ‘Você quer ver que elas vão à cabocla?’ E ambos pararam
a distância, tomados daquele invencível desejo de conhecer a vida alheia, que é, muita
vez, toda a necessidade humana”.
Fonte: ASSIS, M. de. Esaú e Jacó. 2. ed. São Paulo: Ediouro, 2001. [s. p.].
Com base em uma concepção de leitura que ultrapasse a capacidade decodificadora,
qual é a principal característica das duas personagens ao subirem o Morro do Castelo
pela primeira vez?
a) Elas conheciam bem o local e suas histórias.
b) Elas estavam vestidas de forma extravagante.
c) Elas subiam rapidamente, demonstrando familiaridade com o caminho.
d) A subida delas despertava curiosidade nas pessoas ao redor.
e) Elas estavam acompanhadas por um sargento e uma crioula.
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VAMOS PRATICAR
2. Leia o trecho, a seguir:
“É sabido que, conforme a perspectiva teórica que se adote, o mesmo objeto pode ser
concebido de maneiras diversas. O conceito de texto não foge à regra. E mais: nos qua-
dros mesmos da Linguística Textual, que tem no texto seu objeto precípuo de estudo, o
conceito de texto varia conforme o autor e/ou a orientação teórica adotada o texto e a
construção dos sentidos”.
Fonte: KOCH, I. O texto e a construção dos sentidos. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
[s. p.].
Com base no trecho anterior e em seus conhecimentos sobre concepções de leitura,
assinale a alternativa correta:
a) O texto é um produto social pela forma como é produzido pelo seu autor e, também,
pela forma como é interpretado.
b) O sentido do texto não depende do leitor.
c) Quando o leitor interpreta um texto a partir de seus elementos linguísticos e somente
isso, chama-se essa leitura de socioleitura.
d) A leitura só pode ser definida como decifração de textos, independente mente da
perspectiva teórica que se adote para definir texto.
e) Só há texto se o autor tiver a intenção de se comunicar com um só leitor.
3. A leitura possui várias formas de acontecer, também porque existem diversos gêneros
textuais. Com base nesta afirmação, leia as afirmativas, a seguir:
I - A formação literária dos sujeitos está sustentada na concepção do papel da literatura
na constituição social do indivíduo e da coletividade.
II - A literatura contribui para desenvolver as capacidades interpretativas amplas dos
leitores, as quais favorecem uma socialização mais rica.
III - A leitura de uma receita de bolo é mais literal do que a de um poema.
IV - A leitura é um processo de deciframento de um código linguísticos que não depende
de prática.
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VAMOS PRATICAR
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
4. “[...] texto como fonte única de sentido, possui uma visão estruturalista e mecanicista
da linguagem. Nesta perspectiva teórica, o sentido estaria aprofundado às palavras e
às frases, estando, assim, na dependência direta da forma. Tal modelo concebe a leitura
como decodificação (modelo bottom-up), em que a leitura é vista como um processo
instantâneo de decodificação de letras e sons. O sentido, deste modo, está arraigado
às palavras e às frases, melhor dizendo, depende diretamente da forma. Neste caso, o
percurso que faz a informação é ascendente, quer dizer, de baixo para cima, do texto
para o leitor. Assim o texto ganha existência própria, independente do contexto e da
situação comunicativa. Ou seja, o leitor apenas recebe o saber presente no texto. Além
disso, é visto como produto acabado e lógico do pensamento do autor, entendida como
processo de captação de ideias”.
Fonte: PANICHELLA, F. C. Concepções de leitura: diferentes perspectivas para a lingua-
gem e o texto em sala de aula. Revista Leitura, [s. l.], v. 2, n. 56, p. 4 -59, jul./dez. 2015.
Conforme o texto apresentado, analise os itens, a seguir.
I - Segundo o excerto, a capacidade de decifração do texto, o sentido do texto, estaria
focado na figura do leitor.
II - O texto argumenta que a concepção estruturalista de leitura entende o texto como
um processo instantâneo de decodificação.
III - Pela visão estruturalista comentada no excerto, o leitor é uma figura ativa na cons-
trução do significado do texto.
IV - Pela visão estruturalista apresentada, o sentido depende diretamente da forma.
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VAMOS PRATICAR
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
5. “A leitura é um processo que envolve compreensão, porém esta característica não é
facilmente alcançada, pois requer atividades específicas, intencionalmente pensadas
e elaboradas pelo mediador, para que a criança possa aprender como um leitor se re-
laciona com texto e como o compreende. Em outras palavras, devemos refletir sobre
como ensinar a leitura. Isso significa que não se trata apenas de uma questão cognitiva
e de decodificação do código escrito, mas de uma elaboração complexa que requer o
uso de estratégias específicas que devem ser ensinadas às crianças”.
Fonte: BALSAN, S. F. de S.; SILVA, J. R. M. da. Estratégias de leitura & Solé: reflexões
sobre formação leitora. Leitura & Literatura em Revista, Presidente Prudente, v. 1, n.
1, 2020. [s. p.].
Conforme o texto apresentado e seus conhecimentos sobre concepções de leitura, avalie
os itens, a seguir.
I - Segundo o texto, a leitura só pode ser desenvolvida plenamente na infância.
II - A leitura é apenas um processo de decodificação do código escrito.
III - O ensino de leitura requer estratégias específicas.
IV - A leitura é uma atividade que ultrapassa a decodificação dos textos.
É correto o que se afirma em:
a) I e IV, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) II, III e IV, apenas.
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REFERÊNCIAS
CASSANY, D. Tras las líneas: Sobre la lectura contemporánea. Barcelona: Editorial Anagra-
ma, 2006.
CHOMSKY, N. Estruturas sintáticas. Tradução de Gabriel Ávila Othero e Sérgio de Moura
Menuzzi. Petrópolis: Vozes, 2015.
COSCARELLI, C. V.; NOVAIS, A. E. Leitura: um processo cada vez mais complexo. Letras de
Hoje, [s. l.], v. 1, p. 1-10, 2010.
KOCH, I. V. As tramas do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014.
META a colher: a busca pelo fim da violência doméstica. Governo do Estado de São Paulo,
São Paulo, 6 ago. 2021. Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social. Disponível em: ht-
tps://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/meta-a-colher-a-busca-pelo-fim-da-violen-
cia-domestica/. Acesso em: 16 ago. 2023.
PLATÃO. Fedro, Cartas e O primeiro Alcibíades. Tradução de Carlos Alberto
Nunes. Belém: EduFPA, 1973.
SÃO PAULO (Cidade). Manual Ilustrado de Aplicação da Lei Cidade Limpa e normas
complementares. Lei nº 14.223, de 26 de setembro de 2006 e Decreto nº 47.950, de 5 de
dezembro de 2006. São Paulo: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, 2016. Dis-
ponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/Carti-
lha-Lei-Cidade-Limpa.pdf. Acesso em: 16 ago. 2023.
WEIL, S. Essai sur la notion de lecture. Les Études Philosophiques, Paris, Nouvelle Série,
1ère Année, n. 1, p. 13-19, jan./mars 1946. Disponível em : https://www2.hu-berlin.de/si-
moneweil-denkkollektiv/wp-content/uploads/2020/07/20840950.pdf. Acesso em: 16 ago.
2023.
WHAT you need to know about literacy. Unesco, Geneva, 29 jun. 2023. Disponível em: ht-
tps://www.unesco.org/en/literacy/need-know. Acesso em: 16 ago.2023.
WIKIMEDIA COMMONS. Oberweis Je t’aime - Luxembourg City - DSC06091.jpg. 2016. 1
fotografia. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Oberweis_Je_t%27ai-
me_-_Luxembourg_City_-_DSC06091.JPG. Acesso em: 16 ago. 2023.
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1. D. a) errado porque não conheciam o local; b) errado porque estavam vestidas de forma
simples; c) errado porque elas subiam lentamente; e) errado porque estavam sozinhas.
2. A. Os textos são escritos por sujeitos sociais e lidos, também, por sujeitos sociais.
3. D. O item IV está errado porque a leitura necessita de prática.
4. B. Tanto para o item I como para o III, há uma má representação do papel do leitor, con-
forme o texto apresentado.
5. C. As informações de I e II são contrárias ao texto-base.
GABARITO
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MINHAS METAS
LEITURA E PROCESSAMENTO
DO TEXTO
Apresentar a leitura como forma de processamento do texto.
Entender o processo pluricognitivo da leitura.
Explicar e exemplificar as formas de como a leitura se torna um evento aprofundado
da nossa vida.
Expor o processamento de texto enquanto forma de consciência linguística.
Expor como o conhecimento enciclopédico auxilia no processamento de texto.
Explicar a leitura como um processo de conhecimento interacional.
Refletir sobre a leitura do hipertexto e como ela pode se beneficiar dos aspectos
interacionais.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 2
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INICIE SUA JORNADA
A imagem de uma pessoa lendo um livro, geralmente, nos remete a um mo-
mento relaxante, pelo menos comigo sempre aconteceu a mesma situação, não
importava o que eu estava lendo, alguém sempre se aproximava para conversar.
“Ele não está fazendo nada”, pensava meu interlocutor. Será mesmo que a leitura
é assim relaxante?
Primeiramente, observe a si nesse momento. Você fica relaxado(a) lendo ma-
terial de estudo ou textos relacionados ao trabalho? Acredito que não, o que é es-
perado, estudo e trabalho dificilmente equiparam-se a dias de praia. Pensemos em
um texto mais banal. Que tal um anúncio publicitário? Outro dia vi um texto que
mencionava a propaganda de um filme que dizia: “[Título do filme] nos lembra
por que vamos ao cinema” (DUPONT-BESNARD, 2013, on-line, tradução nossa).
A simplicidade da frase esconde diversos elementos que precisamos construir,
configurar e ordenar para lhe dar sentido. As palavras essenciais para entender-
mos o assunto da propaganda são “filme” e “cinema”, se não sabemos seus signifi-
cados, não podemos determinar o que está sendo apresentado. Além de informar
o produto, essas palavras estabelecem uma carga majoritariamente positiva que
decorre de compartilharmos socialmente a experiência de irmos ao cinema.
O verbo “lembrar” sugere que todos compartilhamos das mesmas recorda-
ções, o que não é verdade. O texto não descreve como é (boa) essa experiência,
mas deixa para preenchermos, com a nossa memória, esta vivência.
Por fim, ainda há a questão dos dois autores da frase. O anúncio é uma peça
publicitária da equipe do filme, no entanto o que ela compartilha é uma crítica
positiva. Sabemos que se trata de uma propaganda. Se o crítico falasse mal do fil-
me, sua opinião não estaria no cartaz. Mesmo assim, o efeito publicitário só existe
se o crítico for um profissional cujas opiniões são confiáveis. O leitor do anúncio
compreende que, embora se trate de uma propaganda, a opinião é abalizada. Para
isso, o sujeito citado precisa ser conhecido pela comunidade como um crítico de
opiniões pertinentes. O anúncio faz propaganda de um produto, mas depende
tanto do leitor — que precisa ter boas lembranças de idas ao cinema —quanto
do crítico citado, que precisa ser conhecido pelo público por ser consciente de
suas atribuições.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 2
Os três exemplos — estudo, trabalho e anúncio publicitário — revelam ques-
tões importantes sobre os textos e sua leitura: esta exige uma atuação sobre o
texto. A descrição do processo de leitura do anúncio é mais complexa do que a
realização do processamento da leitura, mas em nenhum caso ler é uma atividade
passiva.
Também é possível observar a teia de conhecimentos que são acionados a
fim de realizar uma leitura. São vários pontos de conhecimento e interpretação
que passam pelos saberes linguísticos, por saberes cognitivos e “conhecimento
de mundo”, além da capacidade de refletir sobre esse conteúdo.
O presente tema trata das habilidades e saberes necessários para o leitor con-
seguir determinar o sentido dos textos. Ao fim, teremos melhor consciência do
processo de leitura e entenderemos como ele se dá na nossa teia cognitiva. Então,
perceberemos que a leitura não é uma atividade passiva, pelo contrário, geral-
mente, ela requer muito esforço da nossa parte.
VAMOS RECORDAR?
Uma primeira informação que o leitor deve observar no texto
é qual função de linguagem ele —o texto — majoritariamente
preenche. Todos os textos possuem elementos de diversas
das funções, mas, geralmente, cada texto encaixa-se em
um dos inúmeros gêneros e preenche uma das seis funções
de linguagem: função referencial, emotiva, poética, fática,
conativa e metalinguística.
O autor desta teoria de comunicação foi o linguista russo
Roman Jakobson. Neste vídeo, saberemos mais um pouco
sobre esta importante teoria da linguagem.
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DESENVOLVA SEU POTENCIAL
Aspectos linguísticos, psicológicos e sociais atuam na forma como processamos
um texto. São três as principais correntes de concepção de leitura.
A primeira é a concepção de leitura como um processo de decifração de
uma série de símbolos arbitrários em uma mensagem significativa. Trata-se,
evidentemente, do elemento mais superficial e evidente da leitura, portanto é
fundamental para a sua compreensão.
A segunda é a que Cassany (2006) chama de concepção de leitura psicolin-
guística. Aqui, a leitura é concebida a partir de uma relação entre texto e leitor.
Este diálogo compõe o significado final, ou seja, ultrapassa-se a noção de um
processo de decodificação. A pessoa lendo o texto, com sua formação intelectual
e profissional, sua vivência e sua subjetividade, influencia a compreensão do texto.
A terceira concepção é a leitura sociolinguística, quando o leitor ultrapassa
o conteúdo que decodifica, enriquecendo-o com sua vivência, mas também am-
pliando o leque de sentidos para além de si. O leitor compreende o texto dentro
dos diversos elementos sociais que o compõem. As condições sociais do leitor, do
autor, a forma do texto, os públicos a que o texto se dirige, as ideias e ideologias
que comporta, tudo é determinante para a formação do significado do texto. O
conteúdo, portanto, não diz respeito somente às linhas que estão decifradas, mas
é determinado pela recepção do texto pelo leitor, este é quem dá o significado.
Essas três concepções de leitura darão significado para as nossas formas de
processamento de texto. Também, aqui, temos três grandes linhas de explicação
para o conjunto de ações que envolve o processamento de texto na leitura: o
processamento de texto enquanto noção linguística, o processamento de tex-
to englobando o conhecimento de mundo/enciclopédico, o processamento de
texto na leitura avançando sobre a consciência interacional.
A primeira concepção de leitura está centrada na decodificação do símbolo
linguístico. Ler é, nesse momento, processar o texto enquanto decodificação
dos signos linguísticos em seus significados semânticos e em suas relações gra-
maticais.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 2
Agora, observe os textos e a imagem, a seguir:
1. Aardbeien
2. Fraise
3. Morangos
Figura 1 - Morangos
Descrição da Imagem: fotografia colorida de um conjunto de morangos maduros com suas coroas de folhas.
A imagem acompanha textos escritos em três línguas que utilizam o alfabeto
latino: o português, o neerlandês e o francês. A comparação dessas três línguas
revela como ler é um processo de decodificação de símbolos linguísticos. Para um
leitor de língua portuguesa, a mera palavra“morango” já remeteria à imagem das
frutas, contudo, esse mesmo leitor, sem conhecer nem francês, nem neerlandês, só
conseguirá entender o significado das palavras quando elas estão acompanhadas
da imagem dos morangos.
O processamento do texto enquanto decodificação de signo soluciona, de for-
ma satisfatória, o entendimento de alguns tipos de textos, quando eles são muito
simples ou quando são fartamente referenciais. Não encontraremos problemas
quando estamos lendo nomes de objetos, ou nomes de pessoas, ou ruas, pois os
elementos referenciais dessas informações são tão evidentes que quase sempre
impedem um equívoco de significação. A frase “O avião pousou no aeroporto de
Guarulhos, em São Paulo” é um exemplo. Seria pouco provável que o leitor dessa
frase pensasse que o avião era um barco atracando na rodoviária de Cuiabá.
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Para esses textos muito simples (palavras, espaços, nomes de coisas…) não
se requer mais do que o processamento do texto por decodificação porque os
sentidos para os quais o texto aponta são referenciais, isto é, possuem um signi-
ficado unívoco, que não admite no contexto no qual está inserido qualquer outro
significado. Imagine-se procurando um endereço. Alguém lhe diz: “A Confeitaria
Colombo, no Rio de Janeiro, fica na Rua Gonçalves Dias, entre a rua Sete de Se-
tembro e a Rua do Ouvidor”. Com certeza, você não confundirá o endereço da
confeitaria com a antiga casa do poeta, ou as ruas que a delimitam com o feriado
e com um funcionário público.
“Os termos unívocos e equívocos são utilizados para exprimir o
número de sentidos semânticos de uma palavra. Palavras unívocas
possuem um sentido único, guardando apenas uma interpretação
inequívoca; as palavras de sentido equívoco podem ter duas ou mais
interpretações, já que guardam mais de um sentido” (VEREZA,
2010, p. 199, grifo do autor).
Como nem tudo que lemos são endereços ou frases simples, é fácil perceber
o quanto o processo de decodificação enquanto processo de leitura apresenta
limitações quando nos deparamos com situações comunicativas e com textos
mais complexos.
Se voltarmos à imagem anterior, podemos fazer ilações sobre o nome de mo-
rangos em francês. Fraise não é um nome que seja semelhante à forma portu-
guesa, mas é próxima de umas das formas espanholas, fresa. Ora, um pouco de
conhecimento de mundo, algum vocabulário externo ao português e qualquer
capacidade dedutiva já permitiriam ao leitor imaginar a qual fruta a palavra fran-
cesa fraise se refere.
Outro exemplo da necessidade de enriquecer o conteúdo linguístico — se-
mântico e gramatical — com o conhecimento de mundo pode ser encontrado
em termos equívocos. A palavra “Socorro” tem, ao menos, dois significados em
português: o nome de uma pessoa ou um apelo de ajuda. A forma de diferenciá-
-los, costumeiramente, é a pontuação. Enquanto apelos vêm seguidos de excla-
mações, nomes próprios são sucedidos ou por sinais de pausa (vírgula ou ponto
final como vocativos, por exemplo) ou estão em orações. Contudo esses símbolos
não bastam para entender casos mais dúbios de significado.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 2
Imagine a seguinte história:
Raul entrou no bar ansioso, sentia que algo lhe aconteceria naquele dia. Tinha
levantado com o pé esquerdo, pensava com seus botões enquanto aguentava
uma reunião chata no trabalho. Era sexta-feira e, ao fim do expediente, não sentia
vontade de ir para casa. “Sei lá, algo não me vai bem hoje”. Entrou no bar, que não
era o bar de sempre, mas que estava cheio o bastante para não se sentir só. Ao
entrar, após passar por dois casais, vira-se e diz:
— Socorro!
A mulher que vira era sua noiva.
Parece evidente que só a decodificação não é suficiente, como também não con-
seguimos evitar preencher as lacunas com nossas experiências de vida em sentido
lato, ou seja, com soluções que já vimos em casos semelhantes. Assim, a frase “A
mulher que vira era sua noiva” sugere para o leitor algumas previsões de conti-
nuação da história que seriam diferentes se a frase fosse “A mulher que vira era
seu amor de infância”. Exige-se uma segunda forma de processamento de leitura
a qual possibilite explicar como preenchemos essas lacunas.
Além de decodificar os símbolos linguísticos, o leitor também aporta conteú-
do ao texto, ao que chamamos de processamento de leitura com conhecimento
enciclopédico. O leitor move-se de uma função receptora de significados para
um papel mais ativo de formador de significados, pois é ele quem completará o
texto com informações que não estão expressas no texto. São os conhecimentos
de mundo e de conteúdo informativo do leitor que o permitirão dar significado
ao texto.
Nesse exemplo da palavra “Socorro”, o contexto comunicacional e o cenário
pintado na narrativa fazem pensar que há surpresa e um pouco de incredulida-
de e desgosto por parte de Raul pelo fato de encontrar a noiva naquele espaço.
Observemos, contudo, que estas hipóteses criadas partem de um conhecimento
de mundo do leitor, o qual nada tem a ver com algo que ele necessariamente
experimentou e, principalmente, não são previsões gramaticalmente implícitas
no texto. É o contexto geral do evento narrado que permite inferências futuras.
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“O processo de inferência textual permite captar o que não está dito
no texto de forma explícita. A inferência é aquilo que ‘lemos’, mas
não está escrito. São adivinhações baseadas tanto em pistas dadas
pelo próprio texto como em conhecimentos que o leitor possui. Às
vezes, essas inferências se confirmam e, às vezes, não; de qualquer
forma, não são adivinhações aleatórias. O uso desses procedimen-
tos possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar
decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca
de esclarecimentos e validar, no texto, suposições feitas” (SANTOS,
2019, p. 136).
O conhecimento enciclopédico permite ao leitor preencher lacunas de conteúdo
no texto, fazer inferências e previsões, dialogar e, até mesmo, ressignificar o texto.
Se o conhecimento de mundo é assim importante, é preciso observar que esta
qualidade é desigual e conflitante entre os leitores. O que cada um aprende ao
longo da vida, o que retém e o que decide utilizar na leitura de cada texto é uma
escolha, em certa medida, bastante pessoal. Evidentemente, quanto mais conheci-
mento o leitor adquirir ao longo da vida, quanto mais leitura e conhecimento de
mundo, melhor e mais profunda será sua capacidade de leitura e sua habilidade
em retirar sentido do texto. As palavras não terão só os sentidos dicionarizados
delas, mas começarão a fazer sentido subjetivo emocional para o leitor que apor-
tará significado ao sentido do texto.
Esse é um elemento que precisa ficar bem claro. O conhecimento de mundo,
o conhecimento técnico e os demais conhecimentos aportam sentido ao texto,
construindo um novo significado. O texto está mais rico devido ao seu leitor que,
ao aportar o que conhece do mundo, o que já leu sobre aquele assunto, amplia
os significados possíveis, o leitor, inclusive, cria um diálogo com o texto. Quanto
mais sabemos sobre um assunto, mais conseguimos aprofundar a interpretação
de textos. Mesmo as releituras não apresentam necessariamente as mesmas con-
clusões e aprendizados, seja porque o leitor está em um novo momento da vida,
seja porque aprendeu mais informações para dialogar com o texto que conhecera
antes. A releitura nos faz ressignificar o texto com a vivência acumulada. O que,
antes, era uma novidade, agora é visto com os olhos de um leitor cuja experiên-
cia o faz mais capaz de dialogar ativamente com o texto, descortinando sentidos
ocultos .
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TEMA DE APRENDIZAGEM 2
Se o conhecimento técnico é algo que se adquire com o tempo, e percebemos
esses avanços com alguma facilidade (na verdade, mesmo celebrando cada etapa
com diplomas e marcos acadêmicos ou profissionais), o conhecimento de mundo
é algo mais fluído, embora não menos importante. Sua aquisição começa cedo,praticamente com o aprendizado linguístico, porque ele é essencial para poder-
mos, realmente, navegar nos textos e nas informações que nos são passadas. As-
sim, conhecimento de mundo é facilmente inteligível, mas de singela percepção
por parte de um leitor já maduro, pois os cotidianos e os dados do nosso mundo
já são corriqueiros o suficiente para aparentarem ser fatos naturais, quando são
construções de conhecimento.
Uma forma de perceber como esses saberes não são evidentes é a observação
do aprendizado de formação de leitores ou de estudantes iniciais. Parece evidente
a todos os adultos que o primeiro português a chegar oficialmente na costa brasi-
leira foi Pedro Álvares Cabral. Também sabem esses adultos que o território onde
chegou Cabral seria português porque as terras a serem achadas foram divididas
entre Espanha e Portugal em um tratado assinado em Tordesilhas, motivo por que
o tratado entrou à história com esse nome. Esses conhecimentos, transmitidos
aos alunos das séries iniciais, não são evidentes, mas sim parte da formação dos
alunos no Brasil. Esses conhecimentos revelam como nossa sociedade escolheu
educar as crianças.
A construção do conhecimento de mundo é, porém, ainda anterior a este
momento educacional, contribuindo inclusive com a própria aquisição de lingua-
gem. Uma das primeiras coisas que atentamos no ensino da primeira infância é
ensinar o nome das coisas. As crianças aprendem o que são utensílios, quais são
os bichos, quem são seus parentes.
VOCÊ SABE RESPONDER?
Você já notou que frases como “Essa é mamãe”, “Fala: papai”, “Cadê a vovó?”,
“Que bicho é esse?”, “Como o cachorro faz?” constroem o mundo de uma cri-
ança?
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Quando começamos a educar um bebê, uma das coisas que fazemos é trans-
mitir-lhe ensinamentos para ele começar a nomear e a ordenar o mundo onde
vive. Esse conhecimento, contudo, ultrapassa rapidamente o mundo que cerca a
criança. Quando ensinamos o som de um cavalo ou de um porquinho, estamos
ampliando o mundo da criança antes que ela o conheça. É pouco provável que
uma criança tenha visto um leão, mas é provável que tenha brincado e se fanta-
siado de leão diversas vezes, na creche.
Mesmo que uma criança jamais tenha visto um leão, ela aprenderá as formas
linguísticas e pictóricas daquele bicho, mas também que ele é “o rei da selva”,
sendo “selva” um lugar onde vivem bichos valentes, e por aí vai a construção do
sentido de mundo. Esta riqueza de informação sedimenta-se, amplia o sentido
da palavra “leão”, a fim de ordenar um mundo não conhecido pela criança, mas
que ela já começa a saber que existe.
Jacaré, Não!
Editora: Ubu
Autor: Antônio Prado
Sinopse: trata-se de um livro em que a personagem, uma
menina chamada Luísa, faz diversas atividades cotidianas de
uma criança. Vai à escola, sai com colegas, participa das re-
feições, vai dormir… e à medida que realizar cada uma des-
sas tarefas, ela junta os elementos do campo semântico que
fazem sentido à atividade. Assim, quando Luísa vai à escola,
ela junta lápis, apontador, mochila, caderno e… jacaré. Ao colo-
car um jacaré fora da expectativa semântica, o narrador con-
testa: “Jacaré? Jacaré não, jacaré não vai à escola, jacaré é
bicho!”. Este livro retrata como a construção do conhecimento
de mundo acompanha, em parte, o aprendizado linguístico,
porque conhecer as formas semânticas e a gramática não são
suficientes para uma leitura adequada de mundo. O ensina-
mento de mundo é diferente da mera decodificação, não é só
dar nome às coisas e saber qual o nome dos símbolos que rep-
resentam aquele objeto, mas é saber, também, como aquele
objeto se comporta, onde aquele objeto vai, em qual universo
ele está, onde é coerente que ele esteja inserido.
Comentário: fica a dica como ótimo presente para crianças
ou de material para ser trabalhado em sala de aula.
INDICAÇÃO DE LIVRO
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TEMA DE APRENDIZAGEM 2
A coerência de um texto ultrapassa o seu conteúdo linguístico, já que a necessi-
dade de decodificar o texto e entendê-lo coerentemente requer o preenchimento
de conteúdos extralinguísticos. O leitor caminha então da decodificação para a
compreensão do texto, tendo o poder de perceber as ideias presentes, mas não
expressas no corpo visível do texto.
Essa coerência significa que as ideias fazem sentido entre si e são coerentes
com o sistema de valores e realidades do universo onde habitamos. Voltando ao
livro do Antônio Prata, a incoerência não está em levar um jacaré para a escola,
há situações nas quais essa conduta seria mesmo plausível. Contudo é incoerente
com o sistema de valores cotidianos de uma criança que se dirige à escola. No
plano linguístico, é um termo que não pertence ao mesmo campo semântico, o
que significa que está fora daquele conjunto esperado de ideias as quais se apro-
ximam. Há, portanto, aquilo que Garcia (2010) chama de paralelismo semântico,
a necessidade de as ideias estarem coordenadas em um mesmo plano de sentido
e expectativas.
Quando um texto decide por romper esses planos de coerência, ele constrói e
apresenta uma nova coerência, a qual o leitor precisa ser convencido de seu valor.
Para o texto ser paradoxal, incoerente ou transgressor, confrontando o universo
comum do leitor, ele necessita de uma construção que explique os motivos da
quebra bem como um leitor capaz de compreender os elementos modificados
e suas razões.
“[A compreensão de um texto é realizada] quando o leitor percebe
as informações que o texto oferece, tornando-se capaz de aprofun-
dar a leitura, percebendo as idéias principais, a temática, e realizan-
do mecanismos de inferências. Em resumo, é quando o leitor ‘lê as
entrelinhas’” (ALMEIDA et al., 2000, [s. p.].)
Não é apenas o leitor que compõe o texto com formação de significados, ou seja,
não é apenas o leitor que enriquece o texto com seu conhecimento de mun-
do. Todo texto, seja ele impresso, seja ele virtual, sempre apresenta um conjun-
to de referências, ilações e ligações que permitem ao leitor trilhar um percurso
de enriquecimento de conteúdo. Nos moldes do texto impresso, isso acontece
principalmente com as referências, as notas de rodapé e notas de fim, com a in-
tertextualidade, a qual é a relação entre diferentes textos por meio de referências,
diretas ou indiretas.
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Neste caso, o texto base — que o leitor está absorvendo — faz referências a
outros textos, podendo ser tanto textos propriamente ditos, como também filmes,
músicas, eventos históricos, outros gêneros textuais etc. Essas referências, por
sua vez, podem se apresentar de diversas formas, como citações diretas, alusões,
paródias, imitações e tantas outras maneiras. Dessa forma, o texto é um produto
para além do código e contém em si ligações com outros textos.
Para Bakhtin, essas ligações tinham natureza dialogal, um texto estabelecia
uma ponte com outro, o que, depois, foi repensado e refletido por diversos estu-
diosos, como Kristeva (CARVALHAL, 2006).
Sobre paródias, um bom vídeo é o da professora Ana Maria
Bacelar, no YouTube. Ela apresenta algumas figuras de lin-
guagem e analisa quatro paródias do poema Canção do Exílio,
de Gonçalves Dias.
EU INDICO
Além do texto impresso, há um novo tipo de texto com o qual estamos cada
vez mais correntes: trata-se do texto online, ou virtual. O conceito de hipertexto
surge, inicialmente, antes da internet, mas ganha força com o advento da web e
sua ubiquidade. Se você entrar em qualquer página ou portal de internet, é bem
possível que se depare com alguns links redirecionando o leitor a outro conteúdo.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 2
Segundo Koch (2007), o hipertexto possui várias características que o fazem
diferente do texto impresso. Sua característica central é a não-linearidade ou
não-sequencialidade, já que o texto pode ser cortado, rompido ou deixado de
lado por um dos links a qualquer momento. Esses elementos aparecem de ma-
neira muito frágil nos textos impressos, pois é muito pouco provável queo leitor
abandone o livro a cada referência que encontra. A não-sequencialidade faz do
hipertexto um produto volátil, cujo espaço é indefinido e não-hierarquizado.
Como qualquer link pode levar a outros textos, o texto inicial perde seus limites
de começo meio e fim e perde sua relevância única, já que os links podem ter-
minar por englobá-lo. Isso faz do hipertexto um produto fragmentado, seja nas
diversas formas de textos que o compõe, seja pelas diversas formas de mídias e
aportes — vídeos, áudios, tabelas — as quais ele permite transportar para seu
significado.
Dessa forma, o hipertexto é um produto multicentrado, permitindo um
deslocamento amplo por diversos tópicos. Esse deslocamento, por sua vez,
é de escolha do leitor; o hipertexto é um produto interativo, mas também será
construído com participação ativa do leitor, portanto, o hipertexto torna-se um
conjunto infelicitado de textos que se fundem, mas que acontecem simultanea-
mente. Estas características são motivadas pela natureza conectiva e pela virtua-
lidade do suporte do texto, ele não está impresso, imóvel, mas é um texto sempre
editável e reconstruível, afinal, cada link pode, por sua vez, ser refeito.
Em um hipertexto, todas as informações não contidas ali podem ser referen-
ciadas por uma ligação que permite acessar uma vertente do conteúdo. O texto
forma-se em uma rede, cujos caminhos percorridos são determinados ora pelo
autor, que viabiliza os links, ora pelo leitor, que decide se quer ou não trilhar esses
pontos. Snyder (2010), por exemplo, revela como a leitura do hipertexto pode
estar totalmente na mão do leitor.
Esse controle que, em parte, é encontrado no papel do leitor em qualquer tex-
to, afinal, como visto, é o leitor que, com seu conhecimento de mundo, preenche e
constrói sentido e compreensão interpretativa do texto, se exacerba no hipertexto.
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Certamente, você já percebeu que quanto mais domina o assunto, melhor con-
segue dialogar com o texto. Agora, uma dúvida que sempre fica: quanto con-
hecemos realmente um assunto, quanto ele é fruto das nossas crenças? Quan-
tas vezes deixamos de clicar nos links porque a informação já fortalece nossas
certezas sobre o mundo?
APROFUNDANDO
Se o texto contém elementos referenciáveis, isto é, objetos aos quais ele se refere no
mundo, formando uma teia de informações, quanto do nosso conhecimento de
mundo interfere na maneira de percebermos os caminhos apontados pelo texto?
Será que o texto nos guia por diálogos intertextuais ou fortalece nossas crenças?
E quanto de nossas crenças são realmente pautadas na nossa personalidade e não
são culturalmente sedimentadas?
No começo deste tema, falamos sobre as concepções de leitura e como elas
guardam relação com os processos de leitura. A última concepção diz respeito ao
aspecto sociolinguístico e crítico do leitor e, também, a última forma de processa-
mento do texto diz respeito ao momento quando o leitor extrapola os limites do
texto e das ilações determinadas por ele. Almeida et al. (2000) chamam isso de
interpretação, quando o leitor finalmente extrapola e amplia o significado inicial
do texto, construindo novos significados. Principalmente, o leitor confere a si uma
nova capacidade crítica que lhe permite julgar o que lê, conhecer os efeitos que
aquelas informações têm no seu mundo e, até mesmo, em sua visão de mundo.
