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Literatura - Moderna Plus-388-390

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idealização rom nti a mani esta se na apresentação do a ueiro anuel 
Canho. Depois de enumerar suas características físicas, o narrador afirma: 
“Essa alma devia ter o arrojo e a velocidade do voo do gavião”.
Chama a atenção também a grande quantidade de termos específi-
cos, conhecidos por quem vive no Sul do país ou tem familiaridade com 
os costumes dos vaqueiros. Tanto isso é verdade, que o narrador alude a 
esse fato (“Pelo traje se reconhecia o gaúcho” ou “Quem não conhecesse 
os costumes da província...”), o que contribui para reforçar a intenção de 
Alencar de caracterizar aspectos típicos daquela região. 
O desmaio
Em uma cena digna de uma novela de
cavalaria, Arnaldo arrisca sua vida para salvar Dona Flor 
de morrer em um incêndio. 
[...] O incêndio, causado por alguma queimada imprudente, propagava-se 
com fulminante rapidez pelas árvores mirradas que não passavam então de 
uma extensa mata de lenha. [...]
Do meio desse torvelinho, o dragão de fogo se arremessava desfraldando as 
duas asas flamantes, cujo bafo abrasado já crestava as faces mimosas de Dona 
Flor, e a revestiam de reflexos purpúreos. 
Entre as duas torrentes ígneas que transbordavam inundando o campo e não 
tardavam soçobrá-la, a donzela não desanimou, e fez um supremo esforço para 
arrancar seu cavalo do estupor que lhe causava o terror do incêndio. 
Negros rolos de fumo, porém, a envolveram, e sufocada pelo vapor ela 
sentiu desfalecer-lhe a vida. [...]
O corpo desmaiado resvalou pelo flanco do baio, mas não chegou a cair. 
Um braço robusto o suspendeu quando já a fralda do roupão de montar ar-
rastava pelo chão. 
Apenas o sertanejo conheceu o perigo em que se achava a donzela, rompeu- 
-lhe do seio um grito selvagem, o mesmo grito que fazia estremecer o touro 
nas brenhas, e que dava asas ao seu bravo campeador. 
No mesmo instante achava-se perto da moça, a quem tomara nos braços. 
Para salvá-la era preciso voltar antes de fechar-se o círculo de fogo, que já o 
cingia por todos os lados com exceção da estreita nesga de terra por onde 
acabava de passar. [...]
As duas trombas de fogo, que desfilavam pelo campo fora, se haviam en-
contrado, não frente a frente, mas entrelaçando-se, de modo que deixavam 
ainda, de espaço em espaço, restingas de mato poupadas pelas chamas. 
Arrojou-se o mancebo intrepidamente nessa voragem. Estreitando com o 
braço direito o corpo da donzela cujo busto envolvera em seu gibão de couro, 
com um leve aceno da mão esquerda suspendia pelas rédeas o bravo campeador 
que, de salto em salto, transpôs aquelas torrentes de fogo, como tantas vezes 
sobrepujara rios caudalosos, abarrotados pelas chuvas do inverno. [...]
 O texto a seguir refere-se às questões de 1 a 4.
Tome nota
Arnaldo Loredo e Manuel Canho representam o típico herói masculino 
criado por Alencar. São jovens, belos, fortes, apaixonados e vivem livres, per-
feitamente integrados à natureza que os cerca.
De olho na TV
 Cena da minissérie A casa 
das sete mulheres, de Jayme 
Monjardim. Brasil, 2003.
Uma guerra nos pampas
A casa das sete mulhe-
res, de Jayme Monjardim e 
Marcos Schechtman. Brasil, 
2003.
Dirigida por Jayme Mon-
jardim e baseada no roman-
ce de Letícia Wierzchowski, 
A casa das sete mulheres 
retrata a Revolução Farrou-
pilha. A narrativa é centrada 
na visão das mulheres da 
família do líder dos farrapos, 
que são testemunhas e pro-
tagonistas da luta travada 
no Rio Grande do Sul. 
TEXTO PARA ANÁLISE
Heroísmo no sertão
Em O sertanejo, o sertão 
nordestino é apresentado 
como o cenário de uma his-
tória de amor, heroísmo e 
bravura, protagonizada por 
um herói regional. Nessa 
obra, José de Alencar narra 
as aventuras de Arnaldo, um 
corajoso vaqueiro cearense. 
A serviço do capitão-mor 
Gonçalo Campelo, o rapaz 
enfrenta os maiores perigos 
para conquistar o carinho de 
Dona Flor, filha do fazendeiro, 
já prometida a outro. No dia 
do casamento da moça com 
seu primo Leandro, a fazenda 
de Campelo é invadida pelos 
seus inimigos e o noivo mor-
re. Arnaldo, sempre solícito 
e incapaz de ultrapassar a 
barreira social que o separa 
de sua amada, procura con-
solar Dona Flor pela morte de 
seu pretendente. 
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 1. Arnaldo é o herói regional desse romance: um bravo vaqueiro cea-
rense. Que elementos do trecho mostram esse heroísmo?
 2. Quais elementos regionais estão presentes na caracterização de Ar-
naldo e na apresentação do cenário?
Que traços da caracterização de Arnaldo permitem compará-lo aos ff
cavaleiros medievais?
 3. Que imagens são empregadas para indicar a força do incêndio que 
ameaça a vida de Dona Flor?
De que modo essa descrição contribui para reforçar a bravura de ff
Arnaldo ao salvar Dona Flor?
