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Sinédoque Um outro tipo de metonímia é a sinédoque. Ela ocorre quando há a substituição de uma palavra por outra que sofre, no contexto, uma redução ou ampliação do seu sentido básico. Um conhecido exemplo de sinédoque ocorre no capítulo “Das negativas”, do romance Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis). Após fazer uma série de ponderações sobre sua vida, o narrador afirma: Na discussão com o namorado, a moça recorre a uma comparação (“Você não sabe que o amor é como uma flor?”) para que o rapaz entenda a neces- sidade de dar a ela uma atenção constante. Quando vê que os termos (amor/ flor) utilizados para a comparação não fazem sentido para Armando, troca o segundo termo da comparação para algo mais próximo dos interesses do rapaz: “O amor é como o motor do carro”. Aí sim ele compreende o que ela quer dizer. Metáfora• A mais conhecida das figuras de palavra, a metáfora, baseia-se na trans- ferência (a palavra grega metaphorá significa transporte) de um termo para um contexto de significação que não lhe é próprio. As metáforas são criadas a partir de uma relação de semelhança que pressupõe um processo anterior de comparação. Pode-se dizer, portanto, que a comparação está na base da formação das metáforas. USANDO A LINGUAGEM DELE... WWW.cibelesantos.com.br Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. 18. ed. São Paulo: Ática, 1992. p. 176. (Série Bom Livro). (Fragmento). Nesse trecho, o sentido dos termos pão e suor está sendo ampliado. No contexto, pão refere-se a alimento e suor, a trabalho. Para enfatizar o fato de a personagem nunca ter trabalhado na vida, Machado de Assis recorre a uma sinédoque. • A comparação (ou símile) ocorre quando elementos de universos diferentes são aproximados por meio de um termo específico (como, feito, tal qual, qual, assim como, tal, etc.). Observe a tira abaixo. SANTOS,!CIBELE. Mulher de 30. Disponível em: <http://mulher30.blogspot.com>. Acesso em: 16 jul. 2010. 06-MPLA-GRA1-CAP6-NOVA 96 U n id ad e 2 • Li ng ua ge m e s en ti do R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_gramatica_cap06_D.indd 96 9/28/10 3:16:33 PM Jornais e revistas costumam usar metáforas em manchetes e títulos de reportagens para resumir a essência do que será dito, ou para chamar a atenção dos leitores. Como se chama a parte da caneta que se projeta para baixo a partir da tampa na tira acima, essa parte é chamada de bracinho. Poderíamos, tam- bém, pensar em perninha. nos dois casos, reconhecemos alguma semelhança entre a parte que desejamos nomear e os conceitos de braço e perna. A catacrese ocorre quando, na falta de uma palavra específica para designar determinado objeto, utiliza-se uma outra a partir de alguma seme- lhança conceitual. Bracinho, portanto, é um exemplo de catacrese. OS PESCOÇUDOS Caco galhardo Galileu. São Paulo: globo, ano 2010, ed. 229, n. 229, p. 20, ago. 2010. gAL AR O, Caco. Os pescoçudos. Folha de S.Paulo. São Paulo, jan. 2002. Galileu. São Paulo: globo, ano 2010, ed. 229, n. 229, p. 1 , ago. 2010. nos exemplos, tanto a identificação de abien Cousteau como “se- meador dos oceanos” (alguém que reintroduz espécies marítimas em diferentes oceanos), como a caracterização de edifícios como “doentes” (com problemas de manutenção) são feitas por meio de metáforas. O uso de metáforas é tão frequente na linguagem que há até quem afirme que através delas compreendemos o mundo. Catacrese• 97 C ap ít u lo 6 • R ec ur so s es ti lís ti co s: f ig ur as d e lin gu ag em R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_gramatica_cap06_D.indd 97 23/09/10 4:13:23 PM Muitos casos de catacrese já estão integrados à língua, porque são comumente usados pelos falantes, que nem se dão mais conta dos mecanis- mos semânticos que deram origem a essas soluções: pé da mesa, embarcar em avião, dente de alho, barriga da perna, bico da chaleira, etc. Sinestesia• A sinestesia ocorre pela associação, em uma mesma expressão, de sensações percebidas por diferentes órgãos de sentido. Ela pode ser vista como uma forma específica de metáfora, na qual são relacionados diferentes elementos sensoriais. na chamada abaixo, a sinestesia é usada para evocar, no leitor, uma característica da cantora Elza Soares, conhecida por sua “voz rouca”. [...] UMA E a história de que você tem uma corda vocal a mais, é verdade? ELZA Não tenho uma corda a mais, tenho uma corda meio torrrrrta [risos]. Uma. São Paulo: Símbolo, ano , n. 2 , ago. 2002. A chamada da matéria e a resposta de Elza fazem alusão à voz (audi- ção) torta (visão) da cantora, provocando a associação entre percepções sensoriais diferentes. Um uso intenso dessa figura de palavra foi feito pelos poetas simbolistas, ao final do século I . O uso literário das sinestesias Pelo seu grau de expressi- vidade e pela força de evoca- ção de diferentes sensações, a sinestesia é um recurso expressivo importante para a literatura, particularmente para a poesia. Observe, nos versos de erreira gullar, como a associação entre uma cor (branco) e um termo referente ao paladar (sabor) contribui para definir poe- ticamente o gosto do pão fresco feito em casa. Bicho urbano Se disser que prefiro morar [em Pirapemas ou em outra qualquer [pequena cidade do país estou mentindo ainda que lá se possa [de manhã lavar o rosto no orvalho e o pão preserve aquele [branco sabor de alvorada [...] gULLAR, erreira. Toda poesia. 9. ed. Rio de Janeiro: José Ol m- pio, 2000. p. 2 . ( ragmento). 98 U n id ad e 2 • Li ng ua ge m e s en ti do R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_gramatica_cap06_D.indd 98 23/09/10 4:13:24 PM