Esse processo, costumeiramente chamado de relação interacional no pro-
cesso de leitura, é assim chamado porque analisa a maneira como o leitor inte-
rage com o texto. Trata-se de um processo que aprofunda o momento anterior de
compreensão com aporte do conhecimento de mundo. Agora, o leitor interpre-
tará o texto de forma crítica, usando seus conhecimentos prévios, experiências
e habilidades de compreensão para formular um sentido próprio ao texto. Evi-
dentemente que o leitor não fugirá do significado posto pelo autor, isto é, onde o
autor escreve “azul”, o leitor não lerá “amarelo”, contudo é possível que aquele quem
lê indague a escolha de cores e a simbologia por trás delas. Este tipo de conexão
reformulará o sentido do texto não no plano semântico, mas no plano interpre-
tativo: o que é referencial, o que é opinião, o que é pré-concepção de realidade.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 2
Dessa forma, a relação interacional possui uma dimensão social, não porque
o plano social interfere diretamente no leitor, ou no texto, mas porque as formas
como autor e leitor concebem o mundo são, em alguma medida, modelos sociais
de percepção da realidade. O leitor profundamente crítico será mesmo capaz
de perceber estes matizes iniciais como elementos socialmente construídos e
balancear sua leitura conforme esses valores.
Chico Buarque e Mar’tnália gravaram um pot-pourri de duas
músicas do compositor carioca. Sem Compromisso e Deixe a
Menina estabelecem um diálogo entre situações semelhantes,
a maneira como o homem se comporta uma vez que o casal
chega a uma festa é objeto de análise nessas duas músicas,
e nos faz perceber como a intertextualidade pode enriquecer
o texto.
EU INDICO
No pot-pourri que Chico Buarque e Mar’tnália gravaram, pode-se encontrar duas
formas de ver o mundo: de um lado, está a figura de um homem que se arvora senhor
de direitos sobre a mulher, do outro, há a defesa da liberdade feminina. As duas mú-
sicas conversam, o homem ciumento recebe, como resposta, um “chega-para-lá”
que lhe diz que ele deveria, antes de tudo, saber ser confiante com sua mulher livre.
Claro que o leitor mais atento pode notar, ainda, um pouco do machismo social
quando, em Deixe a Menina (BUARQUE, ([20--?]), on-line), o coro informa:
“Eu não queria jogar confete
Mas tenho que dizer
‘Cê’ tá de lascar
‘Cê’ tá de doer
E se vai continuar enrustido
Com essa cara de marido
A moça é capaz de se aborrecer”.
O “homem com cara de marido”, para um leitor mais crítico, parece sugerir o
momento no qual é socialmente permitida uma conduta mais controladora ou
os ciúmes mais aflorados.
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VOCÊ SABE RESPONDER?
O que você acha? A música parece sugerir que os maridos podem ser ciumen-
tos?
Portanto, percebemos que a relação interacional guarda uma dimensão social.
Sendo a leitura influenciada por contextos sociais e utilidades de leitura, como
público-alvo, finalidade do texto e outros elementos, a relação entre leitor e tex-
to gera uma relação que enriquece o conteúdo.
Novamente fica claro que o leitor jamais é uma figura passiva no processo,
sendo sempre o sujeito capaz de produzir uma interpretação crítica do conteúdo,
o que lhe permitirá refletir sobre as ideias do texto.
NOVOS DESAFIOS
Até aqui vimos como o processo de leitura é uma atividade que, ultrapassando a
atividade laboriosa de decodificação de mensagens, exige do leitor um papel ativo
na produção de sentidos do texto. Da decodificação do texto até o processo inte-
racional, o leitor fortalece-se no papel de produtor de significado. Evidentemente
que não há a negação do texto escrito pelo autor, mas sim o aprofundamento de
seus significados e uma visão crítica do que está sendo transmitido. O leitor passa
a uma posição de não internalizar, acriticamente, o que lhe está sendo informado.
Para a vida profissional, conseguir atingir este grau de capacidade crítica
é essencial, já que somos diariamente apresentados a conteúdos escritos que
tentam nos convencer de certezas e percursos prováveis nas funções de nossas
empresas e sociedade. Imaginemos um gerente que acredita em tudo que está
em seus relatórios, sem se perguntar sobre a honestidade ou competência dos
seus funcionários, mas sobre os múltiplos vieses de conduta que todos temos.
Ele passaria seus anos de trabalho acreditando que tudo caminha relativamente
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TEMA DE APRENDIZAGEM 2
bem e tranquilo, razão por que não procuraria influenciar mudanças no seu se-
tor. Parece-me pouco provável que esse gerente faça um bom trabalho ao longo
prazo, pois, no mínimo, seu setor estagnaria, em face dosdesafios surgidos com
o correr do tempo.
Para o indivíduo, em seu cotidiano, também uma capacidade de processa-
mento de texto plenamente desenvolvida permitirá que ele consiga navegar, de
forma crítica e racional, nos diversos aspectos da vida, desde seu trabalho até seu
papel como membro da sociedade. Saber como as políticas são desenvolvidas
em sua cidade, em seu estado ou mesmo no país, entender o que é simbólico e o
que é material na formação de políticas públicas e na construção de resultados
práticos dos diversos governos, tudo isso conduz o indivíduo a ser mais ativo e
mais ciente do seu papel como cidadão.
Para os profissionais das áreas de educação, esse conhecimento é particu-
larmente importante, porque a avaliação dos avanços de leitura não é apenas
pessoal, mas também são instrumentos para entender como os alunos estão se
desenvolvendo nos saberes que devem adquirir. Em certa medida, o processo de
educação é muito determinado pela construção e aprimoramento dos processos
de leitura. Quando criança, o aluno é ensinado, primeiro, a conhecer, dominar e
decodificar o código linguístico. À medida que os anos avançam na escolaridade,
ele é pedido mais vezes para compreender e interpretar textos, sabendo completar
seus sentidos com seu conhecimento de mundo e tendo o poder de aprimorar
os sentidos por meio de relações interacionais com o material, porque a leitura
é ultrapassar a decodificação de signos para a compreensão do mundo na forma
escrita, e a formação de sentido e significado desse próprio mundo.
Como disse Paulo Freire (1989 p. 9): “a leitura do mundo precede a leitura
da palavra”. Para o professor, conhecer os processos de leitura, compreender suas
etapas e seu desenvolvimento e perceber o grau de desenvolvimento dessas ha-
bilidades em seus alunos é de suma importância.
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1
VAMOS PRATICAR
1. “[…] a discursivização ou textualização do mundo por meio da linguagem não consiste
em um simples processo de elaboração de informações, mas num processo de (re)
construção do próprio real. Os objetos do discurso não se confundem com a realidade
extralinguística, mas (re)constroem-na no próprio processo de interação: a realidade
é construída, mantida e alterada não somente pela forma como nomeamos o mundo,
mas, acima de tudo, pela forma como, sócio cognitivamente, interagimos com ele”.
Fonte: KOCH, I. V. As tramas do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2014. p. 71.
Tendo o texto anterior como base, analise os itens, a seguir.
I - Segundo Koch, a linguagem nada mais é do que a reprodução codificada do mundo real.
II - Segundo Koch, há uma perfeita identidade entre os objetos do mundo e as suas for-
mas discursivas, isto é, os elementos linguísticos que os representam.
III - Segundo Koch, a textualização do mundo é uma construção do real.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
2. “Até 2010, o prêmio de melhor jogador da Copa do Mundo era decidido antes da fi-
nal do torneio. Algumas situações embaraçosas fizeram a FIFA mudar a dinâmica da
premiação. Ronaldo ganhou na França, apesar de uma atuação muito apagada na
partida mais importante. Zidane levou na Alemanha, mesmo tendo encerrado sua
participação – e sua carreira – com uma cabeçada no peito de Materazzi”.
Fonte: BONSANTI, B. Há 20 anos, Ronaldo Fenômeno venceu duelo com Kahn e Brasil
se sagrou pentacampeão mundial. Revista Trivela, [s. l.], 30 jun. 2022. Disponível em
https://trivela.com.br/copa-do-mundo/ha-20-anos-ronaldo-fenomeno-venceu-due-
lo-com-kahn-e-brasil-se-sagrou-pentacampeao-mundial/. Acesso em: 21 ago. 2023.
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VAMOS PRATICAR
Após ler o texto e tendo como base seu conhecimento de mundo e sua capacidade in-
terpretativa, assinale a alternativa correta:
a) O termo “dinâmica” refere-se à forma como a festa de premiação era realizada.
b) A expressão “na partida mais importante” é uma referência ao jogo que decidia quem
seria o melhor jogador do torneio.
c) O termo “cabeçada” refere-se a uma jogada válida no esporte futebol em qualquer
situação.
d) A expressão “atuação muito apagada” pode ser considerada um eufemismo dado os
eventos que aconteceram ao jogador.
e) O termo “cabeçada” é uma figura de linguagem para determinar que o jogador foi
muito superior a outro.
3. “O processamento estratégico depende não só de características textuais, como tam-
bém de características dos usuários da língua, tais como seus objetivos, convicções
e conhecimento de mundo. Isto é, as estratégias cognitivas são estratégias de uso do
conhecimento. E esse uso, em cada situação, depende dos objetivos do usuário, da
quantidade de conhecimento disponível a partir do texto e do contexto, bem como de
suas crenças, opiniões e atitudes”.
Fonte: KOCH, I. G. V. A construção dos sentidos no discurso: uma abordagem sociocogni-
tiva. Investigações, Recife, v. 18, n. 2, p. 9-38, 2005. Disponível em: https://periodicos.
ufpe.br/revistas/INV/issue/view/84/showToc. Acesso em: 22 ago. 2023.
Após ler o texto e tendo em vista seus conhecimentos sobre processamento de leitura,
assinale a alternativa correta:
a) O processamento de um texto por parte de um leitor não exige deste uma função ativa.
b) O processamento do texto é uma atividade de decodificação da mensagem posta
pelo autor.
c) O conhecimento de mundo é um saber que, individualizado, não tem fundamento
algum no contexto social.
d) O uso do conhecimento para preencher etapas de interpretação depende do texto,
do contexto e de aspectos relacionados ao leitor.
e) O processamento estratégico depende só de características dos usuários da língua.
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VAMOS PRATICAR
4. “Algumas das principais formas de linguagem que poderíamos elencar para expressar
pensamentos, ideias, necessidades, sentimentos e opiniões são: a linguagem verbal,
apreendida sob a forma de uma língua, expressa de forma escrita ou oral; a linguagem
visual, manifestada em um quadro, por exemplo; e a linguagem sincrética, em que di-
ferentes sistemas de representação – o verbal, o não verbal e o gestual, por exemplo
– se mesclam e se completam, como em uma página da internet, um gráfico, um balé,
uma peça de teatro”.
Fonte: MAGNONI T. L. Leitura e produção textual na universidade: teoria e prática. v.
25. São Paulo: Mackenzie. E-book.
Com base nos seus conhecimentos sobre processamento de leitura e formas textuais,
analise os itens, a seguir.
I - Toda linguagem requer algum tipo de leitura para que aquilo que é expresso seja
percebido pelo receptor.
II - A dança é um tipo de representação verbal.
III - A página de internet não pode conter mais de uma representação de linguagem.
IV - A linguagem sincrética pode ser exemplificada por um quadro.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
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VAMOS PRATICAR
5. “A concepção de sujeito da linguagem varia de acordo com a concepção de língua
que se adote. Assim, à concepção de língua como representação do pensamento cor-
responde a de sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações.
Trata-se de um sujeito visto como um ego que constrói uma representação mental e
deseja que esta seja ‘captada’ pelo interlocutor da maneira como foi mentalizada. Na
verdade, porém, este ego não se acha isolado em seu mundo, mas é, sim, um sujeito
essencialmente histórico e social na medida em que se constrói em sociedade e com
isto adquire a habilidade de interagir. Daí decorre a noção de um sujeito social, intera-
tivo, mas que detém o domínio de suas ações”.
Fonte: KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2014.
Com base nas informações apresentadas, avalie as asserções, a seguir, e a relação pro-
posta entre elas:
I - A língua como representação do pensamento corresponde a um individual dono de
sua vontade e de suas ações
PORQUE
II - O indivíduo não é um sujeito essencialmente históricoe social.
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta:
a) As asserções I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.
b) As asserções I e II são verdadeiras, e a II não é uma justificativa correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são falsas.
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REFERÊNCIAS
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GRUPO DE ESTUDOS LINGÜÍSTICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO, 48., 2000, São Paulo. Anais
[...]. São Paulo: [s. n.], 2000.
BUARQUE, C. Deixe a Menina. Vagalume, [s. l.], [20--?]. Disponível em: https://www.vagalu-
me.com.br/chico-buarque/deixe-a-menina.html. Acesso em: 21 ago. 2023.
CARVALHAL, T. F. Intertextualidade: a migração de um conceito. Via Atlântica, [s. l.], v. 7, n.
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DUPONT-BESNARD, M. The Flash est le pire film de super-héros : critique sans spoilers d’un
naufrage. Numerama, Paris, 14 jun. 2023. Disponível em: https://www.numerama.com/
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FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Autores Associados: Cortez, 1989.
GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. 27. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
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KOCH, I. G. V. Hypertext and the construction of sense. Alfa, São Paulo, v. 51, n.1, p. 23-38,
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SANTOS, L. C. dos. A Formação do Leitor Competente: O Desenvolvimento das Habilida-
des Leitoras no Processo de Inferência Textual. Inventário, Salvador, v. 23, n. 2, p. 135-
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SNYDER, I. Antes, Agora, Adiante: Hipertexto, Letramento e Mudança. Educação em Re-
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br/j/edur/a/mCYG9K74qkc5pSPywt3g8tF/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 21 ago. 2023.
VEREZA, S. C. O lócus da metáfora – linguagem, pensamento e discurso. Cadernos de Le-
tras da UFF, Niterói, v. 41, p. 199, 2010.
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1. B. As afirmativas I e II contradizem o texto.
2. D. Alternativa A contradiz o sentido do texto. Alternativa B está errada porque a informação
implícita é a final do torneio para saber qual é o melhor time. Alternativa C ultrapassa os
limites do certo. Cabeçadas não são válidas sempre. Alternativa E “cabeçada” não é uma
figura de linguagem no texto.
3. D. Alternativa A errado porque contradiz o texto. A atividade do leitor não é passiva. Alter-
nativa B errada porque fica aquém do que diz o texto. O texto é mais que decodificado.
Alternativa C errada porque o conhecimento de mundo tem também aspectos sociais.
Alternativa E errada porque o processamento estratégico depende do usuário e do texto.
4. A. As afirmativas II, III e IV contradizem o texto.
5. C. A afirmativa II contradiz o texto.
GABARITO
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MINHAS ANOTAÇÕES
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MINHAS METAS
ESTRATÉGIAS SOCIOCOGNITIVAS
DE LEITURA
Refletir sobre o que é a leitura.
Compreender como agimos durante a leitura.
Analisar a leitura enquanto ação sobre o texto e autorreflexão.
Compreender o que são estratégias de leitura e como se dividem.
Descrever as estratégias de leitura que relacionam o leitor e o texto.
Apresentar as estratégias de leitura que se relacionam com a interpretação do texto.
Refletir sobre as vantagens das estratégias sociocognitivas e metacognitivas para o leitor.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 3
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INICIE SUA JORNADA
A palavra “leitura”, geralmente, significa decodificar um texto, por isso ela é usada
como metáfora para compreender o que está aparente, mas não é evidente. Con-
tudo a habilidade de decodificar um texto é algo surpreendente, seja pelo proces-
so de decodificação, seja por seus efeitos psicossociais sobre o receptor do texto.
Todo mundo já mergulhou em um texto e sentiu-se transportado para outro
lugar. O processo de desvendar o sentido de um texto, muitas vezes, é tão intenso
que vivenciamos o que estamos lendo.
Ao decifrarmos os textos, (re)construímos uma realidade escondida além das
nossas percepções. O mundo apresentado pelo texto se faz sentir e, além disso, a
leitura enriquece o sentido do mundo onde vivemos ao mesmo tempo que nos
transporta para além do momento em que estamos.
Este processo de textualização, reconstrução e recepção de um mundo por
meio de um código linguístico possui alguns elementos que lhe são essenciais.
O primeiro é a própria concepção de leitura. A leitura forma-se completamente
não apenas pelo processo de decodificação do texto, mas por uma relação de
compreensão e interpretação que exige ações ativas por parte do leitor. Trata-se,
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TEMA DE APRENDIZAGEM 3
na verdade, de um diálogo entre autor, texto e leitor, no qual cada um aporta
significado ao resultado.
O autor, evidentemente, é o produtor do texto. Ele tentou ao máximo reprodu-
zir, no código linguístico, suas ideias e sua imaginação. Contudo a reprodução do
significado não é exata, muitos conhecimentos são implícitos e muitas informa-
ções apresentadas pelo autor possuem o viés de sua condição sociopsicológica.
O autor, sendo um sujeito do mundo, revela-o, muitas vezes, inadvertidamente.
O texto possui suas características particulares de tempo, de sociedade e de
gênero textual. Um leitor não pode confundir as regras de leitura entre os gêne-
ros textuais; o que se busca em uma poesia é, evidentemente, distinto do que se
procura em um texto jurídicos, como uma lei. Isso não quer dizer que os diver-
sos gêneros não possam estabelecer diálogos, inferências, citações ou mesmo
paródias, tampouco que o diálogo intertextual não seja enriquecedor para os
dois textos. Lavelle (2019), por exemplo, estuda como o poema Kant (relido), de
Orides Fontela, faz uma releitura de uma passagem da Crítica da Razão Prática,
do filósofo alemão.
Por fim, não podemos esquecer do leitor, afinal, é ele quem faz o processa-
mento do texto, a ligação entre os elementos relacionados ao autor, os elementos
relacionados ao texto e os significados que extrai desse. O leitor é, também, um
sujeito histórico e social, ou seja, a atividade de interpretação que ele produz está
relacionada ao seu contexto psicossocial, ao seu tempo histórico, ao seu íntimo
e ao seu mundo.
O processamento do texto que envolve todos esses elementos, ao qual cha-
mamos de interacional, guarda dimensões psicológicas e sociais. O resultado
da leitura é influenciado por contextos sociais e utilidades de leitura, finalidade
do texto e outros elementos. A relação entre leitor e texto gera uma relação que
enriquece o conteúdo. O leitor jamais é uma figura passiva no processo, sendo o
sujeito capaz de produzir uma interpretação crítica do conteúdo.
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VAMOS RECORDAR?
Um pouco sobre Immanuel Kant é um conhecimento sempre
bem-vindo para os estudos universitários. O pensamento
desse filósofo alemão influenciou tanto o que se imagina
das estruturas racionais quanto as imposições sobre ordem
legal e social no mundo. Sobre a leitura, o pensamento de Kant
pode ser usado como uma forma de compreender esta prática
de forma ética e justa, exigindo do leitor que tome consciência
das escolhas e do engajamento produzidos sobre os objetos
que lê. Para relembrar um pouco, convido você a assistir a este
resumo das ideias de Kant elaborado pelo Canal Futura.
DESENVOLVA SEU POTENCIAL
O trabalho de leitura é tanto um processo de decodificação de uma mensagem
como de construção de sentido e significado. Para tanto, o leitor segue algumas
estratégias que o conduzem a apreender informações, compreender ideias, fazer
inferências e tirar conclusões, alémde aprender algo. Em suma, o leitor usa es-
tratégias que permitem decodificar, compreender e interpretar o texto.
Essas estratégias podem ser divididas em duas grandes vertentes: as estraté-
gias sociocognitivas e as estratégias metacognitivas. Estas últimas dizem respeito
à análise que o leitor faz do próprio processo de leitura, daí serem chamadas de
metacognitivas, porque são, em parte, um processo de reflexão e pensamento so-
bre o próprio texto. O leitor, portanto, deve saber como consegue evoluir no texto,
quanto o compreende, o quanto está sendo parcial, o quanto está interferindo no
texto de maneira maléfica, isto é, modificando e deturpando o sentido do texto
em vez de o enriquecer. Trata-se da habilidade de monitorar e avaliar a própria
compreensão e de tomar medidas para corrigir o curso da leitura no ponto em
que estiver com problemas (LEITE, 2019).
As estratégias sociocognitivas estão relacionadas aos processos de conhe-
cimento sociais e psicológicos e às atividades utilizadas para acessar essas infor-
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TEMA DE APRENDIZAGEM 3
mações, seja no conhecimento prévio do leitor, seja nas informações contidas no
texto. A leitura, portanto, ultrapassa a atividade decodificadora (SANTOS, 2021),
exigindo que o leitor tenha ciência das ideias centrais do texto, de como essas
ideias se relacionam a pontos específicos no texto para, a partir destes saberes, se
propor a fazer antecipações e ilações sobre o conteúdo profundo lido.
Apesar de profundas, essas duas definições de estratégias de leitura não dei-
xam claro o aspecto social do processo, isso porque esta natureza é anterior às
ações de leitura. Todo conhecimento é, em certa medida, social, porque ele surge
do contexto social no qual o agente do conhecimento o produz. Assim, a leitura
é sociocognitiva porque o aspecto social que envolve autor, texto e leitor
interfere no resultado da leitura. Que tal um exemplo para entendermos esse
aspecto social?
Dom Casmurro
Autor: Machado de Assis
Sinopse: Dom Casmurro é uma obra escrita por Machado de
Assis e publicada entre 1899 e 1900. Escrita em primeira pes-
soa pelo autor-personagem Bento Santiago, trata-se de uma
tentativa dele de “atar as duas pontas da vida”, ou seja, rela-
cionar o começo da vida com seus anos finais. Dessa forma,
Bento passa por sua infância, seus anos de estudo no sem-
inário, sua formação profissional e seu amor e casamento com
Capitu.
Comentário: há várias edições deste clássico brasileiro à ven-
da no mercado. Uma opção bastante econômica, contudo, é
o arquivo disponibilizado no site do MEC, onde se pode achar
toda a obra de Machado disponível. O link é https://machado.
mec.gov.br/obra-completa-lista/item/31-dom-casmurro
INDICAÇÃO DE LIVRO
Dom Casmurro, de Machado de Assis, é escrito em primeira pessoa, com o narra-
dor, Bento Santiago, o Dom Casmurro, contando a história do seu amor, namoro,
casamento e separação de Capitolina, a Capitu. O grande dilema do leitor deste
romance é saber se Capitu traiu realmente Bentinho, que conta a história anos
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depois de todos os eventos centrais terem ocorrido, anos depois das mortes de
seu filho Ezequiel e de Capitu.
A história percorre a forma como ele descobriu a traição, e o debate acalorado
é sempre se a traição teria de fato ocorrido, ou se foi um fruto da imaginação
e dos ciúmes do personagem. Esse debate, contudo, nem sempre aconteceu ao
longo dos anos em que o livro existe.
O livro foi primeiramente publicado em 1899. Nesse momento, contudo, a
leitura dos pares de Machado de Assis, ou seja, de grande parte do público leitor
e da crítica literária, era de que não havia por que duvidar de Bentinho. A traição
era um dado narrativo, uma certeza do texto, cuja beleza estava não na capacidade
de gerar a incerteza no leitor, mas na forma narrativa.
Este consenso não teve contestações firmes por 60 anos. O narrador da his-
tória era confiável, seus argumentos eram sólidos: (i) meu filho parece com meu
amigo que morreu; (ii) o encontrei saindo da minha casa, um dia, quando só
Capitu lá estava; (iii) no funeral dele, Capitu pareceu muito comovida. Esse con-
senso sobre a traição era também um consenso social. A mesma sociedade que
lia o texto não encontrava motivos para discordar ou duvidar do ponto de vista
de um homem que, parecendo bem articulado, escondia seus ciúmes.
Em 1960, uma crítica literária estadunidense chamada Helen Caldwell publi-
cou The Brazilian Othello of Machado de Assis. A Study of Dom Casmurro, obra
que contesta a tese da traição. Em O Otelo Brasileiro de Machado de Assis (2008),
a autora argumenta que Capitu não traiu Bentinho, mas sim que o narrador é um
homem ciumento cuja visão de mundo não é confiável por causa desse ciúme.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 3
O título do livro de Caldwell já é uma chave de leitura que nos permite en-
tender a linha-mestra de sua argumentação, mas, para isso, é preciso saber quem
foi Otelo e como sua história pode se relacionar à de Dom Casmurro.
VOCÊ SABE RESPONDER?
O que a gente pode inferir de uma obra cujo título é o Otelo Brasileiro e que se
trata de um estudo sobre Dom Casmurro?
Quem conhece a obra de Shakespeare sabe que Otelo é o personagem-título da
peça Otelo, o Mouro de Veneza. Ele é um militar comandante de uma grande
tropa e está a serviço do governo de Veneza. Apaixonando-se por Desdêmona,
filha de um homem poderoso da cidade, o general e a moça casam-se às escon-
didas, provocando a necessidade de aceitação do casamento.
O vilão da história, Iago, produz artimanhas que levam Otelo a crer que ele foi
traído pela esposa. Tomado por ciúmes e acreditando ter sido traído, ele assassina
Desdêmona, que jamais lhe fora infiel.
Caldwell (2008) argumenta que Dom Casmurro é uma espécie de Otelo, um
homem cujos ciúmes o fazem acusar de traição uma pessoa inocente. Pelo título
do texto de Caldwell, podemos fazer inferências e antecipar argumentos ou, pelo
menos, ideias centrais propostas pela autora.
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Voltemos à questão da leitura sociocognitiva. Podemos perceber, por esse
exemplo, como os aspectos sociais interferem na forma como um texto é com-
preendido. Por 60 anos, a intelectualidade brasileira esteve ao lado de Dom Cas-
murro, sem perceber os diversos elementos que faziam seu relato inseguro, incer-
to ou, pelo menos, não totalmente confiável. Com o texto de Caldwell (2008), não
apenas a leitura do texto ganhou uma nova visão, mas o próprio narrador mudou
de natureza, deixando de ser um narrador confiável e tornando-se não confiável.
Agora, observemos que foi uma autora — e a questão de gênero importa
aqui — com formação literária baseada em outra tradição. O texto de Shakes-
peare, embora bastante difundido no Brasil e conhecido de Machado e de seus
contemporâneos, não restou com os leitores do romance como o fez com a leitora
estrangeira.
Os leitores antes dessa leitora que não possuíam a carga psicossocial com a
qual ela lia Dom Casmurro. Caldwell (2008) notou como os argumentos apre-
sentados por Bentinho não apenas eram frágeis, mas também eram postos em
dúvida na própria obra, revelando que Machado de Assis não pretendia que a
traição fosse “favas contadas” no romance. Nenhum “fato cabal” surge na obra;
mesmo a suposta semelhança entre o filho e o melhor amigo podem ser explica-
das como coincidências da vida, o narrador sugere essa possibilidade. O mesmo
narrador que, como já estamos percebendo e como Caldwell (2008) apontou,
por ser escrito com a ironia machadiana e com os elementos de dubiedade que
apresenta, não pode ser confiável.
O texto literário tem dessas maravilhas, ao mesmo tempo que seduz por um
caminho, sugerindo que a posição de Bentinho não apenas é firme, mas é também
verdadeira, por outro caminho, espera que o leitor seja atento para notar como
o narrador/personagem não é um elemento confiável. Seu ponto de vista ganha
conotações irônicas ou moralizantes, dependendo do leitor para preencher esses
sentidos.Voltando à crítica norte-americana, Caldwell (2008) percebeu também que
Dom Casmurro só traz a voz de um homem, Capitu não tem voz. Foi uma autora
de outra cultura e sociedade que conseguiu desvendar esses elementos.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 3
Othello
Ano: 1995
Direção e adaptação de roteiro do original: Oliver Parker
Sinopse: Otelo, o Mouro de Veneza é uma peça teatral escrita
por Shakespeare. Algumas vezes cinematografada, trata-se
de um clássico. Suas adaptações sempre revelam alguma coi-
sa nova sobre o momento histórico e o local onde são realiza-
das. Dentre as várias versões, recomendo a dirigida por Oliver
Parker (1995), com Lawrence Fishburne no papel de Otelo.
INDICAÇÃO DE FILME
Quando pensamos em processamento de leitura, saímos da decodificação para a
compreensão sócio-histórica e psicológica do texto. Ou seja, o leitor compreende
o significado a partir de uma crítica do que está sendo lido. Ele junta as suas per-
cepções e o seu conhecimento de mundo com a percepção do momento histórico
em que ele vive, do momento histórico em que o texto está escrito e da sociedade
na qual ambos estão inseridos.
Quando falamos em estratégias de leitura, visamos a descobrir quais os me-
canismos que o leitor utiliza para produzir esse processamento de texto. Quais
ações e procedimentos o leitor realiza para encontrar, entender, reter informação
e como ele reflete sobre a informação. A isso chamamos de estratégias sociocog-
nitivas e metacognitivas.
Neste texto, trabalharemos, principalmente, com as estratégias sociocogni-
tivas, mas em alguns momentos, trataremos das etapas metacognitivas como
uma forma de reflexão dessas estratégias.
Estratégia de metacognição é quando o leitor indaga a si quais processos e
mecanismos cognitivos está utilizando para compreender o texto.
APROFUNDANDO
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Várias são as estratégias sociocognitivas de leitura, as quais variam tanto nas
habilidades do leitor, no objetivo da leitura e no plano social no qual o leitor
está inserido. Um exemplo de estratégia sociocognitiva é a vocalização do texto.
Muitos estudantes leem o texto em voz alta, repetidas vezes, para apreender o
significado do texto e conseguir reter seu conteúdo. Essa estratégia “auxilia na
compreensão textual” e “favorece a plasticidade neural” (MORAIS; OLIVEI-
RA, 2014). Esse conjunto de estratégias permite ao leitor adquirir e compreender
o texto; elas pautam-se pela observação de como o leitor tem o poder de analisar
a compreensão completa do texto, como ele adquire informação desse texto,
como ele retém essa informação e como faz a seleção entre essas informações e
o seu conhecimento prévio.
Uma forma de compreender essas estratégias é notar a natureza de suas ações,
por exemplo, temos estratégias centradas no texto. Duas das principais ações
dessa natureza são o skimming e o scanning, termos em inglês geralmente usados
para nomear as ações de leitura superficial e a procura por informações no texto.
Skimming ou percepção geral do texto é uma leitura superficial, não no sentido
de desatenta, mas não focada ou direcionada. Trata-se de uma leitura rápida e
geral. O leitor busca observar as ideias centrais, o objetivo é ter uma ideia geral
do texto.
Scanning é outra estratégia de leitura muito útil. Trata-se da habilidade de
procurar informações específicas no texto. O leitor põe-se em uma busca por in-
formações específicas. Estudantes são muito exigidos nesta habilidade porque
várias questões de múltipla escolha possuem itens cuja solução é compará-los
ao texto-base.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 3
Essas duas estratégias de leituras cognitivas precisam
ser sempre treinadas.
Elas facilitam a capacidade de leitura no momento
seguinte, que é a leitura profunda do texto. Quando
o leitor conhece o conteúdo de maneira superficial, e
entende as informações que estão ali, ele pode realizar
uma leitura mais aprofundada.
Além dessas duas estratégias de leitura, há algumas que exigem do leitor mais
capacidade de dialogar com o texto. Isso porque, em vez de extrair informações,
elas pedem do leitor a capacidade de completar e aprofundar significados pro-
postos pelo texto. Ele, então, trabalha com seu conhecimento prévio para fazer
inferências, para fazer antecipações e solucionar problemas propostos pelo texto.
Evidentemente, essas estratégias são mediadas pelas realidades sociais, como
constatamos no caso do livro de Caldwell (2008). O leitor daquele texto pode
inferir a tradição da formação literária da autora e pode antecipar a tese central
da obra a partir do seu título. Para tanto, o conhecimento de mundo lhe basta,
desde que, neste caso, esse leitor entenda, também, como os elementos sociais
são pertinentes para reler obras conhecidas de maneira inovadora. “As obras
imortais de todos os séculos não devem a sua imortalidade exatamente ao fato
de tomarem seus caracteres entre os tipos gerais?” (ASSIS, 1864, [s. p.]).
O leitor dialoga com o texto à medida que o lê, ao trabalhar com conheci-
mento prévio e inferências. A coleta e reflexão sobre as informações que o texto já
apresenta lhe permitem fazer previsões de conteúdo e trazer a compreensão bem
como a resolução de problemas que o texto possa lhe apresentar. Essas estratégias
acontecem na mente humana e precisam ser, em alguma medida, refletidas pelo
leitor, para que ele tenha a percepção de como está realizando esses processos.
Isso é relevante para evitar que, ao fazer inferências e antecipações, o leitor não
desvirtue o texto com seus sentimentos e presunções.
Essas duas
estratégias de
leituras cognitivas
precisam ser
sempre treinadas
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O processo de antecipação é a capacidade do leitor de imaginar ou deduzir
o raciocínio que o autor está apresentando e, assim, acompanhar e prever o re-
sultado cujo texto está construindo. Trata-se da habilidade de acompanhar uma
linha de raciocínio e antever suas etapas. A capacidade de inferência não é
apenas deduzir um conteúdo que virá expresso, mas também de inferir conse-
quências desse conteúdo, refletir sobre as conclusões as quais o autor propôs. O
leitor, com essas duas estratégias, consegue apreender as consequências e con-
clusões do texto.
Nesse momento, observamos as estratégias de leitura quando o leitor realiza
a compreensão profunda do texto, quando é preciso estabelecer um diálogo com
a obra. Exigem-se releituras e raciocínio crítico, a fim de averiguar a pertinência
das assunções e das reflexões propostas pelo texto e pelo leitor. Essas estratégias
de leitura exigem o monitoramento de compreensão, isto é, demandam do leitor
a capacidade de observar seu próprio raciocínio e promover correções de curso
à medida que as inferências e antecipações distam dos resultados aos quais o
texto realmente chega.