 4. Nos dois últimos parágrafos do texto, uma outra imagem de Arnal-
do se apresenta: ele não age mais como o destemido vaqueiro. Que 
caracterização é feita do herói nesses parágrafos?
Arnaldo ama Dona Flor, filha de seu patrão. Que tipo de amor o rapaz ff
nutre pela jovem? Explique.
Visconde de Taunay e o 
patriarcado do interior
No sertão do Mato Grosso, em meio a um cenário de rara beleza, Taunay 
nos apresenta talvez o mais bem escrito romance regionalista brasileiro.
Para rodear a coluna de fogo que lhe cortava o caminho da fazenda, teve o 
sertanejo de dar grande volta, que o levou aos fundos da habitação, completa-
mente deserta nesse momento [...]
Saltou o mancebo em terra sem esperar auxílio, e atravessando a varanda 
deitou o corpo desfalecido de D. Flor no longo canapé de couro adamascado, 
que ornava a sala principal. 
Compôs rapidamente, mas com extrema delicadeza, as amplas dobras da saia 
de montar, para que não ofendessem o casto recato da donzela, descobrindo- 
-lhe a ponta do pé, nem desconcertassem a graciosa postura dessa linda imagem 
adormecida. Com os olhos enlevados na contemplação da formosa dama, agitava 
como leque a aba do seu chapéu de couro, refrescando-lhe o rosto. [...]
ALENCAR, José de. O sertanejo. 13. ed. São Paulo: 
Ediouro, s.d. p. 14-15. (Fragmento).
 
TAUNAY, N. Habitantes do interior das terras 
do Brasil. 1817. Aquarela, 20,2 3 26,4 cm.
Torvelinho: redemoinho.
Flamantes: com a cor da brasa, 
avermelhados.
Crestava: queimava de leve; 
tostava.
Purpúreos: de cor avermelhada.
Ígneas: relativo a fogo.
Soçobrar: perder a coragem, 
desanimar.
Flanco: lado.
Baio: cavalo de cor castanha.
Fralda: saia branca que se põe 
debaixo do vestido. 
Brenhas: mata brava, fechada. 
Campeador: cavalo usado para 
andar pelos campos em busca de 
gado. 
Cingir: rodear.
Nesga: pequena porção de 
espaço.
Restinga: terreno arenoso 
e salino, coberto de plantas 
herbáceas.
Voragem: redemoinho.
Gibão: casaco de couro usado por 
vaqueiros.
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Em Inocência, o espaço regional destacado é o do interior do Mato Gros-
so e sua apresentação sugere uma retomada rom nti a do locus amoenus 
da tradição clássica: local harmonioso, pacífico, ideal. A diferença, aqui, é 
que esse espaço é o do sertão. Sua idealização, porém, é absoluta, como 
se pode observar no trecho abaixo.
Além de realizar verdadeiras “pinturas” do espaço em que se passa a 
ação, as personagens do livro também são muito bem construídas, merecen-
do destaque o trabalho com a linguagem, que dá vida ao texto do romance. 
Observe o diálogo entre Pereira e a escrava Maria Conga. 
[...] Ali começa o sertão chamado bruto.
Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em 
ruínas, nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhantecontra a frialdade das noites, contra o temporal que ameaça, ou 
a chuva que está caindo. Por toda a parte, a calma da campina 
não arroteada; por toda a parte, a vegetação virgem, como 
quando aí surgiu pela vez primeira.
A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se 
à maneira de alvejante faixa, aberta que é na areia, elemento 
dominante na composição de todo aquele solo, fertilizado 
aliás por um sem-número de límpidos e borbulhantes regatos, 
ribeirões e rios, cujos contingentes são outros tantos tributários 
do claro e fundo Paraná ou, na contravertente, do correntoso 
Paraguai. [...]
TAUNAY, Visconde de. Inocência. 29. ed. 
São Paulo: Ática, 2001. p. 11-12. (Fragmento). 
[...] — Olá, Maria Conga, perguntou Pereira, que há de novo 
por cá?
— A bênção, meu senhor, pediu a escrava chegando-se com 
alguma lentidão.
— Deus te faça santa, respondeu o mineiro. Como vai a me-
nina Nocência?
— Nhá está com sezão.
— Isto sei eu, rapariga de Cristo; mas como passou ela de 
transantontem para cá?
— Todo o dia, vindo a hora, nhá bate o queixo, nhor-sim.
— Está bem... É que o mal ainda não abrandou... Daqui a pouco 
veremos. E a janta?... Está pronta? Venho varado de fome. [...]
TAUNAY, Visconde de. Inocência. 29. ed. 
São Paulo: Ática, 2001. p. 30. (Fragmento). 
Na fala da escrava, vemos as formas de tratamento utilizadas para fazer 
referência aos patrões (Nhá, Nhor). Esse uso de termos característicos da 
fala é uma interessante inovação que ajuda a caracterizar as personagens 
apresentadas. 
A estrutura da obra é outro aspecto cuidado pelo autor. Taunay domina 
com excelência a técnica do corte, o que estimula a curiosidade do leitor e 
faz com que permaneça preso ao livro, desejando saber como se resolvem 
as situações de suspense apresentadas nos finais de capítulos.
Arroteada: trabalhada para a 
agricultura.
Tributário: afluente.
 TAUNAY, A. Sem título. 1827. 
Aquarela, 31,6 3 41,7 cm.
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