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márcia siqueira de andrade 
(organizadora) 
 
 
 
Colaboradoras: 
aparecida daltin duarte 
edna priolli 
taís aparecida lima 
 
 
 
 
 
 
 
 
O prazer da autoriaO prazer da autoriaO prazer da autoriaO prazer da autoria 
 
 
A psicopedagogia e a construção do sujeito autor 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo, 2016. 
 
 
© Márcia Siqueira de Andrade, 2002 (versão impressa); 2016 (versão digital). 
 
 
ISBN 978-85-7954-099-8 
 
 
Supervisão editorial: Silvana Santos 
 
Revisão: Silvia Cristina Rosas 
 
Capa: Catarina Ricci (Detalhe da obra "Jardim da Aclimaçãö", Ianelli, 1954). 
 
 
Reservados todos os direitos de publicação por 
 
 
 
www.memnon,com.br 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O prazer da autoria: a psicopedagogia e a construção do sujeito autor 
[livro eletrônico] / Márcia Siqueira de Andrade (Org.). – São 
Paulo : Memnon, 2016. 
 5.009 Kb / PDF 
 
 1. Psicologia da aprendizagem. 2. Psicologia educacional. 
I. Título. 
 
 
CDD-370.15 
 
 
SumárioSumárioSumárioSumário 
 
 
 
Apresentação ........................................................................................... 4 
 
Sujeito ensinante/ sujeito aprendente: 
algumas considerações conceituais ......................................................... 
Márcia Siqueira de Andrade 
 
 
5 
 
Desvelamentos do sujeito: 
uma abordagem psicopedagógica clínica para grupos ............................ 
Aparecida Daltin Duarte 
 
 
19 
 
A aprendizagem dos meninos e a relação com a primeira ensinante ...... 
Taís Aparecida Costa Lima 
 
38 
 
A conquista da autonomia na visão psicopedagógica da inclusão esco-
lar ............................................................................................................. 
Edna Priolli 
 
 
58 
 
4444 
ApresentApresentApresentApresentaçãoaçãoaçãoação 
 
 
A necessidade de ampliarmos a compreensão sobre a constituição da autoria de 
pensamento no sujeito aprendente tem demandado inúmeras pesquisas. A produção 
promove significativo avanço nesta área e merece ser socializada. É esta a proposta 
deste livro. 
No capítulo inicial apresentamos algumas considerações conceituais sobre o 
sujeito aprendente. 
O segundo capítulo remete ao processo terapêutico psicopedagógico aplicado a 
grupos. Aparecida demonstra como a intervenção no contexto grupal contribui para 
o desvelamento do sujeito, que poderá reconhecer a sua dificuldade de aprendiza-
gem a partir do entendimento da dificuldade do outro. 
O terceiro capítulo, Taís trata da relação mãe/filho, a partir de algumas articu-
lações entre o inconsciente feminino e a aprendizagem do filho, enfocando o movi-
mento dialético que permeia as dimensões racional, relacional e desiderativa da mãe 
e sua função de ensinante de filho homem. 
Ao final Edna propõe uma importante reflexão sobre a escola inclusiva. Traz 
depoimentos de sujeitos portadores de necessidades especiais como ilustração dos 
aspectos teóricos, discutindo o papel da família e da escola na construção da auto-
nomia do aprendente. 
Mais do que trazer respostas estas pesquisas pretenderam suscitar novas ques-
tões, ampliar o debate, promover autorias de pensamento. 
 
 
As autoras. 
 
 
 
5555 
Sujeito ensinanteSujeito ensinanteSujeito ensinanteSujeito ensinante //// sujeito aprendente:sujeito aprendente:sujeito aprendente:sujeito aprendente: 
 
algumas considerações conceituaisalgumas considerações conceituaisalgumas considerações conceituaisalgumas considerações conceituais 
 
 
 
Márcia Siqueira de AndradeMárcia Siqueira de AndradeMárcia Siqueira de AndradeMárcia Siqueira de Andrade 
 
 
 
Um dos objetivos deste capítulo é situar a Psicopedagogia enquanto disciplina 
constituída, delimitando seu objeto de estudo e acenando para seus fundamentos 
epistemológicos conforme Andrade, a (2001:5-13). 
Inicialmente pretendemos refletir sobre algumas relações comumente tratadas 
como sinônimos. Pensar estas relações de forma estanque e linear justifica-se apenas 
didaticamente, uma vez que estaremos tentando delimitar o papel definido social-
mente a cada uma. São elas: professor/aluno, educador/educando e ensinan-
te/aprendente. 
Apesar de as relações apontadas se instituírem a partir da aprendizagem, estas 
se situam em lugares diferentes e tratam de níveis distintos do aprender. 
A relação professor/aluno, independente da postura teórico/metodoló-gica ado-
tada, implica numa aprendizagem relacionada a conteúdos formais de uma determi-
nada disciplina. Michaelis define professor como sendo 
 
Homem que professa ou ensina uma ciência, uma arte ou uma lín-
gua. (1998:1704). 
 
Já a relação educador/educando estaria pautada num outro nível de aprendiza-
gem relacionado às questões mais amplas, segundo os ideais de cultura e moral de 
um povo. Dessa forma um professor não se transforma em educador ao mudar seus 
pressupostos metodológicos, pois não é isso que o define. Porém, em ambos os ca-
6666 
sos, professor/aluno e educador/educando, estamos falando de lugares objetivos e de 
um conhecimento também objetivo permeados pela relação ensino/aprendizagem. 
Já ensinante/aprendente pauta-se numa relação transferencial que se define a 
partir de lugares subjetivos e de um projeto identificatório. Concordamos com Fer-
nandez: 
 
Às palavras ensinante, aprendente... estou atribuindo o valor de 
conceitos...não são equivalentes a aluno e professor. Estes últimos fa-
zem referência a lugares objetivos em um dispositivo pedagógico, en-
quanto aqueles indicam um modo subjetivo de situar-se...Os estudos de 
pedagogia...como os da psicologia e os da psicanálise...não dão conta 
dos posicionamentos singulares diante do conhecer e do aprender. (Fer-
nandez, 2001:53), 
 
Para pensarmos a relação ensinante/aprendente vamos situar, conforme Fer-
nandez: 
 
... o aprendente, necessariamente em uma cena vincular que pri-
mária e paradigmaticamente se dá no grupo familiar, em nossa cultura. 
Para efeito de análise, recortamos dessa estrutura vincular ao aprenden-
te, descobrindo que nele intervêm quatro estruturas, quatro níveis cons-
titutivos de um sujeito que, por sua vez, se constroem ou se instalam 
através de uma inter-relação constante e permanente com o meio fami-
liar e social. (Fernandez, 1990:52) 
 
ESTABELECENDO PARÂMETROS PARA A 
COMPREENSÃO DA CATEGORIA TEÓRICA 
 
Mostraremos, de forma resumida, de que forma a inter-relação entre sujeito de-
sejante e sujeito cognoscente dá origem ao sujeito da Psicopedagogia: o sujeito 
aprendente. Uma exposição mais aprofundada pode ser buscada em Andrade, 2002. 
Estaremos analisando a questão proposta buscando uma articulação de aspectos 
epistemológicos compatíveis entre si. Entendemos que a Psicanálise e a Epistemolo-
7777 
gia Genética guardam entre si pressupostos epistemológicos distintos, porém passí-
veis de articulação: dentre esses aspectos podemos destacar a noção de gênese e de 
historicidade dos fenômenos psíquicos e cognitivos; o aspecto estrutural pertinente 
ao modelo médico do sistema psíquico e cognitivo; a noção de inconsciente psíquico 
e cognitivo presente nas duas teorias. 
Fica claro, então, que não se trata de construir uma colcha de retalhos nem 
mesmo de comparar aspectos distintos de teorias distintas, mas de realizar um esfor-
ço no sentido de buscarmos compreender o mesmo fenômeno a partir de distintos 
olhares, propondo então um salto no sentido de definir alguns dos pressupostos teó-
ricos da Psicopedagogia. 
Quando falamos de sujeito cognoscente, estamos considerando a inteligência, a 
construção do conhecimento a partir do sistema cognitivo. A epistemologia genética 
trata da gênese do conhecimento, das questões relacionadas ao cognitivo, busca de-
limitar o que é comum a todos os seres humanos no processo psicológico de cons-
trução do conhecimento. 
Para Piaget o sujeito epistêmico é dotado de um sistema cognitivo formadopor 
estruturas cuja unidade é o esquema. Toda e qualquer ação demanda um esquema e 
caso este não esteja disponível o sistema entra em desequilíbrio provocando então o 
movimento de assimilação, (transformação do objeto de conhecimento), acomoda-
ção (transformação do organismo). Com a assimilação/acomodação novos esquemas 
são formados e toda a estrutura se modifica retornando ao equilíbrio. Podemos ilus-
trar o movimento da seguinte forma: 
 
 Sistema CognitivoSistema CognitivoSistema CognitivoSistema Cognitivo 
 
 
 estrutura 
 
 
 
 
 
 
 
Objeto de conhecimentoObjeto de conhecimentoObjeto de conhecimentoObjeto de conhecimento 
esquemas 
assimilação acomodação 
8888 
O sujeito cognoscente é aquele do qual se ocupa a escola e os professores. 
Cabe ao professor promover o desequilíbrio do sistema cognitivo de seus alunos 
frente aos conteúdos escolares para que estes possam construir novos esquemas e 
desta forma construir o conhecimento formal. 
Já o sujeito desejante pode ser compreendido pela psicanálise que nos traz o 
sistema psíquico cuja unidade inata e inconsciente é o Isso. Para Freud o Isso funci-
ona pelo princípio do prazer sem modificar a realidade. Para que o objeto de desejo 
possa ser localizado no mundo real é necessária outra instância psíquica, o Eu que 
funciona pelo princípio da realidade. O Eu serve de mediador entre duas forças 
opostas e inconscientes: o Isso que busca o prazer total e o Supereu, regido pelo 
princípio da perfeição. O desejo de prazer total e perfeição absoluta nunca é alcan-
çado cabendo ao Eu realizar uma metáfora desse desejo. 
Cabe aqui a seguinte ilustração: 
 
