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DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO: NOÇÕES GERAIS, COMUNICABILIDADE E NOÇÕES DE PRECEDENTES JUDICIAIS Carlos Eduardo Silva De Nadai1 Cláudio Jannotti da Rocha2 SUMÁRIO 1. Introdução. 2. Do Direito Processual. 2.1 Da Constitucionalização Do Processo. 2.2 Do Novo Código de Processo Civil. 2.3 Dos Procedentes Judiciais. 3. Do Direito Processual do Trabalho. 3.1 Da supletividade e subsidiariedade do Procedimento Comum e a aplicabilidade da Teoria dos Precedentes Judiciais 3.2 Do Processo Constitucional do Trabalho. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas. Palavras-chave: direito; processo civil; processo do trabalho; precedentes judiciais, constitucionalização do processo. 1. INTRODUÇÃO O estudo do direito como resultado de conquistas históricas e evolução sociocultural sempre nos remete à questão “o que motiva a evolução jurídica?”, sendo que tais acontecimentos-respostas tem grande relevância no meio social, pois o direito é feito para a sociedade e nasce do próprio núcleo social como forma de organização de um Estado. Assim, as novas técnicas que nascem da evolução dos estudos fático-científico jurídicos nos permitem indagar se tais novas técnicas se enquadram no sistema já existente e que se move, a cada dia, na busca da pacificação social. A problemática que conduz a realização deste esboço científico é o estudo do direito processual civil e trabalhista no que diz respeito à incidência do instituto dos precedentes judiciais, técnica inserida no primeiro ramo processual, e consagrada na ordem jurídica nacional a partir da novel compilação de 2015, consubstanciado à prática forense do segundo ramo processual, mais especificamente na elucidação da possibilidade de incidência dos 1 Graduando no Curso de Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. 2 Professor Adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Orientador de Trabalho do Conclusão de Curso – TCC. precedentes judiciais na ordem do direito do trabalho em contraposição à sua peculiaridade como ramo jurídico. O método de abordagem utilizado neste esboço é o dedutivo, bem como as técnicas de pesquisa utilizadas são a doutrinária, jurisprudencial e legislativa. Inicialmente, cumpre destacar que a modernidade, sem sombra de dúvidas, trouxe numerosos avanços em setores variados da sociedade, como, por exemplo, o das relações interpessoais, o da economia, o da política, dentre outros inumerados, incluindo-se, também, o do mundo jurídico. Quanto a este último, é inegável que tal setor social sempre acompanhou os demais, como os citados anteriormente, pois o ramo jurídico é aquele que rege grande parte da vida, se não sua quase totalidade, desde os primórdios da humanidade, e conjuntamente com outros ramos das ciências sociais aplicadas, serve de limitador para que os seres humanos possam conviver em harmonia e em busca do bem comum da vida. Um dos pilares mais básicos do direito, nacional e universal, é a dignidade da pessoa humana, pilar este que possui capacidade de influir em todos os ramos estudados pela ciência jurídica, seja no ramo cível, no ramo criminal, no ramo administrativo, no ramo trabalhista, e demais. Assim, todo o estudo de inteligência da área jurídica deve ser lastreado com foco principal no ser humano, que é o norteador para qual o direito se volta desde o seu início, embora atue com maior força e direcionamento na atualidade, em atenção aos acontecimentos pós-guerras mundiais. E tal pensamento foi moldado desde o surgimento das sociedades, do conjunto coletivo de pessoas em busca do bem comum, versado no brocado jurídico em latin “ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus” (onde existe o homem, há sociedade; onde existe sociedade, há Direito). Conforme salienta Cappelletti e Garth3: “A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas “declarações de direitos” típicas dos séculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres dos governos, comunidades, associações e indivíduos”. 3 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1988. p. 9. Desta forma, o direito existe pelas pessoas da sociedade e para estas, sendo que seu objetivo vai muito além de justificar a razão de existir do próprio direito e dos direitos propriamente ditos, objetivando, prima facie, garantir a sobrevivência da sociedade, e em plano estritamente ligado ao primeiro, os direitos lastreados no sistema jurídico. Conforme salientam Vega Ruiz e Martínez4, quaisquer corpos que se apoiam nos preceitos normativos derivam da necessidade humana da existência de uma ordem, bem como da ideia de justiça, que está intimamente ligada a uma escala de valor, que, no caso, são os princípios inseridos no direito objetivo. Colocando os olhos mais especificamente no ramo trabalhista e civil, tais áreas jurídicas estudam as relações sociais interpessoais de maneira complexa, pois analisam diversos conceitos da sociologia, do próprio direito, e do ser humano como um todo. Assim sendo, é o que se passa a expor. 