Por fim, uma última estratégia de leitura que sempre é aconselhável observar
é a capacidade de solucionar problemas, a qual ocorre em vários níveis. A mais
evidente diz respeito à capacidade de solucionar problemas à medida que o leitor
avança no texto.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 3
NOVOS DESAFIOS
O conhecimento das estratégias de leitura pode auxiliar profissionais a melho-
rarem sua habilidade de compreensão da leitura, já que eles são, por um lado,
ferramentas capazes de aprimorar a apreensão de informação e conhecimento,
por outro, mecanismos de entender como conseguimos ver o mundo a partir
dos textos. Compreender como estamos lendo um texto é, também, com um
pouco mais de reflexão, uma possibilidade de compreendermos como temos
internalizado o mundo.
Conhecer estratégias de leitura auxilia imediatamente na nossa habilidade de es-
tudar. Vocalizar o texto ajuda na retenção do conteúdo e na reflexão do texto;
realizar leituras gerais permite adquirir conteúdo rápido, mesmo que não aprofun-
dado; realizar uma varredura do texto em busca de informações específicas nos
ajuda em tarefas complexas, quando precisamos usar diversas fontes simultane-
amente.A interpretação também se torna mais eficiente por meio da identificação
das informações mais importantes do conteúdo.
É relevante, contudo, ter em mente que uma leitura geral de detecção de sentidos
gerais e sentido superficial não substitui a leitura profunda, quando o leitor dialo-
ga com o texto, permitindo-se fazer inferências, estabelecer analogias e construir
sentidos complexos sobre o conteúdo adquirido. Além disso, é importante ter
em mente que uma leitura superficial pode induzir o leitor a erros graves, pois a
percepção apressada de sentidos é capaz de levar a generalizações equivocadas
ou a premissas falsas, comprometendo a aquisição de conhecimento.
De toda forma, as estratégias de scanning e skimming são úteis quando nos
deparamos com grande quantidade de textos, pois elas também nos permitem
averiguar rapidamente a natureza e, em parte, a qualidade das informações. Com
isso, conseguimos reter conhecimento e enriquecer nosso conhecimento de mun-
do, o que possibilita melhor estratégia de leitura para textos profundos.
A habilidade de realizar antecipações e inferências auxilia na construção de
significados permite que o leitor enriqueça a própria compreensão do texto, afi-
nal, mesmo nas correções de curso, há pausas reflexivas para compreender os
motivos da mudança de rumos. A atividade leitora torna-se reflexiva e crítica,
possibilitando aprofundamento no sentido dos textos.
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O hábito de leitura também proporciona o contínuo aprimoramento, já
que a língua escrita é a principal forma de difusão e reserva de conhecimento
acumulado. Ler educa e ensina, e nos permite aprender, sempre, algo novo. Para
profissionais que desejam enriquecer seu conhecimento, ler permite aprimorar
suas habilidades e conhecimentos, explorar novas abordagens e ideias, acompa-
nhar as tendências e mudanças no mercado. Esse aprendizado, além de tudo, se
fará por meio de um pensamento crítico, como análise, avaliação e interpretação
dos diversos cenários apresentados, permitindo a esses profissionais tomar de-
cisões fundamentadas bem como solucionar desafios em suas áreas de atuação.
Professores, em especial, precisam dominar as estratégias de leitura para
transmiti-las a seus alunos. Como as atividades de metacognição dessas estraté-
gias de leitura são o plano mais avançado de desenvolvimento, porque requerem
que o leitor domine o processo de leitura e consiga refletir sobre seus percalços,
do professor é exigido realizar essa metacognição e ensiná-la aos alunos. Assim,
os professores podem inferir a qualidade leitora dos alunos pelo uso das estra-
tégias de leitura — razão pela qual tantas questões exigem seu uso em provas e
testes — bem como podem ensinar a partir das etapas dessas estratégias. Estas,
nestes casos, são, ao mesmo tempo, termômetro das habilidades e ferramentas
do desenvolvimento da leitura.
Dessa forma, o conhecimento das estratégias de leitura pode ser um recurso
valioso para profissionais, ajudando-os a aprimorar suas habilidades de leitura,
escrita, pesquisa, comunicação e pensamento crítico, além de promover o de-
senvolvimento profissional contínuo e a melhor compreensão de seus clientes.
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VAMOS PRATICAR
1. Leia o trecho, a seguir:
“Ezequiel, quando começou o capítulo anterior, não era ainda gerado; quando acabou era
cristão e católico. Este outro é destinado a fazer chegar o meu Ezequiel aos cinco anos,
um rapagão bonito, com os seus olhos claros, já inquietos, como se quisessem namorar
todas as moças da vizinhança, ou quase todas.
Agora, se considerares que ele foi único, que nenhum outro veio, certo nem incerto,
morto nem vivo, um só e único, imaginarás os cuidados que nos deu, os sonos que nos
tirou, e que sustos nos meteram as crises dos dentes e outras, a menor febrícula, toda a
existência comum das crianças. A tudo acudíamos, segundo cumpria e urgia, cousa que
não era necessário dizer, mas há leitores tão obtusos, que nada entendem, se lhes não
relata tudo e o resto. Vamos ao resto”.
Fonte: ASSIS, M. de. Dom Casmurro. São Paulo: Globo, 1997. p. 97.
Assinale a alternativa que mostra estratégia de leitura a qual Bentinho sugere faltar ao
“leitor obtuso”:
a) Ao leitor falta a capacidade de inferir informações do texto.
b) Ao leitor falta a capacidade de antecipar informações do texto.
c) Ao leitor falta a capacidade de selecionar informações específicas no texto.
d) Ao leitor falta a capacidade de detectar o sentido geral do texto.
e) Ao leitor falta a capacidade de decodificar o texto.
2. Na concepção bakhtiniana, a leitura é vista como uma prática social, interativa, dialó-
gica, que se concretiza nas inter-relações construídas pelo leitor.
Fonte: BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981.
Com base no trecho apresentado, analise as assertivas, a seguir.
I - Pode-se inferir da visão de leitura como prática social que o código é o elemento imu-
tável do processo de comunicação, já que ele precisa fazer a ponte entre autor e leitor.
II - O leitor aporta conhecimento ao texto que tem em sua frente, razão por que a leitura
tem um aspecto dialógico.
III - A estratégia de leitura da vocalização jamais é uma leitura como prática social
IV - O leitor deve cruzar os saberes que extrai do texto com o conhecimento sócio-histó-
rico e pessoal que traz consigo.
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VAMOS PRATICAR
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
3. Várias são as estratégias sociocognitivas de leitura, variando tanto nas habilidades do
leitor, no objetivo da leitura, e no plano social em que o leitor está inserido. Um exemplo
de estratégia sociocognitiva é a vocalização do texto. Muitos estudantes leem o texto em
voz alta repetidas vezes para apreender o significado do texto e conseguir reter seu con-
teúdo. Essa estratégia “auxilia na compreensão textual” e “favorece a plasticidade neural”
(MORAIS; OLIVEIRA, 2014).
Com base no trecho apresentado, analise as assertivas, a seguir:
I - O conjunto de estratégias sociocognitivas de leitura permite ao leitor compreender
o texto.
II - O conjunto de estratégias sociocognitivas de leitura são ações que permitem ao leitor
ter uma análise mais completa do texto.
III - Algumas estratégias de leitura são centradas no texto.
IV - A percepção geral do texto é uma estratégia que permite a leitura focada e profunda
do texto.
É correto o que se afirma em:
a) I e IV, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) II, III e IV, apenas.
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REFERÊNCIAS
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tes.br/handle/1/446. Acesso em: 24 ago. 2023.
MORAIS, M. R.; OLIVEIRA, L. R. P. F. de. Poesia e memória: a vocalização como uma estratégia
sociocognitiva de leitor no ensino língua portuguesa. Revista Philologus, [s. l.], ano 20, n.
60, supl. 1, p. 1-20, set./dez. 2014.
SANTOS, J. F. dos. Estratégias de leitura no ensino de língua inglesa: uma comparação entre
o livro didático e a BaseNacional Comum Curricular (BNCC). Revista EntreLínguas, Arara-
quara, v. 7 n. 00, p. 1-13, 2021. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/entrelinguas/
article/view/14218. Acesso em: 24 ago. 2023.
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1. A. O “leitor obtuso” a que se refere Bentinho quer todas as informações postas, sendo
incapaz de inferir informações do que já foi dito.
b) Errada: porque inferir é estratégia de leitura diferente de antecipar.
c) Errada: porque inferir é estratégia diferente de varredura (scanning).
d) Errada: porque inferir é estratégia diferente de leitura dinâmica do texto (skimming).
e) Errada: porque inferir é estratégia diferente de decodificar texto
2. Alternativa I errada: o código também se modifica socialmente.
Alternativa III errada: a vocalização, ler em voz alta, pode ser uma atividade e estratégia
de leitura compartilhada em grupo.
Alternativa IV correta: leitura crítica é o diálogo entre as informações do texto e os saberes
adquiridos do leitor.
3. Alternativa I correta: estratégias de leitura atuam para melhorar a compreensão do texto.
Alternativa II correta: estratégias de leitura são ações que o leitor produz para melhor ler
e analisar o texto.
Alternativa III correta: scanning e skimming são exemplos de estratégias centradas no
texto.
Alternativa IV errada: a percepção geral do texto é uma leitura superficial não focada em
encontrar informações específicas ou aprofundada em reflexão.
GABARITO
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UNIDADE 2
MINHAS METAS
ETAPAS DE LEITURA
Apresentar a leitura como um processo cognitivo complexo.
Apresentar as formas de nos preparar para ler textos.
Pensar em como é o nosso caminho enquanto leitores.
Apresentar as etapas de leitura da pré à pós-leitura.
Pensar em como se dá o aprendizado a partir da leitura.
Refletir sobre os resultados da leitura no plano profissional e pessoal.
Incentivar a atenção consciente às etapas de leitura.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 4
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INICIE SUA JORNADA
Como você se comporta em um restaurante? O que faz? Qual ritual segue? Con-
tarei um pouco do meu ritual. Sempre que chego em um restaurante, esteja acom-
panhado da minha família, esteja só, sempre me dirijo a um garçom e pergunto
se há mesa e onde posso sentar. Instalado, após tirar meus diversos utensílios
(sou uma daquelas pessoas que anda com guarda-chuva em dias de sol), espero
o cardápio, que sempre abro pelo fim. Minha primeira escolha não é o que beber,
ou o que comer, mas qual sobremesa terminará minha refeição. Adquiri esse
hábito com uma tia que também começava o cardápio pelo fim, pelas opções de
doces. Ela evitava, assim, a decepção de não ter a sobremesa desejada, já que era
a primeira coisa que pedia: que lhe reservassem o quitute de preferência.
Qual “ritual” você tem no restaurante? E como se prepara para ler o cardápio?
Toda leitura, afinal, possui etapas, e a primeira é a de preparação e absorção do
conteúdo. Mais de uma vez já ouvi o atendente perguntar se o cliente “estava
pronto para escolher”, ou seja, se o ânimo cognitivo dele tinha se debruçado so-
bre as informações do cardápio. Pois é, até as atividades mais simples, quando
pensamos bem, são complexas.
Como você pode ter percebido por esta pequena história, nem todos os lei-
tores têm os mesmo rituais. Algumas pessoas não suportam spoiler, aquela infor-
mação que destrói a surpresa do enredo, outras não se incomodam com isso. Há
quem precise de um espaço calmo e tranquilo para ler, outros já conseguem ler
em pé em um ônibus lotado. Contudo, seja lendo, seja relendo (e, aqui, há uma
dica preciosa, sempre releia grandes obras, porque há aprendizados que só nos
chegam em novas releituras do mesmo texto), seja com qual ritual for, a leitura é
um processo complexo que passa por várias etapas.
UNIASSELVI
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TEMA DE APRENDIZAGEM 4
VAMOS RECORDAR?
Como são vários os tipos e gêneros textuais, tão várias
são as preparações para sua leitura. Que tal recordarmos
um pouco os gêneros textuais?
Convido você a ler o material do professor Luiz Antônio
Marcuschi sobre gêneros textuais.
O título do texto é Gêneros textuais: definição e funcionalidade.
DESENVOLVA SEU POTENCIAL
O processo de leitura possui etapas e estratégias. Estas são todas aquelas ações,
ferramentas e mecanismos cognitivos que o leitor executa para, de fato, concluir
a leitura de um texto. Elas têm esse nome porque atuam na capacidade cognitiva
do leitor, são estratégias para interpretar o texto. Dessa forma, elas são postas em
uso à medida que há necessidade para a compreensão na leitura, ou seja, não têm
uma ordem específica, mas são ferramentas capazes de organizar a compreensão
do texto.
Já as etapas de leitura são momentos os quais o leitor passa durante a lei-
tura, a fim de chegar à conclusão e à apreensão do conteúdo do texto. Por certo
que, aqui, também, as etapas não são sucessivas, embora as expliquemos dessa
maneira, mas são estágios complementares. Elas formam um feixe de compreen-
são leitora que explica como se dá a leitura, isto é, quais as etapas cognitivas que
explicam o ato de leitura. Trata-se de uma racionalização de um processo neural
que é de difícil compreensão.
Como informa Hye K. Pae (2020), a leitura é um processo que acontece no
ecossistema neural e envolve várias regiões em uma atividade coordenada de
neurônios que decodificam letras e palavras e, também, em outras regiões que
organizam as ideias e os componentes juntamente com saberes prévios. Apesar
da semelhança descritiva, é evidente que a organização neural não condiz com
uma cadeia em etapas.
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Se a descrição por etapas não é exata, ela é conveniente para compreender a
atividade leitora. A apresentação dessa atividade por etapas nos permite descre-
ver o processo bem como observar os momentos pertinentes, e podemos, dessa
forma, atuar e melhorar cada uma das habilidades leitoras que compreendem o
todo cognitivo do ato de leitura.
A PRÉ-LEITURA
A leitura é antecedida por um momento de pré-leitura. Trata-se de um mo-
mento relevante, a depender do tipo de leitura que realizaremos. Se você for como
eu, mesmo a leitura de um cardápio requer certo preparo, um “sentar-se antes de
pedir”. A ação de pedir em uma rede fast-food, por exemplo, é bem distinta, o
cliente já entra em busca de um cardápio que está na parede e o pedido é feito de
maneira mais célere. Seja em um caso, seja em outro, há a antecipação por parte
do cliente do restaurante, uma expectativa e uma abordagem: ler e escolher um
item do menu.
Um paralelo semelhante acontece quando lemos. Há gêneros textuais que
exigem preparação detalhada. São gêneros com poucos índices paratextuais
(imagens, sons), têm conteúdo complexo e um aporte complexo de informações.
Imagine longos textos acadêmicos ou técnicos, obras literárias densas (longos
romances, poemas…).
Outros gêneros textuais invadem os caminhos, exigindo que nossa prepara-
ção textual seja imediata. Eles apresentam suas mensagens utilizando de vários
recursos, ativam nossos conhecimentos prévios e, mesmo implicitamente, co-
municam-se com nossos valores. É o caso dos diversos anúncios publicitários
espalhados pelos espaços públicos das grandes cidades. Da mesma forma que o
cardápio não apresenta as notícias do dia, e, portanto,
ninguém o abre na expectativa de encontrar manche-
tes, também nenhum de vocês tomou esse texto de
estudo hoje imaginando encontrar uma proposta de
refeição.
A preparação para a leitura diz respeito ao grau de
expectativas, finalidades e interesses que o texto sus-
cita no leitor. Ela é esse despertar de interesses para o
A preparação
para a leitura diz
respeito ao grau
de expectativas,
finalidades e
interesses que o
texto suscita no
leitor
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gênero textual e o texto que estará diante de si no momento seguinte. Quando
você se acomodou para ler esse texto, houve certo nível de preparação psicoló-
gica e emocional. Você precisa dedicar algum tempo para estudar esse material,sabe também que a melhor solução será ler o conteúdo em um lugar com baixo
nível de distrações bem como sabe que é interessante ler o texto tomando notas
ou com espaços de reflexão. Esse é um exemplo de uma etapa pré-leitura bem
completa, na qual diversos fatores são considerados a fim de proporcionar um
ato de leitura mais eficaz.
Temos, então, que a primeira etapa de leitura é a preparação para o ato de
leitura.
Você conhece o trabalho do revisor? Revisores, quando leem textos para seus
trabalhos, realizam várias etapas de leitura simultâneas: ao mesmo tempo que
estão procurando problemas na codificação do texto, isto é, erros gramaticais e
outros problemas linguísticos de natureza formal, também estão analisando se
o texto se adequa à capacidade de compreensão do leitor, ou seja, se o texto se
propõe a preencher as expectativas básicas do leitor. Os revisores deslocam-se
de sua posição de leitores e editores do texto para a função de futuros recep-
tores dele.
PENSANDO JUNTOS
A DECODIFICAÇÃO DO TEXTO
Passada a etapa de preparação para o texto, vem a primeira etapa de leitura pro-
priamente dita, a qual chamamos de decodificação.
VOCÊ SABE RESPONDER?
O que é decodificar e por que a leitura é uma decodificação?
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A linguagem é uma forma simbólica de representar uma realidade, como diz o
grande poema do Magritte. A Traição da Imagem. O poema-imagem de Magritte
traz o desenho de um cachimbo e os dizeres “Isto não é um cachimbo”. A imagem,
aqui, representa esta obra e traz uma questão simbólica pertinente.
A imagem de um cachimbo, por mais que represente um cachimbo, não é
jamais um artefato físico, ou seja, o desenho não é senão a representação da forma.
Figura 1 - Referência à obra de Magritte
Descrição da Imagem: a figura mostra um desenho de um cachimbo branco soltando fumaça sobre um fundo azul-
-claro. Embaixo do cachimbo estão os dizeres “Ceci n’est pas une pipe” (Isto não é um cachimbo) em letras cinzas.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 4
A linguagem é uma representação figurativa e simbólica da realidade em que vive-
mos.
Trata-se de uma representação, assim como um desenho ou um mapa. A ima-
gem, o mapa ou o texto não são realidades, mas suas representações, portanto,
assim como ler um mapa ou interpretar uma imagem, ler um texto também é
decodificar um conteúdo.
Os elementos de decodificação fazem parte do primeiro processo de apren-
dizado de leitura, que chamamos de alfabetização. Esse momento de aprendizado
nada mais é do que um reconhecimento mais e mais completo do processo de
decodificação, quando estudantes aprendem a ligar símbolos a sons e ideias.
Uma vez que a linguagem é um conjunto de signos arbitrários (SAUS-
SURE, 2012), o processo de alfabetização é um conjunto de ensinamentos que,
ao longo de vários anos, ensina a formação fonético-semântica das palavras, sua
combinação e, depois, sua articulação. O processo de leitura envolve menos letras
e mais articulações entre frases e textos. No fundo, não se leem letras, mas frases
e textos. Não é por acaso que as primeiras lições de alfabetização passam pela
formação de palavras a partir da construção de sílabas.
A decodificação é a capacidade de preencher o sentido para os símbolos,
mas a partir do momento que temos fluência, conseguimos, na verdade, anteci-
par, rever e preencher lacunas de significados daquelas letras. Assim, é possível
ler um texto sem que ele esteja completo. É importante, também, perceber que
o processo de decodificação é uma habilidade que aumenta com a fluência e o
uso, e pode ser praticada de diversas formas, seja com exercícios de ampliação de
vocabulário, seja com jogos linguísticos, seja com mais leitura.
A professora Ana Maria Severiano de Paiva e colegas apre-
sentaram, em 2011, o texto “Uma proposta transdisciplinar
numa escola rural de Paty do Alferes (CO)” sobre formas de
melhorar a habilidade leitora em alunos de Ensino Básico. Vale
a pena conferir algumas das atividades.
EU INDICO
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A COMPREENSÃO DO TEXTO
A etapa de compreensão da leitura é um passo mais complexo do que a deco-
dificação. Para se entender o quão complexo é aquilo que estamos falando, é
importante observar que o texto nunca diz tudo que comunica.
“É consenso que o discurso das línguas naturais não é totalmente
explícito. Ou seja, em todo discurso há proposições que não se ex-
pressam diretamente e, portanto, não aparecem na superfície, embo-
ra possam ser apreendidas a partir de outras que estão literalmente
expressas ou previstas contextualmente” (ANTUNES, 2020, p. 106).
Em um texto, há elementos deixados em aberto para o leitor preencher, muitas
vezes, simplesmente, porque são redundantes ao conhecimento de mundo que
todos compartilhamos. Há um acordo necessário entre o leitor e o autor, várias
informações do mundo não precisam ser reafirmadas. Algumas dessas informa-
ções são pressupostas a partir do contexto pragmático do leitor (seus conheci-
mentos, suas vivências históricas e culturais, a situação comunicacional), outras
podem ser subentendidas a partir de aspectos lógicos de marcas linguísticas. Há
também as informações inferidas no texto a partir do conhecimento de mundo
partilhado entre autor e leitor. Em qualquer um dos casos, esse conhecimento
não está expresso no texto, o leitor precisa preencher estes vazios.
A compreensão de um texto exige de cada leitor a atividade de inserir e dia-
logar suas perspectivas com o texto. A música Feitiço da Vila, a seguir, para ser
compreendida, precisa ser analisada por uma série de elementos histórico-cul-
turais que dão sentido a alguns versos e, também, por comparações semânticas
entre vocábulos, a fim de que o paralelo lançado pelo autor faça sentido.
Feitiço da Vila
“Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos
Do arvoredo e faz a Lua
Nascer mais cedo
Lá, em Vila Isabel
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TEMA DE APRENDIZAGEM 4
Quem é bacharel
Não tem medo de bamba
São Paulo dá café
Minas dá leite
E a Vila Isabel dá samba
A vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém
Que nos faz bem
Tendo nome de princesa
Transformou o samba
Num feitiço decente
Que prende a gente
O Sol da Vila é triste
Samba não assiste
Porque a gente implora
Sol, pelo amor de Deus
Não vem agora
Que as morenas
Vão logo embora
Eu sei por onde passo
Sei tudo o que faço
Paixão não me aniquila
Mas, tenho que dizer
Modéstia à parte
Meus senhores
Eu sou da Vila!
A zona mais tranquila
É a nossa vila!
O berço dos folgados
Não há um cadeado no portão
Pois, lá na vila, não há ladrão
A Vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém
Que nos faz bem
Tendo nome de princesa
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Transformou o samba
Num feitiço decente
Que prende a gente”
A partir da leitura da música Feitiço da Vila, de Noel Rosa ([19--?], on-line),
podemos exemplificar alguns desses elementos de compreensão que devem ser
depreendidos do texto. A música contém alguns desses elementos que podemos,
tratar aqui, como elementos de compreensão.
Já na primeira estrofe, o poeta canta:
“Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os galhos
Do arvoredo e faz a Lua
Nascer mais cedo”.
O motivo por que a Lua nasce mais cedo é o samba, mas qual a ligação entre
as duas coisas? Ora, o samba — festa e encontro de músicos e dançarinos — é,
geralmente, noturno. Canta-se o samba em festas que acontecem depois que o
Sol se põe. Esta explicação pode ser inferida do texto a partir do conhecimento
de mundo do leitor, na verdade, ela depende desse conhecimento. É preciso que
o leitor saiba a forma usual dos encontros de samba para a estrofe fazer, metafo-
ricamente, sentido.
Da mesma forma, o leitor completa sentidos a partir de aspectos linguísticos.
O texto não expressa algumas ideias, mas as deixa pressupostas, uma vez que ele
só é coerente quando completado por essas ilações. Voltando à música, o poeta
diz:
“Não há um cadeado no portão
Pois, lá na vila, não há ladrão”.
Esta informação, que parecebanal, pressupõe uma realidade de mundo distinta.
Ali na Vil0a Isabel, não se usa cadeado nos portões, isso quer dizer que, nos de-
mais lugares da cidade, as pessoas trancam suas portas. O motivo para o “descui-
do” dos moradores da Vila é este: lá “não há ladrão”, pressupondo, portanto, que
nos demais recantos da cidade, ao contrário, haja, sim, ladrões.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 4
“Um discurso é completo se todos os elementos (indivíduos, pro-
priedades, relações) que caracterizam uma situação aparecem
expressos na superfície do texto. Pela nossa experiência, sabemos
que, na maioria das situações, o conjunto de tais elementos é mui-
to amplo, resultando daí que o discurso completo é impraticável e
pragmaticamente inadequado, pois muito da informação acabaria
por ser redundante e não relevante para a interação” (ANTUNES,
2020, p. 107).
A etapa de compreensão da leitura é, muitas vezes, a completude do sentido
do texto por meio da articulação de sentidos entre o que está dito e o que está
sugerido, implícito, pressuposto ou sugerido. Outros dois exemplos retirados do
texto de Noel ([19--?], on-line) são as referências ao nome da Vila e a menção a
São Paulo e Minas Gerais.
No primeiro caso, o autor exige do leitor um conhecimento de mundo para
entender a que Isabel ele estava se referindo. A princesa Isabel brasileira não foi
a primeira princesa Isabel do mundo, mas é uma menção direta a ela quando o
poeta diz que a Vila “tem nome de princesa”.
O segundo caso é ainda mais curioso. Primeiro, porque o autor diz que “Mi-
nas dá leite”, ora, leite é extraído de um animal, não de minas. Portanto, é preciso
conhecimento linguístico para determinar que o autor está falando de uma região
geopolítica brasileira, e não de um espaço genérico. Da mesma forma que São
Paulo não é uma referência ao santo católico, mas, novamente, a uma unidade
federativa brasileira.
Além desse conhecimento linguístico que estabelece a esses termos um valor
semântico específico, há também a questão do café com leite. O paralelo, neste
caso, revela que os poetas apresentam o samba da Vila como uma riqueza, igual
aos dois produtos de maior peso econômico do Brasil no começo do século XX.
A INTERPRETAÇÃO DO TEXTO
A etapa seguinte de leitura chama-se interpretação do texto. Mas, talvez você
se pergunte: compreender não é interpretar? Ao que eu responderia que, em
parte, sim, mas não completamente. Como temos dito, a leitura é um espectro
de entendimento do texto. Na etapa de compreensão, autor, leitor e texto estabe-
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leceram um diálogo no qual compartilham dos mesmos conhecimentos. Assim,
a compreensão permite tirar o sentido do texto, já na interpretação, esse diálogo
aumenta em complexidade, levando o leitor a construir significados próprios a
partir do texto.
Voltemos à música um instante, para refletir sobre as menções aos estados
de Minas Gerais e São Paulo, novamente. Trata-se de uma referência às forças
econômicas dos dois estados, mas, além disso, é também uma referência às forças
políticas. A “república do café com leite” designa um período histórico nacional
cujo centro político girava ao redor das duas potências econômicas e demo-
gráficas de São Paulo e Minas Gerais. Ao igualar o samba da Vila a café e leite,
Noel ([19--?], on-line) está, em certa medida, aproximando o samba dos valores
econômicos e políticos desses dois estados. Trata-se, em certo sentido, de uma
ressignificação do samba, a transformação de uma música popular e periférica
em riqueza nacional.
A interpretação de um texto necessita de momentos de reflexão e diálogo com
o material. Um exemplo de texto interpretativo sobre Feitiço da Vila está no
artigo “Feitiço da Vila - Um Samba de Noel Rosa”, escrito por Aguiar da Silva e
Zanetti da Silva (2010). Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.
php/baleianarede/article/view/1514.
APROFUNDANDO
A interpretação é um passo além no sentido de estabelecer maior diálogo e maior
construção de significado por parte do leitor. Se na compreensão, o autor espera
compartilhar conhecimentos linguísticos e saberes de mundo com seu leitor para,
enfim, conseguir preencher os sentidos do texto, na interpretação, a atividade
de fornecer sentido depende majoritariamente do leitor. Ele é o guia do diálogo
com autor e texto, é quem extrai novos sentidos do texto. O leitor, portanto, enri-
quece o texto não mais com informações que o autor propositadamente atribuiu
ao texto, mas com suas reflexões que, por vezes, podem estabelecer um diálogo
crítico com o autor.
Essa etapa de leitura é reflexiva, permitindo ao leitor descortinar ou mesmo
criar um sentido mais amplo e profundo para o texto.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 4
Interpretar é reformular o sentido do texto em uma reflexão racional crítica e
analítica, requer do leitor um momento de reflexão sobre o próprio texto. Exige-se
do leitor que, além de decodificar o que está escrito e compreender o sentido geral
da obra, ele possa refletir e se debruçar sobre o texto, a fim de entender, racional-
mente, os elementos e as ideias que a compõem. Realizada esta etapa cognitiva,
o leitor coloca-se em uma posição de entendedor consciente do texto.
Se fizermos uma metáfora entre a leitura de um texto e um diálogo entre amigos,
a etapa de interpretação é quando os amigos estão em um debate mais profundo
sobre as questões que lhes tocam, trata-se de um momento reflexivo. O texto
estabelece um diálogo com o leitor que, ao compreender seus sentidos e seus
significados, aprende algo novo, dando à informação um valor que ele mesmo,
o leitor, construiu.
Observe que, ao falarmos de uma leitura crítica, de uma leitura analítica, isso
não significa que ela seja necessariamente conflituosa ou negativa em relação ao
texto, apenas que a valoração do texto é construída a partir de um entendimento
refletido.
Voltando à música de Noel, ela foi composta durante uma polêmica pública,
entre o cantor e outro artista chamado Wilson Batista. Enquanto Noel Rosa era
um músico tido como elitista, aluno da faculdade de Medicina e membro de uma
classe média ascendente, Wilson Batista era filho da classe operária e, simbolica-
mente, defendia a figura do malandro e certa marginalidade romantizada. Tendo
este histórico em mente, pode-se encontrar em Feitiço da Vila um tom elitista,
contudo a letra também carrega símbolos de exaltação e elevação da cultura tida
por popular. Assim, as acusações de elitismo contra Rosa podem ser interpre-
tadas em um momento histórico complexo (LUZ; FAGUNDES; FERNANDES,
2015). Fica evidente como a ação interpretativa é um diálogo profundo.
A ETAPA DE RETENÇÃO E PÓS-LEITURA
A etapa final da leitura é a retenção. Uma vez decodificado, compreendido, in-
terpretado, o leitor precisa, agora, reter o que leu, isto é, aprender e manter o
conteúdo adquirido. Sem a retenção, parte da atividade leitora seria desperdiça-
da. O conhecimento, quando escrito, pode ser preservado, mas sem a memória
para podermos retornar ao texto, viveríamos perdidos em um mar de escritos.
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Assim, a retenção faz par com a decodificação, na forma como se relaciona com
a matéria representada. Decodificar o texto é transportar os valores que estão
no papel para dentro de si, reter é transportar os valores apreendidos dentro de
si para uso futuro.
Vale a ressalva de que a nossa memória nos prega peças, portanto, esquecemos
muito do que lemos. Além disso, a memória atua com finalidades específicas, a
ativação dela para compor significado e o decorrente armazenamento do resul-
tado, as memórias de longa e curta duração bem como as capacidades iniciais de
atenção e reconhecimento dos objetos são objetos de estudo da psicolinguística
(GIRALDELLO, 2016).
A retenção de um texto é variada, há textos que lembramos para o resto da vida.
A nossa capacidade de lembrar das coisas não é limitada, mas ela não é mecâ-
nica. Não somos um computador, por mais que a metáfora esteja cansadae seja
reutilizada várias vezes. É sempre importante ter em mente que o ser humano
não é uma máquina.
Inside Out - Divertidamente
Ano: 2015
Sinopse: Riley é uma garota divertida de 11 anos de idade que
deve enfrentar mudanças importantes em sua vida quan-
do seus pais decidem deixar a sua cidade natal, no estado
de Minnesota, para viver em San Francisco. Dentro do cére-
bro de Riley convivem várias emoções diferentes, como a
Alegria, o Medo, a Raiva, o Nojinho e a Tristeza. A líder deles
é Alegria, que se esforça bastante para fazer com que a vida
de Riley seja sempre feliz. Entretanto uma confusão na sala
de controle faz com que Alegria e Tristeza sejam expelidas
para fora do local. Agora, elas precisam percorrer as várias il-
has existentes nos pensamentos de Riley para retornar à sala
de controle e, enquanto isso não acontece, a vida da garota
muda radicalmente.
Comentário: recomendo o filme por tratar de questões perti-
nentes sobre a memória e sobre como lidamos com elemen-
tos recorrentes na nossa vida, além de ilustrar uma forma de
melhorar nossa saúde mental.
INDICAÇÃO DE FILME
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TEMA DE APRENDIZAGEM 4
Se a nossa capacidade de retenção varia, a nossa capacidade de aprendizado é um
pouco mais complexa. O aprendizado é tanto guardar uma informação quanto
criá-la, manter essa informação junto de nós porque demos um novo significado
ao conteúdo e reter esse saber por que o novo sentido criado é nosso.
Após a retenção, há ainda uma pós-leitura, cuja percepção é variável. Geral-
mente, ela depende das etapas de interpretação e retenção, podendo se alongar
por muitos dias, pois o tema/texto fica “matutando” na nossa cabeça. Por esta
razão, é relevante um momento de higiene mental.
Recomenda-se que, ao fim dos estudos e trabalhos intelectuais, haja um mo-
mento de descompressão e um processo de desligamento. Arrumar a mesa de
estudos, fechar a porta do quarto, guardar os livros ou mesmo fazer um exercício
físico são as atividades as quais permitem esse momento pós-leitura e o auxiliam.
VOCÊ SABE RESPONDER?
Vocês lembram o que faço quando entro em um restaurante?
NOVOS DESAFIOS
As etapas de leitura explicam, de forma organizada, as habilidades utilizadas pelo
leitor. Desde o momento de preparação para a leitura, o leitor tem um caminho
cognitivo a percorrer; do momento de decodificação do texto, seguindo para a
compreensão e interpretação dos seus significados, o leitor constrói o sentido
do texto à medida que ela avança. Por fim, cada uma dessas etapas é explicada
de maneira sucessiva porque é assim que conseguimos racionalizar o processo
de leitura, mesmo se ele não acontece de maneira sucessiva. Como vimos, as
etapas de decodificação, interpretação e compreensão de texto são, geralmente,
interconectadas.
