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FISIOLOGIA ANIMAL Conceito de homeostase Ao final deste módulo, você será capaz de descrever o conceito de homeostase e sua aplicação em fisiologia animal. O conceito de homeostase Importância da homeostase em animais A homeostase pode ser compreendida, de uma forma simples, como a condição de equilíbrio entre as funções orgânicas de um indivíduo independentemente das alterações que ocorrem no ambiente externo (meio). Dessa forma, o conjunto de células que compõem o corpo animal deve trabalhar de modo equilibrado e regulado para que se mantenha a homeostase. Quando alguma alteração ocorre no ambiente externo do corpo animal, diversos mecanismos compensatórios são desencadeados para que haja o retorno às condições de homeostase. Porém, caso esses mecanismos compensatórios não tenham êxito no retorno à condição de homeostase, o equilíbrio entre as funções orgânicas é perdido e ocorre a perda do estado saudável do corpo. Esquematização resumida do conceito de homeostase. Para entender melhor, imagine que um equino adulto foi esquecido na área de pastejo durante uma noite, cuja temperatura ambiente chegou a 5°C. Tomando por base o princípio geral das trocas de calor, ou seja, sabendo-se que o calor sempre se emana espontaneamente do corpo mais quente para o corpo mais frio, e que a temperatura corporal normal de um equino adulto varia entre 37° e 38°C, esse animal tenderia a perder calor para o ambiente. Assim, sua temperatura corporal tenderia a baixar e as funções metabólicas, que ocorrem sob temperatura normal, seriam prejudicadas. Para que isso não aconteça, diversos mecanismos fisiológicos são ativados, como: • • A vasoconstrição de capilares sanguíneos perto da superfície da pele Para evitar a perda de calor. A ocorrência de tremores musculares involuntários Para produção de calor. Existe ainda outro mecanismo de termorregulação utilizado por animais, a piloereção. Trata-se de uma resposta fisiológica ao frio, bastante eficiente na conservação de calor em animais que possuem grande quantidade de pelos ou penas, servindo para aumentar a camada de isolamento do ar frio em torno do corpo. Como ocorre a piloereção? forum Resposta A piloereção acontece quando pequenos músculos localizados na base do folículo piloso de cada pelo, conhecidos como músculos eretores de pelos, se contraem, deixando o pelo ereto. Esse reflexo é iniciado pelo sistema nervoso simpático. Caso esses mecanismos não sejam suficientes para manter a temperatura do corpo do animal a 37°‒ 38°C, poderá ocorrer um quadro de hipotermia, que pode levar a óbito. Isso significa dizer que o corpo dos animais precisa se manter em determinada faixa de temperatura corporal, de pressão arterial, de frequência cardíaca, dentre outros parâmetros fisiológicos, para que suas células consigam realizar suas funções adequadamente. Quando esses parâmetros fisiológicos são perdidos, as células realizam suas funções de modo inadequado, o que leva ao mau funcionamento de todo organismo. É nesse momento que os mecanismos compensatórios buscam o retorno ao parâmetro fisiológico perdido e, portanto, o restabelecimento do equilíbrio do meio interno do corpo do animal, ou seja, bom funcionamento do organismo, retornando às condições de homeostase. Dessa forma, a detecção de desvios nos valores de normalidade dos parâmetros fisiológicos, como variações do pH sanguíneo, da temperatura corporal, da pressão osmótica, da concentração de glicose, gases e eletrólitos no sangue são detectados e ativam diferentes mecanismos fisiológicos, para fazer com que essas variáveis retornem ao seu ponto de ajuste. assignment_ind Comentário Podemos perceber que, quanto mais satisfatórios os mecanismos reguladores da homeostase de uma espécie, maiores as chances de sobrevivência face às alterações ocorridas no meio onde ele vive. Construção do conceito de homeostase A necessidade de entender a constância do meio interno dos organismos vivos, a despeito das alterações externas, para que suas funções ocorram de modo adequado, foi descrita pela primeira vez por Claude Bernard, em 1859, que afirmava que: Todos os mecanismos vitais, apesar de sua diversidade, têm apenas uma finalidade, a de manter constantes as condições de vida no ambiente interno. (BERNARD, 1859, n. p.) Em 1885, Léon Fredericq contribuiu para o conceito de homeostase afirmando que: O ser vivo é uma entidade de tal sorte que cada influência perturbadora induz por si só a evocação de atividade compensatória para neutralizar ou reparar a pertubação. Quanto mais alto na escala dos seres vivos, mais numerosas, mais perfeitas e mais complicadas essas ações regulatórias se tornam. Elas tendem a libertar