2. DO DIREITO PROCESSUAL 2.1 DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO Todo Estado possui uma norma maior para qual todos os demais ramos jurídicos voltam seus “olhos”: referimo-nos à Constituição. Nela, são previstos diversos direitos e deveres conferidos e imputados a todos os indivíduos pertencentes ao Estado soberano, direitos e deveres estes que foram conquistados e incorporados ao longo do tempo da história mundial. As Constituições modernas, principalmente aquelas nascidas e compreendidas em momentos posteriores aos períodos obscuros da história mundial, como, por exemplo, as duas grandes guerras, possuem um elemento central que norteia todos os locais que são irradiados por normas jurídicas, qual seja a dignidade da pessoa humana. Assim, hodiernamente, pode-se dizer que a dignidade da pessoa humana é concebida como o valor central de um Estado Democrático de Direito, como o caso do Brasil, podendo ainda, ser concebido tal preceito como um “valor-princípio-fonte”5, pois este é, ao mesmo 4 VEGA RUIZ, María Luz. MARTÍNEZ, Daniel. Les principes et droits fondamentaux au travail. p. 10-11 passim. 5 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. CPC – Repercussões no processo do trabalho – 2. ed. – São Paulo. Saraiva, 2017. pág. 13. tempo, um valor central da norma maior, um ditame norteador de conduta e de observância, bem como uma fonte, de onde se pode extrair e se confeccionar normas, regras e outros princípios jurídicos. A ciência da sociologia demonstra que, mundialmente, vivemos em sociedades desiguais, onde direitos são lesionados a todo o momento, e, consequentemente, são lesionados aqueles que são titulares destes direitos. Sendo, assim, necessárias e urgentes são as modificações comportamentais, principalmente daqueles que exercem papeis ativos no ramo das ciências jurídicas, ou seja, aqueles que detêm poder de decisão frente às mazelas sociais e que compõem o mundo do direito, como, por exemplo, os legisladores e os magistrados. Estes últimos, os juízes do Poder Judiciário, tem o poder-dever de tornar efetivos os dizeres da Carta Maior, que determina ser a dignidade da pessoa humana o preceito fundamental das sociedades modernas, visto que as lesões aos direitos podem atingir uma quantidade grande de pessoas, inclusive ao mesmo tempo. Assim, o processo, ou procedimento, é o meio em que o direito material (regras e normas de direito) se materializa no mundo dos fatos,sendo a ligação mais visível entre o mundo jurídico e a sociedade, transformado, demonstrado e materializado por meio do Poder Judiciário e sua organização. É por meio do processo que se propicia a máxima efetividade das normas previstas na lei maior e nas normas infraconstitucionais. Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, “a principal luta do povo não é mais a criação de novas leis, e sim a manutenção e a efetivação dos direitos; na verdade, a luta é por democracia e direitos”6, e isso de concretiza, na prática, por meio do procedimento. Desta maneira, cabe aos operadores do direito, de todos os poderes estatais, bem como os estudiosos do direito no dia-a-dia, buscar a efetiva concretização dos direitos constitucionais conferidos aos indivíduos sociais. Em conclusão, percebe-se que, nos sistemas jurídicos atuais, os direitos e o processo, no bojo de um Estado Democrático de Direito, caminham para a constitucionalização dos direitos, e paralelamente na constitucionalização do processo, pois muitas normas regedoras e protetoras de direitos fundamentais tem no processo sua chave de entrada, como, por 6 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. CPC – Repercussões no processo do trabalho – 2. ed. – São Paulo. Saraiva, 2017. p. 15. exemplo, o princípio do acesso à justiça, que mescla um direito insculpido na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXV, CF/1988), com um fundamento do processo que garante a execução dos direitos no mundo fático. Da mesma forma, conforme ensina Marinoni, Arenhart e Mitidiero7, “a jurisdição no processo civil do Estado Constitucional tem por função dar tutela aos direitos, mediante a prolação de decisão justa”. E é o que salienta Didier Jr.8, que nos ensina que a constitucionalização do processo ocorre em duas dimensões essenciais: a primeira, sendo aquela que incorpora ao texto constitucional normas de direito processual, inclusive como direitos fundamentais; e a segunda, sendo aquela que faz análise das normas processuais infraconstitucionais como as principais concretizados das disposições constitucionais. O mesmo autor, conclui ainda, que o processo, tido como um direito fundamental e constitucional, realizador e concretizador de direitos, “deve estar adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais, e, além disso, ele próprio deve ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais”9. Da mesma forma, a constitucionalização do processo, segundo Bezerra Leite, é um direito humano10, por justamente ser previsto na Carta Magna, em decorrência de tratados internacionais em benefício do indivíduo, principalmente no cenário pós-guerras, abarcando todos os indivíduos independentemente de origem, cor, raça, crença, orientação sexual, idade, etc. 2.2 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Segundo as definições do direito brasileiro, as legislações, sejam elas codificadas, consolidadas, extravagantes, etc., são reguladas por norma geral que define as regras sobre como o direito nacional será fundado e executado. Trata-se, pois, do Decreto-Lei nº. 4.657, de 7 MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Processo Civil. Vol. 1. - 3ª. ed. atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 106. 8 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento – 19. Ed. – Salvador. Ed. Jus Podivm, 2017. p. 46. 9 Ibid. p. 55. 10 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. CPC – Repercussões no processo do trabalho – 2. ed. – São Paulo. Saraiva, 2017. p. 16. 