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Compreender esses elementos permite ao profissional observar o quão bem
está produzindo cada etapa e, portanto, avaliar a sua própria leitura. Para os pro-
fissionais de Educação, esse conhecimento ganha ainda mais relevância porque
auxilia a estruturar as aulas e permite avaliar o ensino da leitura dentro de cada
uma dessas etapas. É possível, por exemplo, aprofundar a capacidade de com-
preender, ou aprofundar a capacidade interpretativa, ou reforçar a capacidade
de retenção e de cognição sobre os textos. Também é possível fazer atividades
dirigidas para cada uma dessas etapas, de maneira a melhorar, de forma estrutu-
rada, a capacidade de leitura dos alunos.
Por fim, o bom uso e o diagnóstico das habilidades leitoras dos alunos por
meio das etapas de leitura facilitam a ampliação do uso da leitura por parte do
professor. É sempre relevante notar que as atividades de leitura em âmbito escolar
devem, além de estabelecer fluidez e proficiência no aluno, apresentar as múlti-
plas funções sociais da leitura. Elas também precisam produzir reflexões sobre
o objeto lido e o ato de ler.
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VAMOS PRATICAR
1. Uma das grandes questões da interação verbal concerne à competência dos interlo-
cutores para tomar decisões quanto ao que explicitar e ao que deixar implícito. Tais
decisões têm que estar apoiadas no conjunto de informações que supomos parti-
lhar com nosso parceiro de interação. Tudo quanto é presumido como já “sabido” não
necessita ser explicitado, salvo interesses particulares de ênfase, de reiteração etc.
(ANTUNES, 2020).
Com base no trecho apresentado, analise as afirmações, a seguir.
I - Os textos contêm expressamente todas as informações que lhe são pertinentes.
II - O conhecimento de mundo não é jamais compartilhado entre autor e leitor.
III - Há uma parceria entre autor e leitor.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
2. “Ducrot (1978b) ressalta a existência, na linguagem ordinária, de uma estratificação do
dizer: para se descrever o discurso de alguém, não basta indicar o que a pessoa disse,
mas também em que nível ela o disse: o sentido ‘explícito’ (aquele cuja transmissão é
apresentada como objeto do discurso) constitui, nas línguas naturais, apenas um nível
semântico, de modo que, subjacentes a ele, podem-se dissimular outros níveis de sig-
nificação ‘implícitos’. Além disso, existe um implícito ‘absoluto’ — aquilo que se introduz
por si mesmo no discurso e que o locutor diz sem que o queira e mesmo sem que o
saiba — e um implícito ‘relativo’, interno àquilo que o locutor ‘quer dizer’. A atividade
de interpretação, que está em ação a todo momento no processo de comunicação,
funda-se na suposição de que quem fala tem determinadas intenções, consistindo a
intelecção justamente na captação dessas intenções, o que leva a prever, por conse-
guinte, uma pluralidade de interpretações”.
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VAMOS PRATICAR
Fonte: KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2021. E-book. p. 31.
Com base no trecho apresentado, assinale a alternativa correta:
a) É possível encontrar em um texto informações que se introduziram de forma alheia
à vontade do locutor.
b) No trecho “na linguagem ordinária, há uma estratificação do dizer”, pressupõe-se
que, sempre, em qualquer exercício de linguagem, haverá estratificações de dizeres.
c) O sentido “explícito” constitui, nas línguas naturais, o principal nível semântico, já que
ele é o “objeto do discurso”.
d) A atividade de interpretação funda-se na seguinte suposição: quem fala tem deter-
minadas intenções expostas claramente no texto.
e) O entendimento do texto leva sempre a uma mesma interpretação.
3. Uma das grandes questões da interação verbal concerne à competência dos interlo-
cutores para tomar decisões quanto ao que explicitar e ao que deixar implícito. Tais
decisões têm que estar apoiadas no conjunto de informações que supomos parti-
lhar com nosso parceiro de interação. Tudo quanto é presumido como já “sabido” não
necessita ser explicitado, salvo interesses particulares de ênfase, de reiteração etc.
(ANTUNES, 2020).
Com base no trecho apresentado, analise as afirmações, a seguir.
I - Os textos contêm, expressamente, todas as informações que lhe são pertinentes.
II - O conhecimento de mundo não é jamais compartilhado entre autor e leitor.
III - Há uma parceria entre autor e leitor.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
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REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola, 2020.
E-book. (Estratégias de Ensino, Livro 10).
GIRALDELLO, A. P. Aspectos psicolinguísticos da leitura. Unoesc & Ciência, Joaçaba, v. 7, n.
1, p. 23-30, jan./jun. 2016.
LUZ, L. M. da.; FAGUNDES, B. F. L.; FERNANDES, M. L. S. A polêmica do samba entre Noel Rosa
e Wilson Batista: a intertextualidade e os meandros da composição. Bakhtiniana – Revista
de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 10, n. 2, p. 36-53, maio/ago. 2015. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/bak/a/gn6kS6hhb86Q4Q5hCfssrtR/. Acesso em: 24 ago. 2023.PAE, H. K. Script Effects as the Hidden Drive of the Mind, Cognition, and Culture.
Cham: Springer, 2020. Disponível em https://link.springer.com/content/pdf/10.1007/978-
3-030-55152-0.pdf?pdf=button. Acesso em: 24 ago. 2023.
ROSA, N. Feitiço da Vila. Letras, [s. l.], [19--?]. Disponível em: https://www.letras.com/noel-
-rosa-musicas/81874/. Acesso em: 24 ago. 2023.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e
Izidoro Blikstein. 34. ed. São Paulo: Cultrix, 2012.
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1. Alternativa III correta porque o texto diz essa informação.
Alternativa I errada porque nega o excerto.
Alternativa II errada porque nega o excerto.
2. a) Correto: o texto chama de implícito absoluto.
b) Errado: contradiz o texto.
c) Errado: ultrapassa o sentido do texto.
d) Errado: contradiz o texto.
e) Errado: contradiz o texto.
3. Alternativa I errada porque nega o excerto.
Alternativa II errada porque nega o excerto.
Alternativa III correta porque o texto diz essa informação.
GABARITO
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MINHAS METAS
LEITURA E INTERPRETAÇÃO DE
TEXTO
Apresentar a leitura como construção de sentido.
Refletir sobre como estabelecemos sentido ao texto.
Pensar como o léxico é a porta de entrada para uma construção intelectual.
Trabalhar com elementos da leitura e construção de significado.
Revelar o processo de construção de sentido do texto.
Explicar as etapas de construção de uma leitura crítica.
Refletir sobre as consequências dessa leitura no mundo contemporâneo.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 5
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INICIE SUA JORNADA
Imagine que você está andando por uma avenida da sua cidade quando você
encontra o seguinte cartaz: “É Massa!!” O que você pensa? O que você pensa?
Olhando estas duas palavras, como você pode atribuir algum significado ao que
está sendo dito?
Vamos pensar juntos? Primeiro, ao olharmos a imagem, imaginamos
tratar-se de um anúncio. Pode ser uma publicidade, um panfleto, um anúncio
político, enfim, algo que está sendo informado de maneira apelativa ao
público. A pontuação, a imagem e a forma do texto sugerem que se trata de
um anúncio. Trata-se de um apelo que busca convencer o leitor de que algo, o
qual não sabemos o que é, “é massa” (no sentido figurativo da gíria brasileira:
algo legal, interessante), ou então de que a “massa” (no sentido literal de
alimento produzido à base de ovos e farinha) de certo lugar é diferenciada.
Refletiremos um pouco sobre esses dois sentidos: primeiramente, temos o
elemento elogiativo. Em português brasileiro, é corrente o uso da expressão “é
massa” para informar que algo é bom. Em português lusitano, isto é, aquele falado
em Portugal, uma expressão similar é “fixe” (lê-se “fiche”). Ambas significam que
algo é bom, ou que agrega qualidades positivas.
Há, contudo, um segundo sentido para a frase, no qual o tom de elogio
também reside na estrutura. Se o texto fizer referência a alimentos à base de
“massa” (macarrão, pizza etc.), a noção de elogio fica implícita no anúncio. A
afirmativa curta repleta de exclamações pressupõe de que se trata de um produto
de qualidade diferenciada. Diante dessa interpretação, conseguimos imaginar
que há um restaurante vinculado ao anúncio, da
mesma forma, podemos compreender que a intenção
argumentativa é sinalizar que as massas do menu
são as melhores da região, ou ainda, poderíamos
supor que o estabelecimento é especializado em
massas, portanto, tem um produto diferenciado. O
aspecto elogiativo destas hipóteses vem do tipo de
função de linguagem adotado (JAKOBSON, 1970).
O tom apelativo presente na exclamação, a afirmação
assertiva e mínima em um ambiente público e a
forma de cartaz são elementos de um gênero textual
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TEMA DE APRENDIZAGEM 5
— o anúncio — que guarda ou o fator elogiativo, ou seu oposto, um aspecto
detrator. No caso presente, o leitor percebe rapidamente que se trata de um elogio,
já que o conteúdo significativo da palavra essencial não deixa dúvidas.
Ainda não sabemos sobre o que se trata o anúncio, mas já sabemos muitas
coisas sobre ele, não é verdade? A leitura é este processo tentacular de decifração
de significado. Pelo exemplo, podemos ver como são diversos os saberes
relacionados para conseguirmos retirar do texto o seu conteúdo, mesmo quando
ainda não conseguimos revelar sua totalidade. No começo, está a decodificação,
afinal, “massa” é sinônimo de “fixe”, “legal”, “bom”, além disso, há o conhecimento
de mundo e de gênero textual. Saber o que é um anúncio e observá-lo em seu
espaço são conhecimentos aparentemente simples, mas que se formam à medida
que o processo de aprendizado de leitura acontece.
As inferências as quais o gênero textual permite são próprias de uma atividade
interpretativa mais profunda. Tanto assim que a mesma palavra com o mesmo
sentido ainda significa, materialmente, gêneros de produtos distintos, como pizza
e macarrão, por exemplo. Em um supermercado, a placa “massa” significa um
produto bem distinto da mensagem “massa” em um cardápio.
Por fim, há a capacidade inferencial do próprio leitor que, vendo o mundo
que o cerca e a qualidade da informação, pode antecipar o sentido do texto. No
começo, sugeri dois sentidos para a frase “É massa!!”, contudo o sentido de “é
massa” como um elogio a alguma coisa, muitas vezes, parece predominar. Neste
caso, sobra um espaço vazio a ser preenchido: algo “é massa”. Se não sabemos
quem é o sujeito que recebe o elogio, imaginamos que algo recebe o elogio. O
suspense é parte da estratégia comunicacional, o anúncio nos faz perguntar o
que é massa?
Esta habilidade interpretativa, capaz de preencher tantos vazios e atribuir
tantos significados, é o que estudaremos agora.
VAMOS RECORDAR?
Que tal recordar o que é sentido denotativo e
conotativo, fenômeno da linguagem relacionado ao
vocábulo “massa” destacado? Veja o vídeo:
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DESENVOLVA SEU POTENCIAL
A interpretação de texto é um processo complexo que exige uma formação e um
trabalho recorrente. Contudo, talvez ainda não tenha ficado clara a relevância
dessa habilidade. Deixe-me contar uma história que, talvez, seja uma boa forma
de ilustrar a relevância desse conhecimento.
Acredito que todos vocês conheçam a marca de carros Toyota. O que talvez
não saibam é como ela revolucionou a produção de carros em escala global,
tornando-se uma das maiores fabricantes de veículos do planeta.
É comum dividir a força de trabalho em trabalhadores braçais, ou operários, e
em trabalhadores intelectuais, ou trabalhadores de escritório. Esta divisão produz
uma visão separada entre dois mundos, o pessoal no escritório projeta e pensa
os produtos, o pessoal na fábrica, de fato, os monta. O modelo da Toyota —
chamado just-in-time — acabou com isso.
A fim de solucionar os vários problemas que podem surgir na linha de montagem
e melhorar tanto o desempenho e qualidade dos veículos quanto a própria maneira
de produzir carros, a Toyota incentiva seus funcionários de fábrica a apresentar
melhorias ao processo industrial. Mesmo o mais braçal dos funcionários pode
contribuir intelectualmente para melhorar o desempenho da empresa (SAHIL,
2017). Talvez você agora esteja se perguntando o que isso tem a ver com leitura e
interpretação. Ora, tudo. É a capacidade de ler, interpretar e refletir sobre as ordens e
o organograma, compreender os relatórios e elaborar as informações coletadas que
permite aos funcionários da montadora redigirem suas propostas. Os funcionários
baseiam sua possibilidade de atuação a partir da leitura dos textos sobre o processo
de fabricação, a leitura é, portanto, um saber crucial, pois, ao permitir que tenhamos
contato com as informações necessárias, alimenta o pensamento crítico e possibilita
que elaboremos reflexões sobre os eventos do mundo à nossa volta.
Para saber um pouco mais sobre a história da Toyota e o
método just-in-time, assista ao seguinte vídeo.
EU INDICO
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TEMA DE APRENDIZAGEM 5
A leitura é um processo que começa peladecodificação do texto, isto é, a
transformação do signo linguístico em significado, como vimos lá no começo.
Contudo, como podemos depreender da atividade que fizemos com a frase
“é massa”, a leitura ultrapassa a capacidade decodificadora (SANTOS, 2021),
exigindo que o leitor encontre e estabeleça relações entre as ideias do texto. Nesse
sentido, a interpretação de texto é o final da etapa dos processos de leitura, ou
seja, passadas as etapas de decodificação e compreensão textual, seguimos para
a interpretação completa do texto. Trata-se do momento em que o leitor passa
da decodificação para a compreensão da informação contida no texto, a fim de
realizar uma leitura crítica.
Além dos conhecimentos de mundo que preenchem o sentido do texto,
o leitor precisa articular uma série de habilidades, como a hierarquização e
coerência das ideias contidas no texto bem como o estabelecimento de relações
de mundo e de pertinências temáticas.
“ Lido de modo fragmentário, o texto pode parecer um aglomerado
desconexo de frases a que o leitor dá o sentido que quiser e bem
entender. Não é assim: há leituras que não estão conforme o texto
e, por isso, não podem ser feitas (SAVIOLI; FIORIN, 2006, [s. p.]).
É muito comum que o leitor comece a compreensão de um texto pela detecção
do gênero textual que está lendo, afinal, o que é um gênero textual senão a
informação inicial para a compreensão das possibilidades do texto? Os gêneros
textuais, assim como suas contrapartes literárias — os gêneros literários —
permitem ao leitor identificar uma série de aspectos comunicacionais do texto.
Desde o tipo de função de linguagem o qual se propõe majoritariamente até quem
está centrado como ponto de informação: se o leitor, o autor ou um terceiro de
quem se fala (CORP et al., 2005). Como visto no exemplo inicial, a determinação
de um gênero textual nos permitiu fazer diversas inferências sobre o texto.
Quando abrimos uma carta — um tipo de texto do gênero textual de missivas
— procuramos, por exemplo, saber o remetente e o destinatário, se é uma carta
formal ou uma carta pessoal, qual a data e de que lugar ela foi enviada. Essas
informações de cunho formal permitem ao leitor compreender e destacar uma
série de informações.
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Além do domínio do gênero textual, o leitor usa outras habilidades, a fim de
perceber como o texto evolui. Uma atividade essencial é identificar as ideias e
perceber sua hierarquização. A partir dessa hierarquia, o leitor pode entender os
pontos centrais do texto e consegue, também, determinar as consequências bem
como as concessões apresentadas. Voltemos ao nosso exemplo inicial:
O que acontece com a frase se inserirmos mais uma informação: “Embora caro,
o passeio é massa!!”. Primeiramente, percebemos que os efeitos de propaganda
quase desaparecem. Já não parece uma tentativa de convencimento, mas sim
parece bastante uma opinião. Se nos fixarmos neste elemento, notamos que a
frase tem dois momentos: embora caro/o passeio é massa. A primeira parte é
uma ideia concessiva, ou seja, contradiz, em parte, a ideia central. Neste caso, o
passeio não é totalmente massa, já que é caro. Se conseguimos chegar a esta
conclusão, também é relevante perceber que o passeio ainda recebe mais elogio
do que oposição. Tal hierarquia entre ideia principal e ideia secundária — que
conseguimos efetuar na frase — também é uma atividade a ser realizada no texto.
Ouvindo a música cantada por Cássia Eller, será que você
consegue perceber a mudança de gênero textual pela qual
passou a carta?
PENSANDO JUNTOS
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TEMA DE APRENDIZAGEM 5
Identificar a ideia central também permite ao leitor hierarquizar e compreen-
der os argumentos apresentados a favor e contra, possibilitando a ele entender as
hipóteses levantadas em defesa da ideia. É a partir da análise das ideias apresen-
tadas que o leitor pode compreender as evidências e as inferências sugeridas pelo
autor, isto é, a partir do momento em que o leitor consegue fazer uma hierarqui-
zação das ideias tendo a ideia central como ponto principal e as demais ideias
como argumentos que se destacam, o leitor pode inferir conceitos e conclusões
do que está sendo dito.
De fato, a compreensão das ideias do texto, sua organização e arquitetura
são elementos essenciais para a interpretação. A compreensão da arquitetura do
texto refere-se à compreensão de como as suas diferentes partes se relacionam,
como as ideias são apresentadas e desenvolvidas e como as informações são
estruturadas para transmitir uma mensagem coerente. Se alguém lembrar das
aulas de redação, aqui está o conhecimento sobre tópico frasal bem como os
conhecimentos de introdução, desenvolvimento e conclusão do texto. Trata-se,
portanto, de entender como as informações são estruturadas, a fim de transmitir
uma mensagem coerente.
Soma-se à compreensão o conhecimento vocabular. Quanto mais vocabulário
o leitor dominar, seja em aspecto geral, seja sobre o tema específico do texto,
mais facilidade ele terá em decodificar as palavras e, consequentemente, em
compreender o texto na totalidade. Dessa forma, a combinação de uso vernáculo
com conhecimento de mundo e das estruturas do texto permite que o leitor atinja
os sentidos possíveis do texto. Posso exemplificar isso com um regionalismo.
“Em sentido lato, regionalismos são traços linguísticos privativos de uma das
regiões em que se fala uma dada língua […] Em sentido estrito, os regionalismos
léxicos, especialmente quando recebem guarida na língua escrita e literária, são
de forma (vocabulares) ou de significação (semânticos). O brasileirismo, como
o lusitanismo, corresponde a regionalismos em face do léxico comum portu-
guês; mas para a língua escrita e literária do Brasil há, por sua vez, regionalismos
amazônicos, nordestinos, baianos, fluminenses, mineiros, sulistas […]” (CÂMARA
JÚNIOR, 1985, p. 62).
APROFUNDANDO
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Quando se fala em regionalismo semântico, o que acontece, diferentemente do
exemplo anterior na comparação entre “massa” e “fixe”, é que a mesma palavra
adquire sentidos distintos em razão do uso ou do contexto de uso. Um caso
interessante é o regionalismo de uso do Ceará. Naquele estado, a expressão “é o”
seguida de um adjetivo adquire sentido sarcástico, denotando a qualidade oposta
do que foi expresso. Assim, quando alguém diz: “Seu Lunga é o manso”, está, na
verdade, dizendo que seu Lunga não é nada manso. Da mesma forma, quando
alguém fala que Joanna Maranhão — a ex-nadadora brasileira — “era a fraca”, está
dizendo o oposto, que ela foi uma nadadora hábil e com importantes conquistas.
Observemos quantas informações são deduzidas dessa frase. Primeiro, é preciso
conhecimento de mundo para saber quem é Joanna Maranhão e o que ela fez.
Depois, ao dominar o léxico e o regionalismo, compreende-se o seguinte: o que,
na superfície, parece um comentário depreciativo, é, na verdade, um elogio. A
capacidade inferencial a partir do vocabulário e do conhecimento de mundo são
essenciais para a compreensão do texto.
Como estamos vendo, a junção de elementos formais — estrutura,
vocabulário, organização — com elementos socioculturais — conhecimento de
mundo, conhecimento de regionalismos, domínio sobre o aspecto corrente do
texto — permite a boa interpretação
Se os aspectos de conhecimento do mundo auxiliam e, por vezes, determinam
a interpretação de texto para a compreensão do seu sentido, outros elementos
corroboram, enriquecem e até mesmo determinam de que forma o leitor deve
retirar conteúdo do texto. A isso chamamos de leitura crítica.
O termo “crítica”, embora visto, geralmente, com carga negativa, em seu sentido
primário, não denota uma carga depreciativa. O crítico teatral, o crítico literário,
ou o crítico culinário não têm como função “falar mal” dos produtos, mas
refletir ativamente sobre eles. O pensamento crítico é uma atividade cognitiva
e reflexiva profunda que propõe uma reflexão racional e abalizada sobre um
conteúdo.
APROFUNDANDOUNIASSELVI
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TEMA DE APRENDIZAGEM 5
Alguns aspectos são relevantes para produzir a leitura crítica. O primeiro deles é
compreender a figura do autor e a credibilidade das fontes. Quando você terminar
esse conteúdo, poderá ir à parte de referências, onde encontrará obras e autores
citados neste trabalho. Principalmente, você perceberá que essas referências são,
em sua maioria, de cunho acadêmico. Isso ocorre porque estamos desenvolvendo
um texto de gênero acadêmico, portanto, o que se apresenta aqui passa pelo crivo
do conhecimento científico e acadêmico.
Um dos elementos do texto acadêmico é o
processo de revisão de pares. Trata-se de uma
espécie de diálogo crítico no qual o texto é lido e
revisado por pessoas com formações equivalentes
e domínios de conhecimento próximos. Tal
processo ocorre para validar um avanço, por
exemplo, quando uma descoberta é feita, ou para
validar uma explicação e apresentação, como
neste caso, em que é feito um levantamento dos conhecimentos existentes.
Para a produção de um texto como esse, o autor, o corpo de revisores e a litera-
tura referencial foram validados por outros estudiosos nos momentos de produção
de conteúdo e formação acadêmica. Diversas pessoas passaram pelas mesmas eta-
pas de formação, estudo e pesquisa, e todas elas validam umas às outras, de modo
que o conhecimento, mesmo quando disruptivo, surge em uma base já estabelecida.
Entender a credibilidade das fontes é importante para todos os tipos de texto.
Imagine você em casa, recebendo uma mensagem no seu celular dizendo ser
do seu banco e solicitando que acesse um link qualquer e digite a senha. Não
cometa este erro, pois, a menos que esteja esperando essa comunicação, você
não tem como averiguar se o link no qual está clicando é realmente verídico, ou
seja, que foi mesmo enviado pelo seu banco, há a possibilidade de ser um golpe
financeiro. Neste caso, está explícita a noção de que a veracidade e legitimidade
do emissor da mensagem são essenciais, tanto é assim que muitos bancos utilizam
métodos de verificação em duas etapas: quando você realiza uma compra online,
o aplicativo do banco, verificado pela própria instituição, envia uma mensagem
no aplicativo solicitando a confirmação da transação. Isso ocorre porque se supõe
que apenas você tenha domínio sobre o aplicativo, o qual também oferece os
mecanismos de segurança e defesa proporcionados pelo banco. Essa segurança
em relação à fonte torna a transação crível.
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Em gêneros literários, como
romance ou poesia, não buscamos
a veracidade do autor, pois eles não
têm a intenção de apresentar fatos
verdadeiros. Na verdade, nestes casos,
há a suspensão da veracidade. Isso
significa que aquilo que está escrito ali,
como ficção, deve ser interpretado como
tal. Se o leitor estiver diante de uma
boa obra, ele entrará no conteúdo do
texto e o tratará como verdade, mesmo
sabendo que é ficção. Portanto, não se
pode exigir que o conteúdo escrito ali
seja um relato seguro dos fatos, pois esta não é a intenção do autor. O texto literário
não se relaciona a um mundo referencial externo, isto é, ele não reporta nada que
aconteceu no plano do real. Independentemente de ser um romance de costumes,
um livro de fantasia, ou uma ficção científica, todos eles são reais em seu universo
e constroem uma verossimilhança no universo que propõem apresentar.
Por vezes, essa verossimilhança aproxima-se das condições da realidade cor-
rente, ou parecem plausíveis para o nosso cotidiano, mas isso não quer dizer que
seja algo real, isto é, o que está exposto no texto literário não tem equivalência de
verdade com o mundo real. As informações podem ser condizentes com os fatos,
mas sua disparidade não afeta a verdade interna da narrativa. Contudo uma obra
literária deve manter a verossimilhança interna, ou seja, as condutas e os eventos
devem ser plausíveis naquela realidade bem como deve guardar uma equivalência
de verdade interna. Os leitores, assim, podem analisar, por exemplo, se as afirma-
ções propostas pelo narrador são consistentes e coerentes ao longo da história.
Mesmo para textos poéticos, a questão da legitimidade da autoria é relevante.
Ela pode, por exemplo, incitar uma compreensão profunda do texto. Quando
Daniel Defoe (1996) atribuiu seu romance a um viajante chamado Robinson
Crusoé, ele quis estabelecer um elemento de veracidade ao texto. Da mesma
forma, quando Machado de Assis (2015) usou narradores em primeira pessoa,
ele quis instruir o leitor quanto à pertinência da obra. Para os dois autores, mes-
mo ambos terem trabalhado de forma oposta, a questão da confiabilidade dos
autores ficcionais é um ponto relevante para entender o texto.
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Todo o aparato de informação sobre a veracidade das informações e sobre a
confiabilidade das fontes dos autores é um dos aspectos da leitura crítica, e esta
não para por aí. Mesmo autores confiáveis precisam ser analisados, já que os
aspectos subjetivos podem determinar o vigor com que as ideias são apresen-
tadas. O viés sociopolítico, econômico, moral e emocional do autor é capaz de
influenciar a forma como se lê um texto.
Pensaremos no seguinte caso: nós, enquanto leitores, nos deparamos com
um texto argumentativo com o qual concordamos por compreendermos que
ali está uma leitura razoável, condizente com o mundo. Por exemplo, que o
planeta possui uma forma circular do tipo geoide. Este fato, conhecido desde
a Antiguidade, reiteradamente provado e comprovado, vez ou outra suscita
desconfiança em algumas pessoas. O motivo é que outros textos com opiniões
contrárias ao fato de a Terra ter forma geoide podem cativar intelectualmente
um leitor. Uma opinião que nega fatos físicos comprovados cientificamente está
necessariamente errada, mas podemos aprender com essas opiniões a não nos
deixarmos levar por argumentos simplistas que se alimentam de nossos vieses
de confirmação. Conseguir compreender criticamente os seus conceitos, valores
e opiniões no texto possibilita ao leitor realizar uma leitura crítica.
A questão da veracidade e pertinência das fontes ganha mais relevância no mun-
do contemporâneo. Com tanta informação e com tantos produtores de conteúdo,
torna-se ainda mais desafiador filtrar as notícias das informações falsas, ou apenas
elaborar um criticismo sobre o que se recebe. Há tanta informação sendo dispo-
nibilizada que é trabalhoso construir um filtro de fontes verificáveis e confiáveis.
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Além disso, a facilidade de compartilhamento de informação nas redes
sociais permite a rápida propagação de informação. Esta velocidade sem
filtro de verificação ou de confiabilidade gera, muitas vezes, uma avalanche de
notícias falsas. A leitura crítica e a habilidade de verificar verossimilhança, a
confiabilidade de fontes bem como a pertinência e coerência das informações se
tornam essenciais. É preciso que estejamos, enquanto leitores, atentos à qualidade
das fontes, à ausência de fontes ou de evidências e aos argumentos unilaterais.
Precisamos, também, observar a qualidade argumentativa do texto, para não nos
deixarmos levar por um viés de confirmação.
Esta enxurrada de informações também causa dois outros problemas. Por um
lado, temos a sobrecarga informativa. É comum vivermos ansiosos esperando
as informações que não chegam e estarmos com a constante sensação de que
não estamos plenamente atualizados. Olhamos o celular várias vezes esperando
atualizações, seja por meio de notícias, seja por meio de grupos de conhecidos,
e estamos sempre ávidos por mais informação. Este acúmulo gera ansiedade e
cansaço, inclusive a sensação de sobrecarga cognitiva.
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“ […] durante muito tempo, as pessoas não tinham noção do quanto
não sabiam e do que já sabiam. Na atualidade, por outro lado, estão
cientes do quanto não sabem, e isso podem deixá-las ansiosas
(COSTA, 2019, p. 23).
Tanta informação também dificulta uma leiturarefletida sobre o conteúdo, pois
há um volume maior do que o tempo suficiente para pensar e estabelecer uma
leitura detida sobre o que está sendo apresentado. Esta leitura superficial e a
abundância de fontes geram um verdadeiro ruído informacional. O leitor, por
vezes, precisa se distanciar da enxurrada para conseguir ponderar as informações
sem se deixar consumir pelo cansaço e, também, sem se perder em informações
superficiais e rápidas.
É importante, portanto, aprendermos a selecionar o conteúdo informacional e a
agir criticamente: em vez de buscar notícias de maneira acrítica, devemos refletir e
analisar, sensatamente, as informações e opiniões as quais tomamos conhecimento.
Meditações.
Editora: Edipro
Autor: Marco Aurélio
Sinopse: Meditações é uma coleção de pensamentos e reflex-
ões pessoais do imperador romano Marco Aurélio. O autor pro-
punha uma visão estoica do mundo, por meio da aceitação do
destino e do cultivo do autocontrole.
INDICAÇÃO DE LIVRO
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NOVOS DESAFIOS
Começamos nosso passeio, hoje, pensando em como poderíamos ler um
anúncio enigmático em uma rua da nossa cidade. O percurso do aprendizado
nos ensinou como podemos tirar sentidos dos textos que encontramos. Falta-
nos, contudo, pensar como as instituições e os professores são capazes de
auxiliar nessas atividades.
Parece evidente que as instituições de ensino têm função central no letramento
crítico. Silva (2021), por exemplo, ressalta como é complexo o ensino de
letramento crítico nas escolas. Fato é que escolas e universidades desempenham
um papel fundamental no ensino da leitura e interpretação de texto, mas lidam
com uma série de problemas estruturais para realizar bem essa atividade.
Aos professores, cabe-nos, portanto, conseguir desenvolver abordagens
pedagógicas adequadas, com recursos didáticos apropriados, para conseguirmos
exercitar tais habilidades nos alunos. O primeiro método é enriquecer a leitura,
apoiar as ideias com argumentos e ilustrações capazes de induzir a uma leitura
crítica. Foi isso que tentei realizar quando citei dois romances que, por aspectos
opostos, abordam autorias ficcionais.
É preciso, também, produzir exercícios cuja função seja ativar a capacidade
de leitura crítica. Para tanto, deve-se produzir material que, ao dar uma instrução
direta de leitura, permita a prática de leitura e o engajamento reflexivo.
Para alunos mais novos, as orientações devem ser claras e feitas de modo a
desconstruir o texto, por exemplo, pedir aos alunos que identifiquem e hierarqui-
zem as ideias. Também é importante envolver a turma em atividades práticas —
discussões, debates e reflexões — as quais envolvam a aplicação das habilidades de
interpretação de texto
em contextos reais.
Além disso, os
alunos precisam ser
apresentados a mate-
riais e gêneros textuais
das mais diversas for-
mas. Desde textos re-
ferenciais acadêmicos
até literários, passan-
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TEMA DE APRENDIZAGEM 5
do por outros tipos de gêneros textuais, como quadrinhos, anúncios, cartas,
recortes de jornais. Também são úteis os recursos multimodais, como vídeos,
infográficos e podcasts. É preciso ficar claro que o aprendizado da leitura é rea-
lizado pelo contato frequente com diversos textos, dos mais simples aos mais
complexos, do ponto de vista temático e composicional. Trata-se de um apren-
dizado contínuo que envolve análise, compreensão e interpretação, por meio de
um encontro de leituras e de relações construídas entre esses diversos textos e as
mediações do professor.
Esses exercícios necessitam ser colocados em avaliação, a fim de compreender
como avança o aprendizado dos alunos. As estratégias de avaliação devem ir
além de, simplesmente, testar a memorização, elas precisam ser realizadas ao
longo do texto, desde a retomada de exemplos mencionados anteriormente
até a avaliação da capacidade leitora por meio de exames, como os exercícios
com questões propostas pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(Enade). A avaliação formativa, que ocorre durante o processo de aprendizagem,
também é importante para identificar as dificuldades dos alunos e oferecer
suporte personalizado.
Em todo caso, é relevante observar que o letramento crítico e a interpretação
crítica de texto não são um aprendizado estanque à disciplina de linguagem ou às
aulas de português. Pelo contrário, por serem um conhecimento transversal, isto
é, que engloba todas as esferas do conhecimento, o letramento e a interpretação
também devem ser exercitados e utilizados em todas as disciplinas. Assim,
professores de Matemática, Biologia ou História, por exemplo, precisam trabalhar
seu material para que ele incentive e ensine a leitura crítica.
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VAMOS PRATICAR
1. “Em sentido lato, regionalismos são traços linguísticos privativos de uma das regiões
em que se fala uma dada língua […] Em sentido estrito, os regionalismos léxicos,
especialmente quando recebem guarida na língua escrita e literária, são de forma
(vocabulares) ou de significação (semânticos). O brasileirismo, como o lusitanismo,
corresponde a regionalismos em face do léxico comum português; mas para a língua
escrita e literária do Brasil há, por sua vez, regionalismos amazônicos, nordestinos,
baianos, fluminenses, mineiros, sulistas […]” (CÂMARA JÚNIOR, 1985, p. 62).
Fonte: CÂMARA JÚNIOR, J. M. Dicionário e linguística e gramática. 12. ed. Petrópolis:
Vozes, 1985.
Analise as afirmações, a seguir:
I - Não configuram regionalismos os traços linguísticos de expressão oral.
II - Para ser regionalismo, as regiões devem ser limitadas a partes de países.