 Sistema PsíquicoSistema PsíquicoSistema PsíquicoSistema Psíquico 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Metáfora do desejoMetáfora do desejoMetáfora do desejoMetáfora do desejo 
 
 
 
Do sujeito desejante se ocupa o analista através do estabelecimento de uma re-
lação transferencial calcada em conteúdos inconscientes e subjetivos. Estamos aqui 
falando não de conhecimento, mas de Saber. 
A Psicopedagogia pretende compreender o sujeito que se estabelece na trans-
formação destes dois sistemas: o sujeito aprendente, conforme figura a seguir: 
 
 
Eu Prazer Perfeição 
 
9999 
 
 
 
A Psicopedagogia não se coloca no lugar da pedagogia no sentido de que irá 
trabalhar com o sujeito cognoscente, o sujeito do conhecimento, nem no lugar da 
psicologia/psicanálise ao trabalhar com o sujeito do inconsciente, o sujeito desejan-
te. Por outro lado não trabalhará com a soma destas duas instâncias, nem na articula-
ção de ambas, mas num espaço transdisciplinar que surge da fecundação entre sujei-
to cognoscente e sujeito desejante e que possibilita o nascimento do sujeito apren-
dente. 
A Psicopedagogia busca compreender a subjetividade constituída pelo desejo 
de saber e pela demanda de conhecimento. Nesta perspectiva o sujeito em situação 
de aprendizagem, sujeito aprendente e seu par dialético, o sujeito ensinante adquire 
o estatuto de categorias teóricas que não podem ser consideradas sinônimo de pro-
fessor / aluno. 
Durante os anos iniciais que permitiram ao bebê constituir-se como sujeito, 
produziram-se encontros que foram significados em relação às experiências com um 
outro significativo e que tiveram, portanto, uma função estruturante. Estes encontros 
com as figuras ensinantes, objetos de amor, que intercederam entre o sujeito em 
constituição e os objetos de conhecimento são fundantes na construção do sujeito 
aprendente. 
 
10101010 
Ao falarmos de aprendente/ensinante estamos nos referindo a lugares subjeti-
vos, a personagens da trama inconsciente que serão ocupados, vivenciados, constru-
ídos pelo sujeito em situação de aprendizagem e que por sua vez projetará no ensi-
nante as formas que tenham tomado essas figuras no transcurso do processo de cas-
tração. 
Estamos nos referindo igualmente, não apenas aquilo que tem a ver com o su-
jeito aprendente projetando o sujeito ensinante internalizado no outro, mas também 
como este sujeito vivencia a si mesmo como sujeito ensinante, ou seja, como pode 
ou não mostrar o que conhece. 
Ensinante/aprendente são funções exercidas a partir desta posição subjetiva ins-
taurada pela castração do pensamento, que determina uma modalidade de ensi-
no/aprendizagem fundada na, e pela linguagem. 
É pela linguagem que o sujeito se apresenta enquanto ensinante/aprendente re-
presentando as percepções inconscientes. É pela inteligência que a pulsão se articula 
ao pensamento sustentada pela representação, ou seja, pela linguagem. O prazer está, 
portanto, na representação do desejo, na sua simbolização e não na sua realização. 
 
DO QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE 
AUTORIA DE PENSAMENTO 
 
Para compreendermos melhor a relação ensinante/aprendente e o nível de 
aprendizagem que funda essa díade precisamos explicitar o que entendemos quando 
falamos em autoria do pensamento. 
Em trabalho anterior (Andrade, 2001) postulo que o sujeito aprendente se cons-
titui autor na medida em que vivencia a castração do pensamento, momento em que 
o sujeito se dá conta de que o pensamento é uma instância psíquica pessoal, consti-
tuindo dessa forma um mundo subjetivo próprio separado da subjetividade materna. 
Consideramos castração como o processo de separação mãe/bebê, em que a 
criança constrói o próprio corpo a partir do organismo herdado. Essa construção se 
dá pela experiência de dor e prazer, mas não se fixa em nenhum dos dois pólos 
opostos, constituindo-se a partir da síntese e trans/formação dos dois vetores. 
Para Aulagnier: 
 
11111111 
...na relação mãe-filho, será no registro do pensar que se instituirá 
uma luta decisiva respeitante à aceitação ou recusa por parte da mãe de 
reconhecer a diferença, a singularidade, a autonomia desse novo ser que 
fez parte de seu corpo... (1990:270). 
 
Na elaboração da castração do pensamento o conhecimento se reveste de um 
significado fálico. 
A construção do pensamento é aqui considerada enquanto um processo cuja 
gênese se confunde com a gênese da construção do símbolo e que traz no seu bojo a 
articulação possível e necessária entre mundo interno e mundo externo de um sujeito 
que formula teorias sobre o mundo e sobre si mesmo desde que se constitui como 
sujeito. 
 Vamos considerar autoria de pensamento conforme a seguinte colocação de 
Aulagnier: 
 
(Se é verdade que poder comunicar seus pensamentos, desejar fa-
zê-lo, esperar disso uma resposta, fazem parte integrante do funciona-
mento psíquico e são suas condições vitais, é igualmente verdade que 
deve coexistir paralelamente para o sujeito)... a possibilidade de criar 
pensamentos que têm como única finalidade trazer ao Eu que os pensa, 
a prova da autonomia de um espaço que ele habita e da autonomia de 
uma função pensante que só ele tem poder de assegurar: donde o prazer 
que o Eu experimenta ao pensá-los. (1990:264) 
 
O pensamento é entendido como a trans/ação entre o nível inteligente, que se 
ocupa do conhecimento, do mundo possível e o nível inconsciente que busca o saber 
e o mundo do impossível. A possibilidade de pensar é assegurada pela ignorância 
que permeia o saber, isolando-o do conhecimento impedindo dessa forma o sintoma 
e a loucura. 
 A Psicopedagogia não busca compreender o homem, mas o sujeito aprendente, 
autor do pensamento. Para a Psicanálise o pensamento seria o substituto do desejo 
alucinatório, constituindo-se como tal na diferenciação entre realidade e fantasia. 
Estamos considerando fantasia a enunciação inconsciente cujo enunciado anuncia o 
sujeito, o desejo e o objeto que vem garantir ao sujeito o preenchimento da falta. 
12121212 
A falta é o fundamento da estrutura do sujeito, pois ele nasce no e do desejo. O 
sujeito é desejante de um desejo e não de um objeto. Aulagnier coloca de forma 
clara essa questão: 
 
Eis porque - quer o sujeito se interrogue sobre a causa do seu nas-
cimento, quer se interroguesobre a causa do desejo materno, ou que 
tente conhecer a causa da ordem do mundo e do agenciamento do real 
que o cerca - será sempre a mesma questão que encontraremos na orla 
de sua demanda: conhecer que primeiro Desejo, que primeiro Outro de-
sejante justifica e torna razoável o aparente desatino do mundo, assim 
como o real desatino do desejo. (1990:181). 
 
 A criança usaria a fantasia como uma hipótese a ser testada no encontro com a 
realidade, como por exemplo as fantasias de seio bom e seio mau. O pensamento 
surgiria da ausência de um seio: 
 
Se a capacidade de tolerar a frustração for suficiente, o não seio se 
transforma em pensamento e desenvolve-se um aparelho para pensá-lo. 
(Bion, 1988:103). 
 
 Esse processo conduziria ao aparecimento de funções essenciais para a inteli-
gência tais como a atenção e a memória. Diante dessas colocações consideramos 
inerente à autoria de pensamento 
 
... a liberdade de conhecer, tanto o bem vindo como o não querido, 
os pensamentos ansiosos, os pensamentos sentidos como maus ou lou-
cos, assim como os pensamentos sentidos como construtivos e os senti-
dos como bons e sadios...Mas como todas as liberdades, também é sen-
tida como um laço já que nos faz sentir responsáveis pelos nossos pró-
prios pensamentos. (Segal, 1982:301). 
 
Diante do exposto podemos considerar que o ensinante não é o sujeito que sa-
be, nem pode ser o sujeito do Saber, ele deverá ocupar a posição de suposto Saber, 
reconhecendo o desejo de conhecer no sujeito aprendente. 
13131313 
Concordamos com Almeida (1999:66): 
 
...o conhecimento que verdadeiramente se ensina é o que se trans-
mite como efeito de um Saber sobre a própria castração. 
 
Cabe ao ensinante ensinar ao aprendente sobre a castração, sobre a 
con/vivência com a falta, com o furo, significando o conhecimento como metáfora 
possível do falo. A função do ensinante é a de indicar ao aprendente a posição do 
sujeito a respeito da verdade, a verdade daquilo que ele deseja. 
A Psicopedagogia busca, portanto, construir uma teoria que dê conta de expli-
citar o processo através do qual o sujeito aprendente articula fantasia e realidade 
abandonando a ilusão da onipotência para criar o símbolo e com ele a capacidade de 
gerar pensamento ampliando o conhecimento sobre si e sobre o mundo. 
 
RETORNANDO AO PROFESSOR/ALUNO 
 
Pensamos ter esclarecido os diferentes níveis de aprendizagem a que nos refe-
rimos quando falamos de professor/aluno e ensinante/ aprendente. Entretanto, se 
pensarmos estas relações em termos dinâmicos, como elas de fato podem se apre-
sentar, devemos considerar uma outra categoria teórica: a transferência. 
 Colocamos que professor, educador e ensinante se situam em lugares distintos 
e tratam de aprendizagens diferentes. Vamos tentar ilustrar essa afirmação: 
 
 
 
 
 
 objetivoobjetivoobjetivoobjetivo 
 
 subjetivosubjetivosubjetivosubjetivo 
 
 
 
 
Professor/alunoProfessor/alunoProfessor/alunoProfessor/aluno Educador/educandoEducador/educandoEducador/educandoEducador/educando 
Ensinante/aprendenteEnsinante/aprendenteEnsinante/aprendenteEnsinante/aprendente 
14141414 
Pela ilustração podemos visualizar que as diferentes instâncias se interpenetram 
e se sobrepõem em algumas áreas. Isso significa que num mesmo momento, entre 
duas pessoas, podemos identificar os diferentes níveis de aprendizagem. Essa possi-
bilidade se instala a partir da transferência. 
A transferência, segundo Freud, é a substituição do vínculo com uma pessoa 
anteriormente conhecida, pela do médico. O que se reedita nesta situação é a relação 
do sujeito com as figuras parentais e a ambivalência pulsional da dita relação: reim-
pressões, reproduções dos fantasmas que devem ser desvelados e feitos conscientes 
à medida que progride a análise. Trata-se, portanto, de pautas de comportamento, 
tipos de relação objetal. 
Para Freud: 
 
...a psicanálise nos mostrou que as atitudes emocionais dos indiví-
duos com outras pessoas, que são de extrema importância para seu 
comportamento posterior, já estão estabelecidas numa idade surpreen-
dentemente precoce. (...) Ela pode posteriormente desenvolvê-las e 
transformá-las em certas direções, mas não pode mais se livrar delas. 
(...) Todos os que vêm a conhecer mais tarde tornam-se figuras substi-
tutas desses primeiros objetos de seus sentimentos. 
 