4 de setembro de 1942, que inseriu no nosso sistema jurídico a “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”. Assim, segundo os ditames dessa Lei geral sobre direito nacional, a mesma estipulou, em seu art. 2º, que “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”11. Assim, o direito, em relação às demais ciências sociais aplicadas, possui uma característica própria que tem como escopo revelar o lado social de sua existência: a mutabilidade. A norma acima mencionada não necessita maiores delongas, pois da leitura do próprio dispositivo se chega à sua conclusão: uma norma será vigente até que outra venha a tomar seu lugar, seja ela para aperfeiçoar-se à sua realidade ou não. Deste modo, com essa característica de mutabilidade do Direito, as normas vão sendo criadas e se amoldando com o passar do tempo, e assim o é com a legislação cível, penal, trabalhista, processual, etc. Diante da nova sistemática processual, foram instituídos novos instrumentos de efetivação da justiça no mundo fático, que só foram possíveis em observância aos princípios do sistema como um todo, e em atenção ao texto geral da Constituição. Por muitas vezes, a definição de princípios é deveras complicada de se explicar, vias que os princípios podem figurar como normas, regras ou valores norteadores de um sistema jurídico. Assim, conforme salienta Daci Jordan12, qualquer tentativa de definir o que de fato seriam princípios é precedida de muitas análises e questões a serem consideradas. Ermo Quisbert13 explica que princípio é uma determinada valoração de justiça presente em uma sociedade, sobre o qual se constroem as instituições de direito e que, dependendo do momento histórico, determinam o conteúdo das normas jurídicas. Conclui dizendo que um princípio não é uma garantia, mas sim a base de uma garantia. Doutra forma, Humberto Ávila14, em seus grandiosos estudos para o campo jurídico, nos trouxe sua proposta sobre o conceito do que seriam princípios: “Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com a pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado 11 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Planalto. Portal da Legislação. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657.htm>. Acessado em 03 jun. 2019. 12 DACI, Jordan. Legal Principles, Legal Values and Legal Norms: are they the same or different? pág. 2. 13 QUISBERT, Hermo. Derecho constitucional. p. 02-12 passim. 14 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – 4º. ed. – São Paulo: Editora Malheiros, 2004. pág. 70. de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”. Assim, princípios são orientações legais finalísticas, pois delimitam um ato a ser cumprido, sem o prejuízo de outro princípio15. E podem ter diversas funções, como a função informadora, a interpretadora, a diretiva e unificadora, etc., conforme relembra Bomfim16. Pondera Eduardo Rodrigues dos Santos17 que os princípios não são normas jurídicas. São, no entanto, "valores éticos, metajurídicos, referentes à justiça e à moral, que orientam a ordenação, a construção, a interpretação e a aplicação do direito positivo”. Dito isto, verifica-se que o novo Código de Processo Civil, juntamente com seus princípios, normas e regras, em especial ao que se concerne com o estudo do sistema de precedentes instituído no Brasil, que se engloba ao princípio da motivação e na aplicabilidade do direito no mundo fático, possui bastante influência no âmbito trabalhista e essa influência auxilia no crescimento de novo costume jurídico no Brasil, que já é existente em países que assumem a roupagem de common law. 2.3 DOS PROCEDENTES JUDICIAIS Na seara do direito, tudo provém de uma fonte, fonte esta que, na grande maioria, é determinada pela lei, como, por exemplo, o especificado na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, de onde se estabeleceu, como regra, que a lei em sentido estrito é a fonte primária das normas do direito pátrio, sendo previstos, também,outras fontes supletivas para o entendimento e aplicação da norma jurídica. Outros diplomas legais, por ventura, também podem identificar as fontes das quais exsurgem seus enunciados e suas prescrições, sendo estes instrumentos nos quais, no mundo fático, será possível suprir as demandas sociais em nome da pacificação de conflitos. Conforme salienta Zaneti Júnior18 a ciência do direito representa, perante a sociedade, meio de controle de poder, tanto de seus administradores, quanto de administrados, além de ser o principal elemento de regulação e pacificação da sociedade. 15 Cf. nota 14 deste capítulo. 16 BOMFIM, Vólia. Direito do Trabalho – 14ª. ed. rev., atual., e ampl. – Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: MÉTODO, 2017. pág. 160-162 passim. 17 DOS SANTOS, Eduardo Rodrigues. Princípios Processuais Constitucionais – Salvador: Jus Podvm, 2016. pág. 86. 