III - Segundo o autor, o regionalismo entre Brasil e Portugal é de natureza vocabular.
IV - Segundo o autor, há, dentro do Brasil, vários regionalismos.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
2. É muito comum que o leitor comece a compreensão de um texto pela detecção do
gênero textual que está lendo, afinal, o que é um gênero textual senão a informação
inicial para a compreensão das possibilidades do texto? Os gêneros textuais, assim
como suas contrapartes literárias — os gêneros literários — permitem ao leitor identificar
uma série de aspectos comunicacionais do texto.
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VAMOS PRATICAR
Avalie as afirmações, a seguir, com base no excerto apresentado e em seus conhecimentos:
I - O gênero textual, segundo o trecho apresentado, auxilia na formação de significado
do texto.
II - Dentre os aspectos comunicacionais que o gênero textual transmite, está a
confiabilidade do autor.
III - As funções de linguagem, embora passem informações ao leitor, não colocam em
dúvida a confiabilidade do autor.
IV - É possível que o gênero textual estabeleça, também, o tipo de função de linguagem
predominante.
É correto o que se afirma em:
a) I e IV, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) II, III e IV, apenas.
3. A mensagem literária constitui-se num sistema fechado no qual os elementos tomam
sua significação e seu valor nas suas relações mútuas. Ela cria suas próprias convenções
a partir do código estético adotado pelo autor. Não se pode ler os elementos separados
da mensagem sem integrá-los no conjunto fechado que constitui a obra. Além dos
referentes conceituais comuns ao autor e aos leitores — necessários à leitura e à
compreensão do texto, obviamente — a obra cria seu próprio sistema de referentes
textuais (VANOYE, 1986).
Fonte: VANOYE, F. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita.
6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
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VAMOS PRATICAR
Analise as afirmações, a seguir:
I - O conhecimento de mundo compartilhado é o que permite ao leitor entender os
referentes usados pelo autor
II - Quando o autor fala que a obra literária cria seu próprio sistema de referentes textuais,
ele sugere que a obra literária não precisa reproduzir fatos acontecidos no mundo.
III - A leiturade uma obra literária se assemelha à leitura de um gênero jornalístico, inclusive
no que diz respeito à forma como o leitor deve encarar os elementos referencias do
texto.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
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REFERÊNCIAS
ASSIS, M. de. Obra completa em quatro volumes: edição anotada. 3. ed. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 2015.
CÂMARA JÚNIOR, J. M. Dicionário e linguística e gramática. 12. ed. Petrópolis: Vozes,
1985.
CORP, H. et al. Dictionnaire des termes littéraires. Paris: Honoré Champion, 2005.
COSTA, T. Ansiedade de Informação: estudo com universitários de enfermagem. 2019. 84
f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Programa de Pós-Graduação em Enfermagem,
Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2019. Disponível
em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/18941/1/T%C3%A2melaCosta_
Dissert.pdf. Acesso em: 19 set. 2023.
DEFOE, D. The Life and Adventures of Robinson Crusoe. London: Seeley, Service & Co.
Limited, 1996. Disponível em: https://www.gutenberg.org/cache/epub/521/pg521-images.
html. Acesso em: 19 set. 2023.
JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. Tradução de Isidoro Blikstein e José Paulo
Paes. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1970.
SANTOS, J. F. dos. Estratégias de leitura no ensino de língua inglesa: uma comparação
entre o livro didático e a bane nacional comum curricular (BNCC). Revista EntreLínguas,
Araraquara, v. 7, n. 00, p. 1-13, 2021. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/
entrelinguas/article/view/14218/10815. Acesso em: 19 set. 2023.
SAHIL, M. Implications of Just-In-Time System of Toyota: A Case Study. 2017. 59 f.
Independent Final Report (Master’s Degree in Innovation and Operations Management)
– Ritsumeikan Asia Pacific University, Beppu, 2017. Disponível em https://core.ac.uk/
reader/92529054. Acesso em: 19 set. 2023.
SAVIOLI, F. P.; FIORIN, J. L. Lições de texto: leitura e redação. 5. ed. São Paulo: Ática, 2006.
SILVA, G. E. de A. Desenvolvimento do letramento crítico: possíveis caminhos a partir de
contribuições da pedagogia crítica, da análise crítica do discurso e da exploração de inferências.
2021. 169 f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Programa de Pós-Graduação em
Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/37354/1/
DESENVOLVIMENTO%20DO%20LETRAMENTO%20CR%C3%8DTICO.pdf. Acesso em: 19 set.
2023.
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1. Opção C.
I. Incorreto. O sentido lato de regionalismo engloba aspectos linguísticos em sentido
amplo, incluindo variações fonéticas.
II. Incorreto. O regionalismo pode ser “nacional”, como a distinção feita entre brasileirismo
e lusitanismo.
III. Correto. O brasileirismo, como o lusitanismo, corresponde a regionalismos em face do
léxico comum português.
IV. Correto. Para a língua escrita e literária do Brasil há, por sua vez, regionalismos
amazônicos, nordestinos, baianos, fluminenses, mineiros, sulistas.
2. Opção A.
I. Correto. O gênero textual permite ao leitor estabelecer informações que o auxiliam em
compreender o texto.
II. Incorreto. O gênero textual não indica informações sobre o autor.
III. Incorreto. A função de linguagem indica uma parte da finalidade do texto, portanto,
podem sugerir vieses do autor, por exemplo, em anúncios e propagandas.
IV. Correto. O gênero textual pode informar qual a função comunicacional predominante,
embora não seja uma certeza.
3. Opção C.
I. Correto. Conforme “referentes conceituais comuns ao autor e aos leitores — necessários
à leitura e à compreensão do texto, obviamente”.
II. Correto. Conforme “constitui-se num sistema fechado no qual os elementos tomam
sua significação e seu valor nas suas relações mútuas”.
III. Incorreto. O texto literário “cria seu próprio sistema de referentes textuais”.
GABARITO
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MINHAS METAS
TIPOLOGIAS E
GÊNEROS TEXTUAIS
Conhecer as formas, como tipologia e gênero, entrelaçam-se.
Aprender o conceito de tipologia textual.
Conhecer os gêneros textuais.
Aprender a analisar as estruturas das tipologias textuais.
Estudar as formas dos gêneros textuais.
Refletir sobre a função social dos gêneros textuais.
Compreender a relevância da adaptação textual para o leitor.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 6
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INICIE SUA JORNADA
Sou uma pessoa que ouve muito podcast. Como passo muito tempo andando,
é um acompanhamento diário. Uma coisa que me faz gostar tanto de podcast é
a maneira como é prevalente o uso de uma técnica redacional chamada story-
telling. Trata-se de uma técnica de escrita que visa a tornar o produto midiático
ou o conteúdo a ser apresentado mais atraente. Isso é atingido a partir do uso de
técnicas narrativas, como a construção de personagens, a disposição de enredos
e a narração de eventos. O termo inglês, inclusive, pode bem ser traduzido para
o português como “contação de histórias”. O objetivo é utilizar as técnicas de
contação de histórias para envolver o receptor do texto, o que, por sua vez, faz
esse público se tornar engajado no conteúdo. Contudo por que estou falando
sobre isso? Estou falando disso porque hoje trataremos dos tipos textuais, e a
narrativa é um tipo textual muito relevante, que ganha ainda mais proeminência
quando suas técnicas são usadas nos demais tipos textuais.
Um texto persuasivo, ao apresentar ideias e propostas, não quer apenas ex-
planar um ponto de vista, mas convencer o receptor de que seu ponto de vista
está correto. As técnicas de contação de histórias auxiliam bastante na construção
desse engajamento e na aceitação dessas ideias. Então, o que acontece, quando
estou ouvindo meu podcast, enquanto ando de metrô ou passeio com meu filho,
por exemplo, é que acabo sendo confrontado com duas formas textuais muito
específicas. Uma delas é a história, em que o narrador tenta me agradar e me
fazer perceber como aquele assunto é interessante. A outra forma é a persuasi-
va, em que o narrador está tentando me convencer de um ponto de vista. Isso é
interessante e, ao mesmo tempo, um pouco perigoso.
Como eu disse, as ferramentas de contação de histórias são utilizadas em
vários aspectos e ambientes, seja na produção de conteúdo midiático, como po-
dcasts, programas de TV, revistas e jornais, seja em elementos mais corporativos.
É possível, inclusive, utilizar a técnica de contação de histórias para fazer a
apresentação de um relatório, preparar uma aula ou defender um projeto nas
reuniões da empresa. O perigo reside, contudo, no elemento engajador. Ao gerar
interesse e criar uma conexão, é possível que o leitor seja confundido, aceite como
pertinente a ideia que é apenas válida no contexto narrativo.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 6
Ao se deparar com estrutura de histórias e narrativas, é importante que o
leitor saiba identificar os tipos de texto e, portanto, as finalidades das estruturas
linguísticas que encontra. É agradável que um texto expositivo seja apresentado
para gerar interesse por meio dos elementos de contação de histórias. Essas téc-
nicas facilitam a exposição de ideias. Contudo é fundamental que o leitor saiba
que o que está sendo apresentado difere de uma narrativa ficcional. Os textos
narrativos trabalham em uma lógica de verdades internas firmes, que funcionam
dentro de seu universo, mas que não dizem respeito, necessariamente, ao mundo
externo. Já o que está sendo apresentado por meio de técnicas narrativas pode
ser, sim, um recorte imperfeito da realidade.
É preciso, então, que o público saiba entender que a capacidade persuasiva do
texto precisa ser equilibrada com a análise crítica do leitor.
A capacidade de comunicação, essencial à vida humana, muitas vezes, acontece
por meio de textos. Olhe ao seu redor e você perceberá quantas formas distintas
eles parecem ter. Recortes e artigos de jornal, textos de blog e Internet, mensa-
gens de WhatsApp,anúncios publicitários, textos acadêmicos, receitas de bolo,
obras ficcionais, enfim, são inúmeros os tipos de texto. Dada essa diversidade
de textos, a atividade de compreensão e interpretação depende, em parte, do
conhecimento da tipologia e dos gêneros textuais. Esse é o tema que trataremos
a seguir, buscando analisar a razão pela qual são importantes na comunicação e
na interpretação das informações. A capacidade do leitor de identificar os tipos
de texto e entender as finalidades das estruturas linguísticas encontradas o auxilia
na compreensão e no posicionamento crítico frente ao texto.
VAMOS RECORDAR?
Como trataremos de gêneros textuais, uma revisão sobre
o que eles são e como se apresentam e se diferenciam
pode ser de bom uso para você, estudante. Assim, que tal
uma leitura do texto de Paula Cristina Lopes, da Universi-
dade Autônoma de Lisboa?
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DESENVOLVA SEU POTENCIAL
Talvez, o melhor seja começarmos pelas definições de Tipos e Gêneros textuais,
mesmo que essa distinção não seja pacífica na academia (SILVA, 2010). Para tanto,
a posição do professor Marcuschi (2013) nos parece a mais clara na forma de esta-
belecer uma distinção. Para ele, a tipologia textual designa uma construção teórica
definida pela natureza linguística do texto. São elementos dessa natureza linguística
que determinam o tipo de sua composição. Assim, tipos textuais são divididos em
categorias: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção.
Já a denominação gênero textual é utilizada pelo mesmo autor como a forma
materializada em texto, vivenciada no plano real pelo leitor. Assim, não é uma
concepção linguística de mensagem em sua manifestação filosófica, mas uma
mensagem material em uma forma determinada ou determinável. Portanto, o
que o leitor encontra no seu cotidiano são gêneros textuais, que se classificam em
tipos textuais conforme suas categorias. Daí aquele exemplo que apresentei no
começo começar a fazer sentido: elementos narrativos podem ser usados mesmo
em tipos textuais não narrativos. Essa mistura indica duas coisas: a existência de
tipos textuais puros é rara; a função comunicacional e linguística não se altera
em razão da mescla de tipos textuais. Ou seja, embora os tipos textuais possam
aparecer misturados no plano prático, a função comunicacional do texto, isto é,
sua função referencial, emotiva, poética, fática, conativa ou metalinguística, não
se altera apenas pela mescla de tipos textuais.
TIPOS TEXTUAIS
Cinco são os tipos textuais, e suas naturezas são bem definidas:
O texto narrativo
O texto narrativo é aquele em que contamos histórias. Trata-se da capacidade
textual de relatar eventos, fatos, notícias, ficções, imaginações, sonhos — tudo
aquilo que contamos como uma história pertence ao tipo de texto narrativo. A
característica principal desse tipo sendo a narração não determina, por exemplo,
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nem o tamanho do texto — sejam microcontos, sejam romances em vários volu-
mes — nem a forma, podendo ser um texto em prosa ou em verso, por exemplo.
Você saberia definir um texto? Olhe para essa página e a definição parecerá
óbvia — texto é uma sequência ordenada de frases que apresentam um sentido.
Contudo essa definição toca a superfície do que é o texto, já que se trata, na ver-
dade, de uma construção cognitiva multimodal. Um texto tem, necessariamente,
coesão e coerência entre suas partes para que a mensagem transmitida tenha
sentido completo e seja compreensível para o leitor.
A forma textual estabelece um conjunto de ideias que se organizam entre si e
ativam, no leitor, mecanismos cognitivos. A sequência estruturada e organizada
de ideias depende, em certa medida, do leitor, daí ser uma construção cognitiva.
Além disso, se a primeira imagem de texto que temos é um conjunto organizado
escrito, quando passamos para o seu conceito profundo, de organização de ideias,
conseguimos perceber que o texto pode ter diferentes formas, ser composto de
diversas maneiras. O texto pode ser escrito, evidentemente, mas também pode
ter a forma imagética, sonora ou gestual.
Assim, o texto narrativo tem como objetivo principal contar histórias. Mas
o que é necessário para contar uma história? Vamos ver!
Contos de Machado de Assis.
Editora: Imus dolorem
Autor: DCL, 1ª edição (5 de janeiro 2004)
Organizadora: Maria Viana
INDICAÇÃO DE LIVRO
Diversos são os elementos que caracterizam o texto narrativo: personagens,
cenários, enredo e uma sequência temporal. Começando por esse aspecto, geral-
mente, organizamos os fatos a partir de uma noção temporal de suas ocorrências,
mesmo que a narrativa seja contada de trás para frente, do meio para frente, do
meio para trás, e assim por diante. Essa organização temporal contribui para a
percepção de que as coisas são ordenadas em uma linha do tempo. Além disso, é
comum que as narrativas sejam escritas com verbos no passado, principalmente,
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no pretérito perfeito, ou seja, fatos que já aconteceram e estão concluídos. No
entanto é importante ressaltar que isso não é uma regra absoluta, pois há textos
escritos em formas futuras, em que algo acontecerá, e, também, há sonhos, de-
sejos e vontades imaginados no tempo condicional ou futuro.
Outra característica frequente nas narrativas é a presença de descrições de es-
paços, cenas e momentos íntimos das personagens. Expressões, como “eu estava
com medo”, “fazia frio” e “lugar inominado”, são comuns, assim como os diálogos
entre as personagens, como “eu disse” e “ele respondeu”.
Embora o tipo narrativo seja o mesmo, há uma diferença significativa entre
a contação de histórias ficcionais e o relato de eventos reais. Uma ficção narra-
tiva parte do pressuposto de uma convenção ficcional, em que o leitor aceita os
fatos como possíveis na realidade criada no texto. Essa convenção tem origem
no pensamento do filósofo grego Aristóteles (2005), que afirmava que o texto
ficcional tem a grande vantagem de ser sempre racional, ou seja, as coisas fazem
realmente sentido no universo da obra. Mesmo com elementos sobrenaturais e
míticos, como fantasmas e fadas, o texto ficcional é, essencialmente, uma reali-
dade construída racionalmente para ser aceita pelo leitor.
Embora o leitor saiba que aquela verdade é ficcional e os elementos dos even-
tos não têm representação material no mundo real, ele, também, espera que haja
uma lógica racional dentro daquele universo. O texto, por mais fantasioso que
seja, geralmente, não apresenta elementos inexplicáveis ao seu próprio universo.
Fantasia, nesse sentido, não significa falta de racionalidade.
Por outro lado, como denota Rancière (2017), a racionalidade ficcional narra-
tiva contamina, de alguma forma, nossa compreensão do mundo. Para explicações
de ciências sociais, por exemplo, o imponderável é poucas vezes utilizado, já que ele
não pode pertencer a uma visão de mundo racional. Contudo o mundo real não
é tão perfeitamente racional e mecânico, os eventos sociais e históricos carregam,
em si, muito de imponderável, já que é impossível prever o comportamento social
de todo mundo e, também, é impossível antever eventos e suas repercussões.
Tomemos como exemplo a teoria do “fim da história”, de Francis Fukuyama
(1992). O estudioso americano sugeria que o fim da União Soviética revelava
como a democracia liberal era o ponto máximo do desenvolvimento político hu-
mano, e, portanto, as sociedades tenderiam a migrar para essa forma de estrutura
social. Não passaria uma década para a teoria ser desprovida de forma categórica
com os ataques de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Naquele mo-
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mento, pelo menos, um dos elementos não observados por Fukuyama surgiu.
Se a teoria do “fim da história” negligencia as diferenças culturais e religiosas na
política e na sociedade, várias sociedades se pautam e se motivam com base nes-
sas questões, o que serve de exemplo para demonstrar que as ideologias políticasnão são os únicos impulsionadores da história.
O que realmente é importante para nós, aqui, contudo, é perceber que, tanto
em um plano como em outro, elementos não racionais determinam respostas
humanas. Era impossível ao estudioso antever os ataques bem como era incerto
para os perpetradores dos atentados que eles seriam bem-sucedidos.
O texto descritivo
O texto descritivo, por sua vez, apresenta o retrato de um fenômeno. É muito
comum imaginar um texto descritivo como a descrição de um objeto real, como a
imagem de uma árvore, os cabelos da pessoa amada ou as formas de uma cidade.
No entanto a descrição pode ser sensorial e até emotiva. É possível descrever
elementos que traduzem a confusão de sentimentos que alguém está passando.
Portanto, também, é um texto descritivo aquele no qual a pessoa descreve raiva,
rancor, amor. Ainda mais nesses momentos, o uso de comparações e metáforas,
amplamente utilizadas em textos narrativos, aproxima os dois tipos textuais.
É importante ter em mente que os textos descritivos apresentam uma profusão
de formas qualificativas, como adjetivos e advérbios. Além disso, pode-se usar figuras
de linguagem que desempenham a mesma função. Principalmente, a descrição, geral-
mente, segue uma ordem. Por exemplo, ao descrever uma pessoa, pode-se começar
pela cabeça ou pelos pés, seguindo uma ordem lógica. Pode-se, também, destacar,
por exemplo, que as mãos eram o aspecto mais importante para a pessoa, pois nunca
paravam de criar, sempre burilando um desenho. Depois das mãos, pode-se imaginar
todos aqueles álbuns rabiscados e, por fim, a cabeça da personagem.
VOCÊ SABE RESPONDER?
Você consegue descrever o ambiente em que está nesse momento? E de-
screver um só elemento dessa cena?
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O texto argumentativo
O texto argumentativo, ao apresentar um ponto de vista sobre determinado
tema, fá-lo a partir de uma construção de ideias em diálogo. Não se expõe
um saber, mas se elabora um diálogo ou uma disputa entre pontos de vista e
razões a favor ou contra determinado tema. Evidentemente, existem diversas
finalidades para esse tipo de argumento, mas, geralmente, está-se tentando
convencer, persuadir ou apresentar um ponto de vista. Em qualquer um
desses casos, o autor elabora uma reflexão sobre eventos e elementos que
devem levar a uma tomada de posição sobre o tema.
Para tanto, é importante ter em mente, pelo menos, duas racionalidades que
surgem nesses textos. A primeira é a necessidade de coerência e coesão. O autor
do texto precisa demonstrar que suas ideias e a posição que ele assume sobre
determinado tema são coerentes, baseadas em elementos que justifiquem sua
posição de concordância ou discordância. Além disso, é importante que o texto
seja coeso, ou seja, que essas ideias sejam entrelaçadas em um raciocínio plausível
e pertinente, de forma que uma ideia não negue a ideia seguinte.
Para tanto, o texto argumentativo utiliza diversos conectivos argumentativos
e estratégias retóricas. Essas estratégias elucidam o raciocínio de maneira a torná-
-lo mais atraente para o leitor. Com isso, o autor estabelece elementos linguísticos,
semânticos, sintáticos ou narrativos, que permitem ao leitor compreender, aceitar
e, possivelmente, concordar com os argumentos apresentados.
Nesse video do Canal Caminhos de Linguagem, aprenderemos
como formular boas formas de apresentar e defender pontos
de ideia em uma argumentação, além de evitar argumentos
falaciosos.
EU INDICO
Dada a sua natureza argumentativa, esse tipo de texto possui uma estrutura mais
fixa. É composto por uma introdução, na qual se apresenta a ideia geral e o per-
curso a ser traçado; um desenvolvimento, no qual pontos a favor e contra são
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demonstrados de maneira equivalente em força, no sentido de tornar o raciocínio
honesto, ou seja, são apresentadas as ideias propostas, mesmo que para serem
refutadas, e uma conclusão, o momento em que o autor apresenta sua posição.
Texto Expositivo:
Lembra-se do texto descritivo, que pretendia apresentar uma imagem sobre um
fenômeno? O texto expositivo apresenta uma imagem racional de um conheci-
mento. Essa, talvez, seja uma boa metáfora para entendermos esse tipo textual.
O texto expositivo apresenta a exposição de uma ideia, trata-se de um texto que
utiliza definições, exemplos, comparações e informações materiais, estatísticas,
comparativas ou qualitativas sobre o fenômeno que está sendo apresentado.
Se o texto argumentativo aspira defender um ponto de vista, o texto expo-
sitivo apresenta um conteúdo. Este material que você está lendo agora é prima-
riamente um tipo de texto expositivo que visa ensinar. Esse tipo de texto possui,
também, uma estrutura lógica de introdução, desenvolvimento e conclusão. No
entanto, ao contrário do texto argumentativo, ele não contém, inicialmente, ele-
mentos que gerem um embate de ideias. Trata-se, na verdade, de uma explanação
sobre um tema.
Texto Injuntivo, ou Instrucional
Você pode pensar: o que é um texto instrutivo, se não aquele que expõe alguma
coisa? De fato, é exatamente esse tipo de instrução que estamos falando. Estamos
falando de uma instrução ordenada, não apenas no sentido de uma ideia após a
outra, mas, sim, de uma ordem estabelecida, instruções sobre como se deve
cumprir uma atividade.
Um texto instrucional é um texto que contém ordens sobre como reproduzir ou
como chegar a um resultado.
Imagine, como mencionado anteriormente, um manual de instruções ou uma
receita culinária. É claro que, além de instruções e ordens colocadas no papel, um
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texto instrucional pode conter listas, tabelas, gráficos, tudo aquilo que facilite a
compreensão passo a passo a ser seguido em determinada situação ou procedi-
mento. O leitor aprenderá a produzir um resultado a partir de uma sequência
ordenada de instruções.
Lembro de um dia em que comprei uma máquina de lavar louça. Minha
esposa, ao ler o manual de uso, deparou-se com as seguintes ordens:
Passo 1: abra um recipiente de sal.
Passo 2: deposite o sal.
Passo 3: se for o primeiro uso, preencha o depósito de sal com água.
Eu e minha esposa olhamos um para o outro em dúvida: o manual estava
dizendo que deveríamos preencher apenas com água no primeiro uso, ou que
deveríamos completar o recipiente com água após enchê-lo de sal? Parecia uma
dúvida razoável solucionada pela depreensão do tipo textual. Se o primeiro uso
devesse ser apenas com água, essa instrução viria em primeiro plano, não como
uma particularidade do preenchimento de sal. Portanto, enchemos o recipiente
com sal e, depois, terminamos com água.
GÊNEROS TEXTUAIS
Agora que nós já vimos quais são os tipos textuais, precisamos pensar nos gêneros
textuais. Os gêneros textuais são expressões materiais dessas classificações genéri-
cas, que são os tipos. Por exemplo, quando digo que existe um tipo instrutivo, ou
instrucional, isso pode ser um manual de instruções, uma receita culinária, uma
receita médica. Esses textos têm a mesma finalidade e compartilham os mesmos
elementos, como ordens a serem seguidas em uma ordem cronológica ou espacial
determinada. Da mesma forma, outros tipos textuais são compostos de vários
gêneros textuais distintos. O gênero narrativo, por exemplo, contém tanto livros
de história, romances e novelas como contos, poemas, causos de mesa de bar,
piadas, entre outros. Esses textos possuem como característica básica a capaci-
dade narrativa, mas também apresentam elementos socioculturais que lhes são
próprios e que influenciam tanto na sua produção quanto na sua interpretação.
Portanto, é importante compreender como os gêneros textuais se apresentam na
realidade e quais elementos socioculturais influenciam sua construção.
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O primeiro autor a definir gêneros textuais foi Aristóteles (2005). O filósofo
grego, cuja obra foi escrita na Grécia clássica, ao estudar os poemas cantados,
os poemas de heróis e de narrativas bem como ostextos dos festivais de teatro,
dividiu os textos literários gregos em três gêneros:
■ Gênero lírico.
■ Gênero épico.
■ Gênero teatral.
Embora essa divisão dos gêneros textuais se refira a uma função comunicativa
específica dos textos literários, como poemas, epopeias e peças teatrais, a per-
tinência da classificação e sua utilidade fazem do texto aristotélico uma leitura
obrigatória ainda hoje. De fato, a partir deles, formula-se uma série de preceitos
para estudos literários. Um deles eu já mencionei anteriormente: a capacidade
de racionalizar a existência a partir da obra ficcional.
Apesar da sua importância, sabemos que existem outros gêneros textuais
além dos gêneros literários. Afinal, um texto acadêmico, um texto histórico,
uma notícia de jornal, um anúncio publicitário, todos esses são textos que
não se enquadram nos gêneros literários, mas preenchem funções comuni-
cativas importantes.
A influência do contexto sociocultural na construção dos gêneros textuais
é um fator fundamental. Os gêneros textuais não são produzidos isoladamente,
mas surgem e evoluem em um contexto social e cultural específico, moldados
pelas necessidades e práticas comunicativas de uma comunidade. O contexto
sociocultural abrange uma variedade de elementos, como valores, crenças, nor-
mas, tradições, instituições, tecnologias e formas de interação presentes
em uma sociedade. Esses elementos exercem uma influência direta na forma
como os gêneros textuais são construídos, organizados e compreendidos pelos
membros dessa sociedade.
Uma sociedade que valoriza a formalidade e a hierarquia, provavelmente, apre-
cia gêneros textuais específicos para situações formais, como leis e discursos oficiais.
Da mesma forma, a tecnologia influencia na formação de gêneros textuais. Com
o avanço da comunicação digital, surgiram novos gêneros textuais, como e-mails,
mensagens de texto, posts em redes sociais e blogs. Esses gêneros foram moldados
pelas características das plataformas digitais, como a concisão, a interatividade, o
uso de recursos multimodais e a velocidade de transmissão de informações.
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Além disso, os gêneros textuais são influenciados pelas necessidades comuni-
cativas de diferentes contextos e grupos sociais. Por exemplo, gêneros textuais
acadêmicos, como artigos científicos e monografias, são construídos segundo
as normas e convenções estabelecidas pela comunidade acadêmica, visando a
disseminação do conhecimento científico, a avaliação pelos pares e a capacidade
de repercussão na comunidade acadêmica. Da mesma forma, temos elementos
lexicais específicos para as diversas profissões, alguns, inclusive, ganham fama
de linguagem técnica ou de jargão, como o caso do “juridiquês”, um conjunto de
técnicas e formas de comunicação utilizadas pelos profissionais do direito.
O que é SEO: SEO (Search Engine Optimization) é um conjunto de técnicas e
estratégias aplicadas em um website que vira melhorar sua visibilidade nos re-
sultados de busca orgânica dos mecanismos de busca, como o Google. O SEO
visa aumentar a quantidade e a qualidade do tráfego orgânico de um site, ou
seja, atrair mais visitantes de forma gratuita e relevante.
APROFUNDANDO
Uma vez que o juridiquês e os jargões podem ser um prob-
lema comunicacional quando membros de uma comunidade
específica ou técnica tentam se relacionar com pessoas que
não dominam sua linguagem técnica, é importante adaptar as
formas de expressão para públicos gerais. Nesse sentido, o
Governo do Estado do Ceará tem um laboratório de comuni-
cação simplificada, que adequa as diversas formas textuais de
comunicação do estado ao público geral. Acesse o QR Code
para saber mais.
EU INDICO
É importante destacar que os gêneros textuais estão em constante evolução, sur-
gindo novos gêneros com as evoluções históricas da sociedade. Pense, por exem-
plo, na evolução da comunicação por telefone. Primeiro, era uma ferramenta
de chamadas instantâneas, mas pontuais. Dados o preço e a baixa adesão, no
começo, as chamadas telefônicas eram pontuais e sucintas. Ligava-se para dizer
algo e pronto. A massificação permitiu que o telefone fosse usado como uma
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TEMA DE APRENDIZAGEM 6
“presença mesmo que à distância” e temos em mente os vários filmes em que
adolescentes ficam horas conversando ao telefone. Nos dois casos, contudo, a
comunicação era integral, ela tinha começo, meio e fim. Agora, pensemos como
se dá atualmente com ferramentas, como o WhatsApp. Os diálogos, muitas ve-
zes, são contínuos. Escreve-se agora para ter uma resposta futura, e a conversa
segue sem ser realmente terminada ou reiniciada. Outro exemplo é o podcast.
Esse gênero textual de natureza oral permite a manutenção da informação em
uma plataforma digital de áudio e/ou vídeo. Como o WhatsApp, trata-se de um
gênero surgido a partir da revolução tecnológica digital da Internet.
Os gêneros textuais são moldados por convenções sociais, culturais e discur-
sivas, o que significa que os espaços culturais e o momento histórico são essen-
ciais na sua formação. Ou seja, as comunidades têm, ao longo do tempo, seus
gêneros textuais formadores bem como aqueles que têm mais poder simbólico
(BOURDIEU, 2014) dentro desses grupos. Para tanto, a tipologia textual pro-
porciona bases estruturais para a construção de gêneros coerentes e eficazes.
Dessa forma, é possível perceber uma interseção entre a tipologia textual e os
gêneros textuais que permite identificar como os tipos textuais se manifestam
em diferentes gêneros.
Começamos esse texto apresentando o conceito de “contação de histó-
rias”, e essa ferramenta retórico/narrativa, que pode ser encontrada em vários
tipos textuais, é prevalente no tipo narrativo. Ou seja, é uma ferramenta es-
sencial em contos, novelas, romances, mas também nos textos jornalísticos
ou nos relatos históricos.
Outros tipos textuais, também, têm gêneros que lhe são mais próprios. O
texto descritivo está presente em gêneros, como a descrição de lugares, obje-
tos, pessoas e paisagens, e, até mesmo, em algumas partes de narrativas. O texto
argumentativo é encontrado em ensaios, artigos de opinião, discursos políticos
e debates, ao passo que o texto expositivo é comumente encontrado em gêneros,
como textos científicos, manuais, resumos e relatórios. O texto injuntivo, por sua
vez, é encontrado em gêneros, como receitas culinárias, manuais de instruções,
guias de uso e regimentos.
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Como se nota, há uma interseção entre os conceitos de tipologia textual e
de gêneros textuais. Desse fenômeno, pode-se depreender, por exemplo, que
seu contato é relevante para uma compreensão mais profunda dos textos. Ao
perceberem a estrutura subjacente de determinado gênero e entenderem como
as características do tipo textual são adaptadas e mobilizadas para cumprir os
propósitos comunicativos específicos de cada gênero, os leitores podem inferir
sentidos que não estão evidentes, como na leitura do manual de instruções.
NOVOS DESAFIOS
Todo escritor e leitor apto compreende as regras dos gêneros textuais bem como
sua relação aos tipos textuais, mesmo quando não domina essa teoria. Isso se dá
porque o leitor cotidiano está exposto a diversos gêneros textuais diariamente.
Cada forma comunicativa estabelece um gênero textual que exige, do receptor, a
percepção de suas características a fim de entender parte de seu significado. Dessa
forma, o conhecimento dos gêneros textuais é essencial para boa formação escrita
e para uma leitura competente dos textos. Contudo o domínio da teoria ainda
aumenta a capacidade cognitiva de refletir e interpretar textos. Faz-se, então, que
o conhecimento dessas duas formas — tipos e gêneros textuais — são elementos
importantes para a capacidade de expressão e compreensão coerentes de textos.
O conhecimento de tipos textuais permite identificar as estruturas linguís-
ticas e comunicativas dos gêneros textuais e dos textos propriamente ditos. Essa
compreensão auxilia na análise de textos.Além disso, o conhecimento dos gê-
neros textuais implica o conhecimento de um vasto repertório de textos, enri-
quecendo a habilidade crítica de leitura.
Os gêneros textuais desempenham papel crucial na comunicação profissional
e acadêmica. Vimos, por exemplo, o caso do “juridiquês”, mas diferentes contex-
tos profissionais produzem diferentes conjuntos linguísticos e jargões especiali-
zados para fins de comunicação eficaz entre os profissionais do ramo. O mesmo
acontece no plano acadêmico, em que gêneros textuais específicos permitem o
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TEMA DE APRENDIZAGEM 6
aprendizado racional-argumentativo, mas também permitem a apresentação e
divulgação de conhecimento entre pares, fortalecendo a capacidade avaliativa
do conjunto e permitindo a propagação de descobertas.
Devido aos gêneros textuais serem um constructo sociocultural, o advento
da nossa realidade digital, em que a comunicação caminha de braços dados com
as tecnologias digitais, permitiu, ou mesmo impôs, mudanças nos gêneros tex-
tuais e criação de novas modalidades. A comunicação em redes sociais alterou
como a comunicação entre pares se dá. Por vezes, ampliou o público, por vezes,
modificou a forma. As demais plataformas digitais, como blogs, sites, e-mails e
mensagens instantâneas, promoveram a criação de novos gêneros textuais e a
adaptação dos existentes. As postagens em redes sociais, os tweets e toda a plêiade
de formas digitais têm características específicas, como concisão, interatividade,
multimodalidade e uso de hipertexto.