completamente o organismo das influências e mudanças desfavoráveis que ocorrem no ambiente (FREDERICQ, 1885, n. p.) No entanto, foi apenas em 1929, por Walter Cannon, que os mecanismos que levam à manutenção dessa constância foram descritos e denominados homeostase: Os fatores que operam no corpo para manter a uniformidade costumam ser tão peculiarmente fisiológicos que qualquer sugestão de explicação imediata em termos de mecânica relativamente simples parece enganosa. Por essas várias razões, o termo homeostase foi selecionado (CANNON, 1929, n. p.) Em 1988, um novo termo associado ao conceito de homeostase foi proposto por dois neurocientistas estadunidenses, Peter Sterling e Joseph Eyer. O termo alostase foi proposto para designar os mecanismos que garantem a homeostase. Assim, o gasto metabólico do organismo para manutenção da homeostase foi chamado de carga alostática, que deve ser adequada para que os mecanismos alostáticos mantenham a homeostase corretamente. Os problemas surgem quando a carga alostática é maior do que deveria ser, ocorrendo a sobrecarga alostática, o que compromete a saúde do indivíduo. Podemos, então, perceber que os mecanismos que garantem a homeostase devem ser regulados de forma que o gasto de energia para o retorno às condições orgânicas fisiológicas não gere outros desequilíbrios ao corpo animal e comprometam sua saúde. Postulados de Cannon De acordo com Walter Cannon (1929, n. p.), “um sistema homeostático é um sistema aberto que mantém sua estrutura e função por meio de uma multiplicidade de equilíbrios dinâmicos, controlado por mecanismos regulatórios interdependentes”. Assim, o autor descreveu quatro postulados que refletem os princípios da homeostase e são conhecidos como Postulados de Cannon. Vejamos a seguir: 1- O sistema nervoso tem um papel na preservação da “aptidão” do meio interno. Ou seja, o sistema nervoso é o responsável por detectar as alterações fisiológicas nos animais, além de coordenar e integrar as respostas compensatórias. 2- Alguns sistemas do corpo estão sob controle tônico. Ou seja, alguns parâmetros fisiológicos podem ser modificados para mais ou para menos, por exemplo, os vasos sanguíneos podem aumentar (vasodilatação) ou diminuir (vasoconstrição) seu calibre normal para compensar alterações de pressão arterial. 3- Alguns sistemas do corpo estão sob controle antagônico. Ou seja, se existe um fator que modifica um parâmetro para mais, deve existir outro fator que o modifica para menos. Por exemplo, enquanto a insulina diminui a concentração de glicose no sangue, o glucagon a aumenta. Os agentes homeostáticos antagonistas em uma região podem ser cooperativos em outra. Ou seja, um mesmo agente pode desempenhar funções diferentes na alteração de parâmetros fisiológicos, por exemplo, a ação da adrenalina sobre o diâmetro dos vasos sanguíneos depende do tipo de receptor no qual ela age, caso ela aja sobre receptores α ocorre vasoconstrição e caso aja sobre os receptores β ocorre vasodilatação. Vias de controle Componentes bá sicos dás viás reflexás Como sabemos, o corpo é composto por incontáveis células. Então, como todasas diferentes células do corpo conseguem trabalhar em conjunto para a manutenção da homeostase? Para isso, as células precisam se comunicar. A comunicação celular por diferentes meios constrói as vias de controle da homeostase. Essas vias de controle podem ser locais ou reflexas: Vias locais São aquelas nas quais a detecção de uma alteração fisiológica por uma célula gera uma resposta local parácrina (nas células vizinhas) ou autócrina (na própria célula). Vias reflexas São aquelas de longo alcance, ou seja, agem de modo sistêmico, e a comunicação celular, nesses casos, pode ocorrer de maneira endócrina ou sináptica. Na comunicação endócrina, os mensageiros são os hormônios, substâncias químicas produzidas por células distantes da célula-alvo, que, por sua vez, apresentam receptores para eles na superfície de sua membrana plasmática, no seu citoplasma ou no núcleo. Nesse caso, a transmissão é mais lenta, porém a ação derivada dela é mais duradoura. Na comunicação sináptica, os mensageiros são neurotransmissores, produzidos por neurônios, e que promovem uma transmissão mais rápida com efeitos menos duradouros. Portanto, basicamente, a via reflexa é responsável pela homeostase através da ação de dois sistemas reguladores: o nervoso (comunicação mais rápida e curta) e o endócrino (comunicação mais lenta e duradoura). Comentário Em situações de estresse e em casos de inflamações sistêmicas, as citocinas também participam da homeostase, auxiliando os sistemas nervoso e endócrino a partir da integração de informações corpóreas. Podemos concluir, então, que os mecanismos de