18 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 27. Sendo assim, em uma busca da pacificação social e de aproximação ao sistema common law, o legislador trouxe ao novel Código de Processo Civil a inserção de uma nova fonte do direito, deveras utilizada e de grande valia no sistema anglo-saxão, qual seja, o precedente judicial. Entretanto, tal instituto, para alguns doutrinadores, não encontra lastro no sistema para figurar como fonte de norma jurídica, como ocorre com a lei em sentido estrito. Diante do tema, Humberto Theodoro Júnior19 especifica que a jurisprudência e a doutrina jurídica são verdadeiramente fontes mediatas de direito, utilizadas, primordialmente, quando a legislação não desembocar diretamente na resposta necessária ou não solucionar o caso que se encontra em litígio, sendo as duas fontes tomadas como método de fixação de conceitos básicos para o direito, funcionando como aperfeiçoador das imprecisões e incoerências do sistema. Zaneti Júnior20 indica que a metodologia criada, no que concerne às construções interpretativas no bojo dos casos concretos, nos meios judiciais, principalmente edificadas pelos magistrados, são o que, verdadeiramente, atribuem à normal literal algum sentido, sendo que os precedentes são originados devido à motivação racionalizada, constituindo, pois, todo o suporte positivista do nosso sistema. Na sistemática do Direito Processual nacional, coube à codificação comum estabelecer os limites e abrangência dos atos decisórios ao magistrado, que é o detentor do poder de aplicar o direito a cada caso concreto que ao Estado é apresentado pelas partes. No âmbito trabalhista, a consolidação de leis laborais é silente no quesito de definição dos atos que um magistrado do trabalho poderá executar no deslinde das ações da Justiça do Trabalho. Assim, conforme salienta Bezerra Leite21, cabe à aplicação da lei processual comum, visto que a Teoria Geral do Processo argumenta que todos estes atos são praticados em qualquer procedimento, seja cível, trabalhista, penal, e etc. Portanto, conforme determinado pela Lei, cabe ao magistrado o comando de conduzir o feito procedimental nos limites legais, sendo que seus atos se resumem a atos decisórios propriamente ditos ou atos executivos, conforme Theodoro Junior22. Os primeiros, visam a 19 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. Vol. 1. 58ª. ed. Ver., atual., e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.pág. 42. 20 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 297. 21 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho – 15ª. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. pág. 855 22 THEODORO JUNIOR, Humberto. loc. cit. p. 633. preparar ou obter a declaração da vontade concreta da lei frente ao caso trazido à análise; os segundos, ainda segundo Theodoro23, visam promover a realização da vontade expressa pela lei no final da lide já julgada. Assim, tratando-se do assunto precedentes, trataremos as decisões judiciais como fontes do direito pátrio, sendo necessária a distinção entre jurisprudência e precedente. Segundo a doutrina de Zaneti24, consubstanciada com a de Ferraz Jr.25, a jurisprudência é reconhecida no âmbito sistemático brasileiro como o uso reiterado de decisões judiciais, sendo que em tais decisões o não há poder vinculativo necessário de uma fonte formal primária, como a lei em sentido estrito, apesar de a jurisprudência possuir poder de persuasão ou de influência. Doutro ponto, o precedente, segundo Lourenço26 e Zaneti27, são normas gerais oriundas do julgamento de um caso concreto frente ao direito positivo pátrio, resultando densificação de normas estabelecidas a partir da compreensão de um caso e suas circunstâncias fáticas e jurídicas, adquirindo poder vinculativo e de cunho obrigatório. A matéria que compreende os precedentes consta no Código de Processo Civil, art. 489, art. 926 e art. 927, irradiando seus efeitos processuais para outras áreas que utilizam o procedimento comum como base processual, como é o caso do sistema processual trabalhista, sendo que os precedentes da legislação processual seguem uma linha a ser observada pelos julgadores judiciais, tratando-se, então, de precedentes formalmente vinculantes28. E do nascimento dos procedentes, os mesmo são constituídos pela ratio decidendi e o obter dictum, dentre outros elementos, conforme delineia Chiassoni29. No mesmo pensamento doutrinário, Zaneti Jr30: 23 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. Vol. 1. 58ª. ed. Ver., atual., e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.pág. 633. 24 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 303. 25 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 245 26 LOURENÇO, Haroldo. Precedente judicial como fonte do direito: Algumas considerações sob a ótica do novo CPC. In: Revista da AGU. ano 11, n. 33, jul./set. 2012. p.04. 27 ZANETI JR. Hermes. loc. cit., p. 304. 28 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 605-611 passim. 29 CHIASSONI, Pierluigi. Il precedente giudiziale: tre esercizi di disincanto. p. 81. 30 ZANETI JR., Hermes. loc. cit. p. 332. “Os precedentes judiciais, como entendemos neste trabalho, consistem no resultado de densificação de normas estabelecidas a partir de compreensão de um caso e suas circunstâncias fáticas e jurídicas. No momento da aplicação, deste caso-precedentes, analisando no caso-atual, se extrai a ratio decidendi ou holding como o core do precedente. Trata-se, portanto, da solução jurídica explicitada argumentativamente pelo intérprete a partir de unidade fático-jurídica do caso-precedente (material facts somados a solução jurídica dada para o caso) com o caso-atual. Por esta razão, não se confundem com a jurisprudência, pois não se traduzem em tendências do Tribunal, mas na própria decisão (ou decisões) do tribunal com respeito à matéria. De outra sorte, não se confundem com a jurisprudência porque obrigam o próprio tribunal que decidiu, sendo este responsável, tanto quanto as cortes inferiores, por sua manutenção e estabilidade. Como veremos adiante a característicada jurisprudência é atuar apenas de maneira “persuasiva” e não há sentido em falar em precedentes “persuasivos”. Dessa forma, exarado um precedente, sua consideração passa a ser obrigatória todas as vezes que a mesma matéria venha a ser debatida em casos considerados análogos pelo próprio