Em suma, o reconhecimento dos gêneros textuais bem como sua utilização
como ferramentas pedagógicas, sua relevância na comunicação profissional e
acadêmica e sua adaptação às demandas das tecnologias digitais são aspectos
essenciais para uma educação linguística e literária eficaz e atualizada.
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VAMOS PRATICAR
1. “Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica
definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia
dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção” (MARCUSCHI, 2013, [s. p.]).
Assinale o item correto conforme seus conhecimentos de linguagem e tipologia textual
a) O tipo narrativo é usado apenas em textos literários, como romances e contos.
b) O tipo textual descritivo é formado, geralmente, de textos capazes de construir uma
imagem adequada de uma coisa, pessoa ou fenômeno.
c) O tipo argumentativo é o que apresenta uma tentativa de convencimento do leitor. A
forma mais eficaz é o escritor evitar os argumentos contrários à sua tese.
d) O tipo expositivo é semelhante ao tipo descritivo, no sentindo de que também é um
texto que expõe, apresenta, situações do cotidiano e da vida real.
e) Os textos injuntivos, por serem compostos como ordens, estão presentes apenas
nas leis.
2. “Em geral, a expressão ‘tipo de texto’, muito usada nos livros didáticos e no nosso dia-
-a-dia, é equivocadamente empregada e não designa um tipo, mas sim um gênero de
texto. Quando alguém diz, por exemplo, ‘a carta pessoal é um tipo de texto informal!’,
ele não está empregando o termo ‘tipo de texto’ de maneira correta e deveria evitar
essa forma de falar. Uma carta pessoal que você escreve para sua mãe é um gênero
textual, assim como um editorial, horóscopo/ receita médica, bula de remédio, poe-
ma, piada, conversação casual, entrevista jonalística, artigo científico, resumo de um
artigo, prefácio de um livro. É evidente que em todos estes gêneros também se está
realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais
tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado (heterogêneo). Veja-se o
caso da carta pessoal, que pode conter uma sequência narrativa (conta uma histo-
rinha), uma argumentação (argumenta em função de algo), uma descrição (descreve
uma situação) e assim por diante” (MARCUSCHI, 2013, [s. p.]).
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VAMOS PRATICAR
Analise as afirmativas a seguir conforme seus conhecimentos sobre tipologia textual,
gêneros textuais e informações do texto anterior.
I - Tipo e gênero textual são sinônimos do mesmo fenômeno.
II - Do texto anterior, depreende-se que há um tipo textual argumentativo.
III - Do texto anterior, depreende-se que há um tipo textual narrativo,
IV - Do texto anterior, depreende-se que bula de remédio, horóscopo e poema são gêneros
textuais de tipos textuais próximos.
É correto o que se afirma em:
a) I e IV, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) II, III e IV, apenas.
3. “Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para re-
ferir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam
características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais,
estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gê-
neros são inúmeros” (MARCUSCHI, 2013, [s. p.]).
Assinale a alternativa correta conforme seus conhecimentos de linguagem e tipologia
textual.
a) Embora os gêneros verbais sejam inúmeros, é possível se comunicar verbalmente
sem ser por algum gênero.
b) Seguramente, todo novo gênero textual surge inovadoramente, sem receber nada
dos gêneros já existentes, em especial, porque essa é a função do gênero textual:
preencher uma lacuna de comunicação.
c) A tecnologia favorece o surgimento de formas textuais totalmente inovadoras.
d) Os gêneros textuais se definem por aspectos formais, sejam eles estruturais, sejam
eles linguísticos.
e) Sendo estruturas socioculturais, pode-se afirmar que novos gêneros textuais surgiram
nos últimos dois séculos.
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VAMOS PRATICAR
4. “Aspecto central no caso [de] gêneros emergentes é a nova relação que instauram
com os usos da linguagem como tal. Em certo sentido, possibilitam a redefinição de
alguns aspectos centrais na observação da linguagem em uso, como por exemplo a
relação entre a oralidade e a escrita, desfazendo ainda mais as suas fronteiras. Esses
gêneros que emergiram no último século no contexto das mais diversas mídias criam
formas comunicativas próprias com um certo hibridismo que desafia as relações en-
tre oralidade e escrita e inviabiliza de forma definitiva a velha visão dicotômica ainda
presente em muitos manuais de ensino de língua. Esses gêneros também permitem
observar a maior integração entre os vários tipos de semioses: signos verbais, sons,
imagens e formas em movimento. A linguagem dos novos gêneros torna- se cada vez
mais plástica, assemelhando-se a uma coreografia e, no caso das publicidades, por
exemplo, nota-se uma tendência a servirem-se de maneira sistemática dos formatos
de gêneros prévios para objetivos novos. Como certos gêneros já têm um determinado
uso e funcionalidade, seu investimento em outro quadro comunicativo e funcional
permite enfatizar com mais vigor os novos objetivos.
Quanto a este último aspecto, é bom salientar que embora os gêneros textuais não se
caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles estruturais ou lingüísticos,
e sim por aspectos sócio-comunicativos e funcionais, isso não quer dizer que estejamos
desprezando a forma. Pois é evidente, como se verá, que em muitos casos são as formas
que determinam o gênero e, em outros tantos serão as funções” (MARCUSCHI, 2013, [s.
p.]).
Analise as alternativas a seguir conforme seus conhecimentos sobre tipologia textual,
gêneros textuais e informações do texto anterior.
I - É correto afirmar que o surgimento de novos gêneros textuais pode influenciar na
forma como as formas da comunicação e da linguagem se estabelecem, ou se fazem
permeáveis.
II - A caracterização basilar dos gêneros textuais é dada em razão de sua função comu-
nicativa.
III - Se a função comunicativa é essencial para a determinação do gênero textuais, há
momentos em que a formaé determinante para a compreensão do gênero textual.
IV - Os gêneros textuais, em suas particularidades, muitas vezes, contêm tipos textuais
híbridos, sem que com isso os descaracterizem.
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VAMOS PRATICAR
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
5. A capacidade de comunicação, essencial à vida humana, muitas vezes, acontece por
meio de textos. Olhe ao seu redor e você perceberá quantas formas distintas eles
parecem ter. Recortes e artigos de jornal, textos de blog e Internet, mensagens de
WhatsApp, anúncios publicitários, textos acadêmicos, receitas de bolo, obras ficcionais,
enfim, são inúmeros os tipos de texto. Dada essa diversidade de textos, a atividade
de compreensão e interpretação depende, em parte, do conhecimento da tipologia
e dos gêneros textuais. Esse é o tema que trataremos a seguir, buscando analisar a
razão pela qual são importantes na comunicação e na interpretação das informações.
A capacidade do leitor de identificar os tipos de texto e entender as finalidades das
estruturas linguísticas encontradas o auxilia na compreensão e no posicionamento
crítico frente ao texto.
Analise as afirmativas a seguir.
I - Quando o autor se refere a textos, pode-se ter certeza de que a comunicação humana
acontece apenas por meio de textos escritos.
II - Segundo o trecho, conhecer tipos de texto auxilia na escrita, mas não influencia a
capacidade interpretativa.
III - Depreende-se do trecho que há tipos de texto variados em formato e em plataforma
de publicação.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
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REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Poética. In: ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. Poética clássica. Tradução
de Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 2005
BOURDIEU, P. Langage et pouvoir symbolique. Paris: Seuil, 2014.
FUKUYAMA, F. O fim da História e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. São Paulo: USP, 2013.
Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/133018/mod_resource/content/3/
Art_Marcuschi_G%C3%AAneros_textuais_defini%C3%A7%C3%B5es_funcionalidade.pdf.
Acesso em: 5 set. 2023.
RANCIÈRE, J. Les bords de la fiction. Paris: Seuil, 2017.
SILVA, S. R. da. Gênero textual e tipologia textual: colocação sob dois enfoques teóricos. So-
letras, v. 20, p. 64-75, 2010.
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1. B. A alternativa A está incorreta, pois há texto narrativo de relatos não ficcionais. A alter-
nativa B está correta, o texto descritivo possibilita descrever pessoas, acontecimentos ou
fenômenos. A alternativa C está incorreta, pois o apagamento dos argumentos contrários
não é uma tática eficaz e constante nos textos argumentativos. A alternativa D está in-
correta, pois o texto expositivo apresenta ideias. A alternativa E está incorreta, pois textos
injuntivos descrevem processos, constituindo receitas, instruções etc.
2. D. A afirmativa I está incorreta, conforme passagem “Em geral, a expressão ‘tipo de texto’,
muito usada nos livros didáticos e no nosso dia-a-dia, é equivocadamente empregada e
não designa um tipo, mas sim um gênero de texto”. A afirmativa II está correta, depreen-
de-se do trecho “o caso da carta pessoal, que pode conter uma sequência narrativa”. A
afirmativa III está correta, depreende-se do trecho “o caso da carta pessoal, que pode
conter uma sequência narrativa (conta uma historinha), uma argumentação (argumenta
em função de algo), uma descrição (descreve uma situação)”. A afirmativa IV está incorreta,
pois, embora próximos na sequência, não se pode depreender essa informação. Além
disso, tais textos não pertencem aos mesmos tipos textuais.
3. E. A alternativa A está incorreta, porque, segundo Marcusch, é impossível se comunicar
verbalmente a não ser por algum gênero. A alternativa B está incorreta, pois, segundo
Marcuschi, os novos gêneros não são inovações absolutas, mas surgem vinculados a
textos anteriores. A alternativa C está incorreta, pois a tecnologia favorece o surgimento
de novas formas textuais, mas que guardam relação com as formas anteriores. A alter-
nativa D está incorreta, porque, embora os gêneros textuais não se caracterizem nem se
definam por aspectos formais, sejam eles estruturais, sejam eles lingüísticos, e, sim, por
aspectos sociocomunicativos e funcionais, isso não quer dizer que estejamos desprezando
a forma. A alternativa E está correta, porque, segundo Marcush, “os gêneros textuais são
fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social”.
4. E. A afirmativa I está correta, conforme o trecho “possibilitam a redefinição de alguns
aspectos centrais na observação da linguagem em uso, como por exemplo a relação
entre a oralidade e a escrita”. A afirmativa II está correta, conforme o trecho “os gêneros
textuais não se caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles estrutu-
rais ou lingüísticos, e sim por aspectos sócio-comunicativos e funcionais”. A afirmativa III
está correta, conforme o trecho “é evidente, como se verá, que em muitos casos são as
formas que determinam o gênero e, em outros tantos serão as funções”. A afirmativa IV
está correta, os tipos textuais, que são cinco, geralmente, estão presentes, de maneira
central ou acessória, nos gêneros textuais. Por exemplo, cenas descritivas em um romance.
GABARITO
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5. B. A afirmativa I está incorreta, o texto deixa em aberto o conteúdo de textos, mas aponta
que a comunicação, muitas vezes, acontece por meio de textos, não sendo taxativo. A
afirmativa II está incorreta, o trecho informa que conhecer tipos textuais auxilia na inter-
pretação de textos. A afirmativa III está correta, como observa a lista não exaustiva de
textos, como WhatsApp e anúncios publicitários.
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UNIDADE 3
MINHAS METAS
LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL
Mostrar como leitura e produção textual são faces distintas, mas interligadas, de um processo.
Explorar a relação entre escrita e leitura.
Compreender a leitura como ferramenta para a escrita.
Destacar elementos detectados na leitura que auxiliam na escrita (coerência, coesão e
vocabulário).
Abordar a formação do texto pelo ponto de vista do leitor.
Analisar como o ponto de vista do leitor influencia a escrita do autor.
Unificar as noções de leitura e escrita, buscando compreender a formação e a interpretação
crítica do texto.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 7
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INICIE SUA JORNADA
A internet está cheia de pequenas mensagens de humor. Outro dia, encontrei a
seguinte: “Joana tem cinco filhos; o primeiro chama-se Janeiro, o segundo, Fe-
vereiro, o terceiro filho chama-se Março, o quarto filho é Abril. Qual é o nome
do quinto filho?”.
Se você ler o texto com um pouco de calma, perceberá como a entonação e
a pontuação fazem diferença no sentido do texto. Esta musicalidade, este ritmo
do texto, de alguma forma, traz sentido. A última frase do trecho, embora pareça
começar com um pronome interrogativo (qual), está pontuada por um ponto
final. A frase poderia ser reescrita assim: “O nome do quinto filho é ‘Qual’”. Com
a inversão, o sentido fica evidente.
Somos induzidos a pensar que se trata de uma pergunta pelos elementos se-
quenciais, no entanto essa sequência é quebrada na frase final. Somos induzidos
a cometer um erro lógico, e este é o chiste do texto.
A leitura é um processo de decodificação e interpretação de símbolos voltado
a estabelecer significados. Contudo parte do sentido de um texto está implícita
em elementos que requerem a cumplicidade entre leitor, autor e texto. Essa cum-
plicidade dá-se na musicalidade e na forma como os elementos são apresentados
e nas ideias inferidas e compartilhadas entre leitor e texto, para estabelecer uma
compreensão do todo. A pegadinha apresentada depende de sabermos os meses
do ano em determinada sequência.
Se o leitor deve preencher estes vazios, o escritorconfia nesta habilidade, a
fim de se fazer entender. Uma consequência desse ponto de contato: escrever
é uma habilidade intimamente ligada à capacidade de ler, já que o autor, ao ler
seu texto, pode tentar projetar um entendimento e uma recepção do texto, além
de, por ter sido bom leitor, dominou estratégias comunicativas as quais ele pode
reutilizar no momento da escrita.
Leitura e escrita são conhecimentos essenciais para a vida contemporânea,
seja para os momentos de lazer e de vida cotidiana, seja para as atividades pro-
fissionais. Não dá para imaginar, hoje, um trabalhador de qualquer área que
não tenha plena capacidade de leitura e de interpretação de texto. Da mesma
forma, a capacidade de se expressar de forma escrita é uma ferramenta essencial
em qualquer setor, pois a sociedade complexa na qual vivemos depende de um
processo de oficialização de todas as etapas da vida.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 7
Hoje, analisaremos exatamente a relação entre leitura e escrita e como um co-
nhecimento auxilia o outro na compreensão de textos e na produção deles, também.
VAMOS RECORDAR?
Um tema relevante para recordarmos é a tipologia tex-
tual. Uma sugestão é o vídeo sobre os tipos de textos.
https://www.youtube.com/watch?v=Baf9HTxm04s
DESENVOLVA SEU POTENCIAL
Desde que me entendo como estudante, por volta do sexto ano do Ensino Fun-
damental, quando a escola se tornou uma atividade e não mais um lugar onde
passava o tempo com os amigos, ouço que, para escrever bem, é necessário ler, ler
muito. Lembro do meu professor dizendo: “é preciso ler bastante para conseguir
escrever bem. A gente só escreve bem sabendo ler”.
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Provavelmente, você já ouviu isso. Esta noção não está errada, embora haja
um pouco de exagero. É verdade que um bom leitor tem mais chances de ser
um redator eficiente, porque a capacidade de leitura atribui ao leitor repertório
possível de ser utilizado na escrita.
A habilidade de compreender um texto nada mais é do que a capacidade de
atribuir sentido e significado ao material escrito a partir do nosso conhecimento
de mundo e das nossas percepções críticas sobre a condição na qual vivemos e a
condição em que o texto foi escrito. Isso também significa que os elementos no
texto são apresentados de maneira mais geral, no sentido de que eles se comu-
nicam com uma comunidade no sentido lato. Mesmo se o texto está dirigido a
um só destinatário, este pertence a uma comunidade com a qual ele compartilha
valores e saberes, portanto, em certa medida, toda essa comunidade é receptora
do texto. Autor e leitor compartilham saberes e formas de se comunicar ativados
no processo de escrita e de leitura.
Quando encontramos um texto, além da decodificação evidente dos signos
linguísticos, precisamos estabelecer um ritmo de leitura, uma forma como a lei-
tura se apresenta. Alguns textos são mais orais, outros são mais travados, mas
todos tentam replicar, na forma escrita, a maneira como nos comunicamos: o
ritmo, a prosódia, as entonações, as sugestões que o leitor pode receber do texto.
Essa musicalidade sugere que a pontuação decorre da forma como lemos, daí a
ideia mal concebida de que a leitura está relacionada ao fôlego do leitor.
“ — Acorda, seu Zé Preguiça, hoje é domingo. Dia do Senhor. A sua
mãe tá passando a roupa que você separou ontem, e o seu café já
está pronto, só esperando a sua boa vontade.
Felipe tentou voltar a dormir, mas os gritos de seu pai foram mais
fortes do que aquele sono gostoso das manhãs dominicais.
— Vamos, Felipe, como diz a bíblia: “Alegrei-me quando disseram:
vamos à casa do Senhor.” Salmo 122, versículo 1 (ANDARILHO,
2014, p. 17).
O trecho revela como a musicalidade é importante, e como ela é dependente do
leitor. O vocativo “Felipe”, por exemplo, estabelece uma entonação de chamado
irritado. Já a vírgula em “separou ontem, e o seu café” não cria uma pausa. Pelo
contrário, ela parece dar premência, velocidade ao texto e à ação. O leitor percebe
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TEMA DE APRENDIZAGEM 7
que a personagem está inferindo que está tudo pronto, faltando apenas Felipe
levantar-se e começar a arrumar-se.
A leitura estabelece ritmos. Este é um bom exercício de leitura: ler em voz
alta, entonando o texto com a intenção comunicativa. Esse exercício também
melhora nossa capacidade de escrita, pois, quando escrevemos, precisamos ter
em mente o receptor da mensagem. O escritor, ao ler seu texto, tenta colocar-se
na posição do leitor, a fim de se assegurar que a mensagem está bem transmitida.
Assim, quando escrevemos, a nossa capacidade de apresentar um conteúdo
está também ligada à capacidade que temos de ler textos no geral e de ler o nosso
próprio texto. Se conseguimos nos colocar na posição do receptor futuro, temos
mais capacidade de avaliar se a mensagem está sendo bem transmitida.
Leitor e autor compartilham as mesmas ferramentas lógicas de racionalização
e pensamento. Quando o escritor apresenta uma ideia, ele estabelece uma ordem
hierárquica e lógica de ideias, a qual o leitor consegue detectar e compreender.
Uma forma de isso ocorrer é a partir da compreensão de ideias centrais, pala-
vras-chave e temas abordados. A escrita e leitura de um texto comportam/apre-
sentam/identificam ideias centrais e periféricas que se relacionam e se organizam
em noções de coordenação e subordinação.
Leitor e escritor estabelecem ideias centrais como caminhos, marcos na pro-
gressão do conteúdo apresentado. Para o escritor, é relevante ter esse trajeto em
mente, a fim de estabelecer coerência e coesão no texto. Para o leitor, identificar
essas ideias centrais, subordinadas, coordenadas e periféricas é importante para
compreender o argumento enunciado e o conteúdo apresentado pelo autor.
O Leitor.
Ano: 2008
Refletindo sobre a história: o filme que aborda a relação entre
um jovem e uma mulher mais velha. Este amor de cumplici-
dade acaba abruptamente por uma razão que produzirá re-
flexões no protagonista já adulto e no público.
INDICAÇÃO DE FILME
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GÊNEROS TEXTUAIS
A noção de gênero textual é um conceito que leitor e autor compartilham. Para o
leitor, é uma chave interpretativa importante, já para o autor, é uma maneira de
conceber a mensagem e o conteúdo. Quando o autor escolhe entre os diversos gê-
neros textuais e tipos textuais, ou seja, formas narrativas, formas argumentativas,
formas enunciativas, descritivas, poéticas… ele comunica um elemento textual
que gera expectativa. Espera-se que o leitor conheça essas formas e entenda a
intenção e capacidade pedagógica de cada texto. Em certa medida, as formas dos
textos estabelecem uma unidade e uma maneira específica de transmitir concei-
tos, conteúdos e significados e, à medida que o leitor e o autor compreendem esta
unidade basilar, eles comunicam-se sobre certo sentido.
Marcuschi (2002) descreve gênero textual como uma forma materializada
em texto, vivenciada no plano real pelo leitor. Trata-se de uma forma textual de-
terminada ou determinável. Assim, os gêneros textuais são manifestações práticas
dos tipos textuais moldados pelo contexto sociocultural e pelas necessidades
comunicativas da sociedade, refletindo valores, normas e tecnologias presentes
em cada período.
Por esta razão, os gêneros textuais estão em constante evolução ao longo da
história e são influenciados pelos avanços sociais e tecnológicos. Além disso, os
gêneros textuais são moldados por convenções sociais, culturais e discursivas,
sendo o contexto cultural e o momento histórico essenciais para sua formação.
Algumas comunidades têm gêneros mais característicos, e alguns deles possuem
maior poder simbólico dentro desses grupos.
Assim, o contexto sociocultural desempenha um
papel fundamental na construção dos gêneros tex-
tuais. Valores, crenças, tecnologia e interações sociais
influenciam sua forma e propósito. Por exemplo, a
comunicação digital deu origem a novos gêneros,
como e-mails e postagens em redes sociais.
O primeiro estudo sobregêneros textuais, por Aristóteles, definiu três gêne-
ros literários: o lírico, o épico e o teatral. Contudo, além dos gêneros literários,
existem outros, como textos acadêmicos, históricos e de notícias.
o contexto
sociocultural
desempenha um
papel fundamental
na construção dos
gêneros textuais
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TEMA DE APRENDIZAGEM 7
Cada gênero tem uma função comunicativa específica. Dessa forma, eles são
estabelecidos conforme as necessidades comunicativas e influenciados pela ne-
cessidade de uma formalidade e uma hierarquia, além de se moldarem conforme
a tecnologia da sociedade.
A música Como Nossos Pais, de Elis Regina, é por si mesma
um gênero textual. Contudo será que conseguimos notar ti-
pos textuais inseridos nela? Além disso, será que consegui-
mos encontrar outros gêneros textuais nos quais essa música
foi utilizada?
EU INDICO
COESÃO E COERÊNCIA
Os conceitos de leitura e escrita bem como os gêneros textuais estão relacionados
à noção de texto no plano conceitual, isto é, embora possam ser exemplificados,
abordam condições gerais de uma pretensa textualidade. Contudo há elementos
que determinam essa textualidade internamente ao texto, ou seja, eventos ou
condições que garantem ao texto graus de legibilidade, inteligibilidade, sentido
e significado. São mecanismos que fazem do texto algo além de um amontoado
de frases e símbolos.
A comparação entre texto e tecido é antiga e mesmo etnológica, afinal, as duas
palavras dividem a mesma raiz. Assim como o tecido é uma forma organizada de
fios, o texto é uma teia organizada de ideias. Esta organização acontece em dois
níveis principais a partir dos processos de coesão e coerência.
Koch (1991) explica a coesão como um conjunto de mecanismos semânticos
pelos quais uma sentença se liga às demais para explicitar as relações de sentido. A
coesão seria, portanto, um elemento textual capaz de estabelecer uma ordem entre as
ideias e entre as partes do texto, geralmente, como um processo sintático-semântico.
“ A coesão, ao nível de microestrutura, envolve os procedimentos da
conexão superficial do texto e estabelece as condições da contex-
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tualidade e inclui a formação sintática do texto nas suas relações
gramaticais. Embora seja um princípio constitutivo do texto, a coe-
são não é nem suficiente nem necessária para a textualidade […]
(MARCUSCHI, 2020, p. 53).
Nesse sentido, a coesão do texto está determinada pela forma como os elos entre
as ideias e os elementos textuais se tornam aparentes. Elementos catafóricos e
anafóricos, dêiticos, elementos que apontam para dentro ou para fora do texto,
além de classes gramaticais relacionais entre frases e orações, todos são elementos
de coesão. A ausência destes marcadores não rejeita a noção de textualidade, já
que ela se relaciona à capacidade de as ideias se organizarem para fazer sentido.
A primeira estrofe de Tabacaria, do heterônimo Álvaro de Campos (PES-
SOA, 2006, p. 38, grifo nosso), demonstra esse elemento:
“ Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Os três primeiros versos relacionam-se apenas pela exacerbação do sen-
tido de nada, sem, na verdade, contarem com nenhum elemento coesi-
vo, que surge apenas no quarto verso, construindo uma ideia de oposição.
Os elementos de coesão em um texto auxiliam as par-
tes do texto a se relacionarem e a concatenar
ideias, isto é, facilitam ao leitor que as ideias
sejam encadeadas, ordenadas e organizadas.
Já a coerência é um segundo elemento
textual, é o par da coesão, e diz respeito à
inteligibilidade do texto. Sua marcação
formal em um texto é ainda mais com-
plexa, porque está diretamente relacio-
nada à capacidade de estabelecer sentido
ao texto, ou seja, estruturar uma unidade ou
uma relação de sentido entre os elementos e
momentos textuais (KOCH; TRAVAGLIA, 1995).
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“ Se a coesão se dava como a conexão sequencial da superfície do
texto, sobretudo ao nível microtextual, a coerência é o nível da co-
nexão conceitual e da estruturação do sentido, manifestando-se,
em grande parte, macrotextualmente. Dá conta do processamento
cognitivo do texto e fornece as categorias que permitem a análise
ao nível mais profundo, envolvendo os fatores que estabelecem re-
lações causais, pressuposições, implicações de alcance suprafrasal
(MARCUSCHI, 2020, p. 75).
Ou seja, a coerência está relacionada à unidade de significado do texto, às ideias
que o texto planeja apresentar. Liga-se, portanto, ao plano do conteúdo, sendo
percebida no plano do processamento cognitivo do texto. A coesão, em compara-
ção, dá-se no nível textual, nas relações gramaticais e relacionais entre os elemen-
tos textuais. A teia coesiva ocorre pelo uso dos recursos linguísticos construídos
para articular as partes do texto.
Um texto precisa apresentar ideias coerentes, não apenas coerentes com o
saber do mundo e com o conhecimento de mundo do leitor, mas coerentes dentro
de si. As ideias apresentadas precisam fazer sentido no próprio texto, sem gerar
paradoxos internos. Isso significa que, naquele exemplo primeiro sobre os cinco
filhos, a coerência sugeriria que o nome do quinto filho fosse “Maio” Justamente
a quebra de expectativa gera o efeito linguístico de broma ou chiste.
Quando pensamos um texto como uma forma de organizar ideias, compreen-
demos que suas ideias estabelecem relações de coordenação e subordinação. Algu-
mas ideias adicionam conceitos, outras contradizem ou negam, algumas explicam,
apresentam causas, reportam ordens e sequências. Cada uma dessas etapas revela
não só a organização das ideias, como a possibilidade de ideias contraditórias, mas
isso não significa que o texto seja por si só um texto paradoxal. A coerência de
ideias estabelece as relações profundas que ele guarda e apresenta como significado.
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
Seguindo no nosso repertório de piadas sem graça, daquelas que já ouvimos
inúmeras vezes e não tiveram graça na primeira vez, usarei mais uma como
exemplo. Ninguém lembra da primeira vez que ouviu o tio do pavê con-
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tar seu famoso chiste, mas provavelmente, ninguém nunca achou graça.
O tio do pavê é o cara que, na festa, ao saber que a sobremesa é um pavê, pergunta:
“é pavê ou para comer?”.
Como tudo tem um lado positivo, essa piadinha marca dois elementos rele-
vantes de análise. O primeiro é um retorno ao tema dos gêneros textuais. Como
gênero textual, piada estabelece quebras de expectativas ou duplos sentidos ca-
pazes de gerar humor. No caso da piada do pavê, a quebra de significado está em,
ao ser ofertada uma comida, perguntar se é “para ver”.
Vale notar, contudo, que “para ver” não é igual a “pavê”. A confusão de signi-
ficado acontece apenas em razão da variação linguística. A presença ou ausência
de /R/ (veR//vÊ) marca uma variação morfológica (BELINE, 2004). Além disso,
/pá vê/ é uma forma oral e coloquial da forma “para ver”. A piada só faz sentido
porque a variação coloquial é popular o bastante, a ponto de todo mundo com-
preender a pronúncia de “pavê” como “para ver”.
Esta não é a única forma de variação linguística possível. Há possibilidade de
variações fonéticas, lexicais, morfológicas… e muitas determinadas por questões
externas à linguagem, como variações determinadas por recortes de escolaridade,
de região ou de nível de renda.
Variação linguística é o conjunto de variações que a língua naturalmente
contém e produz à medida que ela é falada em determinado tempo e espaço.
Os diferentes sotaques, as diferentes expressões, as diferentes formas de jargão
e de regionalismos e de cultura influenciam a maneira como a língua é falada
e usada no cotidiano bem como nas diversas situações comunicacionais. Da
mesma forma que um carioca, um pernambucano e um lisboeta falam de forma
distinta, também o uso da língua determina o coloquialismo ou o jargão técnico,
a formalidade ou informalidade.
O jargão e a linguagemtécnica são variações linguísticas que permitem uma
comunicação adequada em um meio específico. Quando o advogado fala o ju-
ridiquês, aqueles elementos de técnica de linguagem traduzem um conheci-
mento específico. Tanto que há vários canais, sites e livros traduzindo aquele
conteúdo técnico para uma linguagem mais acessível.
APROFUNDANDO
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Com tantas variações linguísticas, é importante sabermos adequar a forma de
linguagem ao leitor. O escritor pode utilizar as variações linguísticas como ferra-
mentas comunicacionais ou como formas estéticas. Uma carta pessoal estabelece
com o leitor uma relação de afeto, diferentemente de uma carta formal. Esta mu-
dança de tom, na verdade, é uma mudança na variação linguística que contribui
para a maneira como o texto é interpretado.
Essa adequação também ocorre quanto à oralidade ou à falta dela em um
texto. Quando os autores procuram reproduzir a oralidade de uma população,
pretendem que o texto seja o mais próximo possível da verossimilhança. Na
história da literatura brasileira, este traço estético aconteceu, por exemplo, na
geração modernista de 1930, com o uso de uma linguagem oral regionalizada.
Para o leitor, o uso das variantes linguísticas estabelece uma nova forma de in-
terpretação e análise do texto.
O último ponto a ser ressaltado sobre a questão da variação linguística é o
preconceito linguístico. Quando se fala em variação linguística e em uso da lin-
guagem, se fala em adequação e não em certo e errado. O tio do pavê, ao usar a
forma coloquial da expressão “para ver”, não está cometendo um erro linguístico,
ele está usando uma forma coloquial em um contexto coloquial. Diferente seria
se, em um documento oficial, o autor escolhesse escrever “pavê” em vez de “para
ver”. Tal inadequação linguística seria passível de correção.
O combate ao preconceito linguístico deve ter atenção para sotaques, formas
de falar, regionalismos e coloquialismos regionais, evitando pré-julgamentos a
respeito de como se comunicar. Além disso, é importante que sujeitos proficientes
em diversas formas de linguagem observem que nem sempre seu interlocutor
consegue navegar nos mesmos registros linguísticos. Por vezes, o interlocutor
simplesmente é incapaz de utilizar as formas mais prestigiosas da língua. Se isso
acontecer, cabe compreender aquela dificuldade não como um desrespeito, mas
como condição e, portanto, tentar se comunicar naquele registro. A linguagem
existe com a finalidade de comunicação.
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EDIÇÃO E REVISÃO
Um momento em que a leitura e a produção textual se tocam é na etapa
de revisão. Um conselho de vários escritores é: o redator deve guardar certa
distância de tempo do texto antes de revisá-lo, a fim de conseguir rever o texto
com “novos olhos”. Assim, o redator poderá notar, por exemplo, se seu texto está
claro ou adequado à finalidade.
A etapa de revisão e edição é essencial em qualquer produção escrita. É du-
rante a revisão que os elementos de ligação de coesão, as estruturas gramaticais, as
formas verbais e as formas nominais e todo o processo linguístico são burilados,
corrigidos e adequados, para que a estrutura textual se torne plenamente coesa
e coerente. Também é nesse momento e durante a edição que autor e revisores
consertam possíveis falhas comunicativas.
A edição e a revisão permitem adequar o tom da variação linguística e o tom
do propósito do texto. O escritor pode montar uma linha de pensamento, uma
sequência de ideias. A partir da revisão, garante-se a coerência não apenas do que
se quer pretender dizer, mas também do propósito que o texto planeja atingir. As-
sim, o autor é capaz de transmitir o conteúdo da forma que o agrada e o convém.
NOVOS DESAFIOS
Até aqui usei exemplos de eventos cotidianos, banais, curtas piadas que explicam
a relação entre leitura e escrita. As sugestões também foram todas lúdicas: filmes,
músicas, podcasts, pois, muitas vezes, não percebemos como entranhadas no
nosso cotidiano estão as habilidades de escrever e ler. Lemos tudo e escrevemos
a todo instante e, com as mensagens de texto no celular, ainda mais. Contudo
esta comunhão é particularmente pertinente no âmbito profissional.
Aos professores, falar sobre essa relação é quase uma redundância. Os pro-
fessores de português têm como “metiê” ensinar as habilidades de compreender,
reproduzir e utilizar as diversas formas de comunicação permitidas pela língua,
ou seja, o trabalho deles é um constante magistério de leitura e escrita.
Há vários caminhos para esse magistério, além dos ensinos em colégios
e escolas. Se o aprendizado de crianças e adolescentes é um setor pujante de
trabalho, a ubiquidade das atividades de escrita e leitura permitem ao professor
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atuar em qualquer setor. A linguagem corporativa é um filão importante, já que
as comunicações nas empresas — as quais são cada vez maiores e mais comple-
xas — precisam ser claras, concisas, coesas e coerentes. Além disso, há questões
de variações linguísticas bem como de responsabilidade comunicacional que,
sem treinamento e conscientização, podem gerar desde ruídos de informação
até contenciosos judiciais.