Vamos, a partir desta última referência, considerar a transferência como um fe-
nômeno universal e espontâneo, ilusório e imaginário que permite ao terapeuta con-
tatar o funcionamento de um mecanismo inconsciente de um evento passado revisi-
tado pelo paciente na atualidade. 
Neste sentido cabe dizer que todas as relações estabelecidas formam-se a partir 
dos vínculos construídos nas relações da criança com aqueles que exerceram a fun-
ção de pais, portanto, seja na relação professor/aluno, seja na relação ensinan-
te/aprendente, esses afetos são revividos formando-se o campo transferencial. 
Ocorre, entretanto que, por ser um mecanismo inconsciente, não cabe ao pro-
fessor tomar consciência destas questões ou manejá-las em sala de aula, até mesmo 
porque nenhum de nós faz isso no dia a dia de nossas vidas. 
Acreditamos que esse é o papel do Psicopedagogo nas instituições escolares: 
analisar as relações transferenciais estabelecidas entre professores/alunos, educado-
res/educandos e assim fazendo analisar as posições subjetivas ensinante/aprendente, 
15151515 
a partir da identificação dos tipos de vínculos reeditados e que demandam modalida-
des de aprendizagem específicas, favorecendo, com sua atuação, que as intervenções 
dos professores possam se tornar mais eficazes. 
Concordamos com Fernandez: 
 
O objeto da Psicopedagogia não é, então, no meu ponto de vista, o 
conteúdo ensinado ou o conteúdo aprendido ou não aprendido; são os 
posicionamentos ensinantes e aprendentes e a intersecção problemáti-
ca... entre o conhecer e o saber. (Fernandez, 2001:55). 
 
ILUSTRANDO A TEORIA 
 
O caso apresentado a seguir busca favorecer a compreensão conceitual de su-
jeito aprendente, desvelando, através da representação gráfica, como emerge no 
outro. (Sampaio, Garcia, 2001:55), (Faraldo, Mendes, Andrade, 200:48). 
No caso relatado foi solicitado ao sujeito da pesquisa que desenhasse alguém 
aprendendo alguma coisa. 
 
 
SSSSexo: masculinoexo: masculinoexo: masculinoexo: masculino 
Idade: 39 anosIdade: 39 anosIdade: 39 anosIdade: 39 anos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16161616 
Nesse caso o sujeito não conseguiu representar alguém aprendendo e entregou 
a folha em branco, após comentar que não sabia desenhar. 
Para Andrade (apud Capovilla e Andrade, 2001:45): 
 
O desejo é o combustível necessário à aprendizagem, entretanto, 
para proteção das dores internas a energia necessária a uma aprendiza-
gem específica(...) pode se mobilizar contra os processos intelectuais, 
mobilizando mecanismos de defesa, na forma de “contra inteligência”, 
provocando o aparecimento do déficit intelectual. As funções intelectu-
ais como percepção, memorização, concentração etc., sofrem a ação de 
mecanismos defensivos, negação e racionalização entre outros, em pre-
juízo do desenvolvimento cognitivo e afetivo. Nesse caso o distúrbio de 
aprendizagem pode se instalar à partir dessa dinâmica trazendo junto a 
necessidade de ser não apenas identificado mas interpretado como ma-
nifestação inconsciente. 
 
Para Fernandez, (1990:219): 
 
O simbolismo não pode manifestar-se independentemente da in-
telecção, porque esta lhe dá a possibilidade da congruência. Na fratura 
da congruência aparece o sintoma. 
 
O sujeito, neste caso, não se permite a autoria do pensamento. Uma forma de 
evitar o sofrimento é evitar pensar, o que denominamos de inibição cognitiva. Não 
há uma alteração do pensar, mas um movimento defensivo exitoso, no qual é evitado 
o contato com o próprio pensar... Isso dará lugar ao mecanismo de evitação: evitar 
tomar contatocom o objeto de conhecimento... (Fernandez, 2001:126). 
A evitação transforma-se num mecanismo que remete ao pensamento aními-
co1 de tal forma que possibilita lidar com o conhecimento de forma mágica, como 
algo que, se omitido, deixasse de existir. 
 
1 Freud, ao escrever sobre “Animismo, magia e onipotência de pensamentos” coloca como um dos princípios em 
cuja pressuposição a ação mágica funcionava nos homens primitivos consistia em tomar uma conexão ideal por uma 
real. Ele fala sobre o princípio da semelhança entre o ato executado e o resultado esperado, descrevendo esse tipo de 
magia como imitativo. 
17171717 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
A conceituação de sujeito aprendente /ensinante bem como da autoria de pen-
samento não se esgota neste texto. Estas categorias têm se mostrado fundamentais 
para a construção das bases teóricas da Psicopedagogia e merecem um amplo debate 
entre os pesquisadores da área. Nossa proposta, aqui, é contribuir para o debate, 
tornando-o profícuo. 
 
REFERÊNCIAS 
 
Almeida, S. F. C. (1999). Psicanálise e educação: entre a transmissão e o ensino, 
algumas questões e impasses. In: A psicanálise e os impasses da educação. I 
Colóquio do laboratório de estudos e pesquisas psicanalíticas e educacionais 
sobre a infância. São Paulo, IP/FE-USP. p.63-9. 
Andrade, M. S. (2002). A escrita inconsciente e a leitura do invisível: uma contri-
buição às bases teóricas da Psicopedagogia. São Paulo: Memnon. 
Andrade, M. S. (2001). Bases teóricas da Psicopedagogia: iniciando a discussão. 
Cadernos de Psicopedagogia, 1(1):4-13. 
Andrade, M. S., & Capovilla, A. G. S. (2001). Linguagem escrita: aspectos semânti-
cos e fônicos. São Paulo: Memnon. 
Aulagnier. (1990). Um intérprete em busca de um sentido. São Paulo: Editora Escu-
ta. 
Faraldo, J. V., Mendes, R.O., & Andrade, M. S. (2001). O sujeito aprendente numa 
abordagem psicopedagógica. II Seminários Avançados em Psicopedagogia. 
(Anais, p.48). 
Fernandez, A. (1990). Inteligência aprisionada Abordagem psicopedagógica clínica 
da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas. 
Fernandez, A. (2001). Os idiomas do aprendente. Análise das modalidades ensinan-
tes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre, ArtMed. 
Freud, S. Toten e Tabu e outros trabalhos. In: Algumas reflexões sobre a psicologia 
escolar. Edição Eletrônica. Rio de Janeiro: Imago. 
 
18181818 
Michaelis. (1998). Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhora-
mentos. 
Sampaio, A. S. M., & Garcia, E. A. M. - Sujeito aprendente. II Seminários Avança-
dos em Psicopedagogia. (Anais, p.55). 
Segal, H. (1982). A obra de Hanna Segal. Rio de Janeiro: Imago. 
 
 
 
 
19191919 
Desvelamentos do sujeito:Desvelamentos do sujeito:Desvelamentos do sujeito:Desvelamentos do sujeito: 
 
uma abordagemuma abordagemuma abordagemuma abordagem psicopedagógicapsicopedagógicapsicopedagógicapsicopedagógica 
 
clínicaclínicaclínicaclínica para grupospara grupospara grupospara grupos 
 
 
 
Aparecida Daltin DuarteAparecida Daltin DuarteAparecida Daltin DuarteAparecida Daltin Duarte 
 
 
 