órgão julgador (vinculação horizontal). Insistimos no ponto fundamental, igualmente não se confundem com a jurisprudência, por serem de observância obrigatória por todos os tribunais inferiores que estão submetidos à decisão do tribunal de hierarquia institucional superior (vinculação vertical). Portanto, os precedentes não são meramente persuasivos ou exemplificativos do entendimento dos tribunais – diferença qualitativa”. Nesta senda, para se configurar um precedente judicial conforme a sua ratio decidendi, a partir de uma decisão judicial de um caso concreto, basta que se enquadre nos ditames objetivos presentes no art. 927 do Código de Processo Civil, que, inclusive, vislumbra a classificação das normas com base na pirâmide kelseniana de hierarquia, o que, segundo Moreto31, provoca a efetividade do efeito vinculante: “Em função dessa estrutura piramidal, entendemos que a jurisprudência emanada dos tribunais superiores, assim como aquela emanada dos tribunais locais ou regionais nos limitados casos em que funcionam como última instância (nos temas relativos a direito estadual ou municipal) deveria surtir efeitos vinculantes. [...] Somente do entendimento suficientemente discutido e maturado, representado por diversas decisões anteriores, é que deveria emergir essa espécie de efeito – no caso de direito novo, por exemplo, a divergência é saudável e deve ser suportada até a efetiva consolidação de entendimento em um sentido ou em outro pelo tribunal superior. Uma vez consolidado o entendimento, então, o tribunal superior deveria emitir uma súmula de jurisprudência, com eficácia vinculante [...]”. Da mesma forma, na formulação da tese que dará razão ao precedente, deve-se ter em atenção o princípio da motivação das decisões judiciais, insculpido na Constituição Federal de 1988, em seu art. 93, inciso IX32, e por ser norma insculpida na norma maior de nosso sistema 31 MORETO, Mariana Capela Lombardi. O precedente judicial no sistema processual brasileiro. 2012. 308 f. Tese (Doutorado em Direito Processual Civil) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. p. 82. 32 In verbis: art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a jurídico, possui reflexos em todos os ramos do direito, seja material, seja processual, seja administrativo, seja judicial. Segundo salienta Rodrigues dos Santos33, o princípio da motivação possui extrema ligação com os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois se esbarra na premissa de que todos os cidadãos poderão ver-se acobertados pelos seus direitos diante de uma decisão que demonstre que os mesmo participaram do processo, em que esta decisão respeitará a dialética processual desenvolvia por todos ao longo do deslinde da lide, respeitando assim os ditames processuais constitucionais e que também estão presentes na nova codificação processual civil que serve de base comum a todos os outros ramos de processo jurídico. Assim, o art. 489, §1º, do Código de Processo Civil, indica o limite da liberdade do julgador na execução do princípio da motivação, que podem conduzir inclusive ao confronte ou superação de precedentes. Neste sentido, quanto à confrontação ou superação (dinstinguishing e o overruling) no exarar de sua decisão, Fensterseifer34: “[...] a técnica de distinção entre o precedente e o caso que está sendo julgado ocorre na etapa derradeira do processo decisório com base em precedentes, haja vista que somente poderá ser aplicada após ter sido devidamente verificada a possibilidade de aplicação do precedente ao caso, e após ter sido extraída do precedente a ratio decidendi. Portanto, a técnica do distinguishing é utilizada para fundamentar a decisão de aplicar ou não o precedente para solucionar o caso em julgamento. [...] A técnica do overruling é um instrumento que permite uma resposta judicial ao desgaste da dupla coerência do precedente. [...]. Assim, quando o precedente carecer de dupla coerência, ele estará violando os princípios básicos que sustentam a regra do stare decisis – a segurança jurídica e a igualdade – deixando de autorizar a sua replicabilidade. Nesse cenário, o precedente deverá ser superado. Ao teste de dupla coerência dá-se o nome de norma básica para superação de precedente (basic overruling principle)”. Portanto, as técnicas de confrontação ou superação de procedentes são no sentido, na primeira, de aplicação ou não da normal emanada no procedente frente ao caso concreto, ou, na segunda, de mudança do pensamento frente à superação da norma jurídica até então estabelecida. preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”. 33 DOS SANTOS, Eduardo Rodrigues. Princípios Processuais Constitucionais – Salvador: Jus Podvm, 2016. p. 162. 34 FENSTERSEIFER, Wagner Arnold. Distinguishing e overruling na aplicação do art. 489, § 1.º, VI, do CPC/2015. Revista de Processo. Ministério Público do Estado de São Paulo.2016. p. 4 -6. passim. Por fim, frisa-se que o sistema de precedentes, segundo Zanetti35, deve argumentar de maneira eficaz a hierarquia institucional (aplicação de precedentes das Cortes Supremas) e hierarquia institucional vertical (vinculação dos precedentes perante a própria corte). 