A comunicação corporativa está sujeita a abusos e assédios morais. Por
vezes, as formas dessas violências são escancaradas, como gritos ou xinga-
mentos, contudo a violência contra colegas, chefes e subalternos também
pode ter a forma incisiva de depreciações cotidianas. A Universidade Fede-
ral de Santa Catarina (2016, on-line), em sua apostila contra assédio moral,
traz vários exemplos de assédio de natureza linguística — falas, expressões
— e sugestões de como evitar esses danos. Percebe-se que um profissional
de comunicação e um professor de linguagem auxiliaria bastante a evitá-los.
Da mesma forma ocorre em áreas de conhecimento específico: os ramos de
Medicina, Engenharia, Economia e Direito, por exemplo, estão repletos de jar-
gões cuja tradução para a linguagem formal cotidiana é necessária, mas essa
adequação não é simples. Há diversos cursos universitários, por exemplo, com
disciplinas de comunicação empresarial, leitura e produção textual ou linguagem
técnica. Tal demanda acompanha os estudantes além do curso universitário, já
que a linguagem é um processo vivo, em plena mutação.
Compreender a relação entre escrita e leitura e dominar estes meandros de
inteligibilidade e de comunicação é uma habilidade bastante necessária no coti-
diano profissional, com a possibilidade de o estudante melhorar sua colocação
profissional por dominar essa habilidade, ou, de certa forma, abrir espaços pro-
fissionais ao treiná-la e ensiná-la.
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VAMOS PRATICAR
1. “A coerência está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para
o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça sentido, devendo ser entendida
como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situa-
ção de comunicação [...]”. (KOCH; TRAVAGLIA, 1995, p. 21).
Fonte: KOCH, I.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. 6. ed. São Paulo: Contexto, 1995.
Com base no seu conhecimento sobre a escrita textual e seus conhecimentos gramati-
cais, escolha a alternativa cuja frase não quebra regras de coerência:
a) Maria lavou toda a louça quando chegamos, entretanto, ainda estava lavando a louça.
b) João não foi trabalhar, conquanto estivesse doente.
c) A mesa estava grávida.
d) O dia estava bonito, e chovia.
e) Pedro não casou, embora não tivesse noiva.
2. “São elementos de referência os itens da língua que, em um texto, não podem ser in-
terpretados semanticamente por si mesmos, mas remetem a outros itens do discurso
necessários à sua interpretação [...] A referência pode ser situacional (exofórica) e
textual (endofórica).
A referência é exofórica quando a remissão é feita a algum elemento da situação co-
municativa, isto é, quando o referente está fora do texto; e é endofórica, quando o re-
ferente se achaexpresso no próprio texto. Neste caso, se o referente precede o item
coesivo, tem-se a anáfora; se vem após ele, tem-se a catáfora” (KOCH, 1991, p. 20).
Fonte: KOCH, I. A coesão textual. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1991.
Com base no enunciado e em seus conhecimentos, assinale a alternativa correta:
a) Em “Eles nunca tinham um dia de paz”, o pronome estabelece uma coesão endofórica.
b) Em “O romance Dom Casmurro foi escrito por Machado de Assis. Nele, o autor relata
a vida de um viúvo”, os elementos marcados são de coesão catafórica e anafórica,
respectivamente.
c) Em “Quando Carmen saiu, sua mãe já era morta”, o elemento marcado faz uma coesão
anafórica em relação a Carmen.
d) Em “José de Alencar foi um grande escritor brasileiro que viveu no século XIX”, o termo
marcado faz uma coesão exofórica com o nome “José de Alencar”.
e) Em “Maurício fora ao aniversário de Suzy. Ela celebrava 40 anos”, o termo marcado
faz referência exofórica.
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VAMOS PRATICAR
3. “São elementos de referência os itens da língua que, em um texto, não podem ser in-
terpretados semanticamente por si mesmos, mas remetem a outros itens do discurso
necessários à sua interpretação [...] A referência pode ser situacional (exofórica) e
textual (endofórica).
A referência é exofórica quando a remissão é feita a algum elemento da situação co-
municativa, isto é, quando o referente está fora do texto; e é endofórica, quando o re-
ferente se acha expresso no próprio texto. Neste caso, se o referente precede o item
coesivo, tem-se a anáfora; se vem após ele, tem-se a catáfora” (KOCH, 1991, p. 20).
Fonte: KOCH, I. A coesão textual. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1991.
Com base no texto apresentado e em seus conhecimentos gramaticais, analise os itens,
a seguir:
I - Em “Você vive para os estudos”, a referência do pronome marcado é endofórica.
II - Em “Pedro e Paulo são dois personagens de Machado de Assis. Eles são irmãos”, a
referência do pronome marcado é catafórica.
III - Em “Este era seu único sonho: conhecer a Europa”, a referência do pronome marcado
é catafórica.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) III, apenas.
c) I e II, apenas.
d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
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REFERÊNCIAS
ANDARILHO, J. Fiel. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. E-book.
BELINE, R. A Variação linguística. In: FIORIN, J. L. (org.). Introdução à linguística. 3. ed. São
Paulo: Contexto, 2004.
KOCH, I. A coesão textual. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1991.
KOCH, I.; TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. 6. ed. São Paulo: Contexto, 1995.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. [S. l.: s. n.], 2002. Dis-
ponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/133018/mod_resource/content/3/
Art_Marcuschi_G%C3%AAneros_textuais_defini%C3%A7%C3%B5es_funcionalidade.pdf.
Acesso em: 19 set. 2023.
MARCUSCHI, L. A. Linguística de texto: o que é e como se faz? São Paulo: Parábola, 2020.
E-book.
PESSOA, F. Poemas de Álvaro de Campos. Porto Alegre: LP&M, 2006. E-book.
UFSC – UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Situações de assédio moral no
trabalho. UFSC – Assédio Moral no Trabalho, Florianópolis, 19 ago. 2016. Disponível em:
http://www.assediomoral.ufsc.br/?page_id=430. Acesso em: 19 set. 2023.
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1. Opção D.
a) Errado porque o evento não pode ter acontecido e estar acontecendo ao mesmo tempo.
b) Errado porque a relação que “conquanto” estabelece não condiz com as informações
colocadas.
c) Errado porque é uma afirmação ilógica.
d) Correto porque “, e” funcionam com adversativa, igual a “mas”. O dia estava bonito,
mas chovia.
e) Errado porque a relação que “embora” estabelece não condiz com o conteúdo da frase.
2. Opção C.
a) Errado: exofórica.
b) Errado: ambos anafóricos.
c) Correto: anafórico em relação a Carmen, que fora mencionada antes.
d) Errado: endofórico.
e) Errado: endofórico.
3. Opção B.
I. Errado porque a referência é exofórica.
II. Errado: porque a referência é anafórica.
III. Correto porque a referência aponta a algo que ainda será dito, é catafórica.
GABARITO
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MINHAS ANOTAÇÕES
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MINHAS METAS
O ENSINO DA LEITURA E A
FORMAÇÃO DO LEITOR
Destacar como a leitura é uma habilidade crucial para a formação crítica e cidadã dos
indivíduos.
Conhecer a importância do ensino da leitura no contexto educacional contemporâneo.
Explorar a importância da leitura como um diálogo entre o autor, o texto e o leitor.
Compreender a leitura crítica como uma ferramenta essencial para analisar informações
na sociedade digital.
Utilizar estratégias para incentivar os alunos a fazerem conexões pessoais com o conteú-
do lido e a expressarem suas opiniões de forma fundamentada.
Aprender como utilizar a mediação enquanto abordagem eficaz para promover a com-
preensão profunda dos textos.
Discutir a importância de debates e discussões em sala de aula para enriquecer a inter-
pretação e estimular a troca de ideias.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 8
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INICIE SUA JORNADA
Quem tem criança pequena talvez já tenha passado por uma experiência pareci-
da com essa. Outro dia, levei o meu pequeno para a casa de um amigo que tem
uma filha de uns 3 anos. Essa menina é muito criativa, e ela e o pai criaram uma
linguagem própria, um conjunto de sons e sílabas que não dizem nada, mas para
os quais ela imagina sentidos. Naquele dia, ela queria compartilhar com meu fi-
lho aquele mesmo universo fechado a todos os outros. Fiquei de novo pensando
como a linguagem é um código com seus mistérios e segredos e como serve para
comunicar, ao mesmo tempo que serve para esconder. A linguagem é sempre
envolta em mistério. Sua decodificação é uma forma de comunicação, mas, ao
mesmo tempo, um ponto de exclusão para todos que não a compreendem.
Um dos grandes temas ao longo da Idade Média e começo da Idade Moderna
foi o debate sobre a tradução da Bíblia para línguas vernáculas (inglês, francês,
português e espanhol…). Um debate envolto em brigas e mortes. Parte da pro-
posição da Reforma Protestante era justamente a tradução e o acesso coletivo ao
texto bíblico. Tratava-se, em certa medida, de democratizar o acesso àquele texto
e, assim, enfraquecer uma classe que monopolizava o conhecimento. De novo,
uma linguagem que inclui e exclui ao mesmo tempo.
Seja em brincadeiras das crianças ou em assuntos geopolíticos, a linguagem
enquanto mecanismo de comunicação estabelece uma relação de poder, já que
permite a exclusão de grupos e segmentos sociais. Quem não consegue decodi-
ficar os textos, decodificar a linguagem, fica excluído, daí porque a alfabetização
se torna tão importante. A capacidade de ler e escrever é essencial enquanto o
mundo se torna mais complexo. Em comunidades menores, o que dizemos pode
ser ouvido e compreendido por outras pessoas, formando uma memória coletiva.
Porém, em grupos maiores, com milhares ou milhões de pessoas, a palavra pre-
cisa ser escrita para fixar e transmitir sentido. Saia na rua e perceberá que você
não consegue evitar ler as coisas, pois está tudo escrito. Vivemos num mundo
de palavras escritas que encontramos em cada esquina, em cada momento nas
nossas cidades.
Até a Constituição de 1988, só poderia votar aquela pessoa que soubesse
ler e escrever. O acesso à educação era uma forma de exclusão. Hoje, todos têm
direito a votar, mas nem todos podem se candidatar. É necessário ter habilidade
de leitura e escrita para exercer as funções políticas. O ensino da leitura e da es-
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TEMA DE APRENDIZAGEM 8
crita se torna essencial para o exercício da cidadania e para o cotidiano. É sobre
a importância dessa habilidade e seu ensino que falaremos hoje.
Ouça o podcast Formando leitores críticos, no qual você vai conhecer mais sobre o
ensino da leitura e a formação do leitor, debatendo sobre as formas como a leitura
pode ser incluída nas atividades didáticas de todas as disciplinas e como é impor-
tante desenvolver estratégias para incentivar a formação leitora.
Recursos de mídiadisponível no conteúdo digital no ambiente virtual de aprendizagem
PLAY NO CONHECIMENTO
DESENVOLVA SEU POTENCIAL
No caminho entre minha casa e o parquinho em que o meu filho brinca, passo
por um comércio com várias lojas, uma ao lado da outra. Todos sabemos como
é essa realidade. Contudo, se paramos em frente de uma vitrine, rapidamente
percebemos como nosso mundo é um mundo visual e, ainda mais, um mundo
escrito. Cada produto tem uma etiqueta com o nome e o preço, além de uma
descrição do que é e para que serve. O que faz a distinção entre decoração e mer-
cadoria é o anúncio implícito na plaquinha que diz “cafeteira elétrica, R$200,00”.
Essa é apenas a ponta final do consumo. Antes disso, há um verdadeiro mar de
notas promissórias, notas fiscais e contratos que garantem a chegada dos pro-
dutos àquela vitrine.
Em qualquer cidade, já se atingiu um grau de complexidade para a comuni-
cação cotidiana ser mediada por processos escritos, fazendo da leitura, contra-
VAMOS RECORDAR?
Para conhecer um pouco mais sobre o pensamento de Paulo Freire, é interessante
ouvir dele quais são as reflexões sobre suas propostas e conhecimentos. Assim,
como uma forma de recordar essa abordagem pedagógica, indico a palestra que
o professor ministrou na Universidade Estadual de Ponta Grossa no ano de 1992.
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partida da escrita, um elemento essencial. Não saber ler ou escrever não é apenas
uma fragilidade intelectual problemática, é uma exclusão do mundo social. Por
causa disso, a leitura não se limita apenas ao gosto pela leitura e ao consumo de
livros como atividade cotidiana, mas à capacidade de ler de forma complexa em
decorrência das situações e das necessidades. O ensino de leitura é a transmissão
de uma habilidade essencial, cuja complexidade deriva da variedade de contextos
em que ela é necessária.
“ Tradicionalmente, o que se costuma pensar é que leitura se resume
à transformação de “rabiscos” em ideias. Grosso modo, podemos
até dizer que é isso mesmo, mas não deixa de ser uma visão super
simplificada desse processo. Essa visão genérica impede que, nas
situações de ensino-aprendizagem, os problemas relacionados à
aquisição da linguagem escrita sejam identificados e, consequente-
mente, se transformem em problemas sem solução. Se a gente pen-
sar sempre na leitura como um todo, sem subdivisões, dificilmente
conseguiremos ajudar os nossos alunos a desenvolver estratégias de
leitura, pois não seremos capazes de identificar onde está o proble-
ma de cada aluno (COSCARELLI, 1996, p.163)
Quando falamos em ensino de leitura, a primeira coisa que pensamos é a al-
fabetização, o ensino da leitura das crianças. A formação infantil — e, portanto, a
construção de um leitor hábil — é uma necessidade contemporânea. É o primeiro
mecanismo que o Estado tem para garantir que sua população produza riqueza,
estruture a vida social e fortaleça o país no sentido geopolítico e econômico. Os
Estados contemporâneos se tornam mais poderosos à medida que sua população
desenvolve mais conhecimento técnico e científico, atividades para as quais a
leitura e a escrita são premissas fundamentais.
O ensino de leitura não se limita ao universo infantil ou juvenil. Há também
a importância do letramento de adultos. Por outro lado, há o passivo de adultos
que nunca foram ensinados a ler quando crianças e continuam à margem da socie-
dade, privados dessa educação. No Brasil, chamamos isso de educação de jovens e
adultos, que é mais complexa do que apenas a alfabetização de adultos, incluindo
a complementação do ensino para aqueles que tiveram que parar de estudar muito
cedo. É uma forma de incluir parte dessa população no universo social.
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Sempre é importante lembrar que, nesse cenário e contingente, também estão
aquelas pessoas que não foram ensinadas a ler e escrever por exclusão de natu-
reza psicossocial. Isso inclui pessoas com deficiência visual que não foram ensi-
nadas a ler e pessoas com deficiência auditiva que não têm acesso à educação por
falta de intérpretes de LIBRAS. Enfrentamos dificuldades significativas na inclusão
desse contingente de pessoas que não tiveram acesso a uma educação adequada.
EU INDICO
Para entendermos a dificuldade que as pessoas com deficiência auditiva têm para
serem ensinadas no formato escolar atual, convido você a ouvir a segunda parte
do podcast Radio Novelo Apresenta episódio 27: Inventando Regras.
Em seguida, visite o site Libras + Matemática, vale muito a pena!
Recursos de mídia disponível no conteúdo digital no ambiente virtual de aprendizagem
Além da inclusão dos adultos que não foram alfabetizados no tempo adequa-
do, há também a necessidade do contínuo letramento daqueles que sabem ler
e escrever. A leitura é um aprendizado e uma atividade em constante aprimora-
mento. Saber ler e escrever envolve adequar a habilidade e a capacidade de leitura
para as novidades e as novas formas de comunicação que surgem.
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O mundo contemporâneo, por exemplo, é cada vez mais povoado pelo hi-
pertexto, o texto produzido em ambiente digital em que há possibilidade de in-
tertextualidade e significação aberta por meio de links e outras mídias. Como
observa Patterson (2000), a mera existência e tráfego do leitor no hipertexto já
altera a forma como leitor e objeto interagem.
Alguém que não consegue escrever um e-mail está, em alguma medida, ex-
cluído do mundo contemporâneo. Isso ocorre porque a comunicação por men-
sagem social ou mecanismos de mensagem rápida não usam as mesmas es-
truturas relacionais e leitoras de uma carta ou um bilhete. Ler essas mensagens
requer um novo letramento. Também é importante estar atento aos emojis, aos
GIFs e aos pequenos mecanismos visuais acoplados às mensagens de texto e que
re-significam e aprofundam o sentido do que é dito. Para isso, é necessário um
re-letramento e uma ampliação da habilidade de leitura.
No mundo contemporâneo, cada vez mais adepto à linguagem escrita —
pois é uma forma mais barata de fixar conteúdo do que as mídias eletrônicas
como vídeo e áudio. É também uma maneira simples, já que o meio de fixar a
escrita é mais prático do que as formas de captar e guardar informações tecno-
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lógicas. Qualquer superfície que aceite uma inscrição já é uma plataforma para
escrita, muito diferente de quaisquer outros mecanismos técnicos. Em razão
dessa ubiquidade da escrita, a capacidade de leitura se torna indispensável. Por-
tanto, é fundamental investir no ensino contínuo de leitura, de modo que as
pessoas estejam preparadas para lidar com as novas formas de comunicação e
acompanhar as transformações da sociedade e da tecnologia.
“ Nos anos 60 afirmavam categoricamente que o mundo da escrita
daria lugar ao mundo da imagem. Mas o que se viu nesses qua-
renta anos aponta para outra direção. Ser usuário competente da
linguagem, leitura e escrita é cada vez mais condição para efetiva
participação social. Diante disso, percebemos que, o domínio
instrumental da leitura é necessário para garantir ao aluno autono-
mia no contato com o texto como fonte de lazer e enriquecimento
(FARIAS; PORDEUS, 2021, p.1034-1035)
O Direito à Leitura e à Literatura
Na lógica dessa habilitação e capacidade de leitura, há que se discutir o direito à
leitura como um direito fundamental do cidadão, para que possa exercer e exigir
seus deveres e direitos políticos, sociais, trabalhistas, civis e humanos. Trata-se
de uma necessidade que avança além do conhecimento prático e funcional. Esse
aspecto do direito à educação é abrangente para fornecer, a cada um, a capacidade
de pensamento crítico, o acesso à informação e o engajamento no debate
público. Isso envolve uma leitura crítica e inteligente no sentido reflexivo e com-
plexo dos informes cotidianos governamentais e do mundo. Há também o direito
à leitura em suas outras funções e finalidades, como aquisição de conhecimento,
comunicação ou lazer.
Como observa AntonioCandido (2011a), a literatura tem um aspecto hu-
manizador essencial. Ao construir um objeto autônomo, o universo da obra li-
terária amplia o universo do leitor para algo que não é possível de caber em sua
realidade: é um novo mundo que se abre para o leitor. Além disso, estabelecer
formas de expressão significativas permite que o leitor e o escritor conheçam
novas maneiras de transmitir seus desejos, suas vontades e seus pensamentos,
além de ampliar as possibilidades de visão de mundo do leitor.
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Por fim, a literatura é uma forma autônoma de conhecimento e, em certa
medida, pode representar a conformação e a socialização de uma comunidade
(CANDIDO, 2011b), estabelecendo, portanto, uma identidade entre os indiví-
duos da comunidade.
A capacidade de ter acesso a obras literárias preenche necessidades humanas
básicas. A partir dela, pode-se entrar em um mundo à parte e, a partir desse
ponto autônomo, refletir sobre nosso mundo nos planos simbólico e emocional.
Ela alimenta nossa habilidade especulativa, permitindo-nos imaginar cenários e
mundos distintos. Essa habilidade é essencial para o dia a dia, pois ser capaz de se
envolver com o enredo de um romance ou se emocionar com uma poesia não é
apenas uma experiência humana fundamental, mas também uma atividade que
repercute em nossas interações cotidianas e no nosso entendimento do entorno.
A literatura nos torna mais humanos, possibilitando uma vivência social mais
completa e enriquecedora.
A literatura é uma expressão cultural, e o acesso à cultura não é apenas um
direito fundamental ao lazer, mas uma forma de integração humana. O acesso a
uma ampla variedade de obras literárias acaba estabelecendo uma divisão social
entre aqueles que leem literatura e os que não têm acesso a ela. Depois, essa seg-
mentação se torna ainda mais matizada, já que também envolve os segmentos
com acesso à literatura, estruturando um poder simbólico (BOURDIEU, 2014)
entre as classes com acesso à “grande literatura”.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 8
A habilidade de ler um “texto clássico” é importante, já que denota uma ca-
pacidade ampla de interpretação e compreensão do material escrito. Além
disso, o conhecimento dessas obras permite uma inserção social. Conhecer obras
literárias “canônicas” desloca a exclusão que o não letramento produz para o
momento seguinte, o momento de acesso ao conhecimento. O direito à literatura
e à leitura como ampliação de acesso a esses conteúdos permite que uma cole-
tividade, antes mantida à margem do saber, possa agora galgar conhecimento e,
portanto, ganhos simbólicos e materiais.
As expressões texto canônico, textos clássicos e grande literatura estão entre as-
pas ao longo do texto porque denotam, a priori, uma exclusão e uma classificação
do objeto literário e artístico, o que não condiz com a qualidade intrínseca do texto.
Permitir essa interação entre diferentes estratos culturais enriquece a leitura dos
textos ditos clássicos e amplia o conceito do que são esses clássicos, demonstran-
do diálogos e elementos de contato entre a cultura popular, a cultura de massa
e a cultura erudita. Essa ampliação do público contribui para a formação de uma
identidade comum no corpo social, evitando a exclusão e divisão entre as pessoas.
APROFUNDANDO
Não há uma definição possível de grande clássico ou obra canônica, apenas
a percepção de um recorte social e simbólico que valoriza determinados auto-
res e textos em detrimento de outros. Não é por acaso que alguns autores, hoje
esquecidos e pouco relevantes ao longo da história, foram alçados, em seus mo-
mentos, ao panteão das grandes figuras públicas de seus países ou a Academias
de Letras, enquanto outros — e principalmente outras — foram sufocados por
anos de esquecimento. No caso brasileiro, são emblemáticos os casos de Lima
Barreto e Júlia Lopes de Almeida.
EU INDICO
Ouça o podcast Como você faz para ler os clássicos e saiba mais sobre esse assunto!
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O ensino de leitura
Ao percebermos a relevância do ensino da leitura, é válido refletir sobre como
ocorre esse ensino. Uma experiência radical de alfabetização conhecida no Brasil
foi realizada por Paulo Freire em Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte.
Nessa comunidade, em aproximadamente 40 horas, Paulo Freire e sua equipe
conseguiram alfabetizar um vasto contingente de adultos utilizando um método
tradicional de maneira inovadora.
Chamo o método de tradicional porque a formalização das palavras era pela
organização fonética-silábica, uma forma eficiente de ensinar as formas codi-
ficadas da língua. As cartilhas também tendiam a trabalhar com a formação de
palavras a partir de sílabas e sons, mas tendiam a se limitar ao trabalho de codi-
ficação e decodificação textual. O método freiriano era inovador porque
“ [...] em seus dois primeiros passos, “codificação” e “descodificação”,
busca transformar a consciência ingênua do alfabetizando em
consciência crítica, por meio da “leitura do mundo” enquanto, no
3º e 4º passos (Análise e síntese, e Fixação da leitura e da escrita),
desenvolve a consciência silábica e alfabética, levando os alunos ao
domínio das correspondências entre grafemas e fonemas. Nestes
passos, está caracterizado o avanço desse método em relação ao
método fônico e o das cartilhas, visto que a análise e a síntese vêm
de uma palavra real, cujo significado o aprendiz conheça, retiran-
do-se dela a sílaba, para que o aluno veja e perceba a combinação
fonêmica na constituição de sílabas e, a seguir, na composição de
novas palavras (MENDONÇA, 2011, p. 34).
Antes de iniciar o trabalho de educação, os monitores de Paulo Freire con-
versavam com a comunidade, informando-se sobre as necessidades e os assuntos
correntes entre o grupo de alunos. A partir desses temas, escolhiam palavras que
fundamentassem o início do trabalho de educação. Por exemplo, a palavra “tijolo”
foi escolhida porque havia um grupo de pedreiros na comunidade, e a questão da
aquisição de moradia era premente. Isso cativava os alunos para a percepção de
que a alfabetização e a compreensão dos textos podiam ajudá-los a se comunicar
e entender melhor sua realidade.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 8
O grande salto de inovação proposto por Paulo Freire foi a inserção do alu-
no na necessidade da leitura, a partir dos interesses e das necessidades deles. O
professor se tornava, naquele momento, um mediador de reflexão em vez de
apenas um transmissor de conhecimento. O aluno, ao aprender a formalização
do conteúdo escrito, também aprendia a refletir sobre o significado desses con-
teúdos em sua realidade.
Nesse sentido, o ensino da leitura ganha uma verdadeira significação social
por transformar a vida do aluno ao lhe conceder não apenas uma ferramenta a
mais, mas também a capacidade de refletir criticamente sobre o mundo e sobre
como o mundo é codificado em texto. O objetivo é que a leitura se torne uma
habilidade de reflexão crítica sobre o mundo e sua codificação em textos.
“ Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é
propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns
com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e
histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. As-
sumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto.
A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a
“outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade
de meu eu (FREIRE, 1996).
O letramento
A dicotomia entre letramento e alfabetização é uma formulação que surge da
necessidade de ampliar o sentido da atividade de escrita e leitura para algo além
do processo de decodificação do texto. Nesse sentido, letramento pode ser en-
tendido como o conjunto dehabilidades relacionadas à leitura e à escrita que per-
mitem que o sujeito compreenda criticamente o texto lido, interprete as diversas
formas, tipos e gêneros de textos nos seus mais variados contextos, bem como
navegue na necessidade básica de formulação de textos das diversas espécies.
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Letramento é uma
“ concepção social da escrita, em contraste com uma concepção de
cunho tradicional que considera a aprendizagem de leitura e pro-
dução textual como a aprendizagem de competências e habilidades
individuais. (…) Os estudos do letramento, por outro lado, partem
de uma concepção de leitura e de escrita como práticas discursivas,
com múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que se de-
senvolvem (KLEIMAN, 2007, p. 4)
A principal consequência dessa habilidade de leitura crítica é que o leitor
se torna capaz de muito mais do que decodificar o texto: passa a ser capaz de
interpretá-lo de forma reflexiva. O pensamento inovador de Paulo Freire não
está só em propor uma leitura crítica e reflexiva como base do conhecimento.
Diversos pedagogos, psicopedagogos e teóricos da educação ao longo do século
XX sugeriram abordagens que relacionam o conhecimento, o ensino e a apren-
dizagem à capacidade crítica. Vygotsky, Anísio Teixeira e, como vimos, Antonio
Candido são alguns dentre os que propõem a leitura como um processo que
transcende a decodificação do texto escrito.
Nenhum desses pensadores entende que é suficiente a mera decodificação
dos símbolos. Eles consideram que, para compreender a relação entre linguagem
e realidade, é preciso que o leitor consiga refletir sobre essa realidade. Trata-se,
portanto, de uma concepção de leitura crítica, capaz de interpretar o texto além
do explícito, completando seus sentidos com conhecimento de mundo e refle-
tindo sobre esse conhecimento.
Uma interpretação crítica dos textos demanda do leitor a capacidade reflexiva
de compreender o que está por trás das mensagens apresentadas,o que não se re-
sume à compreensão do texto em combinação com seu conhecimento de mundo.
Envolve a noção de que todo texto é um objeto social, carregando elementos que
dizem respeito ao contexto social, ao momento histórico em que o autor vive,
estando ligado às ideologias e às subjeções do autor e de sua época. Em outras
palavras, um texto é uma produção do seu tempo e do seu autor, requerendo do
leitor a percepção de que esses vieses estão presentes.
Uma leitura crítica, como sugere a produção pedagógica freiriana, é a ca-
pacidade de compreender por que o texto transmite as ideias que apresenta,
quais os elementos que compõem seus conceitos e propósitos. Assim, é possível
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TEMA DE APRENDIZAGEM 8
compreender como o autor pensa e por que ele pensa daquela forma. Com base
nessa reflexão, o leitor pode se posicionar em relação ao texto para concordar ou
discordar, consciente do que pensa.
A partir da habilidade de uma leitura crítica, o leitor pode desenvolver o seu
próprio pensamento, tomando consciência de si e do mundo ao seu redor. No
caso de Angicos, por exemplo, a reflexão proposta era sobre o porquê de haver
aquela condição de trabalhadores da construção civil que não podiam adquirir
sua própria moradia. Trata-se de um tema pertinente do ponto de vista político,
econômico e social, mas também é um tema abordado em obras culturais.
Será que você consegue analisar criticamente a posição do eu-lírico em “Cidadão”,
de Zé Ramalho, e “Saudosa Maloca”, de Adoniran Barbosa? Ouça as músicas e reflita!
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PENSANDO JUNTOS
Essas duas músicas revelam o mesmo problema de moradia e afetam o mes-
mo estrato social, mas também indicam uma visão distinta sobre justiça social.
Em “Cidadão”, o eu-lírico comenta sobre sua situação com um misto de resigna-
ção e indignação. Já em “Saudosa Maloca”, o eu-lírico sente saudade do barraco
onde morava, mas está conformado com a situação de ter que deixar o terreno
para a construção de um prédio.
Em certo sentido, a leitura crítica e consciente é apresentada como habilidade
para produzir um leitor com engajamento social e coletivo, mas, na verdade,
isso é apenas um complemento ou um reflexo da atividade de leitura. A leitura
consciente não visa transformar o leitor em um defensor de uma causa específica,
ideias ou ideologias particulares. O objetivo é que o leitor tenha capacidade de lei-
tura ativa e reflexiva o suficiente para compreender o texto em sua profundidade.
A consciência de sua condição leva o leitor a interpretar o texto dentro de sua
realidade e a refletir sobre essa sua realidade, estabelecendo critérios de sentido e
significado. Estabelece, por fim, conformações epistemológicas, morais e sociais
sobre o que o texto transmite e como aquilo é importante para si e para o mundo.
O resultado pessoal, psicológico e moral dessa reflexão sobre o leitor é uma con-
sequência que, por um lado, não pode ser prevista pelo educador; por outro lado,
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não é o foco da atividade pedagógica. O objetivo do ensino dessa leitura crítica e
reflexiva é capacitar o leitor a compreender o texto em sua complexidade e profun-
didade, entendendo como aquele texto se relaciona com o mundo e sua realidade.
NOVOS DESAFIOS
Neste tema de aprendizagem, vimos que o papel do pedagogo como mediador do
trabalho de leitura não é afirmar, mas perguntar. Cabe a ele estimular a reflexão,
estabelecer questionamentos sobre o sentido transmitido e compreendido pelo
leitor. Seu papel, mais do que validar se um sentido está certo ou errado, é mediar
os processos de compreensão textual. Esse aspecto de mediação entre leitor, texto
e público também pode ser incentivado pelo professor que, além de mediar os
conteúdos e o ensino pela leitura, também pode incentivar o hábito leitor por
meio do enriquecimento dessa experiência.
O diálogo é essencial ao processo de leitura, já que o conhecimento não é
adquirido apenas uma vez. A leitura crítica e consciente permite que o leitor
interprete o texto dentro de sua própria realidade, estabelecendo critérios de
sentido e significado, tanto individuais quanto coletivos. O objetivo é que o lei-
Acesse e confira a aula referente a este tema.
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EM FOCO
EU INDICO
Saiba mais sobre Paulo Freire ouvindo ao podcast 30: MIN, episódio 300 e
Paulo Freire.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 8
tor compreenda o texto em sua profundidade e que essa compreensão possa ser
discutida e enriquecida por meio do contato com outros.
Assim, o texto é uma forma social de transmitir aprendizado e conhecimento,
bem como uma ferramenta cultural para enriquecimento pessoal. No entanto,
para a leitura ser efetivamente crítica, é necessária uma abordagem pedagógica
que ensine o leitor a explorar e entender esse objeto. Isso é alcançado por meio da
mediação do professor, que não apenas ensina o código de leitura, mas incentiva
a reflexão crítica sobre o próprio texto.
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1. O tema da leitura é bastante rico e pensado por muitas intelectualidades. Uma delas, An-
tonio Candido, defende um verdadeiro direito à leitura e à literatura. Com base no que
aprendeu e no pensamento de Candido, avalie as asserções a seguir e a relação proposta
entre elas.
I - Há um direito humano de ler textos clássicos e de grande diversidade cultural.
PORQUE
II - O aprendizado da leitura só se dá lendo obras canônicas.
Referência: Trecho do tema Ensino e Formação do Leitor
A respeito dessas asserções, assinale a opção correta:
a) As asserções I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.
b) As asserções I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa e a II éuma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são falsas.
2. As expressões texto canônico, clássicos e grande literatura estão entre aspas acima porque
denotam, a priori, uma exclusão e uma classificação do objeto literário e artístico, o que
não condiz com a qualidade intrínseca do texto. Permitir essa interação entre diferentes
estratos culturais enriquece a leitura dos textos ditos clássicos e amplia o conceito do que
são esses clássicos, demonstrando os diálogos e elementos de contato entre a cultura
popular, cultura de massa e cultura erudita. Essa ampliação do público contribui para a
formação de uma identidade comum no corpo social, evitando a exclusão e divisão entre
as pessoas. Não há uma definição possível de grande clássico ou obra canônica, apenas
a percepção de um recorte social e simbólico que valoriza determinados autores e textos
em detrimento de outros. Não é por acaso que alguns autores hoje esquecidos e pouco
relevantes ao longo da histórica foram alçados, em seus momentos, ao panteão das gran-
des figuras públicas de seus países, ou a Academias de Letras, no caso brasileiro, enquanto
outros - e principalmente outras - foram sufocados por anos de esquecimento. No caso
brasileiro, são emblemáticos os casos de Lima Barreto e Júlia Lopes de Almeida.