Este capítulo aborda a busca em compreender a intervenção psicopedagógica 
clínica em um grupo contribuindo para o desvelamento do sujeito que reconhece a 
sua própria dificuldade de aprendizagem a partir do entendimento da dificuldade do 
outro. Procuro demonstrar como a capacidade deste sujeito a ter pensamentos pró-
prios e manifestá-los poderá ser ampliada considerando o processo grupal, pois as 
dificuldades que impediam a emergência do espaço de autoria poderão ser reconhe-
cidas e superadas através da intervenção psicopedagógica. 
Pela minha experiência como psicopedagoga clínica verifiquei empiricamente 
que, no processo terapêutico em grupos, a colaboração mútua pode desvelar o que 
está escondido, de forma que o conhecimento do eu e do tu se torne cada vez mais 
importante para o crescimento de cada integrante. O sujeito que necessita de um 
espaço onde existam pessoas com quem possa contar e ter oportunidade de se mos-
trar-lhes útil, ao revelar suas capacidades e habilidades, poderá sentir-se mais seguro 
e participativo em sua vida familiar, social, individual e escolar. 
A partir da interação dos elementos deste grupo busquei favorecer a transfor-
mação do que está implícito para o explícito, do inconsciente para o consciente. O 
que estava oculto e implicava rejeição do desejo às mudanças ou evitação do que é 
doloroso ao libertar-se rompe a reprodução estereotipada e permite a emergência 
criativa da aprendizagem. 
20202020 
Durante o período de tratamento as dificuldades que foram se revelando vão, 
pouco a pouco, se desfazendo e é possível perceber, nessa etapa, o processo de re-
construção do sujeito e o enfoque diferenciado que terá em relação a si mesmo, seja 
através da manifestação dos seus próprios pensamentos, seja pelo reconhecimento e 
resolução de suas próprias dificuldades. 
Um sujeito que antes apresentava sentimentos de inadequação, desamparo, que 
se sentia tão diferente dos demais a ponto de ser-lhe impossível a comunicação, e 
que se expressava através da indisciplina, aparência agressiva ou do isolamento, ao 
se perceber entre iguais, poderá estabelecer vínculos e restabelecer a confiança em si 
e no outro, ampliando suas possibilidades de relacionamento social em diversos 
ambientes e revelando seu verdadeiro potencial encapsulado e latente. 
Pela ação o sujeito aprendente organiza e modifica o meio construindo, conse-
quentemente, o conhecimento e reconstruindo-se enquanto sujeito autor. Este sujeito 
arquiteta a sua autonomia identificando e clareando os obstáculos a essa construção. 
O processo psicopedagógico prioriza a reconstrução da ação ante o objeto, 
desmontando o sintoma e afastando os obstáculos, primeiro pela regressão, que 
permite o retorno do desejo reprimido, e segundo pela transferência. A atualização 
dos desejos, numa ação conjunta entre o psicopedagogo e o sujeito constitui a essên-
cia da Psicopedagogia, definindo assim a cura pela ação. 
Pichon-Rivière (1998) entende que nos grupos as pessoas projetam conteúdos 
inconscientes, relacionando-se entre si a partir dessa projeção. Assim cada membro 
adjudica e assume papéis, caracterizando uma situação que não se encontra apenas 
na relação terapêutica, mas também está presente, em graus diferentes, em cada en-
contro de um indivíduo com outro. 
A história do que é individual a cada membro - e que permite ao sujeito assu-
mir os diversos papéis que lhe são adjudicados pelos outros integrantes - e do que é 
compartilhado pelo grupo, articula-se no papel. A dialética entre indivíduo e grupo, 
entre aquele que em uma determinada circunstância será o porta-voz de uma pro-
blemática pessoal remete às relações implícitas, nas quais estão comprometidos to-
dos os integrantes do grupo. 
Esse processo grupal somente poderá ser decodificado, muitas vezes, pelo con-
junto do que foi verbalizado ou pela atuação do(s) porta-voz(es), considerando a 
relação dos integrantes do grupo com a tarefa, ou seja, a solução da dificuldade de 
aprendizagem. 
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Berger (1985) nos mostra como a formação da identidade do indivíduo se dá a 
partir da interação com os outros, sua história é a história das suas relações. Mesmo 
as experiências internas - fome, dores, sono - resultarão em conforto ou desconforto 
de acordo com a ação ou a omissão do outro. Pouco a pouco, a criança adapta seu 
organismo e sentirá fome na hora das refeições e sono na hora de dormir. 
A socialização proporciona a iniciação e, a partir daí, a expansão e ingresso do 
indivíduo no mundo, constituindo parte essencial do processo de humanização. Sua 
reciprocidade vem do fato de que altera tanto o socializado quanto o socializante, a 
experiência com crianças modifica quem convive com elas. Os mecanismos da soci-
alização, a interação e a identificaçãocom os outros, são marcantes no processo de 
interiorização, consciência e autodescoberta. 
Ao interiorizar as vozes do outro a criança poderá falar a si mesma e através do 
outro pode se descobrir, adquirindo a capacidade de tomar decisões de acordo com o 
meio, controlar seus impulsos e configurar a individualidade. Porém sempre restará 
o espontâneo, o incontrolável que irrompe de forma imprevisível. 
Eu vejo como a convivência com o meio pode favorecer, ou não, o desenvol-
vimento de determinadas habilidades. O estudo da linguagem nos fornece um bom 
exemplo: inicialmente, as crianças se utilizam de uma linguagem semissocializada, 
não existe ainda a preocupação de se comunicar com o outro. Na interação com o 
outro é que sentirá necessidade da troca e, então, realizar-se-á o diálogo, para que as 
ideias combinadas levem a determinadas conclusões. A falta de estímulo dos pais ou 
responsáveis poderá gerar dificuldades que futuramente poderão se cristalizar em 
sintomas, como as dificuldades de escrita ou fala, obstaculizando a comunicação e a 
expressão. 
Voltando a Berger (1985) vemos que ele coloca a linguagem como instituição e 
a define como um padrão de controle, uma programação da conduta individual im-
posta pela sociedade. Segundo o autor, num primeiro momento, pode-se dizer que a 
família é o ambiente de socialização primária da maioria das crianças. Porém, a cri-
ança somente tomará conhecimento desse fato e do mundo externo através da lin-
guagem, instituição que Berger considera fundamental, pois é por intermédio dela 
que a criança irá estruturar seu mundo interno, os objetos, as relações que estabelece 
com eles, os papéis - reconhecíveis pelos padrões repetitivos na conduta dos outros - 
desempenhados pelas pessoas a sua volta e que continuarão plausíveis somente atra-
vés da linguagem. 
22222222 
A criança reconhecerá a mamãe que sabe tudo, o papai que castiga mas fala das 
razões para fazê-lo, representando, assim, a instituição do sistema moral. O autor 
nos mostra como todos admitem a existência da linguagem e de suas particularida-
des, sabem, ou podem aprender, qual é o correto ou não, mesmo que o indivíduo não 
aceite ou não concorde com determinadas regras. 
No estudo que realizei com um grupo de três adolescentes do sexo feminino, Ana 
Carolina, Camila e Priscila2, com idades variando de doze a quinze anos, constatei 
como cada uma construiu determinada modalidade de aprendizagem sintomática. 
O contato com o objeto era perigoso e, portanto, empobrecido. O não saber po-
de gerar sofrimento, falta de iniciativa e dificuldade de expressão, e a tendência pode 
ser o desligamento do que se passa a sua volta, uma vez que o intenso contato com o 
conflito e com a subjetividade parecem ser, para o sujeito, prejudiciais, cristalizan-
do-se na desrealização do pensamento e no isolamento que o recurso à fantasia pode 
proporcionar. 
Outra modalidade se configura quando as possibilidades que o objeto oferece 
não são exploradas. Há uma submissão cega à autoridade do ensinante, caracteri-
zando déficit lúdico e redundando no esquema empobrecido. A perseveração na 
mesma tarefa não permite a emergência da criatividade. 
A terceira modalidade que encontrei era a necessidade de guardar o segredo 
devido a uma relação punitiva com a aprendizagem, era a jovem que não podia res-
ponder por escrito porque assim ela revelaria o que sabe. Culpava-se por sujeitar-se 
e obedecer e a culpa por mostrar se estendia ao guardar e ela foi perdendo, então, 
paulatinamente, também esta possibilidade. 
Cada integrante do grupo estudado por mim começa a compreender e a se 
questionar sobre o que projeta no outro ou a questionar o que introjeta do outro ao 
vivenciar o processo do nosso trabalho, encontrando no meio grupal a solução para 
suas dificuldades. 
A cooperação entre os indivíduos implica descentração a partir da coordenação 
de distintos pontos de vista; comprovando como o pensamento lógico é, basicamen-
te, social. No grupo, cada elemento formula as regras necessárias à reciprocidade e 
coerência, complementando o sistema formado pela atividade interna e a cooperação 
exterior com os indivíduos. Para Berger (1985) apenas pela socialização o indivíduo 
aprende a ser um membro da sociedade. 
 