3. DO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO Bem como em demais áreas do direito, o ramo trabalhista necessita de um suporte jurídico processual para poder operar a prática forense. Assim, em consonância com demais meios de procedimento, nasce o direito processual do trabalho, que, segundo Barbosa Garcia, “é o instrumento da jurisdição, em seu exercício voltado aos conflitos trabalhistas, de natureza individual e coletiva” 36, e “está inserido na esfera do Direito objetivo e processual, por estabelecer a regulação da atividade processual que objetiva a pacificação de conflitos sociais relativos às relações individuais e coletivas de trabalho” 37, resolvendo tais conflitos, conforme Luciano Martinez, pela via heterônoma38. Da mesma forma, salienta o professor José Cairo Jr.39: “A depender da espécie de conflito, de acordo com o bem da vida disputado ou a categoria de pessoas dissidentes, incidem regras processuais distintas. Quando estão envolvidas em um conflito o empregado e o empregador, e em alguns casos do trabalhador e do respectivo tomador dos serviços, devem ser observadas as regras contidas no Direito Processual do Trabalho”. Assim, o direito processual do trabalho é o conjunto de normas, regras e princípios peculiares a si que rege o procedimento formal a ser adotado no âmbito da Justiça do Trabalho, para a resolução de conflitos que, ocasionalmente, são trazidos para serem solvidos, seja pacificamente, como no caso de autocomposição, ou forçadamente, onde o poder do Estado impera sobre a vontade dos jurisdicionados. 3.1 DA SUPLETIVIDADE E SUBSIDIARIEDADE DO PROCEDIMENTO COMUM E A APLICABILIDADE DA TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS 35 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmentevinculantes. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 313-314. 36 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito Processual do Trabalho – 6ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 29. 37 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. op. cit. p. 28. 38 MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: Relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho – 7. ed. — São Paulo: Saraiva, 2016. p. 183-187. passim. 39 CAIRO JR., José. Curso de Direito Processual do Trabalho - 9. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Juspodivm, 2016. p. 43-44. Como já salientado, o sistema jurídico brasileiro adotou como sistema processual comum a codificação civil, que no campo da aplicação das normas processuais, mais especificamente em seu art. 15, estabelece tal diretriz no sentido de que, silente ou ausente a norma especial, vigorará o disposto na norma processual civil, de forma supletiva e/ou subsidiária. Da mesma forma, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT também determina a aplicação da norma comum procedimental ao seu sistema processual, como se depreende de seu art. 769, visto que o legislador não é um ser onisciente capaz de legislar sobre todos os pontos em que o direito deverá incidir de forma imperativa na vida social. Importante frisar que a lei trabalhista, por oportuno, possui princípios e regramentos próprios que a distanciam das demais esferas do direito, como, por exemplo, a primazia de que as audiências sejam realizadas de forma oral, da unicidade de audiência, que a audiência seja simples, etc. Assim, com o advento da nova norma processual civil, houve uma grande necessidade da doutrina e da jurisprudência em estudar o que de fato poderia ser transportado do âmbito processual civilista para o processual trabalhista. Dessa demanda, a própria Justiça do Trabalho tratou de determinar o que de fato seria aplicável ao procedimento laboral, quando o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho – TST editou e publicou a Instrução Normativa nº. 39, de 15 de março de 2016, data pouco anterior à entrada em vigor da novel lei processual civil. Na Instrução Normativa, o TST tratou das grandes hipóteses em que o sistema procedimental comum seria aplicável e inaplicável à seara processual trabalhista, visto sua sistemática peculiar, frente aos demais tipos de procedimento. No que concerne ao tema deste esboço teórico, a Justiça do Trabalho determinou que é plenamente aplicável o disposto no Código de Processo Civil – CPC no que diz respeito à aplicação do instituto dos precedentes judiciais, que possuem ligação estrita à fundamentação das sentenças exaradas pelo magistrado (e por conseguinte sua fundamentação nas demais hipóteses de decisões processuais, como as decisões interlocutórias). Assim, in verbis, dispôs a Instrução Normativa40: Art. 1° Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei nº 13.105, de 17.03.2015. [...]; Art. 3° Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas:[...] XXIII - arts. 926 a 928 (jurisprudência dos tribunais); Art. 7° Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do art. 332 do CPC, com as necessárias adaptações à legislação processual trabalhista, cumprindo ao juiz do trabalho julgar liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior do Trabalho (CPC, art. 927, inciso V); II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC, art. 1046, § 4º); III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - enunciado de súmula de Tribunal Regional do Trabalho sobre direito local, convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, sentença normativa ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que não exceda à jurisdição do respectivo Tribunal (CLT, art. 896, “b”, a contrario sensu); Art. 15. O atendimento à exigência legal de fundamentação das decisões judiciais (CPC, art. 489, § 1º) no Processo do Trabalho observará o seguinte: I – por força dos arts. 332 e 927 do CPC, adaptados ao Processo do Trabalho, para efeito dos incisos V e VI do § 1º do art. 489 considera-se “precedente” apenas: a) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC, art. 1046, § 