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idealização rom nti a mani esta se na apresentação do a ueiro anuel Canho. Depois de enumerar suas características físicas, o narrador afirma: “Essa alma devia ter o arrojo e a velocidade do voo do gavião”. Chama a atenção também a grande quantidade de termos específi- cos, conhecidos por quem vive no Sul do país ou tem familiaridade com os costumes dos vaqueiros. Tanto isso é verdade, que o narrador alude a esse fato (“Pelo traje se reconhecia o gaúcho” ou “Quem não conhecesse os costumes da província...”), o que contribui para reforçar a intenção de Alencar de caracterizar aspectos típicos daquela região. O desmaio Em uma cena digna de uma novela de cavalaria, Arnaldo arrisca sua vida para salvar Dona Flor de morrer em um incêndio. [...] O incêndio, causado por alguma queimada imprudente, propagava-se com fulminante rapidez pelas árvores mirradas que não passavam então de uma extensa mata de lenha. [...] Do meio desse torvelinho, o dragão de fogo se arremessava desfraldando as duas asas flamantes, cujo bafo abrasado já crestava as faces mimosas de Dona Flor, e a revestiam de reflexos purpúreos. Entre as duas torrentes ígneas que transbordavam inundando o campo e não tardavam soçobrá-la, a donzela não desanimou, e fez um supremo esforço para arrancar seu cavalo do estupor que lhe causava o terror do incêndio. Negros rolos de fumo, porém, a envolveram, e sufocada pelo vapor ela sentiu desfalecer-lhe a vida. [...] O corpo desmaiado resvalou pelo flanco do baio, mas não chegou a cair. Um braço robusto o suspendeu quando já a fralda do roupão de montar ar- rastava pelo chão. Apenas o sertanejo conheceu o perigo em que se achava a donzela, rompeu- -lhe do seio um grito selvagem, o mesmo grito que fazia estremecer o touro nas brenhas, e que dava asas ao seu bravo campeador. No mesmo instante achava-se perto da moça, a quem tomara nos braços. Para salvá-la era preciso voltar antes de fechar-se o círculo de fogo, que já o cingia por todos os lados com exceção da estreita nesga de terra por onde acabava de passar. [...] As duas trombas de fogo, que desfilavam pelo campo fora, se haviam en- contrado, não frente a frente, mas entrelaçando-se, de modo que deixavam ainda, de espaço em espaço, restingas de mato poupadas pelas chamas. Arrojou-se o mancebo intrepidamente nessa voragem. Estreitando com o braço direito o corpo da donzela cujo busto envolvera em seu gibão de couro, com um leve aceno da mão esquerda suspendia pelas rédeas o bravo campeador que, de salto em salto, transpôs aquelas torrentes de fogo, como tantas vezes sobrepujara rios caudalosos, abarrotados pelas chuvas do inverno. [...] O texto a seguir refere-se às questões de 1 a 4. Tome nota Arnaldo Loredo e Manuel Canho representam o típico herói masculino criado por Alencar. São jovens, belos, fortes, apaixonados e vivem livres, per- feitamente integrados à natureza que os cerca. De olho na TV Cena da minissérie A casa das sete mulheres, de Jayme Monjardim. Brasil, 2003. Uma guerra nos pampas A casa das sete mulhe- res, de Jayme Monjardim e Marcos Schechtman. Brasil, 2003. Dirigida por Jayme Mon- jardim e baseada no roman- ce de Letícia Wierzchowski, A casa das sete mulheres retrata a Revolução Farrou- pilha. A narrativa é centrada na visão das mulheres da família do líder dos farrapos, que são testemunhas e pro- tagonistas da luta travada no Rio Grande do Sul. TEXTO PARA ANÁLISE Heroísmo no sertão Em O sertanejo, o sertão nordestino é apresentado como o cenário de uma his- tória de amor, heroísmo e bravura, protagonizada por um herói regional. Nessa obra, José de Alencar narra as aventuras de Arnaldo, um corajoso vaqueiro cearense. A serviço do capitão-mor Gonçalo Campelo, o rapaz enfrenta os maiores perigos para conquistar o carinho de Dona Flor, filha do fazendeiro, já prometida a outro. No dia do casamento da moça com seu primo Leandro, a fazenda de Campelo é invadida pelos seus inimigos e o noivo mor- re. Arnaldo, sempre solícito e incapaz de ultrapassar a barreira social que o separa de sua amada, procura con- solar Dona Flor pela morte de seu pretendente. 369 C ap ít u lo 1 8 • r om an e re gi on al is ta t ea tr o ro m nt i o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap18_C.indd 369 20/10/10 2:53:18 PM 1. Arnaldo é o herói regional desse romance: um bravo vaqueiro cea- rense. Que elementos do trecho mostram esse heroísmo? 2. Quais elementos regionais estão presentes na caracterização de Ar- naldo e na apresentação do cenário? Que traços da caracterização de Arnaldo permitem compará-lo aos ff cavaleiros medievais? 