2 Nomes fictícios. 
23232323 
Enquanto o grupo era trabalhado como tal, percebido como uma reunião de 
iguais, cada integrante fortalecia sua particularidade e o que o definia como sujeito, 
aquele que é autor da própria história e que considera o outro como, mais do que 
nunca, presente em sua vida. 
Ao mesmo tempo em que existiam determinadas generalidades de objetivos e 
propostas de ação, cada membro do grupo se destacava por ser único, por ser aquele 
que se descobriu e procurou se resolver dentro do contexto em que vivia. Ao desco-
brir que determinadas condições eram passíveis de serem transformadas, pesquisa-
dor e pesquisados assumiram uma posição reativa, analisando e avaliando constan-
temente as novas descobertas e orientando a ação que modificaria as condições e as 
circunstâncias indesejadas. 
Comprovei como as integrantes puderam identificar seus problemas e suas ne-
cessidades, buscando alternativas e propondo estratégias adequadas de ação. Fer-
nández (1990) nos lembra de que antes de pensar o tipo de olhar, é preciso situar o 
lugar de onde olhar, ou seja, do espaço transicional, de jogo, confiança e criatividade 
é que se poderá gestar o olhar psicopedagógico. Olhar que pude exercitar na vivên-
cia do grupo a partir do nosso primeiro contato, que aliás foi fundamental para o 
desenvolvimento do vínculo e estabelecimento do espaço de confiança. A terapeuta 
pôde mostrar às integrantes a liberdade que teriam para fazer questionamentos e 
colocações que, muitas vezes, não têm coragem ou não podem expressar em outras 
situações. No confronto com a resolução do problema de aprendizagem esta psico-
pedagoga encontrou o terreno ideal para observar a inteligência submetida ao desejo, 
não podendo desconhecer nem a um nem a outro. 
Quando notei a curiosidade da Priscila quanto as minhas anotações dei-lhes o 
meu bloco e elas ficaram encantadas em poder ler o que estava escrito. Todas con-
cordaram em que seria muito bom poder saber o que havia na pasta da escola e dos 
médicos, ou seja, todas poderiam trabalhar com os seus segredos abertamente e não 
ficar suspeitando do que os outros tinham guardado “a sete chaves” sobre elas. 
Compreendi o que Fernández (1990) quer dizer quando afirma que o segredo 
está presente em toda busca de conhecimento, e que para algumas pessoas esta reve-
lação pode significar um desafio e um estímulo, para outras, o perigo e a culpa pelo 
acesso ao mesmo, quando o sujeito pode enviar sinais para indicar que está enfren-
tando uma situação difícil, e poderá, então, entrar em campo a sensibilidade do psi-
copedagogo em ver o diferente, o que não está escrito ou não se fala, para poder 
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decodificar a mensagem implícita enviada pelo indivíduo. Se não permitirmos que 
nossa ansiedade interfira, conseguiremos que nosso olhar vagueie pelo que não se 
diz, e não precisaremos tanto da fala direta e objetiva de sua dificuldade. 
Quando a minha sensibilidade em ver o diferente veio a campo, permiti que 
meu olhar se voltasse para o que estava escondido. Um desses momentos se deu 
quando realizamos a produção coletiva de textos e, após certa resistência em mostrar 
o que estava escrito, cada uma das integrantes colocou sua produção para discussão 
pelo grupo. Ao falar sobre o que haviam escrito perceberam que compartilhar so-
nhos, desejos e esperanças afastava a inibição, o que dava lugar a um crescente entu-
siasmo em compartilhar. Transcenderam o corpo do texto e passaram a discutir o 
conteúdo e por quais sonhos, fantasias ou desejos vale a pena lutar ou então como 
eles serviriam de alavanca para as outras realizações de suas vidas, estruturando a 
sua experiênciainterna no defrontamento com a linguagem, exteriorizando o que 
estava somente guardado, dotando o oculto de realidade exterior e finalmente repre-
sentando o que se quer simbolizar. 
A harmonia atingida pela regulação do grupo e pela autorregulação definiu a 
identidade comum das integrantes e aquilo que partilharam, mesmo sendo diferentes 
entre si, mostrando, assim, uma das infinitas razões pelas quais um grupo pode se 
unir. Para Freud (1980) na formação de grupo os indivíduos se igualam e o amor a si 
próprio encontra sua maior barreira, o amor pelos outros. A colaboração mútua define 
os laços libidinais que se prolongam e solidificam a relação entre os membros. Em 
grupos, o amor narcisista limita-se a situações que não atuam fora desse contexto. 
Durante a discussão dos seus escritos cada integrante demonstrou um respeito 
muito grande pelo momento da outra, o que as estimulou a falar cada vez mais de si 
mesmas. Desapareceu aquela necessidade inicial de esconderem sua produção e 
depois da análise quanto ao conteúdo, trocaram contribuições mútuas quanto à orto-
grafia, concordância, dicas e até sugestões de como fazer para realizar aqueles so-
nhos e desejos. Naquele momento eu fui, pouco a pouco, saindo de cena, procurando 
proporcionar-lhes um exercício da autonomia no sentido de se expressarem e troca-
rem as informações que mais achassem convenientes para o momento, sem a minha 
interferência. 
Para Berger (1985) as experiências do sujeito estruturam-se neste defrontamen-
to com a linguagem, ainda que seja para esquecer o que vivenciou. Sendo a lingua-
gem uma instituição, qualquer afirmativa que se faça a respeito das outras institui-
25252525 
ções deverá se aplicar também à linguagem porque, como as outras, a linguagem é 
dotada de realidade exterior, assim como os objetos que rodeiam o indivíduo. Ao 
falarmos, exteriorizamos o que está dentro; através dos sons transmitimos os pensa-
mentos, utilizando-nos de uma língua que já existia antes de nascermos, os termos 
de que nos utilizamos não resultam da idiossincrasia criadora de quem fala. 
No exercício da autonomia vemos a reconstrução do sujeito cognoscente: 
Priscila incomodava-se por ter que sempre depender de alguém. Embora limi-
tada em seus movimentos, pois necessita usar cadeira de rodas, sabe que muitas 
vezes essa é uma desculpa de que se utiliza porque conclui que há várias coisas que 
pode fazer sozinha. Passa a dedicar mais atenção aos detalhes que pode modificar no 
seu dia a dia e não espera mais que lhe abram a porta ou que lhe tragam um copo de 
água. Esses exemplos podem parecer detalhes inexpressivos ou insignificantes iso-
ladamente, porém, se pensarmos que, por extensão, ela, agora, é uma pessoa que 
identifica e busca aquilo que almeja, podemos perceber que o eco de sua atitude 
diferente reverbera na busca do conhecimento e da autodescoberta. 
Camila sentia-se responsável por sua mãe sofrer tanto ao lado do pai e imagi-
nava ser a principal razão da infelicidade da mãe, já que ela, mesmo tendo uma vida 
muito difícil, não se separava do marido por causa das filhas. Após a tristeza dessa 
revelação Camila modifica sua forma de ver os fatos, porque pode discutir o que 
veio à tona e parte para o diálogo, comunicando à mãe sua descoberta, externalizan-
do o sofrimento que agora se atualiza como segurança. 
Ana Carolina tinha medo de crescer e ser subjugada como a mãe. O grupo fez 
questão de se colocar e mostrar-lhe que ela e a mãe eram pessoas diferentes e que, 
por isso, teriam formas diferentes de reagir e pensar. Até que ela acabou concluindo 
que era alguém capaz de produzir sua própria história e definir-se como pessoa, 
mesmo sabendo que trazia características daqueles com quem havia convivido. O 
futuro, antes assustador, era agora encarado com disposição. 
Freud (1980) questiona por que um indivíduo abandona a própria distintividade 
e permite aos outros membros que o influenciem e para responder recorre às expli-
cações da mente grupal feita por Le Bon, para quem um grupo se caracteriza por um 
sentimento de poder invencível que seria mantido sob coerção se o indivíduo esti-
vesse sozinho, união que também se mantém pelo contágio dos sentimentos e dos 
atos e pela sugestionablidade. 
 