homeostase utilizam principalmente vias reflexas de comunicação celular para a detecção das alterações nos parâmetros fisiológicos, coordenação das ações e integração da resposta para o retorno aos parâmetros fisiológicos considerados normais para a espécie em questão. Essas vias reflexas podem ser esquematizadas da seguinte maneira: open_in_full Etapas da via reflexa. Observe o esquema e veja que as vias reflexas apresentam três componentes básicos: Sinal de entrada (aferente) Centro integrador Sinal de saída (eferente) Pádro es de viás reflexás No organismo animal, existem diferentes padrões de vias reflexas. Vamos estudar agora cada um deles! Reflexo neural simples No reflexo neural simples, o estímulo é captado por receptores localizados em neurônios sensoriais e é, então, encaminhado para um centro integrador no sistema nervoso central (SNC) por meio da liberação de neurotransmissor nas sinapses neuronais. O padrão de resposta a esse estímulo deixa o centro integrador no SNC através de neurônios eferentes e chegam às células alvo, também por meio da liberação de neurotransmissor nas sinapses neuronais. As células-alvo executam, então, a ação de resposta comandada. Exemplo Esse tipo de via reflexa pode ocorrer durante o reflexo patelar. Reflexo endócrino simples No reflexo endócrino simples, o estímulo é captado por receptores localizados em um centro integrador endócrino, que libera hormônio na corrente sanguínea. O hormônio atinge os receptores presentes nas células-alvo e elas executam, então, a ação de resposta comandada. Exemplo Esse tipo de via reflexa pode ocorrer durante a regulação da concentração de glicose no sangue, que envolve a liberação de insulina e glucagon. Reflexo neuroendócrino O estímulo é captado por receptores localizados em neurônios sensoriais e é, então, encaminhado para um centro integrador no SNC por meio da liberação de neurotransmissor nas sinapses neuronais. O padrão de resposta a esse estímulo deixa o centro integrador no SNC através de neurônios eferentes que liberam neuro-hormônio na corrente sanguínea. O neuro-hormônio atinge os receptores presentes nas células-alvo e elas executam, então, a ação de resposta comandada. Esse tipo de via reflexa ocorre, por exemplo, durante a sucção da mama pelo filhote para liberação de leite, que envolve a liberação de ocitocina. Reflexos neuroendócrinos complexos O estímulo é captado por receptores localizados em neurônios sensoriais e é, então, encaminhado para um centro integrador no SNC por meio da liberação de neurotransmissor nas sinapses neuronais. O padrão de resposta a esse estímulo deixa o centro integrador no SNC através de neurônios eferentes que liberam neurotransmissor ou neuro-hormônio na corrente sanguínea, podendo ocorrer três diferentes vias para alcançar as células-alvo e promover a resposta: Opçá o 1 Os neurônios eferentes liberam neurotransmissor, que atinge os receptores presentes em um centro integrador endócrino, liberando hormônio na corrente sanguínea. O hormônio atinge os receptores presentes nas células-alvo e elas executam, então, a ação de resposta comandada. Esse tipo de via reflexa ocorre, por exemplo, durante a secreção de insulina por estímulo do encéfalo. Opçá o 2 Os neurônios eferentes liberam neuro-hormônio na corrente sanguínea. O neuro- hormônio atinge os receptores presentes em um centro integrador endócrino, que libera hormônio na corrente sanguínea. O hormônio atinge os receptores presentes nas células-alvo e elas executam, então, a ação de resposta comandada. Esse tipo de via reflexa ocorre, por exemplo, durante o crescimento do corpo, que envolve hormônio do crescimento. Opçá o 3 Os neurônios eferentes liberam neuro-hormônio na corrente sanguínea. O neuro- hormônio atinge os receptores presentes em um centro integrador endócrino, que libera hormônio na corrente sanguínea. O hormônio atinge os receptores presentes em outro centro integrador endócrino, que, por sua vez, também libera hormônio na corrente sanguínea. É esse segundo hormônio liberado que atinge os receptores presentes nas células-alvo, fazendo com que elas executem, então, a ação de resposta comandada. Esse tipo de via reflexa ocorre, por exemplo, na secreção dos hormônios da adenohipófise, como o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), o hormônio estimulante da tireoide (TSH), a prolactina, o hormônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo estimulante (FSH). O esquema a seguir mostra, de modo resumido e bastante didático, esses diferentes padrões de vias reflexas. Veja! open_in_full Padrões de via reflexa. Tipos de homeostase Confira agora os tipos de homeostase, junto com alguns exemplos práticos para facilitar o seu entendimento. 4-