3. Que imagens são empregadas para indicar a força do incêndio que ameaça a vida de Dona Flor? De que modo essa descrição contribui para reforçar a bravura de ff Arnaldo ao salvar Dona Flor? 4. Nos dois últimos parágrafos do texto, uma outra imagem de Arnal- do se apresenta: ele não age mais como o destemido vaqueiro. Que caracterização é feita do herói nesses parágrafos? Arnaldo ama Dona Flor, filha de seu patrão. Que tipo de amor o rapaz ff nutre pela jovem? Explique. Visconde de Taunay e o patriarcado do interior No sertão do Mato Grosso, em meio a um cenário de rara beleza, Taunay nos apresenta talvez o mais bem escrito romance regionalista brasileiro. Para rodear a coluna de fogo que lhe cortava o caminho da fazenda, teve o sertanejo de dar grande volta, que o levou aos fundos da habitação, completa- mente deserta nesse momento [...] Saltou o mancebo em terra sem esperar auxílio, e atravessando a varanda deitou o corpo desfalecido de D. Flor no longo canapé de couro adamascado, que ornava a sala principal. Compôs rapidamente, mas com extrema delicadeza, as amplas dobras da saia de montar, para que não ofendessem o casto recato da donzela, descobrindo- -lhe a ponta do pé, nem desconcertassem a graciosa postura dessa linda imagem adormecida. Com os olhos enlevados na contemplação da formosa dama, agitava como leque a aba do seu chapéu de couro, refrescando-lhe o rosto. [...] ALENCAR, José de. O sertanejo. 13. ed. São Paulo: Ediouro, s.d. p. 14-15. (Fragmento). TAUNAY, N. Habitantes do interior das terras do Brasil. 1817. Aquarela, 20,2 3 26,4 cm. Torvelinho: redemoinho. Flamantes: com a cor da brasa, avermelhados. Crestava: queimava de leve; tostava. Purpúreos: de cor avermelhada. Ígneas: relativo a fogo. Soçobrar: perder a coragem, desanimar. Flanco: lado. Baio: cavalo de cor castanha. Fralda: saia branca que se põe debaixo do vestido. Brenhas: mata brava, fechada. Campeador: cavalo usado para andar pelos campos em busca de gado. Cingir: rodear. Nesga: pequena porção de espaço. Restinga: terreno arenoso e salino, coberto de plantas herbáceas. Voragem: redemoinho. Gibão: casaco de couro usado por vaqueiros. 370 U n id ad e 4 • R om an ti sm o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap18_C.indd 370 20/10/10 2:53:19 PM Em Inocência, o espaço regional destacado é o do interior do Mato Gros- so e sua apresentação sugere uma retomada rom nti a do locus amoenus da tradição clássica: local harmonioso, pacífico, ideal. A diferença, aqui, é que esse espaço é o do sertão. Sua idealização, porém, é absoluta, como se pode observar no trecho abaixo. Além de realizar verdadeiras “pinturas” do espaço em que se passa a ação, as personagens do livro também são muito bem construídas, merecen- do destaque o trabalho com a linguagem, que dá vida ao texto do romance. Observe o diálogo entre Pereira e a escrava Maria Conga. [...] Ali começa o sertão chamado bruto. Pousos sucedem a pousos, e nenhum teto habitado ou em ruínas, nenhuma palhoça ou tapera dá abrigo ao caminhantecontra a frialdade das noites, contra o temporal que ameaça, ou a chuva que está caindo. Por toda a parte, a calma da campina não arroteada; por toda a parte, a vegetação virgem, como quando aí surgiu pela vez primeira. A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se à maneira de alvejante faixa, aberta que é na areia, elemento dominante na composição de todo aquele solo, fertilizado aliás por um sem-número de límpidos e borbulhantes regatos, ribeirões e rios, cujos contingentes são outros tantos tributários do claro e fundo Paraná ou, na contravertente, do correntoso Paraguai. [...] TAUNAY, Visconde de. Inocência. 29. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 11-12. (Fragmento). [...] — Olá, Maria Conga, perguntou Pereira, que há de novo por cá? — A bênção, meu senhor, pediu a escrava chegando-se com alguma lentidão. — Deus te faça santa, respondeu o mineiro. Como vai a me- nina Nocência? — Nhá está com sezão. — Isto sei eu, rapariga de Cristo; mas como passou ela de transantontem para cá? — Todo o dia, vindo a hora, nhá bate o queixo, nhor-sim. — Está bem... É que o mal ainda não abrandou... Daqui a pouco veremos. E a janta?... Está pronta? Venho varado de fome. [...] TAUNAY, Visconde de. Inocência. 29. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 30. (Fragmento). Na fala da escrava, vemos as formas de tratamento utilizadas para fazer referência aos patrões (Nhá, Nhor). Esse uso de termos característicos da fala é uma interessante inovação que ajuda a caracterizar as personagens apresentadas. A estrutura da obra é outro aspecto cuidado pelo autor. Taunay domina com excelência a técnica do corte, o que estimula a curiosidade do leitor e faz com que permaneça preso ao livro, desejando saber como se resolvem as situações de suspense apresentadas nos finais de capítulos. Arroteada: trabalhada para a agricultura. Tributário: afluente. TAUNAY, A. Sem título. 1827. Aquarela, 31,6 3 41,7 cm. 371 C ap ít u lo 1 8 • r om an e re gi on al is ta t ea tr o ro m nt i o R ep ro du çã o pr oi bi da . A rt . 1 84 d o C ód ig o P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . I_plus_literatura_cap18_C.indd 371 20/10/10 2:53:21 PM
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