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Essas características são, para Freud (1980) o arrojo das repressões dos impul-
sos instintuais inconscientes que a situação de grupo permite ao indivíduo e que o 
contágio é uma manifestação da sugestionabilidade, porém, ainda não localizou a 
fonte para a manifestação das sugestões no grupo. Freud (1980) considera que a 
psicologia social ou de grupo deve ser levada em consideração e, exceto em poucos 
casos, não há como desprezar as relações de um indivíduo com outros, fazendo a 
psicologia individual ser, ao mesmo tempo, social, e cujo interesse, entre outros, é o 
indivíduo que faz parte de um grupo que se organiza para um intuito definido. 
Através da família a criança inicia seus contatos sociais e com o meio que a 
cerca e de acordo com a concepção de Fernández parte do diagnóstico é ver a crian-
ça ou adolescente através de sua família, seja através de quando e como o paciente 
compartilha seus momentos, da forma como a informação e o conhecimento circu-
lam entre os membros e dos papéis necessários para a manutenção e interação entre 
os membros e entre eles e a realidade exterior. 
Em um dos momentos do diagnóstico abordamos o tema família e cada posici-
onamento foi discutido, e foram trazidos à tona sentimentos jamais expressados. 
Camila sentia-se como um membro sem importância da família. Mostrou seu 
desejo de sentir-se como a primeira, mas como não conseguia ajudar ou ter boas 
notas, por mais que tentasse, nem atingir as expectativas próprias ou dos familiares, 
sentia como se fosse um peso. Quando estimulada, pelas outras integrantes, a falar 
sobre o lado alegre, Camila fala da importância da tia que leva as sobrinhas para 
passear e as apresenta. Aqui ela mostra claramente sua necessidade de ser reconhe-
cida pelo seu valor e “apresentada” como alguém importante que é. 
Priscila revela falta de confiança naquilo que faz e até mesmo medo de fazer, 
não sabe ainda a origem desse medo, acredita que é através desse trabalho em grupo 
que vai encontrá-la e acabar com o receio. Teme que os contatos sociais possam 
magoá-la; se puder ela os evita, tendo apenas algumas poucas colegas e talvez uma 
amiga a quem considere muito, constituindo-se, assim, uma das razões para o voca-
bulário empobrecido. Para Silva esses sintomas de pouca iniciativa e dificuldade de 
expressão emergem quando o eu cognoscente registra um rótulo de incompetência, 
corte que se reforça na dimensão interpessoal. 
A recusa da Ana Carolina em comentar e abrir-se sobre a família é respeitada, 
porém ela é alertada de que um dia terá que falar como as outras. Penso que, nesse 
momento, Ana Carolina começou a elaborar formas de ser mais comunicativa, deve 
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ter percebido como as outras se beneficiaram e de como ficaram sabendo um pouco 
mais sobre si mesmas, deve ter percebido as vantagens que havia em ser mais co-
municativa e em confiar no outro, porque foi modificando gradativamente a sua 
atitude, passando a ser mais participativa a partir deste momento. Aos poucos isto 
foi refletindo em seu comportamento externo, trazendo cada vez mais relatos de 
novas amizades e trabalhando melhor a sua vaidade. 
Freud (1980) considera fundamental a profunda alteração da atividade mental em 
um indivíduo que faz parte de um grupo e dirige seu interesse para a explicação desse 
fato. Para ele as explicações das várias autoridades em sociologia e psicologia de gru-
po são tautológicas e acabam caindo sempre na mesma palavra: sugestão. Quando em 
situação de grupo algo nos faz cair na mesma emoção que alguém demonstra ou nos 
faz resistir a ela e agir de maneira contrária, cedendo ao contágio da influência suges-
tiva do grupo. Não há dúvida que a sugestionabilidade é um fato fundamentalna vida 
do homem, mas Freud (1980) ainda se questiona sobre a natureza dessa sugestão, em 
que condições essa influência sem fundamento lógico se realiza. 
Eu vejo as crianças e adolescentes como um sistema incluído em outro, aquela 
que não aprende deverá ser observada como sintoma da problemática familiar, para 
entender o significado do não aprender. Para diagnosticar e desnudar o sintoma é 
importante levar em consideração o grupo familiar, além de outros como a escola, 
ao mesmo tempo permitindo que ela usufrua o seu espaço pessoal. Segundo Souza 
Neto criança e adolescente são exatamente isso: criança e adolescente. O que deter-
minará alguns aspectos de sua personalidade são as relações sociais estabelecidas, 
não é a sua vontade pessoal que as fará serem o que são. 
Fernández (1990) coloca que, para que a aprendizagem ocorra, é necessária a 
formação de um vínculo, que se inicia nas relações familiares, uma vez que o bebê 
necessita do outro para sobreviver. Aí se define a modalidade de aprendizagem, ou 
seja, a forma que a criança vai se utilizar para se aproximar do conhecimento. Se a 
família tem como característica o medo de conhecer e de saber, a criança poderá não 
aprender assumindo aquele medo da família. 
Vale a pena, nesse momento, retomar a questão da especificidade da ação tera-
pêutica psicopedagógica, como um processo de construção da autoria do sujeito 
aprendente, que se constitui através da ação. Nesse processo temos a regressão, o 
retorno do desejo reprimido, e a transferência como movimentos necessários para a 
cura. 
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Quando, durante o nosso trabalho em grupo, conversamos sobre o significado 
da aprendizagem, como e onde pode ocorrer e o que pode ajudar ou atrapalhar o seu 
desenvolvimento pensamos na relação entre ensinante, aprendente e objeto de co-
nhecimento. 
Para Priscila o ensinante é igual ao aprendente e a situação de aprendizagem 
pode ocorrer em qualquer espaço ou tempo. O prazer de aprender, para ela, e o sig-
nificado que isso tem para o indivíduo e para a sociedade a fazem pensar que conhe-
cimento não fica guardado e que para ser estabelecido deve ser transmitido pelo 
aprendente que será ensinante, assim que adquirir o conhecimento. 
Para Ana Carolina a situação de aprendizagem é opressiva e o aprendente é de-
pendente do ensinante, que por sua vez não se importa muito com o outro. Acredita 
que o desconforto que sente na escola deve-se mais à dificuldade de socialização do 
que pela compreensão do conteúdo trabalhado em sala de aula. Porém durante a 
discussão notou como a aprendizagem parece depender de vários fatores externos e 
quase nada dela mesma. Até que alguém pergunta (pergunta maravilhosa) o que ela 
teria que fazer para mudar essa situação e como o faria. Frente ao desafio, só lhe 
resta encontrar soluções intrínsecas a sua pessoa e propõe algumas mudanças, além 
de ouvir sugestões das outras integrantes: tentar não pensar em como é o professor e 
encará-lo como um profissional que, na verdade, nem precisa gostar delas, desde 
que faça o seu trabalho, procurar meios para sentir-se mais confortável em sala de 
aula e confiar um pouco mais nos colegas. Esses foram alguns exemplos de suges-
tões que surgiram naquele momento e nos quais Carolina deve ter pensado, porque 
algum tempo depois veio nos comunicar que estava conseguindo alcançar alguns 
dos objetivos que havia proposto a si mesma. 
Para Camila a aprendizagem depende do aprendente, se este não colaborar, não 
há quem consiga ensinar. À parte toda a discussão teórica que pode haver em torno 
dessa questão, como o porquê de um professor não conseguir atenção de uma turma, 
e se a agitação dos alunos ocorre porque acabaram de chegar da aula de Educação 
Física, ou porque falta pouco para a saída, Camila tem alguma razão. Realmente 
aprendizagem depende, e bastante, do aprendente, falta-lhe perceber o quanto tem a 
ensinar e a mostrar para os outros. Quando eu lhe digo isso, fica surpresa em ver que 
também é detentora de um saber que pode ser transmitido. A partir desse instante, 
essa menina que apresentava vários sintomas de baixa autoestima, sentiu-se melhor 
e passou a acreditar mais em seu potencial. Algumas modificações sutis vão apare-
cendo em sua produção, a decalagem dá lugar a tentativas e à busca de melhor qua-
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lidade em suas realizações. Em dois momentos diferenciados constatamos como vai 
superando a sua dificuldade de vínculo ao manter o interesse pelo objeto até a con-
clusão daquilo que iniciou: alguns dias antes desta reunião, eu havia solicitado que 
procurassem ficar alguns minutos (30 ou 40) em silêncio, sozinhas, e que depois es-
crevessem o que o coração mandasse. Em resposta ela entregara um texto muito triste, 
pesaroso, que falava muito sobre a sua falta de importância e de capacidade; ela reto-
mou esta leitura e produziu outro, que me entregou na reunião seguinte, mais otimista 
e bem humorado, com o estilo de um texto que uma menina de doze anos escreveria, 
com o nome do seu artista preferido e sonhos para realizar ou para sonhar. 
O grupo como um todo apresentava a capacidade de pensar sobre o hipotético, 
sobre o futuro e de refletir sobre o próprio pensamento, e procurei explorar esta ca-
pacidade através de várias atividades com argila, desenho, pintura, poesia, música, 
brincadeiras, jogos, recorte, colagem, leitura e escrita dentre outras. 
A argila foi o primeiro material a ser trabalhado pela qualidade de brincadeira 
que gera, seja porque suja a roupa e o que há em volta e isso pode estimular brinca-
deiras e comentários alegres, seja porque a produção que não agradou pode ser des-
feita e retomada à vontade, pois ele permite diversas frentes de exploração e diversas 
formas de utilização. Há muitas qualidades e não é possível citar todas devido à 
versatilidade do material. 
Inicialmente, permiti uma exploração livre, em que cada integrante poderia se 
utilizar da quantidade e da forma que desejasse. O que se iniciou timidamente foi 
tomando forma e a exploração se ampliava à medida que cada uma via as possibili-
dades e desenvoltura das outras. Priscila era a que mais demonstrava repugnância, 
utilizando-se de pedaços bem pequenos e manipulando a argila somente com a ponta 
dos dedos. À medida que as outras iam produzindo, ela se deixava contagiar até 
constatar a possibilidade de lavar as mãos e quase tudo voltar a ser como era. Con-
forme se permitia sujar as mãos e a roupa, seu corpo se soltava e o olhar brilhava. 
Deixei algumas ferramentas no centro da mesa para diversificar a exploração: 
um pequeno martelo, um batedor de carne, chave de fenda, espátula, amassador de 
alho, espremedor de alho e de laranja, lápis, clipes e algumas forminhas. Essas fer-
ramentas eram disputadas com bom humor e entre intensas trocas de informações 
sobre as diferentes formas de uso para cada coisa. 
Na rodada de comentários, no final da sessão, elas expressaram como foi gos-
toso fazer algo que seria admirado pelas outras e por si próprias, ser imitada e imitar, 
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usar o trabalho da outra como inspiração e poder falar sobre isso abertamente; senti-
ram-se bem por não haver uma competição e, sim, um estímulo mútuo; como foi 
bom poder admirar sinceramente o próprio trabalho e o trabalho alheio. 
Quando já havia mais intimidade com a argila, introduzi a venda para os olhos, 
aprofundamos a sensibilização, a partir de instruções que eu ia fornecendo e que 
proporciona os mais diferentes tipos de toque e exploração, como arranhar, acariciar, 
socar, rasgar, picar, furar, beliscar, dar tapas, apertar, jogar, usando as palmas das 
mãos e as costas das mãos e os cotovelos. 
Embora este momento tenha sido significativo para todas as meninas, o alvo da 
atenção foi Camila. Ela descreveu sua produção, usando a primeira pessoa de acordo 
com as minhas instruções, com as seguintes palavras: “Sou um prato de macarrão 
com queijo, sou legal, sou usado par comer e quem vai me comer: minha mãe e as 
criançasque têm fome. Sou temperado, cozido, passam molho e me comem. Eu até 
poderia ser jogado no lixo, quando não precisar mais, ser picado e a mulher que me 
prepara pode fazer de mim algo de bom ou de ruim, eu espero que faça algo de bom. 
Isso se parece comigo porque eu também sou uma pessoa fácil de ser deixada, es-
quecida e mal preparada e também porque eu queria muito resolver o problema da 
fome no mundo, não queria que houvesse tantas crianças passando fome.” 
Sua constatação de baixa autoestima foi saindo aos solavancos, enfatizada pela in-
tensa emoção que essa descoberta proporcionou. Foi aconselhada e auxiliada pelas cole-
gas e procurar, até encontrar, o que de bom já havia realizado, exercício que lhe deu o 
imenso prazer que pode sentir uma pessoa ao se ver alvo de tão delicada atenção. 
São momentos como esse que determinam e caracterizam o processo de grupo. 
O indivíduo que apresenta essa ou aquela dificuldade propõe-se a esquecer um pou-
co de si e a canalizar energia para auxiliar o outro a encontrar soluções; porém, in-
ternamente, está elaborando a própria dificuldade através do exercício da autonomia 
e da solidariedade. 
Para Freud (1980), considerar os grupos significa considerar que não é qual-
quer reunião de pessoas que o constitui - mesmo que a tendência a formar um grupo 
possa vir facilmente à tona em uma reunião de pessoas - que há diferentes tipos de 
grupos, que é necessário distinguir entre grupos com líder e grupos sem líder, que 
uma ideia, uma tendência ou desejos comuns podem tomar o lugar do líder. Essas 
questões, embora importantes, não podem nos desviar do interesse dos problemas 
psicológicos fundamentais com que nos defrontamos na estrutura de um grupo. 
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Freud volta-se novamente para a sua característica principal: os laços libidinais. E 
remete à história dos porcos-espinhos que se congelam por não tolerarem a intimi-
dade de aproximação, quase toda relação íntima entre duas pessoas contém sedimen-
tos de aversão e hostilidade reprimidos e por isso mesmo não perceptíveis. Outras 
relações menos íntimas, como a dos sócios ou a do chefe e subordinado, a rivalidade 
entre duas cidades e entre povos, podem ter sua explicação como conflito de interes-
ses ou como a expressão do amor a si mesmo, do narcisismo, que trabalha para a 
autopreservação individual. Porém, ao deparar com alguém sofrendo mais intensa-
mente, a dor se esvazia um pouco do próprio conteúdo, transformando-se em exem-
plo, como aconteceu neste momento da Camila. 
Priscila, geralmente tão falante e perceptiva, acompanhava esses momentos, 
dava uma sugestão ou outra, mas me parecia que sua expressão indicava um certo 
distanciamento; comentei isso com ele e recebi como resposta que, enquanto todas 
estavam discutindo suas vidas, ela não podia evitar de pensar que até aquele momen-