4º); b) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; c) decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; d) tese jurídica prevalecente em Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (CLT, art. 896, § 6º); e) decisão do plenário, do órgão especial ou de seção especializada competente para uniformizar a jurisprudência do tribunal a que o juiz estiver vinculado ou do Tribunal Superior do Trabalho. II – para os fins do art. 489, § 1º, incisos V e VI do CPC, considerar-se-ão unicamente os precedentes referidos no item anterior, súmulas do Supremo Tribunal Federal, orientação jurisprudencial e súmula do Tribunal Superior do Trabalho, súmula de Tribunal Regional do Trabalho não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do TST, que contenham explícita referência aos fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi). III - não ofende o art. 489, § 1º, inciso IV do CPC a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame haja ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante. IV - o art. 489, § 1º, IV, do CPC não obriga o juiz ou o Tribunal a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido 40 INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº. 39/2016, do Superior Tribunal do Trabalho. Disponível em: <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/81692/2016_res0203_in0039_atualizado.pdf>. Acessado em 03 jun. 2019. examinados na formação dos precedentes obrigatórios ou nos fundamentos determinantes de enunciado de súmula. V - decisão que aplica a tese jurídica firmada em precedente, nos termos do item I, não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins de atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1º, do CPC, a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada. VI - é ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1º, V e VI, do CPC, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar precedente ou enunciado de súmula. Porém, como a aplicação das normas processuais civis ao processo do trabalho geram grandes repercussões na técnica forense trabalhista do dia-a-dia, a Instrução Normativa nº. 39/2016 está pendente de julgamento sobre sua inconstitucionalidade, ação ajuizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)41. Até o julgamento da ADI 5516, é cabível as diretrizes da instrução. Porém, até que ponto o determinado pelo TST é eficaz na prática forense trabalhista? Dessa indagação exsurge a novel codificação processual civil42, que veio a substituir a norma anterior, e, da mesma forma, suplementar demais legislações que bebem da fonte de seu direito processual, que é denominado legislação processual comum. Sendo assim, não seria diferente na seara trabalhista, pois oprocedimento comum, por suas próprias normas, é procedimento supletivo e subsidiário ao procedimento laboral43, e este, dentro de suas normas, assim determina o mesmo: que a legislação processual comum incidirá naquilo que lhe for compatível44, nos casos previamente admitidos. Conforme se verifica da legislação trabalhista, a mesma não se refere expressamente à conceitos como o de precedentes judiciais, sendo então, conforme o disposto no art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, importados os ditames do Código de Processo Civil. 41 Portal de notícias Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=316195>. Acessado em 03 jun. 2019. 42 DIDIER JR., Fredier. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento - 19. ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017. p. 26-29 passim. 43 Art. 15, do Código de Processo Civil, in verbis: “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Planalto. Portal da Legislação. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acessado em 03 jun. 2019. 44 Art. 769, da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis: “nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Planalto. Portal da Legislação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acessado em 03 jun. 2019. Entretanto, na seara processual trabalhista, há a previsão de jurisprudências uniformes e a elaboração de súmulas, no que, para Barbosa Garcia45, a jurisprudência adquire certa conotação obrigatória e força nitidamente vinculante em diversas situações, inclusive nos ditames dos artigos 489 e 927 da codificação processual civil. Nas palavras de Jannotti e Melo46, é “inquestionável que os precedentes diferenciam- se da jurisprudência” na medida em que “constituírem decisões judiciais que integram o sistema normativo” e tem “hipótese persuasiva, e por isso faz emergir um novo modelo processual”, frente à ótica da constitucionalização do direito processual como direito atrelado à dignidade da pessoa humana. Embora o assunto sobre precedentes judiciais pareça, prima facie, alienígena aos conceitos e aplicação no bojo do direito do trabalho e processual do trabalho, conforme a interpretação sistemática do direito, e consubstanciado à determinação legal de aplicabilidade subsidiária/supletiva da norma geral na prática forense trabalhista, bem como a temática abordada na Instrução Normativa nº. 39 do TST, verifica-se que tal instituto é plenamente convinhável pois traz nova técnica de interpretação do direito sob a ótica temporal, visto que os precedentes podem vir a ser superados, em decorrência de nova interpretação futura, bem como podem ser afastados de acordo com a incidência no caso concreto. 