Referência: Trecho Ensino e Formação do leitor
AUTOATIVIDADE
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Com base no texto e em seus conhecimentos, analise os itens a seguir:
I - Segundo o texto, a classificação de um texto como canônico não segue uma regra pre-
cisa, já que é impossível determinar que um texto é clássico sem algum critério de
arbitrariedade.
II - Segundo o texto, os grandes clássicos são não apenas unânimes como fixados desde
seu surgimento.
III - Segundo o texto, é possível depreender que o Brasil não poderá produzir nenhum clás-
sico a partir da literatura contemporânea.
IV - Segundo o texto, há textos que se tornam clássicos anos depois de suas publicações,
como no caso de “O triste fim de Policarpo Quaresma”.
É correto o que se afirma em:
a) I e IV, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) II, III e IV, apenas.
3. Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições
em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a
professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e
histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos,
capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reco-
nhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É
a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu.
Fonte: FREIRE, Paulo Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996. Edição Kindle (Coleção Leitura)
Com base nos seus conhecimentos e na leitura do trecho, analise os itens abaixo.
I - O grande salto de inovação proposto por Paulo Freire foi a inserção dos alunos na leitura
a partir dos interesses e necessidades deles.
II - O professor, para Paulo Freire, tornava-se o propagador de conhecimento, um trans-
missor de conhecimento.
III - Para Paulo Freire, só após o aluno aprender a formalização do conteúdo escrito é que ele
poderia começar a ser educado a refletir sobre o significado desse conteúdo.
IV - Para Paulo Freire, a leitura deveria ser uma habilidade de reflexão crítica sobre o mundo.
AUTOATIVIDADE
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É correto o que se afirma em:
a) I e IV, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) II, III e IV, apenas.
AUTOATIVIDADE
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REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Langage et pouvoir symbolique. Paris: Seuil, 2014.
CANDIDO, Antonio. Direito à literatura. In: Vários Escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul,
2011a.
CANDIDO, Antonio. A literatura na evolução de uma comunidade. In: Literatura e sociedade. 12.
ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011b.
COSCARELLI, C. V. O ensino da leitura: uma perspectiva psicolingüística. Boletim da Associação
Brasileira de Linguística. Maceió: Imprensa Universitária, dez., 1996. p. 163-174.
FARIAS, S. M. S.; PORDEUS, M. P. Necessidade da leitura no processo Ensino/Aprendizagem.
Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação. São Paulo, v. 7, n. 7. jul., 2021.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996. Edição Kindle (Coleção Leitura)
KLEIMAN, A. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. Signo. Santa Cruz
do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007.
MENDONÇA, O. S. C. Percurso Histórico dos Métodos de Alfabetização. In: COELHO, S. M. (Org.).
Caderno de Formação: formação de professores didática dos conteúdos. 2. ed. São Paulo: Cul-
tura Acadêmica, 2011.
PATTERSON, N. G. Hypertext and the Changing Roles of Readers. The English Journal. [s. l.]. n,
90, v. 2, p, 74-80, 2000.
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1. A alternativa correta é a E, pois:
I - Está falso porque o direito humano é de acesso à arte e de usufruto da literatura, o aspecto
de acesso e conhecimento dos textos tidos por canônicos é apenas uma parcela desse direito
II - Está falso porque o texto não expõe essa ideia, mas a posição contrária.
2. A alternativa correta é A, pois:
I- Certo - “Não há uma definição possível de grande clássico ou obra canônica, apenas a
percepção de um recorte social e simbólico que valoriza determinados autores e textos em
detrimento de outros”
II - Errado - Há casos de imortais da ABL que ninguém lembra e autores preteridos pelo
grande público e pela crítica de seu tempo que se tornaram textos essenciais.
III - Errado - O trecho “ alguns autores hoje esquecidos e pouco relevantes ao longo da his-
tórica foram alçados, em seus momentos, ao panteão das grandes figuras públicas de seus
países, ou a Academias de Letras, no caso brasileiro, enquanto outros - e principalmente
outras - foram sufocados por anos de esquecimento” nega essa conclusão.
IV - Certo - O trecho “alguns autores hoje esquecidos e pouco relevantes ao longo da histórica
foram alçados, em seus momentos, ao panteão das grandes figuras públicas de seus países,
ou a Academias de Letras, no caso brasileiro, enquanto outros - e principalmente outras -
foram sufocados por anos de esquecimento” indica autores que se tornaram clássicos, como
Lima Barreto, autor do livro apontado.
3. A alternativa correta é a A, pois:
I - Certo. O método freiriano trabalha com a ideia de formação do aluno a partir de seu
mundo e de suas realidades
II - Errado. Para Freire, o professor era um mediador do processo de aprendizagem, não um
total transmissor de saber
III - Errado. Para Freire, os processos eram simultâneos, com premência para a percepção
de sentido e significado para o aluno em relação ao mundo em que estava.
IV - Certo. Freire entende a leitura e o letramento como uma habilidade de reflexão do mundo.
GABARITO
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MINHAS METAS
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA
O ENSINO DA LEITURA
Compreender que a leitura é uma habilidade em constante evolução.
Dividir os tipos de estratégias de ensino de leitura.
Apresentar a leitura enquanto processo de alfabetização e decodificação.
Compreender o conceito de leitura crítica.
Refletir sobre como os leitores ganham autonomia leitora.
Compreender atividades que incentivem e formem leitores.
Conhecer mecanismos que o professor possa utilizar para incentivar a leitura.
Discutir a importância de debates e discussões em sala de aula para enriquecer a inter-
pretação e estimular a troca de ideias.
T E M A D E A P R E N D I Z A G E M 9
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INICIE SUA JORNADA
Mesmo bebês muito pequenos tentam estabelecer comunicação. Balbuciam,
apontam, fazem gestos, e à medida que se observa a repetição gestual e os desejos
e necessidade, começa-se a se construir uma comunicação. A capacidade de se
comunicar é uma habilidade inata ao ser humano. Outrosanimais possuem
habilidades comunicativas, mas apenas nós temos a capacidade para desenvolver
um sistema comunicacional complexo, capaz de expressar elementos materiais e
abstratos, de formar imagens e simbologias criativas sobre nosso mundo.
Essa capacidade de comunicação é associada à teoria da gramática gerativa,
proposta por Noam Chomsky (1978). Sua teoria sugere que os seres humanos pos-
suem uma habilidade inata para a linguagem, como se nossos cérebros já viessem
programados para se comunicar. A gramática interna dos seres humanos seria a base
fundamental de todas as línguas do mundo, que diferem em aspectos simbólicos e
semânticos, mas se utilizam da mesma habilidade e do mesmo desenho cognitivo.
Trata-se de uma teoria em constante evolução, pois novos dados e reflexões
continuam a surgir. Até o momento, não fomos capazes de “baixar” o “código-
-fonte” do cérebro humano (para continuar na metáfora computacional) para
entender completamente como funciona o processo comunicativo.
Um marco importante na evolução da comunicação humana foi a habilidade de
ler e escrever. Ao transformar a linguagem em um sistema estável de símbolos co-
dificados com uma forma escrita, distinta por definição do sistema sonoro — ainda
que o represente —, os seres humanos se tornaram capazes de se comunicar através
do tempo e do espaço. Um texto escrito transmite mensagens de maneira estável e
coerente e pode ser transportado para diversos lugares ou pode se deslocar milênios.
Voltando ao caso do bebê, percebemos que a comunicação se dá pelos sinais,
mas também pelo elo formado entre o emissor e o receptor. A transmissão
eficaz de conteúdo depende do conhecimento compartilhado entre esses
dois polos. Conforme a criança cresce, ela precisa adquirir mais conhecimento
para aprimorar sua capacidade de compreensão e comunicação. Da mesma for-
ma, um adulto engajado na vida social e política também precisa expandir seu
conhecimento para uma leitura crítica e reflexiva. Temos, então, que a formação
de um leitor não ocorre uma única vez, mas é um processo contínuo ao longo
da vida. Essa formação envolve a habilidade de decodificar o texto, interpretar
seu conteúdo e analisá-lo de maneira crítica.
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TEMA DE APRENDIZAGEM 9
Ouça o podcast Estratégias pedagógicas para ensino de leitura e confira informa-
ções sobre como essas estratégias devem ser acionadas no ensino de leitura para
diferentes alunos.
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PLAY NO CONHECIMENTO
DESENVOLVA SEU POTENCIAL
Tornamo-nos leitores geralmente ainda na infância, quando aprendemos a deco-
dificar signos. Os sinais que serão agora conhecidos pelas crianças - geralmen-
te elas, mas nem sempre somente elas - são uma representação de uma língua
que elas já conhecem oralmente. É comum que, aos seis anos, as crianças sejam
fluentes em alguma língua, conseguindo se expressar perfeitamente sobre o seu
universo e suas necessidades. Embora seja fluente, a criança ainda não está ple-
namente desenvolvida no plano cognitivo, ou seja, a alfabetização acontece antes
de chegar o momento do domínio do abstrato, etapa cognitiva conhecida como
operacional formal, que se desenvolve aos 11 ou 12 anos (RIZZI, 2004).
Uma criança aprende a ler e vive sua realidade de leitura em um mundo de
fantasia. O sistema simbólico está se desenvolvendo, se formando no processo
egocêntrico da criança. Para ela, o mundo depende do seu ponto de vista. São
essas estruturas simbólicas que vão permitir que a criança comece a desenvolver
a permanência dos objetos e das coisas no mundo, ou seja, vão paulatinamente
firmando um mundo não egocêntrico, sensório-motor.
VAMOS RECORDAR?
Para entender como a linguagem se transporta no tempo e no espaço, podemos
visualizar esse processo. O caso da Pedra de Roseta é tão importante que tem uma
aura de misticismo ao seu redor. Para saber mais sobre esse marco da linguagem e
sobre as formas como o conhecimento pode ser fixado a partir da escrita, convido
vocês para verem o vídeo da Khan Academy.
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“ A representação nasce, portanto, da união de “significantes”, que
permitem evocar os objetos ausentes num jogo de significação que
os une aos elementos presentes. Essa conexão específica entre “sig-
nificantes” e “significados” constitui o próprio de uma função nova.
Essa função ultrapassa a atividade sensório-motora, podendo ser
chamada, de maneira muito geral, de “função simbólica”. É ela que
torna possível a aquisição da linguagem ou dos “signos” coletivos
(PIAGET, 2010).
A capacidade de realizar leituras mais complexas, com uma reflexão mais
crítica, se desenvolve ao longo dos anos. Um leitor com operatório formal es-
tabelecido encara o texto não apenas como um elemento capaz de ensinar e
apreender o simbólico, mas como sistema comunicativo que se relaciona com
elementos abstratos. Portanto, a formação do leitor abrange tanto o ensino da
habilidade de leitura quanto a capacidade de análise crítica e reflexiva dos textos.
A primeira habilidade pode ser conquistada e aprimorada, enquanto a segunda
é um exercício contínuo que dura a vida toda.
Uma abordagem eficaz para propor estratégias de formação de leitores é com-
binar saberes de três intelectuais: Piaget, Chomsky e Freire. O primeiro fornece
os recortes cognitivos, que explicam o processo de aprendizado dos alunos. O
segundo apresenta um aspecto linguístico, que envolve a capacidade inata de
compreensão da linguagem e da gramática. Já o terceiro destaca a importância
da capacidade de leitura envolvendo o preenchimento semântico de signifi-
cados esperados e a capacidade de realizar uma interpretação crítica do texto,
relacionando-o com a realidade do leitor.
Abordagem fônica
Desde o processo de formação do leitor, ainda na alfabetização, é preciso haver
um empoderamento do leitor. Para tanto, a abordagem fônica, na qual o leitor
adquire autonomia ao compreender os fonemas e a formação em palavras, frases
e textos, permite que o aluno reflita linguísticamente e comece a sentir confiança
em sua habilidade cognitiva. Em vez de ensinar cada letra do alfabeto, o leitor
aprende a partir dos sons formados. Essa abordagem é útil tanto para o aprendi-
zado rápido de adultos quanto para a alfabetização de crianças.
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Através da abordagem fônica, o leitor aprende a decodificar por meio dos sons
das letras e sílabas, permitindo-lhe compreender as palavras e, consequentemen-
te, seu significado.
Um exemplo apresentado por Freire, citado em Mendonça (2011), é a alfabe-
tização da pessoa a partir do uso de palavras geradoras, como a palavra “ti/jo/lo”.
A palavra geradora é escolhida não apenas para relacionar como o conhecimento
se constrói. Ou seja, ela não é apenas uma forma de separação de sílabas, mas
também um elo entre os textos e a realidade do aluno. O termo “tijolo”, enquanto
palavra importante no campo semântico e no plano simbólico e ideológico da
comunidade, serve como uma semente geradora de conhecimento linguístico.
Desta maneira, a partir do aprendizado com a palavra geradora “ti/jo/lo”, a co-
munidade passa a compreender como a língua se estrutura pela extrapolação da
formação de sílabas (que outras palavras se conhecem que começam com “ti”, e
quantas começam na família do ’T’- ta/te/ti/to/tu?) como encontrar caminhos
para refletir sobre sua própria realidade.
“ Depois, comecei a questionar. Por que não fazer alguma coisa que
seguisse os mesmos princípios, a mesma visão crítica e a mesma
pedagogia que vinha utilizando para discutir questões como dis-
ciplina? O que é disciplina? Qual a relação entre liberdade e auto-
ridade? Qual a relação entre a autoridade do pai e a liberdade da
criança? Por que as crianças haveriam de começar a ler decorando,
soletrando o ABC? De fato, usando a frase como ponto de partida,
começariam com a totalidade da palavra, globalmente, e não com
a parte mínimaque é o grafema (FREIRE, 2011, p. 214).
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Essa autonomia se alinha ao conceito de gramática gerativa (CHOMSKY,
1978). A habilidade inata de refletir e extrapolar um sentido é desenvolvida a
partir do conhecimento preliminar. Ao incorporar palavras geradoras relevantes
para a comunidade, a leitura deixa de ser uma habilidade mecânica e se torna uma
maneira de pensar o mundo. Dessa forma, a utilização conjunta do método fônico
e da abordagem freiriana proporciona um aprendizado enriquecedor e significati-
vo, permitindo que o leitor desenvolva autonomia na decodificação, compreensão
e interpretação crítica dos textos, conectando-os à sua própria realidade.
A mediação do professor na construção de conhecimento
Sendo a leitura uma habilidade, a melhor forma de construir capacidade leitora é por
meio do exercício constante, capaz de enriquecer significados. A exposição a diver-
sos gêneros textuais e formas de interpretar informações são algumas das formas como
se exercita a leitura. Uma etapa essencial nesse desenvolvimento é o empoderamento
do leitor, a fim de atingir autonomia para dialogar e construir saberes com o texto.
Na perspectiva de Freire (2011), o professor é principalmente um mediador
que facilita a compreensão crítica. O processo de reflexão é fundamental, e o
papel do professor deve ser o de apresentar conteúdo reflexivo, viabilizando e
incentivando o diálogo e a construção de conhecimento.
Voltando ao exemplo do tijolo, cabe ao professor fazer perguntas e incentivar
os alunos a compreenderem o sentido daquela palavra no contexto deles, dentro
da realidade deles. À medida que a formação do leitor avança da capacidade
decodificadora para a interpretação crítica, o processo se torna mais complexo.
Agora, não se trata apenas de entender um conjunto de letras e sons, mas de
extrair as palavras essenciais e, consequentemente, o sentido principal do texto.
Esse processo ocorre com base no conhecimento de mundo do leitor, bem
como no aprendizado que esse leitor obtém do mundo.
Esse diálogo, seja com o texto, seja com os colegas leitores, é uma etapa crucial
no processo de aprendizado do leitor. A partir dessas trocas, o leitor pode com-
plementar as informações e o conteúdo do texto, mas também pode enriquecer
sua compreensão com os saberes que extrai do material. Além disso, o diálogo
coletivo entre vários leitores, mediados por um professor, enriquece a capacidade
de reflexão; afinal, provavelmente, um grupo de pessoas pensando mais criará
diferentes perspectivas e conhecimentos.
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A posição de mediador do professor também gera um segundo elemento es-
sencial para a compreensão do texto. Sendo o leitor o ponto de contato entre texto
e mundo, é a sua perspectiva que contextualiza o sentido do texto. Essa atividade
abrange a habilidade de estabelecer intertextualidade entre um texto lido e outras
referências já conhecidas. Assim também pode-se fomentar o desenvolvimento
de um pensamento crítico do leitor com base em seu conhecimento de mundo,
suas experiências prévias, ou em leituras anteriores.
Além disso, ao considerarmos que a decodificação do texto envolve a com-
preensão da linguagem em termos morfossintáticos e semânticos, percebemos
que o que está codificado no texto também diz respeito à forma como o autor
transmite suas ideias, incluindo as escolhas de mecanismos linguísticos. Esses
elementos também são importantes para o leitor compreender o ponto de vista
apresentado; são índices de leitura que revelam informações sobre o mundo. O
leitor precisa conseguir contextualizar o texto em relação ao seu próprio universo.
O estímulo às realidades e aos problemas que cada aluno enfrenta é uma forma
de relacionar os conteúdos com suas experiências.
“ A verdade é que vivemos encurralados e refugiados no nosso pró-
prio território há muito tempo, numa reserva de 4 mil hectares —
que deveria ser muito maior se a justiça fosse feita —, e esse confi-
namento involuntário nos deu resiliência, nos fez mais resistentes.
Como posso explicar a uma pessoa que está fechada há um mês
num apartamento numa grande metrópole o que é o meu isolamen-
to? Desculpem dizer isso, mas hoje já plantei milho, já plantei uma
árvore… Faz algum tempo que nós na aldeia Krenak já estávamos
de luto pelo nosso rio Doce. Não imaginava que o mundo nos traria
esse outro luto. Está todo mundo parado. (KRENAK, 2020, p. 3).
Quando nos deparamos com um texto que se distancia da realidade cotidia-
na, como o texto do Krenak, percebemos que a estrutura semântica acompanha
o autor e estabelece um sistema de comparação com o leitor. Como diz o au-
tor, “como posso explicar minha realidade a alguém de outra realidade?”. Esses
elementos também podem ser percebidos pela leitura de mundo. O indígena
Krenak, revelando um mundo distinto, parece usar um português muito mais
próximo da língua cotidiana. Essas estruturas morfossintáticas e semânticas per-
mitem intertextualidades relevantes entre o material já conhecido e o texto a ser
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descoberto. Nesse sentido, a aprendizagem gramatical de maneira abrangente
envolve não apenas a norma linguística cotidiana, mas também o conhecimen-
to das variações e possibilidades linguísticas. Esse conhecimento, aliado ao
conhecimento intrínseco da linguagem, possibilitará compreender a totalidade
do texto para além de seu significado literalmente codificado.
Elementos linguísticos e a leitura
As estruturas subjacentes da linguagem podem fornecer material comunicativo.
A análise linguística é uma forma de compreender o texto a partir do desenvol-
vimento de uma consciência linguística, ou seja, perceber como se produz co-
municação também é uma forma de comunicar. Assim, as nuances das escolhas
linguísticas feitas pelo autor afetam o sentido do texto.
Essa habilidade de pensamento crítico permite que os leitores percebam
como as palavras e as estruturas gramaticais podem ser usadas para influenciar
a opinião do leitor. A análise sintática os ajuda a identificar estratégias retóricas
usadas para moldar a mensagem. Também são trilhas que marcam ambiguida-
des e imprecisões que surgem no texto, incentivando os alunos a questionarem
e analisarem o conteúdo de maneira mais crítica.
Essa atenção semântica e gramatical enriquece o conteúdo extraído pelo leitor,
que pode finalmente explorar as intenções do autor. A escolha das estruturas gra-
maticais, a formatação do vocabulário e os percursos retóricos são apresentados
pelo autor com uma finalidade. A comparação reflexiva desses aspectos com o
conhecimento e com o espaço no mundo ocupado pelo leitor permite entender as
intenções subjacentes do autor e como essas escolhas afetam a mensagem global.
VOCÊ SABE RESPONDER?
Vamos refletir um pouco sobre os indígenas no país? Para isso, reflita sobre o que
você sabe em relação às seguintes questões: Como é o universo de um indígena
no Brasil? Como essa condição se assemelha ou se distingue da do aluno? Há
elementos no trecho que denotam um português regionalizado? Por que há
formas distintas de português? O que é isolamento físico em um amplo espaço?
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Uma forma de ativar esses conhecimentos é incentivar o debate sobre as escolhas
linguísticas dos autores e seu impacto na mensagem. O professor mediador pode
sugerir um grupo de perguntas e proposições acerca das estruturas usadas.
Além disso, o professor pode:
• Promover debates sobre os textos;
• Incentivar mais leituras sobre os temas apresentados;
• Propor a escrita ou apresentação de uma síntese das ideias dos textos.
Em todos os casos, é importante que o professor esteja atento ao papel de me-
diador, de forma que a construção de sentido seja formada pelo corpo de alunos
a partir de uma construção coletiva de sentido. O diálogo com o texto e entre os
alunos é, portanto, essencial. Ao fim, para encerrar o aprendizado, o professor tam-
bém pode pedir que os alunos reflitam sobreo processo de leitura, sobre como
eles chegam aos sentidos e aos significados que apresentaram. Essa reflexão me-
tacognitiva é importante porque, uma vez ultrapassada a etapa de ensino formal
— isto é, de estar em um curso ou em uma escola —, o aluno precisa conseguir
entender e avaliar sua progressão leitora, para se aprimorar.
APROFUNDANDO
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ESTRATÉGIAS DE LEITURA E A BASE NACIONAL COMUM
CURRICULAR (BNCC)
Voltamos agora à formação leitora das crianças na escola. A Base Nacional Co-
mum Curricular (BNCC) estabelece os conhecimentos, as competências e as
habilidades que se espera que os estudantes dos ciclos de educação básica al-
cancem. A educação básica inclui a Educação Infantil, o Ensino Fundamental
e no Ensino Médio.
A BNCC é o texto referencial para os currículos escolares do país. Ela prevê
a leitura como uma das habilidades fundamentais, que deve ser incentivada já
na primeira infância.
“ Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultu-
ra escrita: ao ouvir e acompanhar a leitura de textos, ao observar
os muitos textos que circulam no contexto familiar, comunitário e
escolar, ela vai construindo sua concepção de língua escrita, reco-
nhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes e
portadores. Na Educação Infantil, a imersão na cultura escrita deve
partir do que as crianças conhecem e das curiosidades que deixam
transparecer. As experiências com a literatura infantil, propostas
pelo educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem
para o desenvolvimento do gosto pela leitura (BRASIL, 2018).
A leitura é essencial para a vida acadêmica desde a formação inicial até o
Ensino Médio, pois, além de ser um conhecimento a ser adquirido, é também
uma habilidade. Ou seja, é um conhecimento fundamental para adquirir novos
conhecimentos que podem ser mobilizados em novas competências.
A habilidade de leitura ensinada no currículo comum planeja conduzir o
aluno a uma competência leitora crítica, em que ele possa decodificar o texto,
preenchê-lo com seus conhecimentos de mundo e interpretá-lo criticamente.
Para tanto, a habilidade de leitura abarca um desenvolvimento de competências
que capacitem os jovens alunos a interpretarem o texto de forma complexa. Es-
pera-se que eles consigam compreender a função social dos textos, reconhecer
gêneros textuais, capturar informações implícitas, realizar inferências e inter-
textualidades e analisar tipos e figuras de linguagem, além das formas retóricas
usadas nos textos.
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Há um grande debate sobre a configuração pedagógica em torno dos conceitos
de habilidades e competências. Como apontam Branco et al. (2019), a estrutura
pedagógica formatada dessa maneira leva a um cidadão adaptável, mas não críti-
co de seu mundo. Ele estaria preparado para ser maleável às necessidades impo-
sitivas da atual sociedade, mas não teria reais condições de analisar criticamente
sua realidade nem promover mudanças substanciais no seu mundo. Essa crítica
confronta diretamente o expresso na BNCC, que define assim esses termos:
[...] competência é definida como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e so-
cioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas comple-
xas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo
do trabalho (BRASIL, 2018).
Ao definir essas competências, a BNCC reconhece que a “educação deve afirmar
valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade”
(BRASIL, 2018).
ZOOM NO CONHECIMENTO
A habilidade leitora e a cultura de letramento são promovidas já na primeira
infância, a partir do exemplo do professor-mediador, que lê para as crianças e mis-
tifica aquelas imagens e símbolos por meio da contação de histórias. Além disso,
outras estratégias podem ser desenvolvidas para promover a habilidade leitora.
A técnica de palavras geradoras e exploração engajada que Freire utiliza para
alfabetização de adultos pode ser adaptada para crianças. Se o professor busca
incentivar o aprendizado a partir do universo infantil, usando histórias que se
conectem a esse mundo, ele pode transformar o processo de aprendizado e de
leitura em algo mais atraente.
Nos tempos das cartilhas, por exemplo, eram comuns as críticas de um texto
descolado da realidade das crianças. Um exemplo alegórico comumente dado
era que a palavra que ensinava a letra “u” e suas sílabas era “uva”, uma fruta pou-
co comum em grande parte do território brasileiro. Faz-se relevante, portanto,
que os educadores utilizem diversos gêneros textuais, mas que as temáticas e
as formas sejam relacionadas com a realidade das crianças. Nesse sentido, o
professor pode mesmo usar gêneros mais inusuais, como quadrinhos, ou peças
de jogo de cartas.
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Um elemento essencial é a formação do leitor pelo engajamento. Assim,
educadores devem ser mediadores, promovendo a reflexão a partir do diálogo
aberto dos alunos. Perguntas mais amplas são melhores do que meras questões
retiradas de informação do texto. Embora essa etapa não deva ser desprezada,
não pode ser o único elemento de avaliação da qualidade leitora. As avaliações
com foco na compreensão do conteúdo são preferíveis a atividades que incen-
tivam a repetição do texto. Realize avaliações que enfatizem a compreensão do
conteúdo. Perguntas abertas e tarefas analíticas podem avaliar efetivamente as
habilidades de interpretação.
NOVOS DESAFIOS
A formação de um leitor não é uma atividade que termina nos primeiros anos
de aprendizado e alfabetização; pelo contrário, é uma habilidade que requer es-
tudo, prática e reflexão constantes. Isso é percebido pela complexidade do pro-
cesso leitor, que exige um constante acúmulo de conhecimento de mundo, uma
permanente postura crítica quanto aos textos e quanto à sua própria habilidade
leitora. Essa mesma habilidade também é promovida pela BNCC, que organiza
Acesse e confira a aula referente a este tema.
Recursos de mídia disponível no conteúdo digital no ambiente virtual de aprendizagem
EM FOCO
EU INDICO
Os educadores precisam incentivar a reflexão crítica das crianças sobre os textos.
Algumas estratégias podem ser de grande ajuda na formação do leitor infantil e
jovem. Para saber mais sobre a formação de clubes de leitura, ferramenta que
pode auxiliar na construção de diálogo, confira o vídeo da Companhia das Letras
sobre como formar um desses clubes.
Recursos de mídia disponível no conteúdo digital no ambiente virtual de aprendizagem
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os currículos escolares em função de uma habilidade leitora que permita que
os estudantes decodifiquem palavras, compreendam, interpretem e analisem
criticamente os textos.
Ao longo do texto, vimos diversas formas de ensino de alfabetização, bem
como estratégias para transformar a leitura e o leitor em uma atividade engajada.
No atual mercado de trabalho para professores e profissionais do texto, conse-
guir gerar engajamento do leitor é fundamental para transmitir sua mensagem,
mas também é uma competência relevante para o mundo contemporâneo. É
importante ter em mente que, se vivemos em uma economia de atenção, com
todo mundo assistindo à televisão com o celular de segunda tela, (BENTES,
2021), o conhecimento ainda é transmitido e refletido em linguagem escrita. As
outras mídias, embora pedagogicamente relevantes, não podem substituir o texto
escrito como mecanismo comunicacional por excelência dos elementos comple-
xos da vida. Isso porque a navegação do texto, a capacidade de condensação de
informação e a simplicidade do diálogo são muito bem adaptados à capacidade
linguística do ser humano.
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1. Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultura escrita: ao ouvir e acom-
panhar a leitura de textos, ao observar os muitos textos que circulam no contexto familiar,
comunitário e escolar, ela vai construindo sua concepção de língua escrita,reconhecendo
diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes e portadores. Na Educação Infantil,
a imersão na cultura escrita deve partir do que as crianças conhecem e das curiosidades
que deixam transparecer. As experiências com a literatura infantil, propostas pelo educa-
dor, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvimento do gosto
pela leitura.
Fonte: BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
Considerando a abordagem do texto sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
analise os itens a seguir:
I - A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece os conhecimentos, as competên-
cias e as habilidades a serem transmitidas e adquiridas pelos estudantes.
II - A BNCC não estabelece parâmetros para o ensino nos cursos superiores.
III - Ela prevê a leitura como uma das habilidades fundamentais, que deve ser incentivada
já na primeira infância.
IV - Trata-se do texto referencial para o ensino público no país.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) II e IV, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e III, apenas.
e) I, II, III e IV.
2. A leitura é essencial para a vida acadêmica desde a formação inicial até o Ensino Médio,
pois, além de ser um conhecimento a ser adquirido, é também uma habilidade, isto é, um
conhecimento fundamental para se adquirir novos conhecimentos que podem ser mobi-
lizados em novas competências. Para tanto, a habilidade de leitura abarca um desenvol-
vimento de competências que capacitem os jovens alunos a interpretar o texto de forma
complexa. Eles devem conseguir compreender a função social dos textos e reconhecer
gêneros textuais, capturar informações implícitas, realizar inferências e intertextualidades,
analisar tipos de linguagem e as figuras de linguagem e de retórica utilizadas, além de
compreender elementos gerais do texto, como coesão e coerência.
Referência: Trecho tema 9 (modificado)
AUTOATIVIDADE
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Com base nas informações apresentadas, avalie as asserções a seguir e a relação proposta
entre elas:
I - A habilidade de leitura ensinada na BNCC aspira conduzir o aluno a uma competência
leitora crítica.
PORQUE
II - O aluno se torna plenamente capaz de decodificar o texto.
A respeito dessas asserções, assinale a opção correta:
a) As asserções I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I.
b) As asserções I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são falsas.
3. Se há um momento de alfabetização durante a infância, a atividade leitora se desenvolve
ao longo da vida, seja para aqueles que precisaram aprender essa habilidade já adultos,
seja para aqueles que vão utilizar a leitora ao longo de sua vida. A alfabetização ocorre anos
antes da formação do pensamento abstrato. Só a partir do momento que essa capacidade
é atingida que se pode desenvolver uma competência leitora mais rica. Isso influencia nas
estratégias de ensino e de formação do leitor, já que a capacidade de centrar a leitura no
interesse do aluno também depende da conformação social e cognitiva do universo dele.
Com base no texto, analise os itens abaixo e assinale o correto:
a) Segundo o BNCC, as crianças já devem ser alfabetizadas com habilidades leitoras para
textos abstratos, como os que tratam de fadas e magias.
b) Uma criança aprende a ler e vive sua realidade de leitura em um mundo de fantasia.
c) Segundo Piaget, o sistema simbólico que surge na infância não é compartilhado, mas
totalmente egocêntrico.
d) O leitor adulto e o leitor infantil diferem em quantidade de conhecimento de mundo, mas
não em capacidades cognitivas.
e) A criança se torna fluente em sua língua apenas quando aprende a ler e escrever.
AUTOATIVIDADE
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
Bentes, A. Quase um tique: economia da atenção, vigilância e espetáculo em uma rede social.
Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2021.
BRANCO, E. P.; BRANCO, A. B. de G.; IWASSE, L. F. A.; ZANATTA, S. C. BNCC: a quem interessa o
ensino de competências e habilidades? Debates em Educação, Maceió, v. 11, n. 25, p. 155–171,
2019. DOI: 10.28998/2175-6600.2019v11n25p155-171. Disponível em: https://www.seer.ufal.br/in-
dex.php/debateseducacao/article/view/7505 . Acesso em: 19 ago. 2023.
CHOMSKY, N. Topics in the theory of Generative Grammar. Mouton: The Hague, 1978. Dispo-
nível em: https://books.google.fr/books?id=NbMiAAAAQBAJ&lpg=PA7&ots=GHrui2Nces&d-
q=generative%20grammar%20theory&lr&hl=pt-BR&pg=PA2#v=onepage&q=generative%20
grammar%20theory&f=false Acesso em 18 agosto 2023.
FREIRE, P. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. Tradução de Lólio Lourenço de
Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
KRENAK, A. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. Edição do
Kindle.
MENDONÇA, O. S. C. Percurso Histórico dos Métodos de Alfabetização. In: COELHO, S. M. C.
(Org.). Caderno de formação: formação de professores didática dos conteúdos. 2. ed. São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2011. p. 23-35.
PIAGET, J. A Formação do Símbolo na Criança. 4a. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010. Edição do Kindle.
RIZZI, C. B.; COSTA, A. C. R. O período de desenvolvimento das operações formais na perspectiva
piagetiana: aspectos mentais, sociais e estrutura. Educere, Umuarama. v. 4, n. 1, p. 29-42, 2004.
Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/235578933.pdf. Acessado em: 19 ago. 2023
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1. A alternativa correta é a D, pois:
I - Certo. A BNCC estabelece quais os parâmetros que os alunos devem conseguir atingir.
II - Certo. A BNCC atua com base nos ensinos infantil, fundamental e médio.
III - Certo. A BNCC promove uma cultura leitora desde antes da alfabetização, com leituras
para crianças e ensino de uma cultura de leitura e escrita
IV - Errado. A BNCC é base curricular para o ensino público e privado no país.
2. A alternativa correta é a C, pois:
I - Está correto como propósito da BNCC em formar leitores aptos e críticos
II - Está errado porque a leitura plena esperada vai além da habilidade de decodificar.
3. A alternativa correta é a B, pois crianças constroem sua realidade a partir de uma construção
lúdica e de fantasia, que vai sendo paulatinamente substituída pelo conhecimento do mundo.
GABARITO
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