to acreditava que “o mundo girava em torno dela” e agora estava percebendo que 
havia tantos interesses simultâneos e todos importantes, que era impossível continu-
ar acreditando nisso. 
Usando um vocabulário que as meninas pudessem entender naquele momento, 
falei do desenvolvimento humano do ponto de vista da Epistemologia Genética, 
mostrando que todas as pessoas passam pelas mesmas fases, sem queimar nenhuma 
e que isso constitui a história da subjetividade do sujeito. A identificação e o fascí-
nio foram unânimes, para Priscila representou um alívio do peso de estar se sentindo 
muito egoísta. 
Dando continuidade à autodescoberta e aos prazeres (ou dores) que traz, apli-
quei uma dinâmica intitulada Objeto Especial (Yozo, 1996: 56). Como se tratava de 
um grupo, e partindo da sugestão do autor, cada uma colocou um objeto especial a 
sua frente e questionou-se, internamente, sobre o porquê dessa escolha e o que aque-
le objeto representava para si mesma, logo após deram voz ao objeto, falando como 
ele. Por sugestão do grupo, resolvi acrescentar uma outra forma de expressão: o 
desenho. 
Entendi, a partir desse pedido, que elas haviam encontrado um modo de permi-
tir que o comentário da outra amadurecesse para poder trabalhar a essência do que 
havia sido discutido. Basicamente, eu queria objetividade, além dos momentos de 
autodescoberta, e posso dizer que ambos os objetivos foram alcançados. 
32323232 
A aplicação da técnica foi bastante eclética, como pode ser uma brincadeira 
que reúne três adolescentes. Foram abordados vários assuntos, sempre superficial-
mente, desde meninos até a convivência social e familiar. O que confirmava minha 
expectativa de que deveriam ter um tempo para filtrar o que tinham ouvido e colocar 
no papel o que consideravam essencialmente importante naquele momento e a partir 
daquele momento. 
Ao terminarem a rodada de comentários, executaram os seus desenhos e intro-
duziram uma novidade: cada uma iria dizer uma frase que resumisse o que estava no 
papel e eu deveria escrevê-la da forma que dissessem. Forneceram exemplo notável 
de perspicácia, comprovando como captaram a mensagem oculta na atividade. De-
monstraram reconhecimento da subjetividade, procurando elaborar a partir dela a 
percepção sutil que o jogo demandava. 
Da mesma forma que na atividade com argila Camila foi o centro das atenções, 
aqui foram Ana Carolina e Priscila quem tiveram os seus os seus momentos de reve-
lação. Ana Carolina foi a primeira a falar do seu desenho, explicando que a palavra 
que me ditou - calma - queria dizer que era o que ela mais precisava para enfrentar o 
que estava vindo. Nós a questionamos sobre o que é aquilo que estava vindo, ela não 
sabia explicar muito bem o que era, mas que aquilo lhe causava certa agitação. 
Quando percebemos que o assunto poderia encerrar ali, voltamos ao seu desenho e 
perguntei qual era o time que iria jogar contra o dela; ela disse que não conseguia 
ver (naquele momento tornou-se claro que seus medos estavam projetados com rela-
ção ao futuro) e que também não estava muito interessada. 
As outras meninas consideraram inconcebível que ela, o time e até a torcida es-
tivesses prontos e não houvesse interesse, seguiu-se um silêncio de consentimento 
de alguém que está elaborando uma questão vital e, ao final desse momento, ela nos 
disse que estava com medo. É o medo que a impede de ver o outro lado, o outro time 
(aqui a voz vai baixando para um sussurro) e o futuro. A questão é largamente co-
mentada: como ela poderia ter medo do que não conhecia? O que iria fazer, ficar 
com medo para sempre e não conhecer, ou enfrentá-lo e conhecer? Até quando ela 
acreditava que iria ficar sem saber? 
Estes questionamentos não tiveram resposta imediata, mas seus efeitos foram 
se fazendo notar nas atitudes de Ana Carolina, na forma como foi se tornando mais 
voluntariosa, mais positiva quanto ao que deveria fazer e como ficava satisfeita com 
suas realizações. 
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Então Priscila considerou que havia chegado a hora de falar sobre seu desenho, 
pediu para eu escrever: “O que há no mundo lá fora?” e falou da sua curiosidade em 
“sair da casca”, querendo referir-se, diretamente, à forma como se sentia superprote-
gida pelos pais, amigos e até por nós. Mostrou como os animais que fizera estavam 
espiando, para tentar saber, mas como achavam difícil sair daquele mundo de conto 
de fadas e enfrentar a realidade. Concluiu que estava acostumada e gostando da su-
perproteção recebida. 
Acreditava que nós pudéssemos fazer algo para ajudá-la, e então fechamos um 
acordo no sentido de não poupá-la tanto como vínhamos fazendo. Ela participaria 
das tarefas de arrumação da sala que utilizávamos, iria buscar material quando che-
gasse a sua vez e os guardaria como qualquer outra menina do grupo. 
Quando uma delas falou “como qualquer outra menina do grupo”, pedi uma 
pausa para pensarmos em como nosso comportamento se refletia no tal do mundo lá 
fora de que a Priscila falava, e pudemos analisar as consequências de nossas atitudes 
com respeito a preconceito, racismo e como repercutem em nossas vidas e dos que 
estão a nossa volta.Precisávamos vê-la como qualquer outra menina do grupo, por-
que é isso o que ela é, nós é que estávamos impondo uma determinada diferença que 
acabava se constituindo em um obstáculo ao qual ela não conseguia dar explicação 
nem compreender sua origem. 
Dali em diante, fizemos o que foi possível para cumprir nosso acordo, mas per-
cebemos o quanto ele já estava profundamente enraizado em nossas vidas, como um 
costume, quando colocamos uma cadeira para Priscila na sala que seria utilizada por 
nós naquele dia. Nossa satisfação expressou-se através dos risos e das brincadeiras, 
porém calou em nossa experiência que sua dor não era a deficiência física, era a 
dependência e a superproteção, viver em uma redoma, sem ter a chance de arriscar-se. 
A mesma atitude foi cobrada dos pais em outro momento e eles atenderam 
prontamente, gerando satisfação em todos os membros e certo alívio em relação à 
filha que já não era mais dependente durante as vinte e quatro horas do dia, como a 
mãe havia falado durante a anamnese. 
Na nossa rodada de novidades, para as quais não estabeleci regras específicas, 
ficava reservado o começo da sessão para quem tivesse algo a contar e se dispunha a 
compartilhar. Com o tempo, o tema desse momento foi sendo aprofundado, passan-
do a ter importância cada vez maior, chegando, às vezes, a ser trabalhado durante 
toda a sessão. 
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A atitude das meninas foi indicativa de um fator importante: elas já não esta-
vam depositando exclusivamente em mim o papel de ensinante, passando a “donas 
de seus narizes”, como dizia uma delas. Desenvolveram uma sensibilidade especial 
para os momentos em que as novidades iriam ou resultar em um trabalho mais apro-
fundado. Caso o fosse, havia duas hipóteses: 1- Eu comandaria o trabalho e daria as 
diretrizes; 2 - Elas estabeleceriam a forma e o conteúdo do que seria trabalhado e 
como. 
Em qualquer uma dessas hipóteses havia uma grande dose de decisão delas 
mesmas em assumir o controle da situação ou saber o momento em que o outro de-
veria fazê-lo. Cada uma demonstrou o reflexo dessa nova atitude, revelando caracte-
rísticas de sua personalidade, seja desenvolvendo autodisciplina, elevando a autoes-
tima, melhorando os relacionamentos sociais na escola ou decidindo-se por sua in-
dependência. 
Os desdobramentos simples e complexos dessa técnica ecoaram em quase todas 
as atividades que realizamos durante o tempo em que realizamos nosso trabalho. A 
rodada de “novidades" proporciona aos indivíduos oportunidade de participar, ou-
vindo e falando, adquirindo bom senso para se autoavaliar ou avaliar os outros e, 
principalmente, aprendendo a respeitar a opinião alheia a vivência em grupo adquire 
o que mais precisa: a harmonia. 
Para realizar esse trabalho, o psicopedagogo precisa estar preparado para o inu-
sitado: tudo ou nada pode acontecer, o planejamento das atividades pode ser seguido 
ou simplesmente ser deixado de lado, o que requer bastante flexibilidade e criativi-
dade ou, então, o pânico. Em qualquer caso o profissional deverá estar aberto para 
permitir que o grupo identifique sua reação e possa vê-lo como um ser humano co-
mum, e não como um super-herói, alguém que sempre tem uma carta na manga e 
que é seguro o suficiente até mesmo para reconhecer quando não sabe. 
Quando o grupo percebe isso, alcança um nível tão grande de sofisticação que 
se permite elaborar o momento, oferecendo e aceitando o auxílio de seus compa-
nheiros, ou mesmo aceitando ser subtraído, caso a atenção precise ser dada a um só. 
Quando eu sentia a necessidade de intervir e trabalhar individualmente com qual-
quer uma delas, as outras simplesmente arrumavam algo para fazer e não interferi-
am, apenas aguardavam. Sem de sentirem excluídas, percebiam que a necessidade 
(naquele momento) era do outro e, ao agirem assim, estavam alimentando a sua pró-
pria independência e autonomia. 
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O que eu descobri durante esse trabalho e agora, enquanto retomo o que foi 
realizado, é o processo valioso de cada elemento em se perceber como parte do todo. 
Um dos aspectos da estrutura de grupo é a harmonia, em que todos os elemen-
tos se relacionam pela regulação do grupo ou pela autorregulação, tem uma identi-
dade comum os elementos que o compõem, embora diferentes entre si, partilham de 
algo comum: política, religião, marginalidade, crença, descrença, ideal, enfim são 
infinitas as razões pelas quais um grupo pode se unir e desenvolver grande afinida-
de, porém esse aspecto não impede que essas razões sejam claramente definidas. 
Moreno (1992) faz transparecer essa identidade ao dedicar um trecho do seu li-
vro “As palavras do pai” às “Orações de grupos específicos” no qual cria diferentes 
possibilidades de orações: do cristão, do budista, do negro, do comunista e do pagão, 
entre outras. Cada grupo forma uma espécie de mundo em que todos podem compar-
tilhar e vivenciar o momento presente, além daqueles que forem criados, quer o in-
divíduo tenha ou não dificuldade em suas habilidades de contato com outras pesso-
as. No primeiro caso, essa experiência oferece-lhe oportunidade para identificar e 
trabalhar o que o bloqueia. 
Embora Freud (1980) considere a sugestionabilidade um fato fundamental na 
vida do homem ainda questiona a que se pode atribuir a façanha de manter unido um 
grupo. Por que um indivíduo abandona a própria distintividade e permite aos outros 
membros que o influenciem? A que se pode atribuir a façanha de manter unido um 
grupo por alguma espécie de poder e que mantém unido tudo que existe no mundo? 
Freud (1980), então, explica o significado do termo libido como a energia dos 
instintos que têm a ver com tudo o que pode significar a palavra amor (o grifo é 
meu): o amor dos poetas, amor sexual, amor próprio, amor pelos pais e pelos filhos, 
pelos amigos, pela humanidade e até mesmo a devoção a objetos concretos e a ideias 
abstratas. Todos eles expressões dos mesmos impulsos instintuais que forçam seu 
caminho para a união sexual, mas quando desviados deste objetivo conservam tanto 
de sua natureza que permitem o reconhecimento de sua identidade. 
As relações amorosas são a essência da mente grupal, somente ao amor pode 
ser atribuída a façanha de manter unido um grupo e tudo que existe no mundo. E é 
pelo amor do outro que um indivíduo abandona a própria distintividade e se deixa 
influenciar, para poder harmonizar com eles em preferência à oposição. Da mesma 
forma que os porcos-espinhos, por tentativa e erro, encontram uma distância que, se 
não força a aproximação, também os mantém aquecidos. 
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Em minha prática de acompanhamento psicopedagógico para grupos, tenho ob-
servado que o sujeito descobre o caminho para o seu próprio diagnóstico e tratamen-
to. Como o faz? Comparando, cooperando, classificando, estabelecendo as suas 
próprias escalas de valores, seja por intermédio do questionamento do colega ou da 
exteriorização do que estava escondido, encapsulado, equilibrando-se com a estrutu-
ra do conjunto. 
Priscila incomodava-se por não fazer muitas coisas sozinha e sempre ter que 
depender de alguém. O que a fazia rebelde, com relacionamentos complicados, não 
era a doença (amenotrofia espinhal progressiva), era a dependência a que estava 
submetida. Passando a prestar atenção aos pequenos detalhes que a incomodavam, 
sentiu necessidade de algumas modificações intrínsecas, parando para pensar se o 
que tencionava pedir era algo que poderia realizar sozinha ou não. Essas modifica-
ções foram acontecendo aos poucos; as outras meninas do grupo e eu passamos a 
contar com sua ajuda, a precisar dela realmente e, quando se sentiu útil, o progresso 
foi transparecendo em seu relacionamento familiar, especialmente com a mãe, e no 
aproveitamento escolar. 
Camila, proveniente de uma família complicada, presenciou muitas brigas e vi-
olência. O crescimento em um ambiente instável foi um dos fatores que facilitaram o 
aparecimento da baixíssima autoestima. Tudo que ela fazia era feio, ela erafeia e 
gorda e não prestava para nada, era sempre esse o seu discurso, além disso, carrega-
va um grande sentimento de culpa. Naquela época tomou uma decisão que, garantiu, 
iria mudar a sua vida: ela deixaria de ser uma aluna medíocre para ser uma das me-
lhores. Realmente ela o fez e descobriu a imensidão do seu potencial encapsulado; 
quando soube da sua capacidade, passou a se dedicar aos estudos, melhorando o seu 
rendimento e merecendo as melhores notas. 
A terceira integrante, Ana Carolina, revela sua dificuldade de relacionamento, 
uma jovem muito quieta e reservada, tinha medo de ser subjugada e dominada como 
a mãe. Após essa dolorosa descoberta e sempre contando com a participação das 
outras integrantes, Ana Carolina preferiu reconhecer em si o que trazia da mãe tam-
bém; afinal, ela não poderia ter se desenvolvido sem herdar nada dela, mas admitiu o 
aspecto dominador que trazia do pai e decidiu pela ponderação: ela era uma pessoa 
diferente do pai, diferente da mãe, diferente da irmã, mas trazia em si um pouco de 
cada um deles, que brigar com cada um era como brigar com ela mesma e que isso 
não valia a pena. Quando as brigas diminuíram, ela foi se tranquilizando com rela-
ção a si mesma, adquirindo maior segurança e o medo desaparecia. O que ela proje-
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tou em outro desenho em que havia os dois times, e ela estava no gol, pronta para 
agarrar a bola que viesse. 
 