3.2 DO PROCESSO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO Quando se fala em constitucionalização do processo, como já salientado neste esboço teórico, a conclusão é que a norma que organiza o escopo formal de realização do direito, ou seja, o processo, deve ter seus olhos voltados para a norma maior, a Constituição, que irradia normas e princípios basilares que norteiam o rumo da efetivação do direito no plano real. Sendo assim, a Constituição do nosso país elegeu ser a dignidade da pessoa humana o núcleo para a efetivação dos direitos incorporados no nosso sistema jurídico. 45 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 41. 46 ROCHA, Cláudio Jannotti da. MELO, Carlos Ioney Carneiro. O Direito Fundamental ao acesso à Justiça e os Princípios da Subsidiariedade e Supletividade do CPC/2015 No Processo Do Trabalho: em busca da implementação do Processo Constitucional do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho, vol. 195/2018. Revista do Tribunais Online: Nov/2018. p. 08. Neste sentido, a constitucionalização do direito processual do trabalho é a consequência lógica da constitucionalização do direito processual civil. Sobre o assunto, Janotti e Carneiro47: “A constitucionalização do direito processual, por sua vez, atingindo a instrumentalização do processo civil e trabalhista, permite que procedimentos possam conversar entre si, de modo a proporcionar a máxima efetividade da justiça, alçando assim o então processo constitucional, que ao mesmo tempo em que é um direito processual, é também um direito material, trazendo para o campo processual toda a normatização constitucional, devendo esta iluminar todo aquele espectro normativo, e por isso o devido processo legal deve ser permear o direito fundamental à jurisdição com o substrato dos valores constitucionais. Por isso, esse novo paradigma processual é consubstanciado por normas, como os princípios da celeridade, da efetividade, da duração razoável do processo, da segurança jurídica e até mesmo o da dignidade da pessoa humana, ao ponto de os direitos fundamentais receberem a devida proteção jurídica, devendo o processo ofertar uma efetiva atuação judiciária”. Ainda, segundo Janotti e Melo48, com o movimento constitucionalização do direito processual, a seara trabalhista, que lida com direitos de base alimentar, ou seja, que garantem a dignidade da pessoa humana que reflete no trabalhador e seus dependentes, deve buscar no sistema global os institutos e os instrumentos que tenham capacidade de aumentar e abranger a prestação da jurisdição caracterizada pela “celeridade e máxima eficiência, como garantidor de direitos fundamentais” no caráter elementar à consagração constitucional do acesso à justiça, conforme complementa Zaneti Júnior49. Desta forma, pela aplicabilidade do sistema processual comum ao sistema processual trabalhista, e pela consequente constitucionalização do processo diante da máxima proteção ao ser humano, bem como ser o procedimento a porta de entrada para a tutela dos direitos, de forma efetiva, razoável e tempestiva, resta indene de dúvidas que a constitucionalização do processo do trabalho é movimento hodierno, com respaldo nos moldes constitucionais do direito posto, vias a efetiva prestação da jurisdição com essência humanística e mais próxima daqueles que a buscam, de forma pacífica, solucionar seus problemas, para perpetuação da sociedade. 47 ROCHA, Cláudio Jannotti da. MELO, Carlos Ioney Carneiro. O Direito Fundamental ao acesso à Justiça e os Princípios da Subsidiariedade e Supletividade do CPC/2015 No Processo Do Trabalho: em busca da implementação do Processo Constitucional do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho, vol. 195/2018. Revista do Tribunais Online: Nov/2018. p. 02. 48 ROCHA, Cláudio Jannotti da. MELO, Carlos Ioney Carneiro. op. cit. p. 03. 49 ZANETI JÚNIOR, Hermes. A constitucionalização do processo: o modelo constitucional da justiça brasileira e as relações entre processo e Constituição. 2. ed., rev., ampl., alterada. São Paulo: Atlas, 2014. p. 271. 4. CONCLUSÃO O direito faz parte da sociedade como ramo que tem como finalidade a pacificação social frente às mazelas da sociedade, e que elegeu como núcleo central a promoção da vida, transformada direito material pelo “princípio da dignidade da pessoa humana”. O direito processual, então, torna-se ferramenta para efetivar os direitos oriundos da manutenção da dignidade da pessoa humana, sendo meio pelo qual o direito materializa no mundo dos fatos a persecução de seu objetivo, e para tanto, eleva à cláusula constitucionala forma procedimental para efetivação e promoção do ser humano digno. Em se tratando de efetivação dos direitos, o procedimento comum surge como incorporação de novos paradigmas na esfera procedimental, na medida em que trouxe novos horizontes para a forma como os julgadores do direito podem aplicar aos casos concretos: trata-se dos precedentes judiciais, inserido no bojo do direito processual civil, e que, por determinação legal e instrutiva da corte superior do trabalho, também é aplicado no direito do trabalho e processo do trabalho, com vias a dar mais efetividade ao direito diante do caso concreto em julgamento, e em consonância com a movimentação da constitucionalização do processo como forma de acesso à justiça. Assim, a teoria dos precedentes vem ao cotidiano jurídico brasileiro como instrumento de modelar a nova ótica de aplicação do direito no caso concreto, sendo, sem dúvidas, mais um importante avanço no mundo jurídico, que serve de instrumento para a concretização de direitos e para a prosperidade da sociedade em busca do bem maior. 5. 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