REFERÊNCIAS 
 
Andrade, M. S. (1988). Psicopedagogia clínica: manual de aplicação prática para di-
agnóstico de distúrbios do aprendizado. São Paulo: Pólus. 
Berger. (1985). A construção social da realidade: tratado de sociologia do conheci-
mento. Petrópolis: Vozes. 
Fernández, A. (1990). A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clíni-
ca da criança e sua família. 2a reed. Porto Alegre: Artes Médicas. 
Freud, S. (1980). Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros traba-
lhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sig-
mund Freud, 1920-1922. V. XVIII. Rio de Janeiro: Imago. 
________. (1980). Moisés e o monoteísmo, esboço de psicanálise e outros trabalhos. 
In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund 
Freud, 1937-1939. V. XXIII. Rio de Janeiro: Imago. 
Moreno, J. L. (1992). As palavras do pai. Campinas: Editorial Psy. 
Pichon-Rivière, E. (1998). O processo grupal. 6a ed. São Paulo: Martins Fontes. 
Souza Neto, J. C. (1993). De menor a cidadão: filantropia, genocídio, políticas assis-
tenciais. São Paulo: Nuestra América. 
Yozo, R. Y. K. (1996). 100 jogos para grupos: uma abordagem psicodramática para 
empresas. São Paulo: Ágora. 
 
 
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Uma análise psicopedagUma análise psicopedagUma análise psicopedagUma análise psicopedagógica daógica daógica daógica da 
 
relação entre ensinante maternarelação entre ensinante maternarelação entre ensinante maternarelação entre ensinante materna 
 
e sujeito aprendentee sujeito aprendentee sujeito aprendentee sujeito aprendente 
 
 
 
Taís Aparecida Costa LimaTaís Aparecida Costa LimaTaís Aparecida Costa LimaTaís Aparecida Costa Lima 
 
 
 
Pretendemos neste capítulo, buscar algumas reflexões sobre as articulações en-
tre o inconsciente feminino e a aprendizagem, abordando o movimento dialético que 
permeia as dimensões constituintes da mãe e seu papel de ensinante de filho homem. 
A questão da aprendizagem tem sido, desde o tempo em que me licenciei em 
Biologia e iniciei o trabalho como educadora, um ponto de reflexão e um motivo de 
preocupação. 
Pude perceber, empiricamente, que os problemas que enfrentava com indisci-
plina, falta de interesse e dificuldades na assimilação dos conteúdos eram maiores 
com os alunos do sexo masculino. Minha experiência, como professora por quase 
vinte anos e mais tarde como psicopedagoga, levou-me a perceber que grande parte 
dos meninos que apresentam distúrbios de aprendizagem tem algumas questões não 
elaboradas com suas mães. 
Numerosas pesquisas vêm indicando a presença superior dos meninos nos ca-
sos de distúrbios da aprendizagem. Linhares et al. (1993), em estudo feito com o 
objetivo de caracterizar os motivos da busca de atendimento infantil apresentados 
pelos pais ao Setor de Triagem do Serviço de Psicopedagogia, procederam a um 
levantamento das solicitações de atendimento registradas no período de 1990 a 
1991, verificando que as crianças eram predominantemente meninos de 7 a 12 anos. 
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Andrade (2000) traz a questão dos distúrbios de aprendizagem da língua escrita 
relacionando-os às questões inconscientes. Estudando a clientela do atendimento 
Psicopedagógico Clínico das regiões de Osasco e Santo Amaro, verificou que 79,3% 
dos sujeitos com distúrbios de aprendizagem, que buscam o atendimento psicopeda-
gógico pertencem ao sexo masculino. 
Fernández (1994:50) entende que existem algumas diferenças entre a mulher e 
o homem frente ao conhecimento. O saber da mulher sobre as questões da origem da 
vida antecede o conhecimento, o que faz da mulher duplamente ensinante e do ho-
mem duplamente aprendente, pois ainda que a mulher não tenha o conhecimento 
cultural sobre sua autoria na gestação, tem certeza sobre sua maternidade, podendo, 
dessa forma, autorizar-se a ser criativa e transgredir o conhecimento do outro. 
 
As significações inconscientes do aprender no homem e na mulher 
têm pontos de encontro e linhas divergentes, que assinalam a diferente 
inscrição a partir de uma diferença de gênero sexual orgânico até um 
corpo (organismo atravessado pela inteligência e o desejo) de um ou 
outro gênero sexual. (Fernández, 1994:50). 
 
Essas diferenças, de acordo com Fernández, podem contribuir para explicar, do 
ponto de vista subjetivante, a maior incidência de problemas de aprendizagem nos 
meninos. 
A Psicopedagogia tem se preocupado com a aprendizagem como procedimento 
que a espécie humana desenvolveu para se adaptar ao meio; pela complexidade des-
se procedimento, a Psicopedagogia configura-se como um campo de investigação 
multidisciplinar cercando-se, para isso, de conhecimentos sobre as bases orgânicas, 
psicológicas e sociais. 
Fernández (1991:57) coloca que em todo o processo de aprendizagem, estão 
implicados o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo. 
A apropriação das possibilidades de ação, instrumentadas pelo corpo que con-
fere um poder de síntese ao ser e ao saber do desejo, é um exemplo de aprendiza-
gem. A apropriação do conhecimento implica um domínio do objeto, sua corporiza-
ção prática implica ações ou imagens que necessariamente resultam em prazer cor-
poral. Somente ao integrar-se ao saber o conhecimento é aprendido e pode ser utili-
zado. 
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A partir da Psicanálise, Pain (1992) nos traz uma contribuição para o estudo do 
mundo do conhecimento objetivo e o mundo da subjetividade, ressaltando três pon-
tos de identidade entre a Psicanálise e a Epistemologia Genética: a organização es-
truturalista, o ponto de vista genético e a primazia do inconsciente no processo do 
pensamento e da intersubjetividade. 
Badinter (1985:319) acrescenta que o amor materno, como qualquer outro sen-
timento humano, é incerto e imperfeito. Ressalta que a criança deve passar pela fase 
edipiana e viver a perda da mãe para poder sublimar e substituir seu objeto de dese-
jo, tendo, assim, condições de aprender. 
 
 Se, por alguma razão, a mãe superou mal, quando criança, a fase 
pré-edipiana, ela pode ter tendência a considerar seu filho como substi-
tuto sexual ou ‘seu objeto fantasmático’. Com isso, ela impede o seu 
desenvolvimento. (Badinter, 1985:319). 
 
O que permeia essa relação mãe/filho que muitas vezes nos parece tão compli-
cada? 
É verdade que a mãe ensina seu filho, mas é também verdade que o filho ensina 
sua mãe a ser mãe. É um aprendizado mútuo, investido de amor. É uma troca de 
saberes, e esses saberes se transformam em busca do desejo de conhecer e fazer-se 
reconhecer. A partir do momento em